Um Comportamento Saudável em Relação ao Professor Espiritual

Um comportamento saudável em relação ao professor espiritual inclui como falamos e como agimos na presença do nosso professor espiritual. No entanto, as instruções que achamos nos textos não tratam do protocolo de como devemos nos comportar quando recebemos os ensinamentos. Geralmente, achamos essas informações em outras fontes – no que se refere a não usarmos chapéu, não estarmos armados, não apontarmos os pés para o professor ou as thangkas dos budas, e assim por diante. Acho que tudo isso pode ser incluído na categoria de demonstrar respeito.

Fazer Oferendas e Dar Suporte ao Trabalho do Professor

A apresentação tradicional enumera três pontos. O primeiro é fazer oferendas. Isso pode ser um pouco complexo, pois certamente o professor não precisa de nossas oferendas, se pensamos em termos de um buda. Um buda não precisa de nada. Com certeza, um buda não precisa de alguns pauzinhos de incenso ou de um kata.

Quando falamos de fazer a oferenda de um objeto, também temos que ter o cuidado de não nos expormos a comportamentos abusivos – a professores que nos dizem algo como: “Dê-me todo o seu dinheiro”, ou coisas assim – o que de fato ocorreu no passado com certos professores (não necessariamente budistas, mas professores espirituais). Portanto, não pode haver esse tipo de mal-entendido, não temos que dar todo nosso dinheiro para o professor.

Quando comecei a estudar com Serkong Rinpoche, eu sempre levava uma pequena oferenda para o professor, um incenso, um kata ou algo assim. Pouco tempo depois, ele me repreendeu, e disse: “Não preciso desse lixo. Por que você me dá todo esse lixo? De quantos incensos acha que eu preciso? De quantos katas, quantas centenas de katas, acha que eu preciso? Quando quiser trazer algo para mim, traga algo de que eu gosto.” Ele gostava de bananas, esse tipo de coisas. Portanto, quando quiser levar algo, não leve algo inútil; descubra do que o professor precisa, do que ele gosta. Se ele estiver acima do peso, ou fazendo dieta, não ajuda levar bolos ou doces (caso tenha autocontrole, ele com certeza dará a oferenda para a próxima pessoa que encontrar) – a ideia é dar algo que seja bom para ele. Caso você possa escolher, use sua sensibilidade para dar algo que seja realmente adequado e gentil.

Isso não quer dizer necessariamente que temos que dar coisas materiais; isso tem a ver com o conceito muito mais vasto de dar apoio ao professor. Nos textos clássicos, apoiar o professor é estar disposto a dar sua família, sua esposa, seus filhos, etc, para o professor. Isso com certeza não quer dizer que devemos oferecer essas pessoas como escravos. Em um contexto mais moderno, sei que muitos professores tibetanos que vêm para o ocidente não estão acostumados a viver sozinhos. Os tibetanos são muito sociais; nos monastérios sempre há muitas pessoas. Por exemplo, podemos convidar o professor a fazer uma boa refeição com nossa família, ou algo assim. Isso é “oferecer nossa família”.

Há um mito romântico de que os tibetanos gostam de sentar sozinhos e meditar o tempo todo. Não é assim que eles vivem na Índia. Talvez alguns deles vivam assim, mas são poucos. É claro que eles fazem vários debates, rituais e meditações, mas como eu disse, eles são muito sociais. Gostam de beber chá com amigos e conversar e contar piadas. São humanos. É tão importante vê-los como budas quanto vê-los como seres humanos que precisam de calor humano, contato humano, etc.

Sempre costumo dar exemplos de Serkong Rinpoche, já que passei tanto tempo com ele, portanto conheço bem a maneira como ele interagia com as pessoas. É claro que professores diferentes têm hábitos diferentes. Estou falando daquela geração mais antiga de professores, que cresceram, foram treinados e ensinaram no Tibete antes de irem para a Índia.

