Tornando a Vida Significativa com a Meditação sobre a Impermanência e a Renúncia

Tornando a Vida Significativa

Agora continuaremos com o texto. Estamos no segundo verso.

(2) Ouça com uma (mente) clara, ó afortunado cuja mente confia no caminho que agrada ao Triunfante através do desapego aos prazeres da existência compulsiva e o anseio de tornar significativa sua vida de folgas e fatores enriquecedores.

Os prazeres da existência compulsiva referem-se ao fato de que, em nós, pessoas normais, a mente está sempre perseguindo os prazeres dos sentidos. Queremos sempre nos sentir bem, é como se estivéssemos completamente apaixonados pelo prazer. Se a única coisa que buscamos na vida é o prazer, isso é muito destrutivo. Esse é o motivo pelo qual nada realmente significativo acontece em nossas vidas. Continuamos simplesmente buscando prazer, completamente obcecados em obter prazer e gratificar nossos sentidos, e nunca encontramos satisfação. Isso torna toda a nossa vida totalmente mundana. Até os animais fazem isso. E esse tipo de comportamento não nos traz paz de espírito e nem funciona como antídoto para o sofrimento.

Quando estamos constantemente envolvidos em atividades mundanas ou em buscar prazeres sensoriais, temos muitos problemas, muito sofrimento. Há um grande lama que escreveu um texto chamado Lembrando da Impermanência. Ele disse que quaisquer que sejam nossas atividades mundanas, elas nunca chegarão ao fim até decidirmos que basta. Assim que terminamos uma tarefa, outra aparece.

Literalmente, não há fim para a lista de atividades mundanas em que podemos passar a vida inteira. Primeiro, buscamos uma casa. Precisamos ter dinheiro suficiente para comprar e cuidar da casa, por isso precisamos de um emprego, o que geralmente ocupa muito do nosso tempo. Depois, depois de comprarmos a casa, precisamos mobiliá-la e continuar trabalhando para pagar a manutenção. Não há fim nisso. Mesmo quando encontramos e compramos a casa, isso não significa que nossas atividades vão terminar. Ainda precisaremos limpá-la de vez em quando! É um pouco como as ondas do oceano, que vêm uma após a outra, não têm fim. Nossas atividades mundanas são assim também, a menos que decidamos conscientemente acabar com elas. Na verdade, não encontraremos nenhuma satisfação nestas atividades.

Não é verdade que, desde que éramos crianças, toda a nossa vida é uma atividade após outra, um problema após o outro? Quando éramos crianças tínhamos que estudar, então íamos para a escola. Disseram-nos que precisávamos fazer isso para encontrar um bom emprego. Mais tarde, foi difícil entrar na universidade. Depois que terminamos nossa formação, voltamos a ter problemas, agora para encontrar um emprego. Quando encontramos o emprego, queremos sempre mais dinheiro e uma posição melhor. E quando conseguimos uma carreira próspera e nos tornamos conhecidos, temos que proteger essa fama e riqueza. Não há fim nisso. Esforçamo-nos por tornar significativa a nossa vida de folgas e fatores enriquecedores, como diz o texto, mas fazemos isso de maneira totalmente errada. Neste momento, temos este precioso renascimento humano onde temos liberdade e recursos. Não seria muito significativo vivermos apenas uma vida normal, como descrita até agora. Não é mesmo?

Todos temos nossos próprios objetivos e ninguém pode nos dizer o que fazer. Nem mesmo os budas podem nos forçar a fazer alguma coisa. Cabe a nós viver nossa vida, do jeito que decidimos vivê-la. Mas aqui estamos falando sobre emoções destrutivas e como abandoná-las. Se, assim que a discussão terminar, continuarmos normalmente com nossa vida, ignorando completamente o que falamos aqui, se fizermos o que quisermos, é claro que os ensinamentos não funcionarão. É interessante como a maioria de nós entende bem o significado dos ensinamentos, concordamos totalmente com eles, e ainda assim, por alguma razão, não abandonamos a nossa busca por atividades e objetivos mundanos.

