Consciências Primárias e os 51 Fatores Mentais

Mente e Atividade Mental

De acordo com a definição budista, mente é apenas mera claridade (sems) e consciência (gsal-rig-tsam) e refere-se à atividade mental subjetiva de vivenciarmos coisas (myong-ba). Claridade significa dar surgimento à aparência cognitiva das coisas (‘char-ba), uma espécie de holograma mental; consciência significa nos engajarmos cognitivamente com elas, e mera é porque isso acontece sem que haja a presença de um “eu” separado e incólume controlando ou observando a atividade. O “eu” existe, mas meramente como algo imputado sobre a continuidade de momentos, sempre mutantes, de experiência de coisas sempre mutantes.

Formas de Estarmos Conscientes de Algo

As formas de estarmos conscientes de algo (shes-pa) envolvem todos os tipos de atividade mental, que são:

  • Consciência primária (rnam-shes)
  • Fatores mentais (sems-byung, consciência subsidiária).

E os sistemas filosóficos Sautrantika e Chittamatra incluem ainda um terceiro tipo:

  • Consciência reflexiva (rang-rig).

A consciência reflexiva acompanha todos os momentos de cognição conceitual e não conceitual de um objeto, apesar de ela própria permanecer sempre não conceitual. Ela foca e reconhece apenas as outras consciências — a consciência primária e os fatores mentais — e a sua própria validade, e não reconhece os objetos da consciência primária e dos fatores mentais em que foca. Ela planta a abstração não estática (ldan-min ‘du-byed, variável não-concomitante influenciada) de uma impressão mental (bag-chags) da cognição do que conhece, o que depois a permite lembrar dessa cognição (dran-pa, presença mental). A lembrança ocorre por meio da cognição conceitual de um aspecto mental parecido com o do objeto previamente conhecido e da categoria (spyi, universal) que deriva mentalmente do objeto e na qual se encaixam todos os aspectos mentais que se assemelham ao objeto.

De acordo com a tradição Gelug, apenas a subdivisão Yogachara Svatantrika-Madhyamaka do sistema Madhyamaka aceita a consciência reflexiva. A Sautrantika-Svatantrika Madhyamaka e a Prasangika-Madhyamaka rejeitam até mesmo sua existência convencional (tha-snyad-du yod-pa). Mas, segundo as escolas não Gelug, todas as divisões da Madhyamaka aceitam a existência convencional da consciência reflexiva.

Consciência Primária

Todos os sistemas budistas aceitam a existência de pelo menos seis tipos de consciências primárias:

  1. Consciência visual (mig-gi rnam-shes)
  2. Consciência auditiva (rna’i rnam-shes)
  3. Consciência olfativa (sna’i rnam-shes)
  4. Consciência gustativa (lce’i rnam-shes)
  5. Consciência tátil (lus-kyi rnam-shes)
  6. Consciência mental (yid-kyi rnam-shes).

Ao contrário da visão ocidental, que considera a consciência como uma faculdade geral que pode reconhecer todos os objeto sensoriais e mentais, o budismo distingue seis tipos de consciência, uma para cada campo sensorial e uma para o campo mental.

Uma consciência primária reconhece apenas a natureza essencial (ngo-bo) do objeto, ou seja, a categoria fenomenológica a qual ele pertence. Por exemplo, a consciência visual reconhece uma visão como uma mera visão.

A escola Chittamatra adiciona mais dois tipos de consciência primária, o que faz de sua lista um entrelaçamento de oito consciências primárias (rnam-shes tshogs-brgyad):

7. Consciência equivocada (nyon-yid, ing. deluded awareness)

8. Consciência de base alayavijnana (kun-gzhi rnam-shes, consciência fundamental que a tudo engloba, consciência armazém).

Alayavijnana é uma consciência individual, não é universal, e está por trás de todos os momentos de cognição. Ela tem ciência dos mesmos objetos que aparecem para as demais consciências, mas é uma cognição que não define o que aparece (snang-la ma-nges-pa, cognição desatenta) e não percebe com clareza seus objetos. Ela carrega os legados kármicos e as impressões mentais de memórias, ambos abstrações não estáticas imputadas no alayavijnana. A continuidade de uma alayavijnana individual cessa quando se atinge a iluminação.

A consciência equivocada mira no alayavijnana e reconhece seu fator de amadurecimento (rnam-smin-gi cha) como sendo um “eu” falso. Em um nível grosseiro, o reconhece como um “eu” que existe de modo estático, uma entidade monolítica e independente de seus agregados (rtag gcig rang-dbang-can), dos cinco agregados (phung-po, Skt. skandha) que compreendem cada momento de nossa existência: as cinco formas de fenômenos físicos (incluindo o corpo), níveis diferentes de felicidade, a habilidade de distinguir, outras variáveis subjacentes (emoções e assim por diante) e a consciência primária.

Em um nível mais sutil, a consciência equivocada reconhece o fator de amadurecimento do alayavijnana como um “eu” cognoscível de forma substancial e independente, que consegue manter-se por si só (rang-rkya ‘dzin-thub-pa’i rdzas-yod).

De acordo com as escolas não Gelug, todos os sistemas Madhyamaka aceitam a existência convencional da alayavijnana e da consciência equivocada. De acordo com a escola Gelug nenhum dos sistemas Madhyamaka aceitam sequer sua existência convencional.

Discussão Geral Sobre Fatores Mentais

Assim como a consciência primária, os fatores mentais também são meras formas de estarmos cientes de algo. Eles tem consciência de seus objetos de uma forma especial, mas sem inserção (sgro-dogs, adicionando algo que não está lá) ou repúdio (skur-‘debs, negando algo que está lá). Alguns executam funções que ajudam a consciência primária a tomar cognitivamente (‘dzin-pa) seu objeto. Outros adicionam um sabor emocional à tomada do objeto.

Uma rede de fatores mentais acompanha cada momento de consciência primária e cada um compartilha cinco características concomitantes (mtshungs-ldan lnga, cinco coisas em comum) com a consciência primária a que acompanha, como, por exemplo, focar simultaneamente no mesmo objeto.

Consciência Principal

Algumas das formas de se estar consciente de um objeto não se encaixam nas categorias de consciência primária ou fator mental. Os exemplos mais comum são os das consciências principais (gtso-sems). Em uma cognição, a consciência principal é uma consciência composta de uma consciência primária e dos fatores mentais que a acompanham, que é a forma proeminente de se estar consciente de um objeto de cognição. Ela caracteriza o tipo de cognição que está ocorrendo. 

Um exemplo de consciência principal é bodhichitta. Bodhichitta é um composto de consciência mental focada na iluminação do próprio indivíduo e fatores mentais como a intenção de atingir tal iluminação para beneficiar todos os outros seres. De acordo com a apresentação Gelug, os cinco tipos de consciência profunda (ye-shes) – do espelho, equalizadora, individualizadora, realizadora e esfera da realidade (Skt. dharmadhatu) – também são outros exemplos.

Contagem dos Fatores Mentais

Existem muitos sistemas diferentes de abhidharma (chos-mngon-pa, tópicos especiais de conhecimento), cada um com sua contagem e lista de fatores mentais. Frequentemente, quando listam uma mesma consciência, sua definição difere de um sistema para outro.

