Conselhos Budistas sobre a Morte e o Morrer

08:06
Todos teremos que encarar a morte, portanto não deveríamos ignorá-la. Encarar a mortalidade de forma realista nos habilita a viver uma vida mais plena e significativa. Ao invés de morrermos com medo, poderemos morrer felizes por termos aproveitado ao máximo nossa vida.

Como Levar uma Vida Significativa

Ao longo dos anos, os nossos corpos mudaram. Geralmente, nem a espiritualidade nem a meditação podem parar este processo. Somos impermanentes, mudamos constantemente, mudando de um momento para o outro, e isto é parte da natureza. O tempo está sempre em movimento; nenhuma força pode parar isso. Então a real questão é se estamos utilizando devidamente o nosso tempo. Será que estamos utilizando o nosso tempo para criar mais problemas para os outros, o que no final das contas acaba por nos tornar profundamente infelizes? Eu acho que esta é uma forma incorreta de usar o tempo.

Uma melhor maneira é tentar moldar as nossas mentes todos os dias com uma motivação apropriada e continuar no restante do dia com este tipo de motivação. Se possível, isso significa servir os outros; e se não for o caso, pelo menos não prejudicar os outros. Neste sentido, não há diferença entre as profissões. Qualquer que seja o seu trabalho, você pode ter uma motivação positiva. Se o nosso tempo for usado desta forma durante dias, semanas, meses, anos – décadas, não apenas por cinco anos – então as nossas vidas passam a ser significativas. No mínimo, estamos fazendo alguma espécie de contribuição dirigida para o nosso estado mental individual de felicidade. Mais cedo ou mais tarde, o nosso fim chegará e neste dia não teremos arrependimentos; saberemos que usamos o nosso tempo de forma construtiva. Eu penso que muitos de vocês usam o tempo de uma forma apropriada, que faz sentido. Isso é importante.

Ter uma Atitude Realista em Relação à Morte

Contudo, as nossas vidas atuais não são eternas. Mas pensar que “a morte é um inimigo” é completamente errôneo. A morte é parte de nossas vidas. Claro, do ponto de vista budista, este corpo de certa maneira é um inimigo. Para desenvolver um desejo genuíno de moksha – libertação – precisamos este tipo de postura: que este nascimento, este corpo, que a natureza destes é sofrimento e, portanto, queremos terminá-lo. Mas esta postura pode criar muitos problemas. Se você considerar a morte como um inimigo, então este corpo também será um inimigo, e a vida como um todo será um inimigo. Isso é ir longe demais.

É claro que a morte significa não mais existir, pelo menos não neste corpo. Teremos que nos separar de todas as coisas com as quais desenvolvemos alguma conexão íntima nesta vida. Os animais não gostam da morte. Naturalmente, o mesmo ocorre com os seres humanos. Mas nós somos parte da natureza e, assim sendo, a morte é parte de nossas vidas. É lógico que a vida tem um início e um fim – há o nascimento e há a morte. Ou seja, não é algo incomum. Mas eu penso que nossas ideias irrealistas em relação à morte nos causam ainda mais preocupação e ansiedade.

Como praticantes budistas, é muito útil nos lembrarmos diariamente da morte e da impermanência. Existem dois níveis de impermanência: um nível mais denso no qual todos os fenômenos produzidos têm um fim e um nível mais sutil no qual todos os fenômenos afetados por causas e condições mudam a cada momento. Na verdade, o nível sutil da impermanência é o real ensinamento do budismo; mas geralmente o nível mais denso da impermanência também é uma parte importante da prática porque ele reduz algumas de nossas emoções destrutivas baseadas no sentimento de que somos eternos.

Olhem para os grandes reis e soberanos – também no ocidente – com seus grandes castelos e fortalezas. Os imperadores se consideravam imortais. Mas hoje quando olhamos para essas estruturas, elas nos parecem um tanto estúpidas. Olhem para a Grande Muralha na China. Ela criou um imenso sofrimento para os súditos que a construíram. Mas esses trabalhos foram realizados com sentimentos como: “O meu poder e o meu império permanecerão para sempre” ou “O meu imperador permanecerá para sempre”. Como o muro de Berlim – algum líder comunista da Alemanha oriental disse que este duraria por mil anos. Todos esses sentimentos vêm do apego a eles mesmos ou aos seus partidos ou suas crenças e do pensamento que estes permanecerão para sempre.

É verdade que precisamos de desejo positivo como parte de nossa motivação – sem o desejo não há movimento. Mas o desejo combinado com a ignorância é perigoso. Por exemplo, há o sentimento de permanência que muitas vezes cria aquele tipo de visão “Eu vou durar para sempre”. Isso é irrealista. Isso é ignorância. E quando você combina isso com desejo – querendo mais e mais, e mais – isso cria ainda mais dificuldades e problemas. Mas o desejo com sabedoria é muito positivo. Portanto, precisamos disso.