Quando viajei com ele no ocidente, em Milão, na Itália, ficamos hospedados com uma família que tinha uma casa muito grande. Todos os professores que iam para Milão naquela época sempre ficavam naquela casa onde havia muito espaço. Era uma dessas maravilhosas famílias italianas nas quais quatro gerações viviam juntas. A avó era uma cozinheira maravilhosa, uma senhora grande e encorpada. Muitos grandes lamas que ficavam hospedados lá seguiam o estilo mais tradicional de comer em seus quartos sem interagir com a família, mas Serkong Rinpoche não era assim. Essa senhora observou que, de manhã, quando ela preparava o café da manhã, Rinpoche vinha vestido apenas com o manto de baixo, não com seus mantos comuns, e sentava-se à mesa da cozinha, onde fazia suas recitações. Segundo ela, de todos os lamas que ficaram hospedados lá, ele era o melhor, pois era muito tranquilo e natural com a família. Ele realmente apreciava o tipo de contato humano que tinha com a avó na cozinha. E ele também era encorpado. Foi bem engraçado, pois quando fomos embora, a avó deu um grande abraço e um beijo na bochecha do Rinpoche, o que chocou todo mundo, mas ele ficou totalmente relaxado com aquilo. (Mas não aconselho que façam isso com seus professores. Poderia provocar algum mal-entendido.) O importante era que Rinpoche realmente apreciava a oportunidade de estar hospedado na casa daquela família tão gentil de quatro gerações. Era um prazer para ele.

O Quinto Dalai Lama, em seu lam-rim, diz que, no que se refere a oferendas, é importante considerar o momento, o lugar e a medida apropriados (medida no sentido de quantidade daquilo que se dá). Pode ser que o que era apropriado na Índia antiga não o seja absolutamente em nossos tempos modernos. É preciso usar nossa sensibilidade, a consciência discriminativa, e assim por diante, para saber o que é apropriado.

Gosto muito da descrição que fala em apoiar o trabalho do professor. O professor trabalha para beneficiar as pessoas o máximo possível, como podemos apoiar esse trabalho? Podemos dar apoio financeiro. Podemos apoiar traduzindo ou cozinhando para ele, ou conseguindo vistos, ou dirigindo para ele. Qualquer coisa. Podemos lhe dar tempo e espaço. Às vezes os ocidentais são insaciáveis e exploram os professores, tentam tirar o máximo de proveito deles sem lhes dar, por exemplo, tempo para a prática diária, tempo para descansarem (muitas vezes, são professores idosos). Todas essas coisas são oferendas.

Um erro que acontece algumas vezes é quando, por exemplo, o professor adoece, e o aluno diz: “Ah, ele é um buda. Ele só está manifestando essa doença para nos dar uma lição.” E continua a importunar o lama o tempo todo. Isso é totalmente ingênuo e sem consideração. O certo seria oferecer para levar o professor ao médico, comprar seus remédios, e coisas assim. Não é positivo dizer: “ele está manifestando isso para me ensinar algo” e deixá-lo sofrer.

Quando fazemos oferendas, não devemos fazer alarde disso – esperando um “obrigado” ou algo assim, e querer que todos vejam que estamos fazendo a oferenda. Certa vez, eu estava com Rinpoche, também na Itália, mas em outra cidade. Alguém veio ao seu encontro e falou com ele. Quando a pessoa foi embora, simplesmente deixou um envelope na mesinha ao lado; não fez um estardalhaço ao deixar a oferenda. Rinpoche disse que era uma maneira muito boa de fazer uma oferenda, caso seja possível fazer dessa forma. Se as circunstâncias não permitirem, tudo bem, podemos dar a oferenda em mãos, mas não com a postura “ah, sou tão maravilhoso por estar fazendo essa oferenda”, certificando-nos de que todos estão vendo.

O mesmo se aplica às prostrações. Lembro-me que certa vez eu estava com Rinpoche em Spiti, um vale na Índia na fronteira com o Tibete. Era uma área na qual o budismo havia degenerado muito. Rinpoche foi para lá revitalizar as tradições, as linhagens, e de certa maneira recomeçar o budismo por lá. Ele é quase visto como o santo padroeiro daquele vale. Ele morreu e renasceu lá. Sempre que ia para lá, é claro que muitas pessoas iam vê-lo; e antes de lhe dar um kata ou algo assim, as pessoas faziam prostrações para ele. Eu tinha uma relação muito próxima com Rinpoche, ele sempre me dizia o que pensava, e achava que era ridículo que houvesse uma fila fora da sala na qual cada uma daquelas pessoas esperava para entrar, ficar na sua frente, e só então fazer as prostrações. Portanto, demorava muito tempo para acabar com a fila, por causa daquele grande show das prostrações, que ele mesmo disse que era ridículo: “Eles deveriam fazer as prostrações do lado de fora, antes de entrar, e não desperdiçar o meu tempo.”