Por exemplo, o sistema Teravada apresentado em Um Texto Que Tudo Inclui dos Pontos de Tópicos de Conhecimento (Pali: Abhidhammattha-sangaha) de Anuruddha especifica cinquenta e dois fatores mentais. O tratado padrão do Bon sobre esse tópico, encontrado no texto Núcleo Mais Profundo de Tópicos de Conhecimento (mDzod-phug) de Shenrab Miwo (gShen-rab mi-bo), desenterrado como um texto-tesouro (gter-ma, terma) por Shenchen Luga (gShen-chen Klu-dga), lista cinquenta e um fatores.

Em Tesouro de Tópicos Especiais de Conhecimento, Vasubandhu especificou quarenta e seis fatores mentais; já no Tratado dos Cinco Agregados Mentais (Phung-po lnga rab-tu byed-pa, Skt. Panchaskandha-prakarana), listou cinquenta e um. Asanga também apresentou cinquenta e um fatores mentais em sua Antologia de Tópicos Especiais de Conhecimento. Esta lista repete os cinquenta e um itens de Vasubhandu, mas com definições diferentes para muitas das consciências e, em alguns lugares, uma ligeira mudança na ordem.

As escolas Madhyamaka seguem a versão de Asanga. Aqui, apresentaremos seu sistema baseando-nos nas explicações do mestre Gelug do século XVII, Yeshey-gyeltsen, (Kha-chen Ye-shes rgyal-mtshan) em sua obra Indicando Claramente o Modo (de ser) dos Fatores Primários e Mentais (Sems-dang sems-byung-gi tshul gsal-bar bstan-pa). Apontaremos algumas variações básicas, mas apenas na obra de Vasubandhu, Tesouro de Tópicos Especiais de Conhecimento, pois os tibetanos em geral também estudam esse texto.

Asanga listou:

  • Cinco fatores mentais que estão sempre em funcionamento (kun-’gro lnga)
  • Cinco determinantes (yul-nges lnga)
  • Onze emoções construtivas (dge-ba bcu-gcig)
  • Seis aflições mentais fundamentais (rtsa-nyon drug)
  • Vinte emoções perturbadoras auxiliares (nye-nyon nyi-shu)
  • Quatro fatores mentais mutáveis (gzhan-‘gyur bzhi).

Essas listas de fatores mentais não são completas e definitivas. Existem muitos outros fatores além dos cinquenta e um. Muitas das boas qualidades (yon-tan) cultivadas no caminho budista não estão listadas separadamente – por exemplo, generosidade (sbyin-pa), disciplina ética (tshul-khrims), paciência (bzod-pa), amor (byams-pa) e compaixão (snying-rje). As várias listas são compostas apenas de determinadas categorias significativas de fatores mentais.

Os Cinco Fatores Mentais Que Estão Sempre em Funcionamento

Os cinco fatores mentais que estão sempre em funcionamento acompanham todos dos momentos de cognição.

(1) Sentimentos de níveis diferentes de felicidade (tshor-ba, sentimento) é como experimentamos o amadurecimento de nosso karma, o que inclui:

  • Os fatores agregados com os quais nascemos
  • O meio ambiente em que vivemos
  • Os evento que acontecem conosco e são similares a outros que aconteceram no passado
  • Os sentimentos de querer repetir padrões anteriores de comportamento.

Um sentimento de felicidade é aquilo que experimentamos quando um karma positivo amadurece, e um sentimento de infelicidade é o que experimentamos com o amadurecimento de um karma negativo. Felicidade, neutralidade e infelicidade formam um espectro contínuo. Cada um desses sentimentos pode ser físico ou mental. Felicidade é aquele sentimento que, quando acaba, queremos mais. Infelicidade ou sofrimento é o sentimento que, quando surge, queremos que vá embora. Um sentimento neutro é aquele que não se encaixa nas duas categorias acima.

Os sentimentos envolvidos nos vários níveis de felicidade podem ser agradáveis ou desagradáveis (zang-zing). Eles são desagradáveis quando compartilham as cinco características concomitantes com o anseio (sred-pa; sede) por fatores agregados maculados (zag-bcas) da nossa experiência, ou seja, misturados com confusão, e perpetuadores do samsara. Eles não são desagradáveis quando compartilham as cinco características concomitantes com a absorção total de um arya na vacuidade. Apenas os sentimentos não perturbadores de felicidade ou neutralidade acompanham a absorção total de um arya.

(2) A habilidade de distinguir (‘du-shes, reconhecimento) toma uma característica incomum (mtshan-nyid) do objeto que aparece (snang-yul) em uma cognição não conceitual ou o conjunto de características de um objeto que aparece em uma cognição conceitual, e atribui um significado convencional (tha-snyad ‘dogs-pa) a ele. Mas não atribui necessariamente um nome ou rótulo mental ao objeto, nem o compara com objetos previamente reconhecidos. O rotulamento mental de palavras e nomes é um processo conceitual extremamente complexo. Portanto, distinguir é muito diferente de “reconhecer”.

Por exemplo, com a cognição visual não conceitual, conseguimos distinguir formas coloridas no campo sensorial visual como sendo uma forma amarela, por exemplo. Segundo a tradição Gelug, a cognição visual também nos permite distinguir objetos comuns, como uma colher. Nesses casos, a distinção não atribui o nome amarelo ou colher, nem mesmo sabe que a cor é amarela ou que o objeto é uma colher, apenas distingue o objeto como um item convencional. Assim, até um recém-nascido consegue distinguir luz de escuridão e calor de frio. Isso é conhecido como a distinção que toma a particularidade característica de um item (don-la mtshan-mar ‘dzin-pa’i ‘du-shes).

Na cognição conceitual, a distinção atribui um termo ou significado convencional (sgra-don) ao objeto — o objeto que aparece para a cognição, ou seja, uma categoria auditiva (sgra-spyi) ou de significado (don-spyi) — excluindo aquilo que é outra coisa (gzhan-sel), apesar disso não ser um processo de eliminação de possíveis alternativas uma a uma. E as alternativas também não precisam estar presentes para serem excluídas.

Assim, ao atribuir um nome a seu objeto, como “amarelo” ou “colher”, esse fator mental distingue essa categoria de tudo o que não é essa categoria; a categoria “amarelo” não é a categoria “preto”, por exemplo, e a categoria “colher” não é a categoria “garfo”. Isso é conhecido como a distinção que toma a particularidade característica que diz respeito a uma convenção (tha-snyad-la mtshan-mar ‘dzin-pa’i ‘du-shes). A cognição não conceitual não faz esse tipo de distinção.

(3) Um impulso (sems-pa) faz com que a atividade mental olhe para um objeto ou vá em sua direção. Em geral, ele move o continuum mental para tomar cognitivamente um objeto. Um continuum mental é uma sequência eterna e individual de momentos de atividade mental.

O karma mental (yid-kyi las) é o equivalente a um ímpeto mental. Segundo as escolas Sautrantika, Chittamatra, Svatantrika-Madhyamaka, e as escolas Prasangika-Madhyamaka não-Gelug, karmas físicos e verbais também são impulsos mentais.

(4) A consciência de contato (reg-pa) distingue (yongs-su gcod-pa) o objeto de cognição como agradável (yid-du ‘ong-ba), desagradável ou neutro, servindo, portanto, como base para o experimentarmos com um sentimento de felicidade, infelicidade ou um sentimento neutro.

