A Base: Um Guru Qualificado e uma Vida Humana Preciosa

Tsongkhapa, o Autor do Texto

Todos vocês se interessam bastante pelo dharma e intencionam seguir os ensinamentos. Vocês me convidaram para dar-lhes ensinamentos e estou muito feliz em estar aqui. Fui convidado para ensinar um texto chamado A Base para as Boas Qualidades (Yon-tan gzhi-gyur-ma) do grande mestre tibetano, Tsongkhapa (Tsongkha-pa Blo-bzang grags-pa).

A Base para as Boas Qualidades não é um texto muito longo; é um texto com poucas palavras. Mas, o que está contido nessas poucas palavras é muito extenso. Esse texto, em particular, está incluído em pujas como o Jorcho (sByor-chos) - O Puja Preliminar, às vezes chamado de O Puja do Lam-rim. No Puja Preliminar, A Base para as Boas Qualidades constitui a seção de solicitações. É um texto que aborda todos os pontos abordados nos grandes clássicos e é organizado em termos de como se pratica. Mais especificamente, é organizado de acordo com as etapas ou práticas dos indivíduos de níveis inicial, intermediário e avançado de motivação, conforme especificado em Uma Lâmpada no Caminho da Iluminação, o Bodhipathapradipa (Byang-chub lam-sgron), do supremo mestre Atisha, o maior de todos os pandits eruditos da Índia.

Os ensinamentos e instruções pessoais encontradas em nosso texto derivam da linhagem dos grandes pioneiros da Índia, Nagarjuna e Asanga. Estes dois eram como o sol e a lua, e se destacavam entre todos os vários mestres eruditos da Índia. Nagarjuna derivou suas instruções do sempre-vigilante Manjushri, enquanto Asanga derivou as dele de Maitreya. As linhagens originadas nesses dois mestres são chamadas, respectivamente, de “a linhagem da visão profunda” e “a linhagem do comportamento vasto”. O quarto buda do nosso tempo, porém, o professor universal, o Buda Shakyamuni, é a origem suprema de ambas as linhas.

O Buda Shakyamuni girou a roda do dharma três vezes. Nesses três ciclos de transmissão, ele ensinou sobre os vários caminhos para amadurecer as mentes dos seres limitados (os seres sencientes). O Buda tinha muitos discípulos, entre os quais estavam seus cinco discípulos originais, os ouvintes dos ensinamentos (shravakas), os auto-desenvolvidos (pratyekabuddhas) e os seres dedicados (bodhisatvas). Muitos de seus seguidores alcançaram o estado de um ser liberado (um arhat).

Pema Nangsu-chen, um dos discípulos do Buda, ofereceu a ele um rosário de cristal com o coração sinceramente dedicado de bodhichitta, e fez fervorosas orações para que os ensinamentos do Buda se espalhassem por toda parte. Depois disso, o Buda previu que essa pessoa, que ofereceu o rosário de cristal, renasceria numa terra setentrional chamada "Tibete” e propagaria seus ensinamentos por toda parte. Além disso, ele coroaria uma estátua do Buda no Tibete e faria extensas ofertas.

Em outra ocasião, quando o Buda Shakyamuni estava em retiro de verão, o menino Luchig o ofereceu uma concha do dharma na assembléia. O Buda entregou a concha a seu discípulo Maudgalyayana (Mo'u 'gal-gyi bu), que tinha grandes poderes de emanação, e disse-lhe para enterrá-la na Terra Setentrional das Neves em um lugar onde um lago e penhascos se encontravam. E disse que, no futuro, uma grande propagação do dharma emanaria daquele lugar.

Seguindo a profecia, o grande Tsongkhapa nasceu na Terra Setentrional das Neves e desenterrou a concha do dharma que havia sido enterrada ali. Ele confiou esse tesouro a um de seus discípulos, Jamyang Chojey (‘Jam-dbyangs Chos-rje), que construiu o grande monastério de Drepung (‘Bras-spungs), onde 7.700 monges eventualmente residiram. Portanto, Tsongkhapa veio para propagar os ensinamentos no Tibete.