Assim sendo, sejam sensíveis e não transformem as oferendas em uma viagem do ego ou um show: “Como eu sou sagrado e maravilhoso!”. O mais importante é a atitude.

Ajudar o Professor e Demonstrar Respeito

O segundo aspecto mencionado aqui é novamente um termo que contem duas palavras: nyenkur (bsnyen-bkur). A primeira palavra, nyen (bsnyen), é frequentemente traduzida como servir, mas não acho que seja uma tradução muito útil. A palavra significa “ajudar”. Portanto, ela tem duas conotações. Ajudar não como um serviçal ajudaria, embora às vezes, por causa da natureza hierárquica da Índia e do Tibete, possa parecer que seja assim, mas a ideia do serviçal não é muito adequada nos tempos atuais se a associarmos com uma postura depreciativa, por exemplo: “ah, esse serviçal sujo”. Acho que seria mais algo assim como um assistente. O que faz um assistente? Por exemplo, Rinpoche era idoso e estava acima do peso. Eu lhe oferecia meu braço ou minha mão, para ajudá-lo a sair ou entrar no carro, ajudá-lo a se levantar, coisas assim. Certo? Ou ia comprar algo para que ele não tivesse que sair e comprar.

Outra conotação dessa palavra é “aproximar-se de alguém”. Podemos nos aproximar dando assistência e ajudando, mas a conotação mais comum dessa palavra é “aproximar-se emulando o bom comportamento e as qualidades da pessoa”. É a mesma palavra que achamos no termo genyen (dge-bsnyen, sct. upasaka). Nyen (bsnyen) significa “aproximar-se de”. Ge (dge) é “comportamento construtivo ou virtuoso”. Nós nos aproximamos dos monges ou das monjas, de como eles são, mantendo os cinco votos.

O termo também é usado para os longos retiros de três ou mais anos de prática de uma divindade. Nesse caso, o termo significa “aproximar-se”. Às vezes são chamados de retiros de aproximação. Em outras palavras, nós nos aproximamos emulando a divindade com nossa visualização, e assim por diante, para pouco a pouco nos tornarmos a divindade. Essa é a conotação da palavra.

Portanto, estamos nos aproximando do professor. Esse é o sentimento que está sendo transmitido aqui. Nós nos aproximamos quando o ajudamos a se levantar, dando assistência e ajudando quando possível, e nos aproximamos também à medida que nos tornamos mais equilibrados e emulamos a forma como ele se comporta, como age, suas boas qualidades. Tudo isso está incluído no termo. Quando está escrito que é preciso agradar ao guru, é disso que se trata, nós agradamos quando seguimos a prática dele, tentamos aprender com ele, emulamos suas boas qualidades.

A segunda palavra é kur (bkur), significa “demonstrar respeito”. Voltando novamente ao que disse o Quinto Dalai Lama, tudo tem que ser de acordo com o tempo, o lugar e a medida da demonstração de respeito. Obviamente, seguir alguns dos costumes tibetanos mais tradicionais como se agachar, colocar a língua para fora para mostrar que não somos demônios (a língua não tem a cor preta) e segurar o ar diante do lama para não contaminá-lo com a nossa respiração, tudo isso parece muito ridículo e artificial.

Então, surge a questão: Devemos fazer prostrações para o professor? Bem, se for um professor tibetano e for parte de seus costumes, tudo bem. É adequado seguir as maneiras tibetanas de demonstrar respeito quando se trata de professores e discípulos ocidentais? É uma questão bem interessante. O problema é que essas imitações das formas tibetanas – ou indianas, chinesas ou japonesas – de demonstrar respeito são muito artificiais. Elas não são acompanhadas do estado mental adequado. Acabamos sendo somente macacos imitando outra cultura. Mas até mesmo adotar certos costumes ocidentais, como a saudação à rainha (nós nos curvamos e as senhoras reverenciam), isso também nos pareceria ridículo, não é mesmo? Ou bater os calcanhares e fazer uma saudação como no exército. Claro que não funciona. Acho que isso é algo que precisa evoluir em termos do que seria adequado, confortável para nós ocidentais, no que se refere a demonstrar o respeito por professores ocidentais, pois obviamente isso ocorrerá no futuro – já está ocorrendo.