(5) Prestar atenção ou trazer à mente (yid-la byed-pa) engaja (‘jug-pa) a atividade mental com o objeto. O engajamento cognitivo pode ser simplesmente prestar uma certa atenção ao objeto, desde muito pouca atenção a muita atenção. Pode ser também focar no objeto de uma certa forma. Por exemplo, a atenção pode focar o objeto de forma minuciosa, de forma a retomá-lo, de forma ininterrupta, ou mesmo sem esforço.

Alternativamente, ou adicionalmente, a atenção pode considerar o objeto de uma determinada forma. Ela pode considerar seu objeto de forma concordante (tshul-bcas yid-byed; ponderação correta), ou seja, o que ele realmente é; ou discordante (tshul-min yid-byed; ponderação incorreta), o que ele não é. As quatro maneiras de se prestar atenção discordante aos cinco fatores agregados de nossa experiência é considerá-los estáticos ao invés de não-estáticos, felicidade ao invés de sofrimento (problemáticos), limpos aos invés de sujos e tendo uma existência verdadeira ao invés de não tendo um “eu”. As quatro maneiras de prestar atenção concordante são o oposto disso. Todos os quatro fatores mentais que estão sempre em funcionamento estão necessariamente presentes em cada momento de cognição de qualquer coisa. Caso contrário, nosso uso do objeto (longs-su spyod-pa) como um objeto de cognição estaria incompleto. Asanga explicou,

  • Na verdade, não experimentamos um objeto a não ser que sintamos algum sentimento do espectro que vai de feliz, passando por neutro, a infeliz
  • Não tomamos algo no campo sensorial como um objeto de cognição a menos que consigamos distinguir alguma particularidade nele.
  • Nós sequer olhamos ou nos direcionamos a um objeto de cognição a não ser que tenhamos um impulso para tal.
  • Não temos nenhuma base para sentir alguma coisa em relação ao objeto a menos que tenhamos consciência dele através do contato, para que possamos distinguir se é agradável, desagradável ou neutro.
  • Não nos engajamos verdadeiramente com o objeto específico a menos que prestemos algum nível de atenção a ele, mesmo que seja extremamente baixo.

Os Cinco Fatores Mentais Determinantes

Vasubandhu definiu esses cinco fatores de forma genérica e afirmou que também acompanham todos os momentos de cognição. Já Asanga os chamou de fatores mentais determinantes e os definiu de forma mais específica. Para Asanga, eles acompanham apenas as cognições construtivas que apreendem (rtogs-pa, entender) seus objetos e, portanto, são subcategorias do que Vasubandhu definiu. Eles permitem que a atividade mental determine (nges-pa) seu objeto, ou seja, que o identifique com certeza.

(1) Intenção Positiva (‘dun-pa) não é a mera motivação para tomar qualquer objeto, alcançar qualquer objetivo ou para fazer algo com o objeto ou o objetivo, uma vez que o tenhamos tomado ou alcançado. É a vontade de ter o objeto construtivo desejado, de fazer algo com ele, ou de atingir o objetivo construtivo desejado. A intenção pode ser o desejo de encontrar um objeto construtivo previamente conhecido, de não se separar dele ou um forte interesse (don-gnyer) em um objeto construtivo que pode ser obtido no futuro. A intenção positiva leva à uma alegre perseverança (brtson-grus) para conseguir o objeto ou atingir o objetivo desejado.

(2) Uma Convicção firme (mos-pa) foca em um fato que tenhamos validamente identificado como sendo isso e não aquilo. Sua função é fazer com que nossa crença na veracidade de um fato seja tão forte que outros argumentos e opiniões não possam nos dissuadir. Para Vasubandhu, esse fator mental significa consideração. Ele simplesmente considera que o objeto tem uma certa quantidade de boas qualidades — no espectro que vai de nenhuma boa qualidade à todas as boas qualidades — e essa percepção pode estar correta ou distorcida.

(3) Presença mental que se recorda (dran-pa) não é simplesmente manter o foco em um objeto reconhecido. Aqui, ela evita que a atividade mental esqueça ou perca o objeto construtivo com o qual está familiarizada. Possui três características:

  • O objeto deve ser algo construtivo com o qual estejamos familiarizados (‘dris-pa)
  • O aspecto (rnam-pa) deve ser que foca nesse objeto e não o esquece ou perde
  • A função deve ser prevenir a mente de vagar.

Assim, a presença mental é equivalente a uma “cola mental” (‘dzin-cha) que segura o objeto em foco e não o larga. Sua força está no espectro que vai de fraca a forte.

(4) Fixação mental (ting-nge-‘dzin, concentração) não é simplesmente fixar em qualquer objeto de cognição tomado por qualquer tipo de cognição, incluindo a cognição sensorial. Aqui, ela faz com que a atividade mental fique unifocada, com continuidade, em um objeto rotulado como sendo construtivo (btags-pa’i dngos-po). Em outras palavras, o objeto de fixação precisa ser algo especificado pelo Buda como construtivo.

Além disso, é necessário que se tome o objeto com consciência mental. Isto porque o rotulamento mental é uma função restrita à cognição conceitual, que é exclusivamente mental. Fixação é a permanência da mente em um objeto e pode variar em força, desde fraca até forte. Serve como base para a consciência discriminativa.

As tradições Karma Kagyu e Sakya ensinam focarmos em um objeto visual, como a estátua do Buda, como método para atingirmos shamata (um estado mental calmo e estável). Essa instrução não contradiz a definição de Asanga de fixação mental. Isto porque essas tradições referem-se à estátua do Buda como um objeto universal. Segundo suas afirmativas, os objetos de cognição visual são meros momentos de formas coloridas. Objetos universais, como a estátua de um Buda, são reconhecidos apenas pela cognição mental conceitual. Isto porque objetos reconhecidos universalmente que perduram e que abrangem a sensibilia reconhecida por outros sentidos são rotulados mentalmente aqui com base em uma sequência de momentos de formas coloridas visualmente reconhecidas.

(5) A Consciência discriminativa (shes-rab, “sabedoria”) foca em um objeto para análise e distingue seus pontos fortes de suas fraquezas, assim como suas boas qualidades de suas falhas. Faz essa distinção com base em quatro axiomas (rigs-pa bzhi): dependência, funcionalidade, estabelecimento através da razão e natureza das coisas. Portanto, assim como no caso da determinação dos outros fatores mentais, a consciência discriminativa entende (rtogs-pa) seu objeto —por exemplo, como sendo construtivo, destrutivo ou não tendo sido especificado pelo Buda como um ou outro. Funciona para acabar com qualquer indecisão.

Vasubandhu chamou esse fator mental de consciência inteligente e o definiu como o fator mental que descrimina decisivamente que algo é correto ou incorreto, construtivo ou destrutivo e assim por diante. Ela adiciona uma certa decisão na distinção de um objeto de cognição — mesmo que em um nível extremamente baixo —e pode ser acurada ou inacurada. Assim, a consciência inteligente não necessariamente compreende seu objeto corretamente.

As Onze Emoções Construtivas

(1) Acreditar que um fato é verdadeiro (dad-pa) - foca em algo existente e conhecível, algo com boas qualidades ou com um potencial real, e o considera existente ou verdadeiro, ou considera um fato a seu respeito como sendo verdadeiro. Logo, implica em aceitar a realidade.