Renúncia: A Determinação de Se Livrar do Samsara

A realidade é que obter a libertação e a iluminação não é apenas investigar e perceber as desvantagens das emoções perturbadoras. Também precisamos nos esforçar para gerar todas as qualidades excelentes da mente. Quando falamos sobre renúncia, no nível básico, isso significa querer realmente se libertar do samsara. Em tibetano, o termo é nye-jung, com nye significando “definitivo” e jung significando “sair” ou “emergir”. Assim, em tibetano, a ideia é que temos o pensamento de que definitivamente queremos sair do samsara, da existência incontrolavelmente recorrente. O grande mestre Kedrub Je, um dos principais discípulos de Lama Tsongkhapa, disse que o que a maioria dos praticantes do Dharma tem na realidade não é uma renúncia genuína. Na maioria das vezes, estamos realmente cansados do samsara, por isso lamentamos e reclamamos dele, mas não cultivamos verdadeiramente a mente de renúncia. Reclamamos de todos os problemas e pensamos em como seria bom sair do samsara, mas isso não é renúncia genuína. Temos outro termo em tibetano para isso, que descreve uma mente claustrofóbica, uma mente que está farta. Com esta mente, rejeitamos o samsara até certo ponto, mas não é uma renúncia genuína. É por isso que é difícil desistirmos de nossas atividades mundanas.

Se investigarmos de onde vêm os nossos problemas e como exatamente eles surgem, veremos que todos os problemas e emoções negativas estão ligados ao conceito de eu. Em tudo o que pensamos ou fazemos, sempre existe esse “eu e meu” em algum lugar. Na verdade, essa ideia de “eu” que temos é a fonte de todos os nossos problemas, conflitos e emoções destrutivas. Tomemos o exemplo de um conflito ou mesmo apenas de uma discussão acalorada. Se investigarmos por que temos um problema com outra pessoa, se começarmos a analisar de onde vem o conflito, chegaremos à conclusão de que o outro disse algo que não suportamos e não aceitamos. Então, “eu” tive aversão a alguma coisa e foi assim que nasceu o conflito. Essa aversão vem do nosso senso de “eu”.

É claro que, para nós, nosso “eu” é muito mais precioso do que a outra pessoa. E por ser tão precioso, o que ele sente e pensa é importante e, portanto, quando não conseguimos tolerar algo que a outra pessoa disse, a rejeitamos. É muito simples, mas é assim que funciona. Isso mostra o quão precioso é o “eu” para nós. Se realmente examinarmos de onde vêm os nossos problemas, veremos que no final tudo remonta à nossa concepção errada de nós mesmos, ao “eu”.

Os Três Treinamentos Superiores

Esses tipos de pensamentos e emoções destrutivas são tradicionalmente chamados de três venenos. São eles: desejo, hostilidade e inconsciência. Se investigarmos o que está por trás deles, descobriremos que é uma concepção errada do eu. Temos que realmente examinar se é verdade que todos os nossos problemas surgem do apego ao eu e do auto-apreço. Isso é algo que temos que investigar. E algo que realmente precisamos entender é que as atividades mundanas às quais dedicamos nosso tempo não nos trazem a felicidade que buscamos. Agora estamos neste caminho, procurando como podemos abandonar a causa do nosso sofrimento. No Budismo, começamos primeiro com a prática da autodisciplina ética, ou shila em sânscrito.

Existem passos graduais no caminho da prática da autodisciplina ética. No início, temos de trabalhar nos níveis mais grosseiros das nossas emoções destrutivas, como o ódio e o apego, e tentar abandonar as atividades que são consequência dessas emoções grosseiras e perturbadoras. Fazemos isso treinando o corpo e a fala. Eventualmente, em algum momento, perceberemos que, se nossas mentes não estiverem pacificadas, mesmo que consigamos controlar os níveis mais grosseiros, as emoções destrutivas continuarão surgindo. Nesse ponto, temos que pacificar a mente cultivando shamata, com ela estabilizamos a mente cultivando a concentração. No entanto, a concentração por si só não pacifica a mente de forma completa. Quando praticamos shamata, nossas emoções destrutivas ficam ocultas e não se manifestam. Mas assim que saímos da sessão, surgem novamente. Para resolver plenamente os nossos problemas, precisamos de sabedoria, ou consciência discriminativa. A consciência discriminativa não apenas pacifica as emoções perturbadoras e destrutivas, ela conhece a natureza última das coisas e pode acabar verdadeira e totalmente com o nosso sofrimento.