Na prática tântrica também somos confrontados com caveiras e este tipo de coisas lembretes da impermanência, e em algumas mandalas nós visualizamos cemitérios. Todos estes são símbolos que nos lembram a impermanência. Um dia, o meu carro atravessou um cemitério. Ele ainda estava fresco em minha mente quando eu o mencionei durante uma palestra pública: “Eu acabei de passar por um cemitério. Este é o nosso destino final. Temos que ir para lá”. Jesus Cristo mostrou aos seus seguidores que finalmente a morte acaba por vir. E o Buda fez a mesma coisa. Allah, eu não sei – Allah não tem forma – Mas é claro que Mohammed o demonstrou.

Por conseguinte, precisamos ser realistas: a morte virá mais cedo ou mais tarde. Se você desenvolver um tipo de postura ciente de que a morte virá desde o início, então, quando a morte de fato chegar, você se sentirá muito menos ansioso. Assim sendo, como praticantes budistas, é muito importante nos lembrarmos disso diariamente.


O Que Fazer no Momento da Morte

Quando chegar o nosso último dia, teremos que aceitá-lo e não vê-lo como algo estranho. Não há outro caminho. Neste momento, alguém que tem fé em uma religião teísta deveria pensar: “esta vida foi criada por Deus, assim sendo, o fim dela também faz parte do plano de Deus. Embora eu não goste da morte, Deus a criou, e por isso ela deve ter algum sentido.” Essas pessoas que realmente acreditam em um deus criador deveriam seguir esta linha de raciocínio.

Aqueles que seguem as tradições indianas e acreditam no renascimento deveriam pensar em suas vidas futuras e fazer esforços no sentido de criar as causas apropriadas para uma boa vida futura, ao invés de se preocupar, e se preocupar, e se preocupar. Por exemplo, no momento da morte, você poderia dedicar todas as suas virtudes para que a sua próxima vida seja uma boa vida. E então, quando a morte chegar, o estado mental deve ser calmo. Raiva, medo demais – esses estados não são bons.

Se possível, os praticantes budistas deveriam usar este tempo agora para pensar em suas próximas vidas. As práticas de bodhichitta e algumas práticas tântricas são boas para isso. De acordo com as práticas tântricas, no momento da morte há a dissolução dos elementos em oito etapas – os níveis mais densos dos elementos do corpo se dissolvem, e depois os níveis mais sutis também se dissolvem. Os praticantes tântricos precisam incluir isso em sua meditação diária. Todos os dias eu medito sobre a morte – em diferentes práticas de mandala – pelo menos cinco vezes, e ainda estou vivo! Hoje de manhã eu já passei por três mortes.

Ou seja, esses são os métodos para criar uma garantia para uma boa próxima vida. E para os que não acreditam, como falei antes, é bom ser realistas em relação ao fato da impermanência.

Como Ajudar aos Que Estão Morrendo

Quanto àqueles que de fato estão morrendo, é bom que em seu entorno haja pessoas com algum conhecimento de como ajudar. Como mencionei antes, com os moribundos que acreditam em um deus criador, você pode fazer com que se lembrem de Deus. Uma fé focada em Deus tem pelo menos alguns benefícios, também do ponto de vista budista. Com as pessoas que não têm crença nem religião alguma, como eu mencionei antes, é importante que sejam realistas e mantenham a calma.

Ter parentes chorando ao redor da pessoa que está morrendo pode ser prejudicial para que estas pessoas possam manter as suas mentes calmas – é apego demais. E também por demasiado apego aos parentes há a possibilidade de desenvolver raiva e ver a morte como uma inimiga. Assim sendo, é importante tentar manter o estado mental deles calmo. Isso é importante.

Em muitas ocasiões me pediram para ir a hospitais budistas. Na Austrália, há um monastério de monjas totalmente dedicado a tomar conta de pessoas que estão morrendo ou com doenças graves. Esta é uma maneira muito boa de colocar a nossa prática diária de compaixão em ação. Isso é muito importante.

Conclusão

A morte não é algo estranho. É algo que ocorre todos os dias, em todo o mundo. A compreensão de que vamos indiscutivelmente morrer nos encoraja a viver uma vida mais significativa. Quando vemos que morte pode chegar a qualquer hora, é muito mais difícil nos envolvermos em brigas e discussões sobre coisas pequenas. Ao invés disso, nos motivamos a aproveitar ao máximo a vida, beneficiando os outros o quanto for possível.

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