Existem três tipos:

  • Acreditar com lucidez em um fato (dang-bai dad-pa) - é ter clareza a respeito de um fato e, como um purificador de água, isso deixa a mente clara.
  • Acreditar em um fato tendo como base a razão (yid-ches-kyi dad-pa) - considera um fato real com base em razões que o comprovam.
  • Acreditar em um fato com uma aspiração a seu respeito (mngon-‘dod-kyi dad-pa) - considera verdadeiro tanto o fato quanto a aspiração que consequentemente temos em relação ele, como o fato de podermos atingir um objetivo positivo e a aspiração de atingi-lo.

(2) Dignidade moral (ngo-tsha, um sentido de se resguardar) - é o sentido de evitarmos comportamentos negativos por nos importarmos com o resultado de nossas ações sobre nós mesmos. De acordo com Vasubandhu, esse fator mental significa ter valores. É ter respeito pelas qualidades positivas e pelas pessoas que as possuem.

(3) Cuidado com o reflexo de nossas ações nos outros (khrel-yod) - é o sentido de evitarmos comportamentos negativos por nos importarmos com o reflexo de nossas ações naqueles que estão conectados a nós. Estes podem ser nossa família, professores, grupo social, grupo étnico, ordem religiosa ou conterrâneos. Para Vasubandhu, esse fator mental significa ter escrúpulos, e é evitar sermos descaradamente negativos. Este, juntamente com o fator mental anterior, acompanha todos os estados mentais construtivos.

(4) Desapego (ma-chags-pa) - é um aversão tediosa (yid-‘byung) com a existência compulsiva (srid-pa) e, consequentemente, uma falta de desejo por esse tipo de existência (srid-pa’i yo-byad) e seus objetos. Mas isso não implica necessariamente em liberdade total de todos os desejos, apenas um certo nível de liberdade. O desapego pode ser pelas buscas compulsivas desta vida, de todas as vidas em geral ou pela serenidade da liberação (Sânsc. nirvana) da existência compulsiva. Serve como uma base para não nos engajarmos em comportamentos problemáticos (nyes-spyod).

(5) Imperturbabilidade (zhe-sdang med-pa) - é não desejar causar mal (mnar-sems) em resposta às ações dos seres limitados (seres sencientes), ao nosso próprio sofrimento ou à situações de sofrimento que surgem de um desses dois casos, ou simplesmente situações de sofrimento. Não implica em liberdade total da raiva, mas também serve como base para não nos engajarmos em comportamentos problemáticos.

(6) Ausência de ingenuidade (gti-mug med-pa) - é a consciência discriminativa que está ciente de cada detalhe (so-sor rtog-pa) que diz respeito às causas e consequências do comportamento ou à realidade, e que age se opondo à ingenuidade. A ausência de ingenuidade pode surgir no nascimento (skyes-thob), devido ao amadurecimento de um karma. Alternativamente, pode surgir de nos aplicarmos (sbyor-byung) a ouvir ou ler escrituras e refletir ou meditar sobre seu significado, considerando que já o tenhamos compreendido corretamente. Não implica em liberação total da ingenuidade, mas também serve como base para não nos engajarmos em comportamentos problemáticos.

(7) Perseverança (brtson-‘grus) - é uma energia vigorosa para sermos construtivos. Asanga explicou cinco aspectos ou divisões da perseverança:

  • A coragem que funciona como uma armadura (go-cha’i brtson-‘grus) para suportar dificuldades. Vem de nos lembrarmos da alegria com a qual iniciamos nossa empreitada.
  • Dedicação constante e respeitosa ao que nos propusemos a fazer (sbyor-ba’i brtson-‘grus).
  • Nunca perder a esperança ou se deixar intimidar (mi-‘god-bai brston-‘grus).
  • Nunca desistir (mi-ldog-pa’i brtson-‘grus).
  • Nunca se tornar complacente (mi-chog-bar mi-‘dzin-pa’i brtson-‘grus).

(8) Aptidão (shin-sbyangs, flexibilidade) - é uma sensação de maleabilidade e presteza do corpo e mente que permite que a atividade mental permaneça engajada com um objeto construtivo pelo tempo que desejarmos. É obtida através da interrupção de posturas prejudiciais na continuidade do corpo e mente, como o vagar mental e a inquietação. A aptidão induz um sentimento de animação não perturbada que vem da bem-aventurança física e mental.

(9) Atitude cuidadosa (bag-yod, cuidado) - é um fator mental que, ao permanecer em um estado desapegado, imperturbável, de ausência de ingenuidade e perseverança alegre, nos faz meditar em coisas construtivas e nos resguarda de aprendermos coisas maculadas (negativas). Ou seja, estar desgostoso com a existência compulsiva e não desejá-la, não querer causar mal como resposta ao sofrimento, não ser ingênuo a respeito dos efeitos de nosso comportamento, tomar com alegria as ações construtivas e ter uma atitude cuidadosa nos leva a agir construtivamente e a evitar comportamentos destrutivos. Isto porque nos importamos com nossa situação e a dos outros e com os efeitos de nossas ações em ambos; as levamos a sério.

(10) Equilíbrio (btang-snyoms) ou serenidade - é um fator mental que, ao permanecermos em um estado desapegado, imperturbável, livre de ingenuidade, e alegremente perseverante, permite à atividade mental permanecer imperturbável sem que seja preciso nos esforçarmos e sem inconstância ou torpor, em um estado natural de espontaneidade e abertura.

(11) Não ser cruel (rnam-par mi-tshe-ba) - não é apenas a imperturbabilidade de não desejar causar mal a seres limitados que estão sofrendo, ou de não desejar irritá-los ou perturbá-los. Deve-se adicionar a isso a compaixão (snying-rje), o desejo de libertá-los de seu sofrimento e das causas do sofrimento.

As Seis Aflições Mentais Fundamentais

Uma aflição mental (emoção ou atitude perturbadoras) (nyon-mongs, Skt. klesha, “emoção aflitiva”) é aquela que, quando surge, nos faz perder a paz mental e o autocontrole, nos incapacitando. Existem seis que são fundamentais, que formam a base para as aflições mentais auxiliares. Vasubandhu classificou cinco delas como não tendo uma visão (filosófica) sobre a vida (lta-min nyon-mongs), sendo, portanto, emoções ou estados mentais perturbadores. Já a sexta é um conjunto de cinco, mas neste caso existe uma visão sobre a vida (nyon-mongs lta-ba can) e portanto são cinco atitudes perturbadoras. Asanga chamou este conjunto de “cinco visões perturbadas equivocadas (ing. deluded) sobre a vida” (lta-ba nyon-mongs-can). Para ficar mais fácil, vamos chamá-las apenas de “visões equivocadas”.

Com exceção da escola Vaibhashika, todos os outros sistemas filosóficos budistas indianos afirmam que (grub-mtha) todas as aflições mentais, com poucas exceções, têm dois níveis: aprendida (kun-brtags) e automática (lhan-skyes). Aflições mentais aprendidas surgem da estrutura conceitual de uma visão distorcida da vida. As que surgem automaticamente não precisam dessa base.

A exceção no caso das emoções perturbadoras sem visão é a dúvida aflitiva, e no caso das emoções perturbadoras com visão é manter uma visão equivocada como sendo suprema, ou seja, uma visão que considera uma moral ou conduta equivocada como sendo suprema, e uma visão distorcida. Essas exceções não ocorrem de forma automática, só quando as aprendemos. O sistema de princípios filosóficos Sautrantika também não afirma o surgimento automático de uma visão extremista. O sistema de princípios filosóficos Vaibhashika não afirma o surgimento automático de nenhuma atitude perturbadora (visão equivocada). Nesse sistema, todos as cinco visões equivocadas são aprendidas.