Esses três passos graduais são conhecidos como os três treinamentos superiores: o treinamento superior em autodisciplina ética, o treinamento superior em concentração e o treinamento superior em consciência discriminativa. Esses treinamentos são realmente importantes, independentemente da religião ou crença da pessoa. Se você é uma pessoa inteligente e entende que realmente quer ser feliz e não quer sofrer, esses três treinamentos superiores são cruciais. Sem eles, será muito difícil tornar a vida verdadeiramente significativa.

Treinamento Superior em Autodisciplina Ética

Pensando na autodisciplina ética e olhando para a nossa vida familiar, vemos que sempre temos que enfrentar algum tipo de problema. Muitas vezes, os pais ficam estressados, os filhos ficam estressados e, nesse tipo de ambiente, por mais que desejemos ser felizes, nunca seremos. Por que? Porque a mente desses familiares não foi treinada na paciência, por exemplo. Se um deles fosse paciente e calmo, a mente dos outros também esfriaria. Quando as discussões surgem, temos que observar o nosso corpo e fala – praticamos a autodisciplina ética da paciência e esperamos que a outra pessoa se acalme. Quando todos estiverem um pouco mais calmos, podemos sentar e tentar encontrar soluções. Se quisermos ter paz dentro da nossa família, é isso que precisamos fazer – cultivar a paciência. Caso contrário, não há como encontrar felicidade. E desta forma, no final, sempre conseguiremos encontrar soluções. Por exemplo, os membros da família podem decidir que tentarão evitar fazer certas coisas ou tentarão comportar-se de uma maneira diferente. Juntos, podemos construir paz e felicidade em família. Essa é a prática da autodisciplina ética e como podemos aplicá-la imediatamente em nossa vida cotidiana.

O Treinamento Superior em Concentração

O segundo dos três treinamentos superiores é a concentração. Mesmo que eu prometa ao meu parceiro que, de agora em diante, não farei mais aquilo que tanto o irrita, sei que farei, pois tenho hábitos muito fortes. Portanto, sei que tenho de usar a minha memória – mantendo-me atento ao que estou fazendo e dizendo – para me lembrar que se fizer ou disser isso, a outra pessoa ficará chateada e infeliz. Dessa forma, podemos treinar pouco a pouco a nossa mente, tornando-a cada vez mais estável. Essa é a prática da concentração.

O Treinamento Superior em Consciência Discriminativa

Quando se trata do terceiro e mais importante treinamento superior, em consciência discriminativa, também precisamos tentar colocá-lo em prática em nossa vida cotidiana. Podemos observar que quase todos os conflitos surgem devido à aversão, devido ao sentimento de aversão por algo que é dito ou feito. O que devemos fazer é focar internamente. Em vez de olhar para fora e identificar problemas fora de nós, precisamos olhar para dentro e investigar por que não gostamos de alguma coisa. Precisamos ver como nasce essa reação negativa em cadeia e que tudo se deve à forma como a mente funciona, como pensamos, como os padrões habituais da mente nos levaram a isso. No final, descobrimos que todos os problemas vêm da nossa própria mente. Isso é sabedoria. Posso garantir que, se você fizer isso, não terá mais problemas desse tipo em sua família.

Dando Sentido às Nossas Vidas

Com os três treinamentos superiores, estamos falando sobre como dar sentido à vida. Acredito verdadeiramente que compreender os três treinamentos superiores é de extrema importância e que eles estão além de qualquer religião. É impossível pensar realisticamente que todos neste mundo se tornarão praticantes do Dharma. Somos todos muito diferentes, temos predisposições diferentes, as nossas mentalidades e níveis de inteligência são diferentes. No entanto, esses três treinamentos superiores – em autodisciplina ética, concentração e consciência discriminativa – podem ser benéficos para toda a humanidade se os colocarmos em prática. Se realmente os praticarmos, teremos uma vida familiar feliz, pacífica e significativa. O bem-estar da nossa família se espalhará para as outras pessoas em nosso prédio, vila, país. Portanto, tudo o que fazemos na vida, mesmo que dentro da nossa pequena família, torna-se muito significativo devido às repercussões externas mais amplas. É por isso que acredito que estes três treinamentos superiores são benéficos para todos. Se os praticarmos, isso beneficiará a todos.