E já temos certos costumes que são seguidos, que também vêm dos textos. O professor entra, nós nos levantamos; esperamos até que ele se sente antes de nos sentarmos. Mantemos o silêncio – paramos de conversar uns com os outros, desligamos o celular. São demonstrações de respeito. Não é como na universidade ou em algumas escolas nas quais os alunos estão sempre enviando mensagens de texto durante as aulas – claro que isso seria muita falta de respeito, e não fazemos esse tipo de coisas.

Há diferentes formas de demonstrar respeito. Usar roupas adequadas, não roupas muito sensuais ou muita maquiagem e muitas joias, coisas assim, ou regatas que mostram os músculos masculinos – não há necessidade disso; isso não seria respeitoso. Ser pontual e não sair antes do fim. Trata-se de formas adequadas de demonstrar respeito. E isso pode variar de uma geração para a outra. Para a geração mais velha, a maneira como nos vestimos é bem mais importante do que para os mais jovens, por exemplo.
Acho que o mais importante é entender o que é adequado para cada pessoa, para sua idade – como diz o Quinto Dalai Lama – o que é adequado para o tempo, o lugar, a quantidade, a forma, esse tipo de coisas. É possível ver nos grupos que acompanham sua Santidade o Dalai Lama em suas viagens – quando eu também o faço – que os homens sempre estão vestidos de terno e gravata como uma forma de demonstrar respeito. E não se trata tanto deles demonstrarem respeito por Sua Santidade – é apenas uma parte da questão – mas o público também terá mais respeito por toda a situação se eles não estiverem vestidos de uma forma descuidada, informal, com roupas sujas. É claro que, em última instância, isso não faz nenhuma diferença, mas esse não seria um argumento válido contra as convenções aceitas mundialmente, no que se refere a demonstrar respeito.

Portanto, aproximar-se de muitas formas do professor, dando assistência, ajudando, demonstrando respeito ao lidar com ele, e assim por diante, é a segunda orientação do que é um comportamento adequado, de como devemos agir com o professor.

É claro que há diferentes níveis de professores, e todos os professores são diferentes, e têm diferentes personalidades. Alguns professores são muito afetuosos; alguns não são. Percebam isso. Eu me lembro de vários exemplos. Sua Santidade o Dalai Lama às vezes abraça as pessoas, mas não podemos ir até ele e abraçá-lo. O velho Lama Yeshe era muito afetuoso e costumava abraçar. Serkong Rinpoche nunca abraçava ninguém, e ninguém nunca o abraçava – ninguém além daquela babushka idosa, a avozinha italiana – ele não costumava fazer isso. Portanto, percebam o que é adequado para cada professor, não para vocês mesmos, tipo: “Estou com vontade de te dar um grande abraço.”

É possível criar muitos problemas por causa das diferenças de costumes nos diferentes países. Todos são tão diferentes. O costume de cumprimentar uma pessoa, e simplesmente sair dando dois beijinhos, esse tipo de coisas... Em alguns países damos apenas um beijinho, em outros damos dois. Em outros, três. Em outros, quatro. Em alguns países, os lábios não tocam a face da outra pessoa. Em alguns países, eles tocam. Em alguns países, só homens e mulheres se cumprimentam assim. Entre turcos e árabes, os homens se cumprimentam uns aos outros dessa forma. Podemos criar muitos problemas agindo de uma forma incorreta em certos países (isso me aconteceu). Acontece um grande mal-entendido pela forma como você cumprimenta a pessoa. Portanto, é melhor observar como fazem as pessoas. Não estamos falando de quando a pessoa vai ensinar, como um professor, mas em geral é importante prestar atenção aos costumes. 

Aceitando os Conselhos do Professor

A terceira forma – considerada a melhor – de como devemos nos comportar com o professor é praticar de acordo com os seus conselhos.

Quando perguntamos ao professor sobre certas decisões – e por favor, não se trata de pedir um oráculo sobre coisas estúpidas e triviais – mas quando pedimos um oráculo ou um conselho relacionado a uma questão importante, isso significa que faremos o que o professor sugerir. Caso contrário, por que pedir? As pessoas que não gostam da resposta do professor vão ver outro professor até receberem a resposta que querem ouvir. Sabe quando você joga uma moeda para decidir o que fazer e não gosta da resposta, então você decide: “okay, vou jogar três vezes, ganha o lado que aparecer duas vezes”. E se não gostar do resultado, decide: “ok, vou jogar cinco vezes”. Não faça isso. Não é a maneira adequada de pedir algo ao professor. Você está pedindo um conselho, e faz o que ele está sugerindo, e depois você lhe dá um retorno: “Eu segui o seu conselho”.