Também de acordo com a profecia, Tsongkhapa estudou amplamente os caminhos do sutra e do tantra. E alcançou perfeita maestria em estudar e ouvir os ensinamentos. Tsongkhapa não só ouviu os ensinamentos do dharma, como também pensou neles e meditou sobre eles, transformando-os em hábitos mentais positivos. Desta forma, ele alcançou total domínio do processo de ouvir os ensinamentos, pensar ou ponderar sobre eles e depois meditar. Com isso, ele foi capaz de amadurecer o contínuo mental de inúmeros discípulos e realizar muitas ações iluminadas.

De todos os atos iluminados de seu corpo, fala e mente, Tsongkhapa desenvolveu o supremo domínio sobre as boas qualidades da fala iluminada. Seus ensinamentos foram reunidos nos muitos volumes de suas obras, cobrindo todos os principais tópicos dos grandes clássicos budistas indianos. Sua obra são os principais textos que estudamos atualmente. Esses ensinamentos são extremamente claros, extensos e dignos de serem considerados textos oficiais. Para nós eles são como uma estrada extremamente fácil de viajar.

Dentre esses trabalhos, temos um texto com pouquíssimas palavras, mas cujo o tópico é extremamente vasto. Esse texto chama-se A Base para as Boas Qualidades, e é o que vamos estudar aqui hoje.

Motivação

Para estudarmos adequadamente esse texto, nossa motivação precisa ser das mais excelentes. Se escutarmos e estudarmos esses ensinamentos simplesmente porque achamos que há algo de exótico neles ou por curiosidade intelectual, essa será uma motivação muito pequena, muito trivial. Se ouvirmos esses ensinamentos só para poder melhorar as coisas nesta vida, para fazer com que tudo corra bem, esse também é um pensamento muito pequeno.

Podemos estar preocupados com nossas vidas futuras e com a possibilidade de cair em um dos estados piores de renascimento. Podemos pensar em todos os sofrimentos e problemas que podem acontecer nesses renascimentos, e ficarmos mais conscientes da morte e da impermanência. Quando consideramos a possibilidade de termos um renascimento pior, buscamos ouvir os ensinamentos para evitar isso e melhorar nossas vidas futuras. Mas ter esse tipo de preocupação como motivação também não é grande coisa.

Se pensarmos em todos os renascimentos incontrolavelmente recorrentes do samsara, o mais elevado deles é o renascimento como um deus. Poderíamos renascer como o deus Indra, por exemplo. No entanto, mesmo que renascêssemos como Indra, não teríamos outra coisa senão problemas e sofrimento. Com isso em mente, podemos desenvolver o estado mental em que desejamos nos livrar de todos as situações incontrolavelmente recorrentes do samsara. Mas ter isso como motivação também não é grande coisa.

Não há ninguém que seja mais bondoso conosco do que os outros seres, outros seres sencientes. Assim como queremos ser felizes e não queremos nenhum problema ou sofrimento, todos demais seres também querem exatamente a mesma coisa. Além disso, se pensarmos bem, veremos que, de uma maneira ou de outra, todo mundo é bondoso conosco. Portanto, é apropriado nos preocuparmos com todos esses seres bondosos. Poderíamos pensar em tentar trazer-lhes todo tipo de felicidade e aliviar todos os seus problemas e sofrimentos. Se nos perguntarmos se temos a capacidade de fazer isso e a resposta for “não”, então poderíamos perguntar: quem tem? Apenas um buda plenamente iluminado, alguém totalmente iluminado e totalmente evoluído. O que precisamos fazer, portanto, é tentar alcançar o estado de um buda plenamente iluminado, para que possamos beneficiar todos os seres, tanto quanto possível. É com essa motivação mais elevada que precisamos ouvir esses ensinamentos. Precisamos desenvolver o coração totalmente dedicado de bodhichitta como nossa motivação, e, com essa motivação, ouvir os ensinamentos.