Esta prática de autodisciplina ética não significa necessariamente fazer votos ou promessas solenes diante de um professor. Todos podem treinar autodisciplina ética, concentração e consciência discriminativa. 

O texto que estamos lendo chama-se Os Três Aspectos Principais do Caminho. Conforme mencionei, trata da renúncia, da bodhichitta e da vacuidade, que abrangem o significado de todos os ensinamentos de todos os budas. Somos praticantes, estudamos textos do Dharma e muitos de nós entendemos o significado desses textos. Tendo compreendido quão importantes são esses ensinamentos, também nos tornaremos conscientes de quão insignificantes são as nossas atividades diárias em comparação com os ensinamentos que podem nos guiar no caminho, trazendo benefícios genuínos e verdadeiros para nós e para os outros. É com base neste pensamento que surgirá uma mente forte de renúncia. O que muitas vezes nos falta é esforço. Mais especificamente, um esforço que nos levará na direção correta. Normalmente achamos muito fácil nos esforçarmos em coisas inúteis. Dissemos anteriormente que o esforço alegre é a alegria de fazer coisas construtivas. Quando realmente compreendermos os benefícios das ações construtivas e as desvantagens das ações destrutivas, o esforço alegre e a perseverança surgirão espontaneamente. Até então, é quase impossível que surja um esforço alegre, e continuaremos lutando e nos esforçando para praticar de forma construtiva.

Utilizando a Inteligência Humana

É realmente importante usar a inteligência em todos os momentos. Temos que ser lógicos. Por exemplo, se há um problema na família porque o pai está muito estressado e é difícil falar com ele, é claro que não podemos simplesmente forçá-lo a falar e esperar que as coisas mudem. Mas digamos que sabemos que o nosso pai gosta de tomar um vinho de vez em quando, poderíamos gentilmente oferecer-lhe uma boa taça de vinho. Provavelmente, ele ficaria bastante satisfeito e sua mente um pouco menos negativa e mais pacifica. Então, lentamente, poderíamos levantar questões difíceis. Temos que ser habilidosos e usar a inteligência. Temos que ser práticos e sábios.

Se você já assistiu a muitos ensinamentos, já deve ter ouvido dizer que existimos desde tempos sem princípio. Portanto, nossos hábitos também estão conosco desde tempos sem princípio e, assim, não podemos esperar que as pessoas mudem da noite para o dia. Temos de ser inteligentes a esse respeito e não ter expectativas irrealistas. Vai levar algum tempo. Quando falamos em analisar as vantagens e desvantagens das nossas ações, não estamos dizendo que é algo que conseguiremos fazer corretamente agora. Primeiro, temos que estudar, compreender os ensinamentos e meditar. Depois, tudo fará sentido.

Portanto, precisamos praticar. E precisamos seguir os passos. Não podemos simplesmente pular de um lugar para outro. Como estamos na Itália, usarei o exemplo de cozinhar macarrão. Imagine que vim da Índia para te ensinar a fazer macarrão! Para fazer uma boa massa é preciso encontrar a receita. Você deve ter muito cuidado com a quantidade de parmesão e azeite que usa e por quanto tempo cozinha o macarrão. O tempo tem que ser muito preciso. Se seguir todos os passos corretamente, fará uma massa fantástica. E depois, o mais importante é a língua. Está gostoso ou não? Outras pessoas podem dizer que está mais ou menos, mesmo que você ache que está delicioso. Claro, antes de fazer julgamentos, temos que seguir cada passo da receita. Com a prática budista é a mesma coisa. Temos que seguir todos os passos para ter uma experiência direta. Não podemos ter uma experiência direta do Dharma a menos que conheçamos os passos, o caminho que nos leva até lá.