É claro que podemos avaliar o conselho. Se o professor pedir para fazermos algo que está além de nossa capacidade e realmente não pudermos fazer o que ele pede, é claro que podemos dizer: “Por favor, explique por que está pedindo isso. É muito difícil para mim.”

Quando pedimos conselhos, o mais adequado é pedir conselhos relacionados a práticas. Como eu disse, é muito importante estar disposto a fazer o que o professor sugere. Sem reclamar. Meu bom amigo, Alan Turner, que morreu alguns anos atrás, também era um discípulo próximo de Serjong Rinpoche. Era um praticante muito sério. Rinpoche costumava chamá-lo de “meu iogue ocidental”. Quando foi a vez dele fazer seu ngondro (sngon-’gro), suas práticas preliminares, ele pediu instruções do que fazer ao Rinpoche – qual era a visualização, o que ele deveria recitar, e assim por diante – e ele realmente seguiu as instruções. Quando ele voltou a se encontrar com Rinpoche, este perguntou: “Como você está?” Alan respondeu: “Eu fiz oitenta mil.” Rinpoche disse: “O que você está visualizando? O que está recitando?” E ele respondeu. Rinpoche disse: “Não, não. Isso não é bom. Você deveria fazer dessa forma. Recomece.” E ele lhe deu outra visualização e recitação. E Alan fez o que ele sugeriu sem reclamar nem dizer: “Bem, você me disse para fazer dessa forma!”. Ele era muito bom.

Quando eu fiz o retiro de Longa Vida de Tara Branca, quando fazemos o puja do fogo, que é um dos pujas mais difíceis, porque temos que oferecer dez mil pares de um capim muito longo (como um junco que cresce na Índia) ao fogo, e cada par com um mantra, temos que fazer a prática rapidamente, pois pode levar muito tempo se for feita devagar. Eu fiz esse retiro e o puja do fogo, e um monge me ajudou a colher o capim, mas não chegamos a colher dez mil; não era suficiente. Rinpoche me mandou repetir toda a prática, não o retiro inteiro, mas todo o puja do fogo. Tive que colher mais dez mil capins.

Assim seguimos os conselhos do professor. Lembrem-se de que existe essa espécie de contrato não verbal no qual nós nos comprometermos a não ficar com raiva.

Quando pedimos conselhos, e não apenas algo como: “O que devo praticar”, mas quando pedimos conselhos relacionados à nossa vida privada, isso não faz parte do relacionamento tradicional entre discípulo e professor budista. Nos nove anos que aprendi com Rinpoche, ele nunca me perguntou nada sobre minha vida pessoal ou meu passado ou minha família. Nunca fez perguntas. A relação se passava no momento presente daquilo que estávamos fazendo e do que ele estava me ensinando, enquanto me treinava para ser um professor e um tradutor.

Realmente, não é adequado pedir conselhos, especialmente se o professor for um monge ou uma monja, sobre problemas no casamento e problemas sexuais, ou algo assim. Isso é totalmente inapropriado. O professor budista não é um psiquiatra ou um psicoterapeuta barato. Tradicionalmente, não falamos sobre a nossa vida pessoal. O professor fala e dá ensinamentos, e depois cabe a nós como discípulos colocá-los em prática. Caso tenhamos perguntas sobre a prática ou os ensinamentos, nós perguntamos. A forma de perguntar é: “O senhor tem alguma objeção se eu...”. É a forma clássica de perguntar.

Lembro-me de quando fiz duas viagens internacionais nas quais fui tradutor, secretário, agente de viagens, e assim por diante, de Serkong Rinpoche. No final da segunda viagem, Rinpoche estava voltando para a Índia, e eu disse: “O senhor tem alguma objeção se eu ficar na América por mais algumas semanas para visitar a minha mãe?”. Na maior parte das vezes, ele dizia: “Não tenho nenhuma objeção.”. Mas daquela vez, ele disse: “Não faça isso. Volte para a Índia e vá para o sul da Índia comigo. Haverá um encontro muito importante” – um ritual com iniciações no qual Sua Santidade, Ling Rinpoche e Serkong Rinpoche estariam juntos. De fato, foi a última vez na qual os três estiveram juntos. Ele sentiu que era muito importante que eu estivesse lá.