(1) O desejo (‘dod-chags) mira em qualquer objeto maculado (associado com confusão), externo ou interno — animado ou inanimado — e deseja adquirí-lo por considerá-lo atrativo pela própria natureza. Funciona de forma a nos trazer sofrimento. Apesar do desejo ou ganância acontecer na cognição sensorial ou mental, ele é baseado em uma inserção conceitual anterior. Veja que a cognição sensorial é sempre não conceitual, enquanto a cognição mental pode ser conceitual ou não conceitual. A inserção anterior exagera as boas qualidades do objeto desejado ou adiciona as boas qualidades que lhe faltam. Assim, a inserção conceitual presta atenção ao objeto desejado de forma discordante (consideração incorreta) — por exemplo, considera algo que é sujo (um corpo cheio de excrementos) como limpo. Do ponto de vista ocidental, podemos ainda dizer que quando o desejo tem como objeto outra pessoa ou grupo, pode tomar a forma de desejo de possuir a pessoa ou o grupo como nosso ou querer pertencer à pessoa ou grupo. Também parece que o desejo é frequentemente sustentado por um repúdio conceitual ou negação antecipada das qualidades negativas de seu objeto.

Vasubandhu definiu essa emoção perturbadora fundamental como apego ou possessividade. É o desejo de não largar qualquer desses cinco tipos de objetos sensoriais desejáveis (visão, som, odores, gostos e sensações físicas) (‘dod-pa’i ‘dod-chags) ou nossa própria existência compulsiva (srid-pa’i ‘dod-chags). Também tem como base uma maneira exagerada ou discordante de prestar atenção a objetos maculados. Apego a objetos sensoriais desejáveis é apego a objetos do plano dos objetos sensoriais desejáveis (‘dod-khams, reino do desejo). Apego à existência compulsiva é apego aos objeto do plano das formas etéreas (gzugs-khams, reino da forma) ou do plano dos seres sem forma (gzugs-med khams, reino sem forma), ou seja, apego aos profundos estados de transe meditativo atingido nesses reinos.

(2) A raiva (khong-khro) mira em outro ser limitado, em nosso próprio sofrimento, nas situações de sofrimento que surgem de um dos dois ou simplesmente em situações de sofrimento. A raiva é impaciente (mi-bzod-pa) e deseja se livrar do sofrimento, danificando (gnod-sems), machucando ou combatendo (kun-nas mnar-sems). Tem como base considerarmos um objeto repulsivo por sua própria natureza e funciona de forma a nos trazer sofrimento. Hostilidade (zhe-sdang) é uma categoria da raiva e é direcionada principalmente, mas não exclusivamente, a seres sencientes. Assim como acontece com o desejo, apesar da raiva poder ocorrer na cognição mental e sensorial, ela se baseia em uma inserção conceitual anterior. A inserção exagera ou adicional qualidades negativas ao objeto. Assim, a inserção conceitual presta atenção ao objeto de forma discordante — por exemplo, considerando incorretamente algo que não é responsável como sendo responsável.

Da perspectiva ocidental, podemos também dizer que quando a raiva ou hostilidade é direcionada a outra pessoa ou grupo, pode tomar a forma de rejeição a essa pessoa ou grupo. Alternativamente, por medo da rejeição por parte de outras pessoas ou grupo, podemos direcionar a raiva a nós mesmos. Parece que a raiva também é frequentemente sustentada por um repúdio ou uma negação conceitual anterior das boas qualidades do objeto.

(3) Arrogância (nga-rgyal, orgulho) é uma mente inflada (khengs-pa) com base em uma visão equivocada em relação a um entrelaçamento transitório (‘jig-lta). Conforme explicado abaixo, essa visão equivocada foca em algum aspecto ou um entrelaçamento de aspectos do nossos cinco agregados e o identifica como um “eu” monolítico e inalterável, separado dos agregados e senhor deles. Dentre as várias formas e níveis de visão equivocada em relação a um entrelaçamento transitório, a arrogância está baseada especificamente no surgimento automático de um agarramento a um “eu” (ngar-‘dzin lhan-skyes). Funciona de forma que não apreciamos os outros ou respeitamos suas boas qualidade (mi-gus-pa) e faz com que não aprendamos coisas. Existem sete tipos de arrogância:

  • Arrogância (nga-rgyal) - é uma mente inflada que acha que eu sou melhor do que alguém inferior a mim em certas qualidades.
  • Arrogância exagerada (lhag-pa’i nga-rgyal) -é um mente inflada que acha que eu sou melhor que alguém igual a mim em certas qualidades.
  • Arrogância ultrajante (nga-rgyal-las-kyang nga-rgyal) - é uma mente inflada que acha que eu sou melhor do que alguém superior a mim em determinadas qualidades.
  • Arrogância egoísta (nga’o snyam-pa’i nga-rgyal) - é uma mente inflada que pensa “eu” ao focar em seus agregados perpetuadores do samsara (nyer-len-gyi phung-po).
  • Arrogância falsa ou antecipatória (mngon-par nga-rgyal) - é uma mente inflada que acha que eu tenho alguma qualidade que na verdade não tenho ou ainda não tenho.
  • Arrogância modesta (cung-zad snyam-pa’i nga-rgyal) é uma mente inflada que acha que sou apenas um pouquinho inferior a alguém que é extremamente superior a mim em determinadas qualidades, e que sou superior a quase todo mundo.
  • Arrogância distorcida (log-pa’i nga-rgyal) é uma mente inflada que acha que um aspecto perverso que adquiri (khol-sar shor-ba) é uma boa qualidade— como, por exemplo, ser um bom caçador.

Vasubandhu mencionou que os textos budistas listam nove tipos de arrogância, que podem ser resumidas em três das categorias acima — arrogância, arrogância exagerada e arrogância modesta. Os nove tipos de arrogância são uma mente inflada que acha que:

  • Sou superior aos outros
  • Sou igual aos outros
  • Sou inferior aos outros
  • Os outros são superiores a mim
  • Os outros são inferiores a mim
  • Não existe ninguém superior a mim
  • Não existe ninguém igual a mim
  • Não existe ninguém inferior a mim.

(4) Ignorância (ma-rig-pa), segundo Asanga e Vasubandhu, é a perplexidade ou desorientação (rmongs-pa) de não saber (mi-shes-pa) as causas e efeitos do comportamento e da natureza da realidade (de-kho-na-nyid). A perplexidade é um peso na mente e corpo. Ignorância, que nesse caso é um estado mental perturbado que causa e perpetua o ciclo incontrolável de renascimentos (samsara), não quer dizer não saber o nome de alguém. A ignorância produz uma certeza distorcida, uma dúvida aflitiva e total confusão (kun-nas nyon-mongs-pa). Em outras palavras, a ignorância nos faz teimar em nossa certeza incorreta sobre algo, nos deixa inseguros, incertos e estressados.