A Grandiosidade da Origem dos Ensinamentos

A melhor maneira de ouvir os ensinamentos do dharma envolve vários passos. O primeiro é apreciar a grandeza da origem dos ensinamentos. Já falamos disso hoje. A origem dos ensinamentos é o Buda Shakyamuni. O Buda Shakyamuni dedicou seu coração totalmente aos outros e a atingir a iluminação - em outras palavras, ele desenvolveu um ideal de bodhichitta. Ele então gerou uma vasta e abundante reserva de potencial positivo (uma coleção de méritos). No final, ele se tornou totalmente iluminado e realizou muitas ações iluminados. Sua linhagem continuou com Manjushri e Maitreya, e depois com Nagarjuna e Asanga, e por fim Atisha, até chegar ao grande Tsongkhapa. Esses são os professores da linhagem dos estágios graduais dos caminhos mentais (lam-rim), e cada um deles tem uma biografia inspiradora. É bom estudar essas biografias. Talvez elas já tenham sido traduzidas para o inglês, se não, podem ser traduzidas. Se eu fosse entrar em detalhes sobre isso, ia demorar muito tempo e seria difícil de terminar.

A principal fonte desses ensinamentos são As Três Coleções ou Três Cestas de Ensinamentos (O Tripitaka), e, dentro da Coleção de Sutras, Os Sutras de Prajnaparamita - Os Sutras da Consciência Discriminadora de Amplo Alcance (Os Sutras da Perfeição da Sabedoria). Esses sutras falam diretamente sobre a vacuidade (vazio) ou a realidade, e indiretamente sobre os vários estágios de sua realização. Este tema foi elaborado nos textos de Maitreya e Asanga. O Abhisamayalamkara (mNgon-rtogs rgyan), Uma Filigrana de Realizações, e discute especificamente essas etapas, tendo como base os vários pontos dos sutras e dos shastras (os textos indianos que explicam os sutras). Mais tarde, o grande Tsongkhapa escreveu vários comentários e textos que elaboram e condensam os pontos principais.

Portanto, as principais fontes para os ensinamentos deste texto, A Base para as Boas Qualidades, são os vários textos que acabei de mencionar. Tsongkhapa escreveu dois textos mais abrangentes contendo as instruções referentes aos estágios graduais do caminho: Lam-rim chen-mo (A Grande Apresentação dos Estágios Graduais do Caminho) e Lam-rim chung-wa (Uma Apresentação Menor dos Estágios Graduais do Caminho). A Base para as Boas Qualidades incorpora todos os principais pontos que Tsongkhapa destacou em sua grande e pequena apresentação dos estágios graduais da mente, e os organiza de uma maneira fácil de compreender e praticar.

Evitando os Obstáculos à Prática Deste Texto

Para praticar com sucesso os ensinamentos deste texto, precisamos nos livrar de várias atitudes que são obstáculos. Por exemplo, pensar que alguns ensinamentos do Buda são bons e outros ruins. Ao fazer isso, geramos muitos potenciais negativos no que diz respeito aos ensinamentos do Buda, e isso nos impedirá de ter sucesso. Algumas pessoas desdenham do Veículo Mental Modesto (Hinayana) e outras dizem que os ensinamentos do Veículo Modesto são bons, enquanto os ensinamentos do Veículo Vasto (Mahayana) não são as palavras do Buda. Em ambos os casos, se está depreciando os ensinamentos. Há também pessoas que, apesar de aceitarem os ensinamentos do Veículo Vasto, dizem que os ensinamentos do tantra também não são as palavras do Buda. Assim, elas depreciam esses ensinamentos, e acaba com qualquer possibilidade de terem sucesso.

Precisamos ter em mente os pontos mais importantes dos ensinamentos do Veículo Modesto. Por exemplo, o Veículo Modesto inclui os vários ensinamentos sobre a impermanência e as quatro aplicações da atenção plena (mindfulness) - maneiras de aplicar nossa atenção a quatro tipos diferentes de objetos. Esses são pontos extremamente importantes que todos nós precisamos compreender e colocar em prática.

