Relações entre Muçulmanos Hui, Tibetanos e Uigures 1996

O Povo Uigur

As duas principais minorias islâmicas na República Popular da China são o povo uigur e o povo hui. Ambos seguem a forma sunna do islã, misturada com várias escolas do sufismo da Ásia central. Os uigures são um povo turco oriundo da região montanhosa do Altai, no norte da Mongólia Ocidental. Foi o povo soberano da Mongólia do início do século 8º até a metade do século 9º, quando eles migraram para O Turquestão Oriental (Chin. Xinjiang). Eles foram o grupo étnico predominante daquela região desde então e falam em sua própria língua turca. No entanto, os uigures não são um povo unificado. Como no passado, eles se identificam primariamente com suas cidades oasis. Na verdade, o termo “uigur”, para referir-se a todos eles, apenas tem sido usado desde o fim do século 19 para unificar a resistência deles à dinastia Manchu Qing.

Em geral, os uigures são um povo relaxado que, como os tibetanos, não possuem uma ética de trabalho protestante. Eles não veem trabalho como uma virtude por si só e também valorizam desfrutar a vida. Seu nível de conhecimento e prática do islã é bastante baixo e o estilo de suas mesquitas e costumes vem da Ásia Central. Aqueles que vivem nas partes do centro e do norte de Xinjiang agora se tornaram fortemente siníticos. Em sua maioria, apenas as pessoas idosas vão às mesquitas, que não são mantidas em boas condições. O islã é mais forte entre os uigures do sul do Xinjiang onde tem havido uma presença han relativamente pequena. Ele é praticado ali de uma forma mais tradicional do que aquela praticada pelos hui.

O Povo Hui

O povo hui é de diversas origens étnicas, primariamente árabes, persas, da Ásia Central, e da Mongólia, e eles vivem em toda a China. Originalmente, eles vieram como mercadores e soldados recrutados, começando a chegar em meados do século 7º. Em meados do século 14, eles foram forçados a se casar com chineses han. Por conseguinte, eles falam chinês e seus costumes e suas mesquitas têm todas o estilo chinês. As outras minorias muçulmanas da China tradicionalmente têm muitas críticas em relação à adaptação do povo hui de suas práticas islâmicas ao modo de viver do povo han.

Em geral, falta ao povo hui a atitude relaxada em relação à vida do Oriente Médio/da Ásia Central e eles compartilham a ambição agressiva dos chineses por comércio e dinheiro. Como os tibetanos, muitos carregam facas e as usam facilmente. Estão divididos em dois grupos maiores. Os hui ocidentais vivem em Ningxia, no sul do Gansu, e em Qinghai oriental, fazendo fronteira com Amdo (no nordeste do Tibete); enquanto o povo hui oriental está espalhado por todo o norte da China e pelo leste da Mongólia Interior.

O Povo Hui Ocidental

Entre os hui ocidentais, o islã é relativamente forte como uma força unificadora e continua a crescer. Tanto os jovens quanto velhos vão às mesquitas, que funcionam como um local para encontros sociais e troca de informações. Essas mesquitas são muito mais ricas e foram mantidas muito mais limpas do que as uigures. Apesar da presença das escolas islâmicas na capital cultural hui, Lingxia, que ensinam em sua maioria as tradicionais seitas sufis, com até mesmo alguns mestres de meditação, a vasta maioria dos povo hui ocidental não sabe quase nada de profundo sobre o islã.

O povo hui ocidental parece sucumbir menos às presentes pressões para se tornarem siníticos que os uigures, talvez porque eles já o são e falam exclusivamente chinês. Por exemplo, apenas as mulheres uigures que vivem em vilarejos remotos no sul de Xinjiang colocam panos na cabeça, enquanto as mulheres hui ocidentais as vestem até mesmo em cidades chinesas dominadas pelos han.

O Povo Hui Oriental

O povo hui oriental é menos tradicional que o ocidental. Embora aproximadamente oitenta por cento, tanto jovens quanto velhos, professe a fé islâmica, poucos vão fazer as orações. O povo hui oriental ainda abate seus animais de acordo com os procedimentos “halal” e não comem carne de porco. Muitos, no entanto, fumam e bebem álcool, o que é contra o Alcorão. Alguns praticam o jejum Ramadan, mas bem poucos homens são circuncisados e as mulheres não vestem panos sobre a cabeça.