De acordo com o texto Um Comentário Sobre (“Compêndio de Dignaga Sobre) Mentes que Fazem Cognição Válida” (Tshad-ma rnam-‘grel, Skt. Pramanavarttika) de Dharmakirti, ignorânica também é lugubridade e apreender algo de forma invertida (phyin-ci log-tu ‘dzin-pa). O comportamento destrutivo surge e é acompanhado de ignorância sobre as causas e efeitos do comportamento. Assim, Asanga explicou que através dessa ignorância geramos o karma para experimentarmos renascimentos em estados piores. Ignorância da verdadeira natureza da realidade faz surgir e acompanha qualquer atividade: construtiva, destrutiva ou não especificada. Focando apenas em comportamentos construtivos, Asanga explicou, geramos o karma para experimentar estados melhores de renascimento samsárico.

Segundo Vasubandhu, e todos os sistemas filosóficos Hinayana (Vaibhashika e Sautrantika), a ignorância da verdadeira natureza da realidade refere-se apenas à ignorância a respeito de como as pessoas existem, tanto nós quanto os outros. Isto porque as escolas Hinayana não reconhecem a ausência de uma identidade impossível nos fenômenos (chos-kyi bdag-med, ausência de um “eu” nos fenômenos, ausência de identidade nos fenômenos).

De acordo com as interpretações Sakya e Nyingma da visão Prasangika e com a interpretação de todas as quatro tradições tibetanas a respeito das visões Svatantrika-Madhyamaka e Chittamatra , quando Asanga se refere à ignorância da verdadeira natureza da realidade ele também não está considerando a ignorância quanto à existência dos fenômenos. Isso porque essas tradições acreditam que a ignorância a respeito da existência dos fenômenos não é um estado mental perturbador e não nos impede de atingir a liberação. Elas incluem este fator mental entre os obscurecimentos cognitivos (shes-sgrib), ou seja, os obscurecimentos em relação a tudo o que pode ser conhecido e que impede a onisciência.

A interpretação da visão Prasangika-Madhyamaka pelas escolas Gelug e Karma Kagyu inclui a ignorância a respeito da verdadeira natureza da existência dos fenômenos em um tipo de ignorância que é um estado mental perturbador. Assim, a incluem tanto na referência de Asanga quanto nos obscurecimentos mentais (nyon-sgrib), ou seja, nos obscurecimentos que são aflições mentais e que impedem a liberação.

Ingenuidade (gti-mug) é uma subcategoria da ignorância e, quando usada no sentido mais estrito, refere-se apenas à ignorância que acompanha os estados mentais destrutivos — a ignorância a respeito das causas e efeitos do comportamento e da verdadeira natureza da realidade.

Desejo (ou apego, dependendo da definição), hostilidade e ingenuidade são as três emoções venenosas (dug-gsum).

(5) Dúvida aflitiva (the-tshoms, dúvida) é ter duas opiniões sobre o que é verdade, ou seja, é a indecisão entre aceitar e rejeitar aquilo que é verdade. O que é verdade refere-se a fatos como as quatro nobres verdades e causas e efeitos comportamentais. E ainda, a indecisão pode pender para o lado da verdade, para o lado do que é falso ou estar igualmente dividida entre os dois lados. A dúvida aflitiva funciona como base para não nos engajarmos no que é construtivo.

Asanga apontou que a principal causa de problemas aqui é a dúvida aflitiva e perturbadora (the-tshoms nyon-mongs-can). Refere-se à dúvida que pende mais para uma decisão incorreta sobre a verdade. É a causadora de problemas porque, se a dúvida tender para o que é correto ou se estiver igualmente dividida, pode nos levar a nos engajarmos em coisas construtivas.

(6) Visões equivocadas (ing. deluded awareness) olham para o objeto de uma certa maneira. Buscam nele e considerm-no algo a que se aferrar (yul-‘tshol-ba), sem antes examinar, analisar ou investigar. Em outras palavras, é uma mera atitude em relação aos objetos. Só ocorre em cognições conceituais e é acompanhada de inserção ou repúdio. Entretanto, como fator mental elas por si só não inserem ou repudiam nada.

Existem cinco visões equivocadas. Asanga explicou que cada uma é uma consciência discriminativa (shes-rab nyon-mongs-can) equivocada e perturbadora. Entretanto, não são subcategorias da consciência discriminativa que é um fator mental determinante. Isto porque não preenchem o critério de Asanga para essa consciência determinante, que é compreender corretamente seu objeto.

Além disso, Asanga explicou que cada uma das cinco visões equivocadas implica em:

  • Tolerância com a visão equivocada, uma vez que consegue discriminar que ela traz sofrimento.
  • Apego a ela, uma vez que não percebemos que é equivocada.
  • Considerá-la inteligente.
  • Prender-se a um quadro conceitual.
  • Especular que é correta.

As Cinco Visões Equivocadas

(1) A visão equivocada sobre um entrelaçamento transitório (‘jig-tshogs-la lta-ba, ‘jig-lta, visão falsa de um entrelaçamento transitório) busca e se aferra a um entrelaçamento transitório de nossos próprios skandhas (cinco agregados) perpetuadores do samsara. E os toma como base para inserir (projetar) um quadro conceitual (atitude) ao qual está apegado. O quadro conceitual é o da existência de um “eu” (nga, bdag) ou “meu” (nga’i-ba, bdag-gi-ba). Não foca nos agregados dos outros. Entretanto, o “eu” e “meu” não são os “eu” e “meu” convencionais, são falsos e não correspondem a nada que seja real. O “eu” falso pode ser estático e monolítico, existindo independentemente dos fatores agregados (rtag-gcig-rang-dbang-gi bdag) ou um “eu” auto-conhecedor (rang-rkya thub-‘dzin-pa’i bdag). Assim, uma visão equivocada sobre um entrelaçamento transitório está baseada na ignorância a respeito de como o “eu” convencional existe, e está acompanhada de uma avidez por uma alma impossível de uma pessoa. Essa avidez pela (existência de uma) alma impossível da pessoa é o que na verdade projeta a inserção de um falso “eu” ou “meu”; não é a visão equivocada em si que faz isso.

Detalhando, uma visão equivocada sobre um entrelaçamento transitório é uma consciência discriminativa perturbadora e equivocada que “se fixa” a um entrelaçamento transitório de agregados como sendo idêntico a “mim”, ou seja, a um falso “eu”. Ou se fixa nele como sendo “meu” (nga-yir ‘dzin), ou seja, totalmente diferente do falso “eu”, que é, por exemplo, aquele que possui, controla ou habita. “Fixar-se”, aqui, significa reconhecer conceitualmente seu objeto através de uma ou mais categorias inseridas e considerar a inserção dessas categorias correta. As categorias conceituais constituem o quadro conceitual a que essa visão equivocada se fixa. Neste caso, as categorias inseridas incluem tanto um “eu” impossível quanto “totalmente idêntico (um)” ou “totalmente diferente (muitos)”.

Além disso, uma visão equivocada sobre um entrelaçamento transitório busca e se aferra a um ou mais dos nossos fatores agregados, com base na distinção de um ou mais deles de tudo o mais. Como uma consciência discriminativa perturbadora e equivocada, adiciona certeza a essa distinção. A consideração incorreta (prestar atenção discordantemente) também acompanha essa visão equivocada e é o fator mental que considera (leva à mente) o fator ou fatores agregados focados como sendo as categorias inseridas.

Segundo Tsongkhapa, uma visão equivocada sobre um entrelaçamento transitório não foca nos agregados, conforme Asanga e Vasubandhu explicam. De acordo com seu sistema Gelug Prasangika, ela foca no “eu” convencional, que é imputado em um entrelaçamento transitório de nossos fatores agregados. E ainda, o falso “eu” a quem se fixa também tem uma existência verdadeiramente estabelecida.