Perceberam que é uma forma muito mais madura de pedir conselhos? Não vamos ver um guru e perguntamos: “O que devo fazer?” e ficamos abertos a qualquer coisa que ele nos diga. Pode ser que ele nos mande viver em outra parte do mundo, e isso pode ser bem perturbador, já aconteceu com muitas pessoas. Não chegamos até o guru com uma postura de: “Eu sou um nada. Não sei nada. Diga-me o que devo fazer.” Não é um relacionamento maduro. É importante não se tornar dependente do professor. Ele nos ensina a andar com nossos próprios pés. Ou seja, você tem uma ideia em relação ao que quer fazer a seguir e então faz a pergunta: “Você teria alguma objeção em relação a isso?” Se ele achar que isso não será muito bom para você, ele lhe dirá quais são as suas objeções; caso contrário ele lhe dará a permissão para fazer o que quer.

No entanto, no relacionamento entre um professor ocidental e alunos ocidentais, isso parece ir em uma direção ligeiramente diferente da tradicional, e novamente é preciso adaptar-se. O tipo de relação entre um tibetano e um tibetano, ou entre um ocidental e um tibetano, ou um tibetano e um ocidental, é bem diferente por causa das diferenças culturais. Não conheço os costumes aqui, da Igreja Cristã Ortodoxa, mas os ocidentais que vêm de outras formas de cristianismo pensam mais no modelo do pastor quando pensam em um professor espiritual, alguém que procuramos para obter conselhos relacionados à família, coisas assim. Entre dois ocidentais, ir um pouco nessa direção parece funcionar um pouco melhor – pelo menos, foi o que descobri em minha experiência como professor – o que costumava chamar de “pessoal impessoal”. Era impessoal porque o professor não perguntava: “Como é a sua família? Como foi a sua infância?” mas era muito pessoal porque realmente interagíamos com a outra pessoa.

Acho que a relação entre o aluno ocidental e o professor ocidental ainda está evoluindo e será ligeiramente diferentes em países diferentes. Com meus alunos em Berlim, eles também são meus amigos próximos, saímos juntos – vamos ao cinema ou ao restaurante ou coisas assim – mas ainda assim eles demonstram grande respeito por mim. Eles demonstram grande respeito, mas não fazem prostrações. Isso também depende do indivíduo. Por outro lado, acho pouco saudável quando um professor entra na viagem que costumo chamar da viagem do “grande guru branco” e quando os alunos começam a projetar no professor a viagem do “grande guru branco” – quando ficam apenas imitando os grandes lamas tibetanos. É absurdo.

Já quando os professores ocidentais chegam ao nível de poder dar iniciações tântricas, essa também é uma área nova. O fato de serem ocidentais não os desqualifica nem faz com que não possam ser grandes mestres tântricos. Obviamente, os tibetanos não são indianos, mas os tibetanos se tornaram grandes mestres tântricos. Mas como os ocidentais desconfiam mais dos professores ocidentais, quando um professor se torna um mestre tântrico – o que não significa sair por aí anunciando “estou dando iniciações”, pois o pedido de recebê-las deve vir da parte dos alunos – ele realmente tem que ser qualificado, e ter a permissão do professor, sem fazer alarde disso.

Adoro o estilo do antigo Serkong Rinpoche. Ele era ótimo. Quando viajávamos ele não levava nenhum desses instrumentos rituais ou coisas sofisticadas, nada desse tipo. Quando ele dava iniciações no ocidente, ele usava uma garrafa de leite ou de refrigerante ou algo assim. Para certos rituais são necessários pequenos desenhos de divindades – ele não levava pinturas elaboradas consigo; ele as desenhava à mão ele mesmo. Certa vez, em um centro zen, em Nova Iorque, pediram-lhe uma iniciação de Manjushri, uma cerimônia de permissão, e Rinpoche a deu sentado no chão, sem quaisquer instrumentos ritualísticos.

Portanto, a humildade é muito importante. Acho que, especialmente para os ocidentais, o aspecto da humildade é uma das qualificações mais importante – humildade e honestidade. Quando professores ocidentais viajam ostentando um grande título, e têm de ser chamados pelo título, e querem ser tratados como tibetanos, e assim por diante – é bom desconfiar e se perguntar qual a motivação por detrás disso. Certo? Em algumas situações pode ser adequado; em outra pode não ser.

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