Algumas pessoas olham para os ensinamentos do Veículo Vasto focando nas instruções relativas ao comportamento e às ações dos bodhisattvas. E olham para os ensinamentos do Veículo Modesto focando no treinamento das regras de autodisciplina ética do Vinaya. Porém, elas acabam desdenhando um ou outro Veículo, pensando que os dois conjuntos de ensinamentos não se encaixam harmoniosamente. Tal atitude preconceituosa também arruína qualquer possibilidade de sucesso.

Precisamos perceber que todos os pontos dos ensinamentos do Buda precisam ser colocados em prática, e na ordem correta. Quando os seguimos de forma gradual, fica mais fácil obter realizações. Isso acontece porque as realizações ocorrem na ordem apropriada. Seguindo assim os ensinamentos, conseguimos fazer pleno uso dessa base de trabalho que é a nossa vida humana preciosa com todo as liberdades e oportunidades que temos para praticar o dharma e alcançar um estado iluminado.

O Compromisso Sincero com um Mestre Espiritual

Para conseguirmos seguir esse caminho gradual, precisamos conhecer suas raízes e como ele se sustenta. Ele se sustenta através das instruções dos mestres espirituais amáveis e perfeitos que sabem tudo sobre os caminhos mentais, que não comentem qualquer engano. O mentor e amigo espiritual é aquele em quem podemos confiar para alcançar todas as boas qualidades. Na verdade, nosso sucesso depende totalmente dessa pessoa.

Porém, apenas o fato do mestre espiritual ser um buda, uma pessoa totalmente iluminada, não é o suficiente para nos ajudar. O que nos ajuda, em termos de nossa prática como discípulo, é sermos capazes de reconhecer que nosso mestre espiritual é um ser iluminado. Esse é o estágio de reconhecer que nosso mestre espiritual é um buda. Uma vez que essa capacidade é básica para termos sucesso no caminho, é extremamente importante investigar cuidadosamente o mestre espiritual antes de se confiar e se comprometer com ele.

Fazer essa investigação e análise não é como fazer um exame médico em um hospital ocidental. Não é um exame físico. O que estamos examinando é se essa pessoa tem ou não os três treinamentos mais elevados: na autodisciplina ética, na concentração absorvida e na consciência discriminativa (sabedoria). Será que essa pessoa tem um coração bondoso? Será que essa pessoa tem grande sabedoria e discriminação? É isso que precisamos investigar. Se ela possuir tais qualidades, então podemos nos confiar e nos comprometer de todo coração com ela.

Esse tipo de investigação não fazemos depois de nos comprometermos com um mestre espiritual. Precisamos investigar antes. Se não formos cuidadosos, se nos comprometemos e depois nos distanciarmos desse compromisso, se perdermos a confiança, as consequências poderão ser desastrosas para nós. Se durante esta vida tivermos cometido um ato extremamente destrutivo, um dos crimes hediondos, por exemplo, mas se o admitirmos abertamente e com sinceridade, e aplicarmos todas as forças opositoras apropriadas, é possível purificarmos esse potencial negativo e atingirmos a iluminação ainda nesta vida. Porém se nos comprometermos de todo o coração com um mestre espiritual, e depois desistirmos do nosso compromisso, desistirmos desse relacionamento e perdermos toda a confiança, há o perigo de não sermos capazes de nos iluminar nesta vida.

Mas como criamos o compromisso com o professor espiritual? Através dos nossos pensamentos e de nossas ações. Nos comprometemos por meio dos nossos pensamentos desenvolvendo a chamada “raiz” do compromisso, ou seja, acreditar que um fato é verdadeiro. Existem três maneiras diferentes de acreditar que um fato é verdadeiro: acreditar com lucidez, acreditar com uma aspiração e acreditar com base na razão. Independentemente de como acreditamos, precisamos desenvolver uma crença respeitosa e confiança no fato de que nosso mestre espiritual definitivamente é um buda totalmente iluminado.