(2) Uma visão extrema (mthar-dzin-par lta-ba, mthar-lta) considera nossos cinco agregados perpetuadores do samsara de forma eternalista (rtag-pa) ou niilista (‘chad-pa). Em sua Grande Apresentação dos Estágios do CaminhoGradual (Lam-rim chen-mo), Tsongkhapa explicou que uma visão extrema é uma consciência discriminativa equivocada e perturbadora que foca no “eu” convencional que a atitude perturbadora anterior identificou com um entrelaçamento transitório. Ela considera que o “eu” convencional tem uma identidade permanentemente ou que não tem continuidade em vidas futuras. De acordo com Vasubandhu, uma visão extrema enxerga os agregados produtores do samsara como durando eternamente ou se extinguindo com a morte, sem continuidade em vidas futuras.

(3) Considerar uma visão equivocada como suprema (lta-ba mchog-tu ‘dzin-pa, uma visão de falsa supremacia) considera suprema uma de nossas visões equivocadas e os agregados através dos quais ela é produzida. Tsongkhapa especificou que a visão que essa consciência discriminativa equivocada e perturbadora considera pode ser nossa visão equivocada de um entrelaçamento transitório, nossa visão extrema ou nossa visão distorcida. Segundo Vasubandhu, essa atitude perturbadora pode considerar os agregados perpetuadores do samsara, que são a base para as três visões equivocadas, com a atenção discordante de que são totalmente limpos por natureza ou a fonte de felicidade verdadeira.

(4) Uma visão que toma uma moral ou conduta equivocada como suprema (tshul-khrims-dang brtul-zhugs mchog-tu ‘dzin-pa) considera como pura, liberada e definitivamente liberada alguma moral ou conduta equivocada, e também os agregados perpetuadores do samsara que geram essa moral e conduta. Essa visão equivocada vem de termos uma visão equivocada de um entrelaçamento transitório, uma visão extrema ou uma visão distorcida. Ela considera a moral ou conduta equivocada como o caminho que nos purifica (‘dag-pa) de forças kármicas negativas (sdig-pa, potenciais negativos), nos libera (grol-ba) das emoções perturbadoras e nos tira definitivamente (nges-par byin-pa) do samsara (ciclo incontrolável de renascimentos). Também considera os agregados produtores do samsara, quando disciplinados por tais visões e condutas como tendo sido purificados, liberados, e definitivamente liberados.

Tsongkhapa explicou que uma moral equivocada é nos livrarmos de um comportamento quando não faz sentido fazermos isso, como andar sobre dois pés, por exemplo. Uma conduta equivocada é engajarmos decididamente nosso corpo, discurso e maneira de vestir de uma forma que não faz sentido, como a prática asceta de ficar nu apoiando-se em um só pé no sol quente, por exemplo.

(5) Uma visão distorcida (log-lta, visão falsa) considera uma verdadeira causa, um verdadeiro efeito, um verdadeiro funcionamento ou um fenômeno existente, como não sendo verdadeiros ou existentes. Assim, é acompanhado de repúdio, por exemplo, ao fato dos comportamentos construtivos e destrutivos serem as verdadeiras causas da experiência de felicidade ou infelicidade. O repúdio pode ser ao fato da felicidade e infelicidade serem o resultado do amadurecimento de forças kármicas positivas e negativas. Pode ser também ao fato de que vidas passadas e futuras realmente funcionam; ou ao fato de que podemos atingir a liberação e a iluminação. Segundo Tsongkhapa e a escola Gelug-Prasangika, uma visão distorcida pode também considerar uma causa, efeito ou funcionamento falso ou um fenômeno não existente como verdadeiro e existente. Assim, também pode vir acompanhada de um inserção, por exemplo, de que a matéria primal ou o deus hindu Ishvara é a causa ou o criador dos seres limitados.

As Vinte Emoções Perturbadoras Auxiliares

As vinte emoções perturbadoras auxiliares derivam das três emoções venenosas do desejo, hostilidade e ingenuidade.

(1) Ódio (khro-ba) faz parte da hostilidade, e é a intenção veemente de causar mal.

(2) Ressentimento (khon-‘dzin) faz parte da hostilidade e é guardar rancor. Sustenta a intenção de vingar-se e retaliar por conta do mal que foi feito a nós ou a entes queridos.

(3) Ocultar o comportamento impróprio (‘chab-pa) faz parte da ingenuidade e é esconder ou não admitir, aos outros ou a nós mesmos, nossas atitudes menos dignas (kha-na ma-tho-ba). Podem ser atitudes naturalmente indignas (rang-bzhin-gyi kha-na ma-tho-ba) como a ação destrutiva de matar um mosquito ou atitudes indignas proibidas (bcas-pa’i kha-na ma-tho-ba), que são ações neutras que o Buda proibiu para determinados indivíduos e que tomamos votos para evitar, como comer após o meio dia se somos um monge ou monja totalmente ordenados.

(4) Afronta (‘tshig-pa) faz parte da hostilidade e é a intenção de falar de forma abusiva, com base em ódio e ressentimento.

(5) Inveja (phrag-dog) faz parte da hostilidade e é uma emoção perturbadora que nos torna incapaz de suportar as boas qualidades e boa sorte alheias, devido a um apego excessivo ao nosso próprio ganho e ao respeito que recebemos. Além disso, a inveja deseja possuir as qualidades ou boa sorte dos outros e frequentemente deseja que os outros não as possuam.

(6) Avareza (ser-sna) faz parte do desejo e é um apego ao ganho material ou ao respeito e, ao não querer se desfazer de suas posses, se agarra a elas e não quer compartilhá-las com os outros ou mesmo usá-las para si. Assim, avareza é mais do que a palavra portuguesa mesquinharia. Mesquinharia é simplesmente não querer compartilhar ou usar algo que possuímos, mas não possui o aspecto de acumulação que a avareza possui.

(7) Pretensão (sgyu) está na categoria do desejo e ingenuidade. Por apego demasiado a ganhos materiais e ao respeito do qual desfrutamos, e por desejo de enganar os outros, a pretensão é fingir possuir ou dizer possuir uma boa qualidade que não temos.

(8) Ocultar deficiências ou hipocrisia (g.yo) faz parte do desejo e da ingenuidade. Por apego demasiado aos nossos ganhos materiais e ao respeito do qual desfrutamos, é o estado mental que busca esconder dos outros nossas falhas e deficiências.

(9) Convencimento ou presunção (rgyags-pa) faz parte do desejo. Ao ver sinais de uma vida longa ou qualquer outra glória samsárica — saúde, juventude, riqueza e assim por diante — a presunção é um estado mental inflado que fica feliz e tem prazer nisso.

(10) Crueldade (rnam-par ‘tshe-ba) faz parte da hostilidade e possui três formas:

  • Vandalismo (snying-rje-ba med-pa) é uma falta de compaixão cruel com a qual desejamos prejudicar ou machucar a outros.
  • Autodestruição (snying-brtse-ba med-pa) é uma falta de amor próprio cruel com a qual desejamos prejudicar ou machucar a nós mesmos.
  • Prazer perverso (brtse-ba med-pa) é alegrar-se cruelmente quando se tem conhecimento do sofrimento dos outros.