Falamos sobre a mente da renúncia, com qual queremos pôr fim à existência condicionada. A renúncia é a determinação de ser livre, com uma mente que tem absoluta certeza. Antes, estávamos cansados da existência samsárica. Isso tem que acontecer primeiro. Usando nossa inteligência, vemos que todas as atividades resultantes de aflições mentais nos mantêm presos na existência samsárica, no ciclo de sofrimento incontrolavelmente recorrente. Isso nos levará a compreender que é preciso acabar com as causas que nos levam a vivenciar sofrimento, o significa abandonar ações destrutivas. Essa é a prática da autodisciplina ética, com a qual abandonamos as ações destrutivas do corpo e da fala. Mas, para superarmos plenamente o sofrimento, também precisamos pacificar as nossas mentes. Para isso, temos que tornar a mente bem estável, praticando a concentração. E além de tudo isso, desenvolvemos a nossa consciência discriminativa. Essa é a fórmula para sair do samsara. Todo o caminho para o estado búdico começa com a mente da emergência definitiva, a determinação de se libertar do samsara. O momento em que esta mente é gerada é o primeiro momento do caminho.

O Primeiro Aspecto Principal: Renúncia

Agora, vamos dar uma olhada no terceiro versículo.

(3) Visto que, sem uma renúncia pura, ter grande interesse nos frutos prazerosos do oceano da existência compulsiva não é um método para (alcançar) a paz (da libertação) – na verdade, ao desejarem o que é encontrado em situações compulsivas, os seres limitados ficam totalmente presos – primeiro, busque a renúncia.

O terceiro verso fala em renúncia pura. Por que a palavra “pura”? Ela está aí para diferenciar a renúncia pura da renúncia que tem mais a ver com estar simplesmente farto dos problemas e sofrimentos do samsara. A renúncia pura vem da compreensão de que nem mesmo o mero desejo de libertação pode surgir até que compreendamos que a existência condicionada é sofrimento, o que dizer do estado búdico e da libertação. O primeiro passo que precisamos dar é gerar a renúncia pura, com uma mente genuína que queira renunciar ao samsara.

Afastando-se da Obsessão por Esta Vida

(4) Ao acostumar sua mente com o fato de que não há tempo a perder, uma vez que uma vida de folgas e enriquecimentos é tão difícil de encontrar, abandone a obsessão com as aparências desta vida. Ao pensar repetidamente sobre os problemas dos renascimentos recorrentes e que (as leis de) causa e efeito comportamentais nunca estão equivocadas, abandone sua obsessão com as aparências de (vidas) futuras.

Independentemente das atividades que realizamos enquanto buscamos objetivos mundanos, todas elas nos mantêm presos na existência samsárica recorrente. O método que normalmente empregamos para parar de seguir a fantasia da felicidade mundana é contemplar a impermanência. Há muitas maneiras de meditar sobre a impermanência. Impermanência grosseira, impermanência sutil, impermanência em geral. Um dos melhores métodos é lembrar que a morte é certa.

Como diz Shantideva em Engajando-se no Comportamento de um Bodhisattva (O Caminho do Bodisatva), todos queremos ser felizes, porém destruímos as causas da felicidade como se fossem nossas inimigas. Nenhum de nós quer sofrer, mas perseguimos as causas do sofrimento como se fossem o nosso amigo mais querido. Com esse tipo de pensamento, como podemos encontrar a felicidade genuína? Essa é a pergunta correta a fazer.

A Importância de Contemplar a Impermanência

É bom começar pensando na impermanência. A impermanência é um tema extremamente importante e devemos contemplá-lo com a maior frequência possível. A maioria de nós gosta de cultivar o ideal de bodhichitta e meditar na vacuidade, mas muitas vezes nos esquecemos dos fundamentos do caminho. Independentemente de quanto esforço colocamos para gerar bodhichitta, as realizações não podem surgir sem que tenhamos uma base sólida. Para construir uma casa precisamos de uma base, uma fundação. Sem a fundação, não podemos construir nada. Da mesma forma, se quisermos praticar o Dharma, precisamos de bases sólidas. O que fornece uma base sólida no Dharma é a meditação sobre a impermanência e a geração da mente de renúncia. A base sólida de que necessitamos é a mente de pura renúncia. A base desta mente é a nossa compreensão da impermanência.