Vários benefícios podem advir de assumirmos um compromisso tão sincero com base em nossos pensamentos, mas também muitos problemas podem resultar de rompermos esse compromisso. Esses são tópicos muito extensos e muito detalhados para eu abordar aqui. Mas vocês têm seus professores, com quem podem estudar essas coisas. Vocês precisam estudar com cuidado, pois são questões extremamente importantes.

Quanto ao modo como nos comprometemos através de nossas ações, embora existam muitas maneiras, a principal é seguindo os ensinamentos e instruções exatamente como o nosso mestre espiritual nos diz para fazer. Dentro desse contexto, o principal é manter a estrita autodisciplina ética de evitar todas as dez ações destrutivas (ações não-virtuosas) e nos comportarmos adequadamente. Essa é a melhor maneira de nos comprometermos de todo o coração com nosso mestre espiritual por meio de nossas ações.

Voltando a como nos comprometemos através de nossos pensamentos, nós não só precisamos desenvolver, como base, a crença na realidade dos fatos, como também precisamos desenvolver um grande respeito pela nossa ou nosso mestre espiritual, nos mantendo sempre conscientes de sua bondade. Por isso, é muito importante nos lembrarmos de sua bondade.

Conforme explicado, o Buda Shakyamuni, através de suas inimagináveis e grandiosas ações iluminadas, foi capaz de amadurecer o contínuo mental de numerosos discípulos. Mas nós não nascemos naquela época, e por isso não conseguimos nos encontrar com essa suprema emanação, o Buda Shakyamuni. E mesmo se um ser iluminado aparecesse hoje com todas as trinta e duas características físicas maiores e oitenta menores, talvez não tenhamos gerado o potencial positivo ou o carma necessário para encontrar com esse ser. O que temos, no entanto, é a capacidade de nos encontrar com mestres espirituais que podem nos ensinar de uma maneira adequada à nossa capacidade e necessidade. Portanto, mesmo em uma situação tão patética quanto a nossa, nosso mestre espiritual é extremamente bondoso por nos ensinar.

Como todos queremos ser felizes e não sofrer ou ter problemas, precisamos gerar as causas que resultarão nessa felicidade. Nosso mestre espiritual é aquele ou aquela que indica gradualmente as várias medidas preventivas que devemos tomar, o que nos permitirá alcançar essa felicidade. Ele ou ela nos ensina vários métodos para que não tenhamos que passar por dificuldades muito grandes. Se colocarmos todos esses métodos em prática, poderemos finalmente obter experiências e realizações meditativas verdadeiras. Assim, poderemos nos encontrar com um buda, receber ensinamentos dele e praticar adequadamente. Isso acontece quando já alcançamos um nível bastante alto de realização. Mas agora, neste momento, nesta situação patética em que estamos, podemos contar com as manifestações dos budas como mestres espirituais, que são formas com as quais conseguimos nos relacionar.

Então, se perguntarmos qual é o verdadeiro motivo pelo qual precisamos reconhecer que nosso mestre espiritual é de fato um buda totalmente iluminado e se perguntamos por que precisamos nos comprometer totalmente por meio de nossas ações e pensamentos, é por isto: precisamos alcançar o estado de iluminação com aquilo que esta pessoa está nos ensinando. O mestre espiritual nos ensina todos os caminhos graduais da mente e as práticas que nos levarão a um estado de iluminação, e isso é a atividade iluminada de um buda. Portanto, o nosso mestre espiritual é um buda do ponto de vista de que suas ações são as ações iluminadas de um buda. Essa é a grande bondade que nosso mestre espiritual demonstra e que precisamos sempre lembrar e apreciar.

Fala-se muito sobre guru-yoga, que são práticas para nos integrarmos com o mestre espiritual. São práticas muito importantes, encontradas em todas as quatro tradições do budismo tibetano. Não há contradição entre essas tradições; todas elas concordam que devemos ter um compromisso sincero e saudável com o mestre espiritual.

Então vamos ao primeiro verso do texto:

(1) A confiança (saudável) em um mestre espiritual bondoso, a base para todas as boas qualidades, é a raiz do caminho. Sabendo disso, peço inspiração para que nele confie com grande estima, em muitas iniciativas.