(11) Falta de dignidade moral (ngo-tsha med-pa, ausência de um sentido de honra) faz parte de todas as três emoções venenosas. É a ausência de qualquer disposição em evitarmos comportamentos destrutivas por nos importarmos com o reflexo de nossas ações em nós mesmos. Segundo Vasubandhu, esse fator mental quer dizer não ter nenhum sentido de valores. É uma falta de respeito às qualidades positivas ou às pessoas que as possuem.

(12) Não importar-se com o resultado de nossas ações sobre os outros (khrel-med) é parte de qualquer das emoções venenosas. É a ausência de qualquer disposição em evitarmos comportamentos destrutivos por nos importarmos com o reflexo de nossas ações nos outros. Esses “outros” podem ser nossa família, professores, grupo social, grupo étnico, ordem religiosa ou nossos conterrâneos. Para Vasubandhu, esse fator mental quer dizer não ter escrúpulos, e é não evitar ser descaradamente negativo. Este, e também o fator mental anterior, acompanham todos os estados mentais destrutivos.

(13) Mente nebulosa (rmugs-pa) é parte da ingenuidade. É uma sensação de peso corporal e mental que faz com que a mente fique turva, imprestável e incapaz para fazer surgir uma aparência cognitiva de seu objeto ou apreendê-lo corretamente. Quando a mente realmente perde a clareza por estar nebulosa chamamos isso de torpor mental (bying-ba).

(14) Distração mental (rgod-pa) é parte do desejo. É o fator mental que faz com que nossa atenção fuja do objeto e lembre-se ou pense em algo atraente que já experimentamos. Assim, faz com que percamos a paz mental.

(15) Desacreditar de um fato (ma-dad-pa) é parte da ingenuidade e possui três formas, que são contrárias às três formas de acreditar que um fato é verdadeiro:

  • Desacreditar de um fato que está baseado na razão, como, por exemplo, desacreditar de causas e efeitos comportamentais.
  • Desacreditar de um fato, como as boas qualidades das Três Jóias de Refúgio, de forma que nossa mente fique enlameada com aflições mentais, e infeliz.
  • Desacreditar de um fato, como a existência da possibilidade de atingirmos a liberação, de forma a não ter interesse algum nisso e nenhuma aspiração de alcançar a liberação.

(16) Preguiça (le-lo), faz parte da ingenuidade. Com a preguiça a mente não busca e nem se engaja em coisas construtivas, porque se agarra ao prazer de dormir, deitar, relaxar e assim por diante. Existem três tipos:

  • Letargia e procrastinação (sgyid-lugs) - não sentir vontade de fazer algo construtivo no momento e deixar para depois devido a apatia frente ao sofrimento incontrolavelmente recorrente do samsara, e agarrar-se ao prazer de não fazer nada ou ansiar pelo sono como uma válvula de escape.
  • Agarrar-se a coisas ou atividades negativas ou triviais (bya-ba ngan-zhen) como apostar, beber, más influências, ir a (muitas) festas, e assim por diante
  • Desencorajamento e sentimentos de inadequação (zhum-pa).

(17) Não importar-se (bag-med, negligência, imprudência). Tem como base o desejo, a hostilidade, a ingenuidade ou preguiça. É o estado mental de não engajar-se com nada que seja construtivo e não evitar atividades maculadas com confusão. É não levar a sério e não se importar com os efeitos de nosso comportamento.

(18) Esquecimento (brjed-nges). Tem como base a lembrança de algo que nos desperta uma emoção ou atitude perturbadora. O esquecimento é perder nosso objeto de foco de forma que a mente vagueie em direção ao objeto perturbador. O esquecimento serve como base para a distração mental (rnam-par g.yeng-ba).

(19) Ser desatento (shes-bzhin ma-yin-pa) é uma consciência discriminativa equivocada e perturbadora associada com o desejo, a hostilidade e a ingenuidade. Faz com que nos engajemos em atividades físicas, verbais ou mentais sem sabermos corretamente o que é próprio e o que é impróprio. Dessa forma, não tomamos as atitudes necessárias para corrigir ou evitar comportamentos impróprios.

(20) Vagar mental (rnam-par g.yeng-ba) é parte do desejo, hostilidade e ingenuidade. É o fator mental que faz com que nossa mente se distraia do objeto focado, devido a alguma emoção venenosa. Se nos distraímos devido ao desejo, o objeto do desejo tem que ser algo com que já tenhamos familiaridade, assim como no caso da distração mental.

Os Quatro Fatores Mentais Mutáveis

Asanga listou quatro tipos de fatores mentais que que têm um status ético mutável. Eles podem ser construtivos, destrutivos ou não especificados, dependendo do status ético da cognição com a qual compartilham as cinco particularidades concomitantes.

(1) Sono (gnyid) é parte da ingenuidade. O sono é um retirar-se da cognição sensorial, caracterizada por uma sensação física de peso, fraqueza, cansaço e escuridão mental. Nos faz deixar nossas atividades.

(2) Arrependimento (‘gyod-pa) é parte da ingenuidade. É um estado mental que não deseja repetir algo, seja próprio ou impróprio, que tenhamos feito ou que alguém nos fez fazer.

(3) Detecção grosseira (rtog-pa) é o fator mental que investiga apenas superficialmente, detectando, por exemplo, se existem erros em uma página.

(4) Discernimento sutil (dpyod-pa) é o fator mental que examina minuciosamente para discernir detalhes específicos.

Fatores Mentais Que Não Se Encaixam nas Categorias Acima

Por inserir um modo impossível de existência em seu objeto, o apego à uma existência verdadeira (bden-‘dzin) não é nem um fator mental nem um fator primário, apesar de acompanhar ambos. E ainda, por não ser um fator mental, o apego à uma existência verdadeiratambém não é uma emoção ou atitude perturbadora.

Segundo a explicação Gelug-Prasangika, o apego a uma existência verdadeira acompanha todos os momentos de cognição conceitual e não conceitual, com exceção da cognição não conceitual da vacuidade por parte de um arya. Com exceção também do momento de cognição da vacuidade por alguém que está no caminho mental da aplicação (sbyor-lam, caminho da preparação), o momento anterior a essa pessoa atingir o caminho mental da visão (mthong-lam, caminho da visão) com uma cognição não conceitual da vacuidade. Durante uma cognição sensorial ou mental não conceitual o apego à existência verdadeira não está manifesto (mngon-gyur-ba). De acordo com os livros de Jetsunpa (rJe-btsun Chos-kyi rgyal-mtshan), o apego à existência verdadeira está presente como uma consciência sublime (bag-la nyal), mas que ainda é uma forma de se estar consciente de algo. De acordo com os livros de Panchen, ele está presente apenas como um hábito constante, que não é uma forma de se estar ciente de algo, mas sim uma variável não concomitante subjacente. Segundo as apresentações Madhyamaka não-Gelug, apesar dos hábitos de apego à existência verdadeira estarem presentes durante uma cognição não conceitual mental ou sensorial, o apego não está presente. Segundo afirma a tradição Karma Kagyu, o apego à existência verdadeira também não está presente durante o primeiro momento de cognição conceitual.

De forma similar, a consciência profunda da total absorção na vacuidade (mnyam-bzhag ye-shes) e a consciência profunda do atingimento subsequente (rjes-thob ye-shes, sabedoria pós-meditação) não são fatores primários ou mentais, apesar de acompanhar ambos. Isto porque não são simplesmente formas de se estar consciente de um objeto; elas também refutam sua verdadeira existência.

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