É realmente de extrema importância contemplar e pensar sobre a impermanência. Temos a oportunidade de receber ensinamentos de Sua Santidade o Dalai Lama, e isso é incrível. No entanto, se não tivermos a base da meditação sobre a impermanência, independentemente das grandes aspirações que possamos ter enquanto ouvimos os ensinamentos de Sua Santidade, ou por mais determinados que estejamos em realmente praticar, assim que o os ensinamentos terminarem, voltamos ao nosso estado habitual. Esquecemos todas essas aspirações e decisões. Por que? Porque não temos uma base sólida. Realmente não obtivemos nenhuma compreensão da impermanência. Então, novamente:

(4) Ao acostumar sua mente com o fato de que não há tempo a perder, uma vez que uma vida de folgas e enriquecimentos é tão difícil de encontrar, abandone sua obsessão pelas aparências desta vida.

Aqui, estamos falando das aparências – ou fantasias – desta vida. Às vezes temos uma ideia romântica da prática do Dharma, mas enquanto nos sentirmos atraídos pelas aparências desta vida, tudo o que fizermos não será de forma alguma uma prática genuína de Dharma. A prática do Dharma deve ser baseada na compreensão da lei de causa e efeito. Temos que estudar e contemplar vidas passadas e futuras. Temos que ter certeza de que existem vidas passadas e futuras. Se realmente não pensarmos nas vidas futuras e simplesmente deixarmos a ideia de lado e seguirmos em frente, será muito difícil observarmos as leis do carma. Se não tivermos certeza da existência de vidas passadas e futuras, como poderemos realmente compreender a lei de causa e efeito? Temos que entender que nós mesmos somos responsáveis pelo que está acontecendo em nossas vidas e pelo que vai acontecer conosco no futuro. Temos que assumir a responsabilidade por esta vida e pelas vidas futuras. Tudo isso tem a ver com a compreensão da lei de causa e efeito.

Vidas Passadas e Futuras

Antes de conseguirmos realmente compreender como funcionam as leis do carma, temos que compreender como e por que existem vidas passadas. A maneira correta de estabelecer a existência de vidas passadas e futuras é através do raciocínio explicado em detalhes no livro de Dharmakirti que é um Comentário ao “Compêndio de Mentes que têm Cognição Válida” de Dignaga. Na verdade, não é um tema simples.

Também é um pouco difícil para mim, pois ninguém nunca me pergunta sobre vidas futuras, só me perguntam se eu me lembro das minhas vidas passadas! Muitas pessoas me perguntam sobre minhas vidas passadas, mas não me lembro delas. O fato de alguém se lembrar ou não de vidas passadas não é prova da existência ou inexistência de vidas passadas. Mas só porque não nos lembramos não significa que elas não existam.

Na verdade, existem muitas crianças que se lembram de suas vidas passadas. Elas lembram até dos nomes de seus pais, e vários casos foram verificados. Portanto, algumas pessoas têm a capacidade de lembrar vidas passadas. Quando dizemos isso aos cientistas, eles podem dizer que essas crianças têm problemas de saúde mental ou talvez os pais tenham transmitido alguma informação a elas. Por algum motivo, eles não conseguem aceitar isso como prova da existência de vidas passadas.

De qualquer forma, o ponto principal é entender se mente e cérebro são a mesma coisa. Eles são um ou não? Nas últimas décadas, muitas Conferências Mind & Life (Mente e Vida) aconteceram. O ponto-chave da maioria delas parece ser os cientistas tentando descobrir se a mente e o cérebro são a mesma coisa. Parece que, hoje em dia, alguns cientistas estão muito perto de dizer que não são. Se a ciência ocidental provasse sem sombra de dúvida que não existe separação entre mente e cérebro, que a mente e o cérebro são a mesma coisa, isso causaria muitos problemas, especialmente para nós, budistas!

Este é certamente um tema muito importante para se refletir. No entanto, se não soubermos como pensar sobre ele corretamente, com lógica e razão, e apenas meditarmos sobre ele e ficarmos presos, nossas mentes poderão se sobrecarregar de dúvidas. Se enchermos a mente com todas essas dúvidas, provavelmente não iremos muito longe. Na verdade, perderemos muito tempo se primeiro desejarmos estabelecer que vidas passadas e futuras realmente existem antes de começarmos a praticar.

Há um versículo que Shantideva escreveu e que Sua Santidade frequentemente recita:

Enquanto o espaço durar, enquanto seres sencientes existirem, que eu possa permanecer e dissipar o sofrimento do mundo.