Este verso cobre a questão do compromisso sincero com o mestre espiritual, ou seja, a chamada “devoção ao guru”. Isso é importante no início, no meio e no fim do caminho. No início, é o que há de mais essencial, é o ponto de partida para a nossa prática. Durante o curso de nossa prática, a devoção ao guru é a base para conseguimos obter todas as boas qualidades. E no final do caminho, também dependemos de nosso comprometimento sincero com o mestre espiritual para concluirmos todos os caminhos mentais. Assim, um compromisso saudável e adequado é essencial durante todo o processo de iluminação.

No que diz respeito às coisas mundanas, o que quer que desejemos fazer, precisamos de alguém qualificado para nos mostrar como fazer. E para alcançar um estado que está além das coisas mundanas perecíveis, é ainda mais necessário ter um mestre, um mestre espiritual - um mentor e amigo espiritual qualificado para nos mostrar o caminho. Assim, é importante confiar e comprometer-se sinceramente com essa pessoa e não quebrar esse compromisso ou voltar atrás. Portanto, esta primeira estrofe do texto discute um tópico extremamente crucial e importante, que é determinante para o nosso sucesso na prática.

A Base de Trabalho: Uma Vida Humana Preciosa

Precisamos ter um comprometimento saudável e sincero como base para seguir os caminhos mentais. Depois, o próximo ponto é apreciar a excelente base de trabalho que possuímos – uma vida humana preciosa totalmente provida de liberdades e oportunidades para praticar o dharma – e como é difícil obtermos isso. O próximo verso fala justamente disso:

(2) Esse excelente material de trabalho, que permite liberdades temporárias, e que encontramos apenas uma vez, é difícil de ser obtido. Convicto de sua grande importância, peço inspiração para desenvolver, sem interrupções, uma atitude de aproveitá-lo de todas as formas, dia e noite.

A população humana é muito grande, e existem muitos tipos diferentes de pessoas. O material de trabalho que temos, como seres humanos dotados de todas as liberdades e oportunidades, é ainda melhor do que apenas uma vida humana normal. De fato, ter um corpo humano não é algo que esteja sob nosso controle. Na hora da morte, perderemos esse corpo e não há como dizer onde ou com que tipo de corpo renasceremos. Portanto, em geral, é muito difícil obter qualquer tipo de corpo humano.

Se perguntarmos por que é tão difícil obter um corpo humano, o motivo é que temos que gerar as causas para tal renascimento. A principal causa é ter gerado uma quantidade abundante de potencial positivo, de ter seguido uma ética rigorosa. Se olharmos à nossa volta para todos as pessoas que estão envolvidas em coisas construtivas e positivas, e todas as que estão envolvidas em coisas negativas e destrutivas, podemos facilmente ver qual lado tem mais pessoas. Além disso, se pudéssemos voar ao redor do mundo veríamos que a maior parte da Terra é constituída de oceanos, isso é óbvio. Esses oceanos estão cheios de vários tipos de vida, mas nenhuma tem um corpo humano. E se olharmos para os vários países e para as pessoas nesses países, e procurarmos por aqueles que se interessam em beneficiar suas vidas futuras, veremos que essas pessoas são extremamente raras. Isso é algo que todos podemos ver; é bastante óbvio. Tome este país como um exemplo. Há pouquíssimas pessoas neste país que estão sinceramente interessadas em beneficiar suas vidas futuras e em fazer uma prática espiritual de tomar as medidas preventivas do dharma a fim de ter futuros renascimentos humanos. Isso podemos ver claramente.

Portanto, renascer como um ser humano que se interessa por assuntos espirituais e melhores vidas futuras é algo extremamente raro, e difícil de se encontrar. O fato de termos renascido como seres humanos plenamente dotados (de liberdades e oportunidades), portanto, é algo muito precioso e raro e muito difícil de se conseguir. Devemos ficar muito felizes com isso.