A Posição Privilegiada do Povo Hui

O povo hui gozou de mais privilégios na República Popular da China do que outras minorias não-han, primariamente porque eles têm sido diplomáticos e cooperado muito. Por causa desta cooperação e da adesão diplomática tanto do maoísmo quanto do islã, e da pressão dos países do Oriente Médio sobre a China para que o islã seja respeitado em troca de privilégios comerciais, houve uma grande proliferação das mesquitas. Elas foram construídas primariamente pelo povo hui, não pelos uigures.

Migração Hui

Por séculos, o povo hui têm se espalhado e estabelecido em toda a China, primariamente como mercadores. Até mesmo durante a dinastia Mongol Yuan, os muçulmanos acompanharam as missões mongóis de tributo para praticar o comércio. Os uigures e muçulmanos tibetanos, por contraste, ficaram isolados em suas terras. Esta diferença talvez tenha a ver com o fato do povo hui ser descendente de mercadores e soldados mercenários, enquanto tanto os uigures quanto os muçulmanos tibetanos vieram para onde se encontram atualmente como refugiados expulsos de suas terras, na Mongólia e na Caxemira, respectivamente. Então, a presente migração dos mercadores muçulmanos para o Tibete Central não é nada novo na história hui. Eles não foram relocados à força para o Tibete pelas autoridades han chinesas, mas estão se mudando por iniciativa própria por razões de negócios.

O povo hui ocidental tem se mudado não apenas para o Tibete, mas também em todas as partes de Gansu e Xinjiang como pioneiros da colonização chinesa. Eles abrem restaurantes e lojas por todas as estradas, e assim que há um pequeno número deles em qualquer localidade, eles constroem uma mesquita – geralmente como um local para encontros sociais e para manter a sua comunidade unida, e não tanto por zelo religioso. Não apenas os tibetanos, mas também o povo uigur ressente a imigração hui. Embora o exército chinês han e a sua burocracia tenham se mudado primeiro, os comerciantes e homens de negócios han, sem o espírito pioneiro do povo hui, apenas seguiram os passos destes.

Contraste entre os Tibetanos e as Mentalidades Hui

Muitos tibetanos ainda têm uma mentalidade nômade, com um forte desejo de independência, especialmente independência de movimento. Em geral, eles não gostam de trabalho rotineiro. Mesmo se tiverem lojas, muitos deles as abrirão apenas sazonalmente, frequentemente fechando as mesmas para fazer longas férias, peregrinações, piqueniques, e assim por diante. Até mesmo na Índia, muitos tibetanos migram sazonalmente para as cidades indianas para vender suéteres, fazer peregrinações, assistir a palestras budistas, e trabalhar apenas uma parte do ano. Por contraste, o povo hui, como também o han, está interessado apenas em dinheiro e negócios, e eles ficam em suas lojas e barracas na rua das 6 da manhã às 10 da noite o ano inteiro sem sair dali.

O povo hui, muito engenhoso e também industrioso, assumiu a fabricação e venda de produtos tradicionais tibetanos, e os tibetanos não podem e nem parecem querer competir. O povo hui está fazendo jóias, rosários, e outra parafernália religiosa no estilo tibetano, equipamento para cavalos, facas, lã, tapetes, instrumentos musicais, sapatos e macarrão, como também possui os muitos restaurantes da área. Os mercadores han apenas vêm mais tarde e vendem em sua maioria produtos modernos chineses, bens fabricados, como escovas de dente e roupa chinesa barata.

Movimentos de Autonomia Tibetanos e Uigures

Os tibetanos e uigures veem os imigrantes hui, mais do que os han, como uma ameaça maior para as suas culturas. Como o povo hui e o povo uigur têm o islã em comum, é evidente que a tensão não surge por motivos religiosos, mas vem da competição econômica. Os chineses han parecem encorajar esta tensão, de modo a usá-la para justificar a ocupação militar para manter a paz e evitar uma outra Bósnia.

Portanto, os movimentos tibetanos e uigures por verdadeira autonomia ou até mesmo independência não têm nada a ver com o fundamentalismo budista ou islâmico. Eles vêm do desejo compartilhado de preservar suas culturas, religiões, e idiomas de serem oprimidos e marginalizados pelas políticas da República Popular da China e pelas ondas de colonos han e hui. Por outro lado, o povo hui não mantém aspirações semelhantes, já que tem muito em comum com os chineses han e nunca teve um estado independente.

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