Independentemente de acreditarmos ou não em vidas passadas ou futuras, é ótimo termos este tipo de motivação. É algo que devemos integrar em nossas vidas. E assim, poderemos avançar com a nossa prática do Dharma. Caso contrário poderemos ficar presos a um monte de conceitos que não nos levam a lugar algum.

Certa vez, em Dharamshala, eu estava debatendo com um amigo. Ele é um praticante ocidental e budista, e é muito grande e forte! Começamos a debater e eu defendi a posição de que não existiriam vidas passadas e futuras. Continuei apresentando várias razões pelas quais não existiriam vidas passadas e futuras. Em um determinado momento ele ficou muito nervoso, não conseguia encontrar o raciocínio correto para provar que existem vidas passadas e futuras. Para mim, foi apenas um debate, mas em um determinado momento, ele se levantou e disse: “Quer saber? Pensar em vidas passadas e futuras é exatamente como o Buda Shakyamuni explicou. Quando um soldado vai para a guerra e é ferido por uma flecha no olho, não se preocupará com a origem da flecha, ficará absorvido pela dor e, portanto...” Ele estava me dizendo que o mais importante é ter um bom coração, e que ficar preso em discussões sobre vidas passadas e futuras não importa e também não ajuda. Eu realmente gostei disso.

Estar Farto versus a Mente de Renúncia

Ok, de volta ao texto. Temos que compreender que não podemos encontrar nem um único momento de satisfação ou felicidade genuína nesta vida ou em vidas futuras enquanto estivermos presos ao samsara. É absolutamente necessário gerar a mente de renúncia, que deseja se libertar da existência recorrente e compulsiva.

Há uma diferença entre uma mente cansada e uma mente de renúncia. Uma mente cansada e farta das experiências do samsara é o primeiro passo. Compreendemos as desvantagens do samsara, porém essa mente não é muito estável e, às vezes, ainda apreciamos as aparências do samsara. O que diz Lama Tsongkhapa?

(5) Quando, ao se acostumar assim, você nunca gera, nem por um instante, uma mente que aspira aos esplendores do samsara, e desenvolve a atitude de que dia e noite sempre está profundamente interessado na liberação, nesse caso vez, você gerou renúncia.

A renúncia não é uma mente que às vezes se sente atraída pelo samsara e às vezes se cansa dele. É uma mente que, dia e noite, tem continuamente a intenção de buscar a libertação. Quando temos esta mente estável de renúncia dia e noite, podemos dizer que temos a renúncia pura. Então, mesmo à noite, quando estamos dormindo e sonhando, essa intenção de buscar a libertação está presente. Alguém que gerou renúncia continuará conseguindo realizar as atividades desta vida, mas não estará mais apegado a nada na existência mundana. Precisamos desta mente estável de renúncia.

Renúncia Não Significa Desistir de Tudo

Agora alguns pontos muito importantes sobre a renúncia, porque muita gente fica com a ideia errada, pensando que significa abrir mão de tudo, completamente. A mente de renúncia, a mente que não se sente atraída pelas aparências e fantasias desta e das vidas futuras, não tem nada a ver com o abandono das coisas comuns. Também não é o tipo de mente que desiste, que se resigna a aceitar as coisas como elas são. De jeito nenhum. Com a renúncia, a determinação de sermos livres, continuamos com o que estamos fazendo, mas também desistimos de quaisquer fantasias sobre que tipo de satisfação, prazer e felicidade podemos encontrar nas coisas mundanas. Sabemos que existe uma felicidade irreversível a ser encontrada e, comparadas a isso, todas as outras experiências não têm valor algum, ficam completamente sem sentido. A mente não está nem um pouco resignada, mas sim muito, muito determinada.

Não me lembro do versículo inteiro , mas uma vez alguém fez uma pergunta a Nagarjuna, dizendo: “Mestre, quem é a pessoa mais rica de todas?” Nagarjuna respondeu que a pessoa mais rica é aquela que está totalmente satisfeita e livre de apegos.

O tempo está quase acabando e cobrimos apenas o primeiro aspecto principal do caminho, que é a renúncia, a determinação de se libertar da existência compulsiva e samsárica. Amanhã abordarei os outros dois aspectos principais, o ideal de bodichita e a visão correta da vacuidade.

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