A razão para se ficar feliz com um renascimento humano tão precioso é que isso é extremamente importante: podemos fazer muitas coisas com isso. Há os que utilizam sua vida humana para tentar obter muita riqueza, muitos bens materiais e dinheiro nesta vida. Passar a vida dessa maneira não pode ser considerado um uso muito importante das oportunidades que temos. Se usarmos toda a nossa energia apenas buscando coisas para comer e suprir nossas necessidades materiais, não seremos muito diferentes dos animais. Não seremos melhores do que eles. Mesmo o animal mais insignificante, como um ratinho, é capaz de encontrar comida para si.

Podemos realizar coisas mais significativas com nosso renascimento humano precioso. Podemos tomar as várias medidas preventivas do dharma que nos permitirão não cair em nenhum dos estados piores de renascimento em nossas vidas futuras. Isso é algo que realmente podemos fazer; é um uso que podemos fazer dessa base de trabalho que é o renascimento humano precioso. Além disso, é possível, com base neste precioso corpo humano, nos livrarmos de todos os sofrimentos incontrolavelmente recorrentes. Isso também é algo que podemos realizar com base em nosso renascimento humano precioso. Não só podemos eliminar todos os nossos próprios problemas e sofrimentos como também aliviar os problemas e sofrimentos de todos os demais seres. Podemos alcançar um estado totalmente evoluído, obter a mente clara de um buda iluminado. Isso é algo que também podemos fazer.

O principal é termos em mente que somos capazes de beneficiar todos os seres e alcançar a iluminação, o que nos permitirá ajudar o máximo possível. Neste contexto, precisamos pensar na parte dos ensinamentos que fala sobre o nosso renascimento humano precioso, a morte e a impermanência. Precisamos empregar os vários métodos do dharma para garantir que não renasçamos em um dos piores estados.

Quando vamos pintar um buda, desde o começo temos sua imagem completa em mente. O mesmo acontece com o treinamento no dharma: desde o início temos em mente o objetivo final, que é alcançar o estado de iluminação para poder beneficiar todos os seres. Assim, passamos por todo o treinamento, com consciência.

Temos o dia e a noite à nossa disposição e precisamos usar os dois, colocando todos os nossos esforços em tirar proveito da essência da nossa vida humana preciosa. Qual é a essência da vida? O ponto essencial de estar vivo é que podemos alcançar o estado plenamente iluminado de um buda para poder beneficiar a todos os seres. Este é o ponto mais essencial de estar vivo e ter uma vida humana preciosa. Isso é algo que precisamos ter em mente a todo momento, nunca devemos perder a consciência disso.

Deveríamos nos sentir extremamente felizes por estarmos vivos e termos um corpo humano, com todas as liberdades e oportunidades que nos possibilitam praticar o dharma a fim de alcançar a iluminação. Então, felizes com as oportunidades que temos, precisamos tentar cultivar um coração bondoso. Podemos desenvolver um coração que é dedicado aos outros e a alcançar a iluminação. Podemos colocar todos os nossos esforços em ajudar e beneficiar os outros e nunca prejudicar ninguém.

Resumo

Hoje falamos sobre a base para todos os caminhos mentais, que é comprometer-se de coração com um mestre espiritual. E também falamos da dificuldade de se obter um renascimento humano precioso com todas as suas liberdades e oportunidade de progresso. Eu comecei a explicação com uma breve introdução preliminar, depois fui para o ensinamento principal e por fim fizemos uma dedicação na forma de uma revisão.

Quanto ao que pode ser realizado com essa base humana que temos, há a meta provisórias e a meta final. Como meta provisória ou superficial, é possível renascermos como um ser humano novamente, com grandes oportunidades, ou como um deus. Como meta final, podemos alcançar um estado de libertação ou de iluminação, também com base em nossa vida humana preciosa. Então, tanto do ponto de vista de nossa meta provisória quanto da meta final, ter uma vida humana preciosa é crucial. É importante, então, meditar sobre todos esses pontos, estar sempre consciente deles e apreciá-los como hábitos benéficos da mente.

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