Revisão – O Estado Emocional para Tomar Refúgio
Na sessão passada, falamos sobre a importância e necessidade de darmos um direcionamento positivo à nossa vida. Vimos que o refúgio é um direcionamento no qual nos protegemos de dificuldades. Passamos por toda uma lista de dificuldades que enfrentamos e que nos impedem de sermos felizes.
Além disso, vimos que, no nível mais básico, a felicidade vem de um sentimento de conexão com os outros. Essa sensação de estarmos conectados se desenvolve quando evitamos comportamentos destrutivos, nós a vivenciamos quando os outros passam a confiar que não faremos nada para magoá-los. Basicamente, eles sentem que podem confiar em nós; sabem que não lhes faremos nada de mal. A amizade tem essa confiança como base. Para sermos felizes e nos sentirmos mais conectados com os outros, com essa base, precisamos evitar ficar com raiva, ser agressivos e egoístas com os outros. Geralmente, trata-se de abrir o coração e não pensar apenas em nós.
Todos esses comportamentos negativos e destrutivos - como a raiva, uma mente limitada, um coração fechado, etc - nos levam a ficar aterrorizados com nosso comportamento; geralmente, nos referimos a isso como medo: “Tenho medo de continuar sendo assim, me afastando dos outros, me afundando na solidão, depressão e infelicidade.” No entanto, percebemos que há esperanças; não somos impotentes nessa situação. Reconhecemos que há um caminho para superar todos esses obstáculos autodestrutivos.
Também falamos sobre como é possível, para o cérebro e para a mente, forjar novos caminhos, novos hábitos. É possível mudar, como no exemplo no qual aprendemos a usar a nossa mão esquerda quando a mão direita está paralisada. Depois, quando forjamos novos caminhos, conseguimos superar o medo - por exemplo, o medo de abrir nossa mente e coração para os outros. A mente é perfeitamente capaz de se abrir não tem que ficar fechada, inflexível, ou com medo do que é novo ou diferente. Em suma, temos esse medo; nos assusta a ideia de continuarmos num mau caminho. Também temos a confiança de que é possível mudar e se abrir. Depois, há a compaixão. Fazemos tudo isso porque pensamos nos outros, para nos sentirmos mais conectados com eles, mesmo se for só por egoísmo. Começamos por razões egoístas e trabalhamos até realmente conseguirmos beneficiar os outros.
O medo, a confiança e a compaixão são as três causas de refúgio. Juntas, elas são o estado emocional necessário para tomar refúgio, para darmos esse direcionamento seguro e positivo à nossa vida. Por favor, observem que estou apresentando tudo isso em um nível muito básico antes de falarmos, tecnicamente, de Buda, Dharma e Sangha. Primeiro temos que entender a ideia geral do que está por detrás do refúgio e do direcionamento seguro, antes de nos aprofundarmos nos detalhes, pois toda essa ideia de dar um direcionamento seguro à nossa vida é realmente muito benéfica para todo mundo. Não temos que ser budistas. O que torna esse assunto especificamente budista é se perguntar: “Quais as fontes totalmente confiáveis e seguras que podem nos mostrar o caminho para nos tornarmos budas?” Portanto, não se trata apenas de ter um direcionamento positivo para nossa vida; trata-se de identificar aqueles em que podemos confiar, que são capazes de nos guiar através de todos os estágios até o objetivo final da iluminação, e estar convencidos de que são guias sinceros e que somos capazes de alcançar esses objetivos. Nem mesmo temos que acreditar no objetivo final para adotarmos esse direcionamento.
Meditação – Ter um Efeito em Nós
Falamos do dharma, de uma forma bem geral, como sendo os métodos que o Buda ensinou. Muitos desses métodos podem ser praticados por qualquer pessoa, mesmo que ela não acredite em renascimento e assim por diante. Quando falamos da Sangha de uma forma mais geral, não temos que pensar necessariamente na comunidade de aryas que alcançaram a cognição não-conceitual da vacuidade. O simples fato de que há outros indo nessa direção já pode nos dar forças. Portanto, quando falamos de refúgio, precisamos começar adquirindo o nível fundamental dele, que é o nível mais básico de nos trabalharmos. Quando vamos nessa direção, nos assusta muito a possibilidade de criar mais e mais problemas para nossa vida. Confiamos que é possível mudar enquanto trabalhamos para nos sentirmos mais conectados com os outros.
Depois, passo a passo, podemos fazer o lam-rim, verificando nossa motivação, etc, rumo à iluminação. No entanto, esse direcionamento básico é subjacente a todo o caminho. É a fundação. Caso contrário, é muito fácil praticar os métodos budistas - especialmente os métodos avançados de visualização, tantra, recitação, mantras e todas essas coisas - mas não os aplicamos realmente para mudar, para melhorar nossa vida. Simplesmente praticamos, por uma razão qualquer, sem que isso afete a forma que lidamos com as situações do cotidiano. Fazer isso significa que não entendemos que o ponto principal de qualquer uma dessas práticas é a autotransformação. Todos os métodos do dharma são um apoio para nossa transformação, para nos trabalharmos, superarmos nossas imperfeições, desenvolvermos boas qualidades e ajudarmos melhor os outros.
Agora, quais são os métodos básicos que usamos para meditar? Meditar significa criar o hábito de dar esse direcionamento seguro para nossa vida. Há um método geral, aplicado a diferentes tipos de meditação nos ensinamentos do dharma. Trata-se de usar a imaginação - muitos dos métodos budistas usam a imaginação - e aqui nós nos imaginamos em três estágios, três situações diferentes. São elas:
- Caindo de um penhasco
- Prestes a cair da beira de um penhasco e
- Indo, numa esteira rolante, rumo à beira do penhasco onde por fim cairemos.
Não importa se usamos a imagem de um penhasco ou o topo de um arranha-céu.
Primeiro, identificamos onde estamos caindo. Podemos começar com alguns exemplos gerais; como, por exemplo, um estado de depressão, solidão ou isolamento. Seria muito assustador cair nesses estados. Por exemplo, quando pensamos: “Sou velho, só quero ficar em casa, estou só, isolado e deprimido.” Antes de tudo, isso nos assusta e não queremos realmente que aconteça. Além disso, entendemos que esses sentimentos estão sendo causados pelas limitações de nossa mente que nos fazem reclamar o tempo todo e só pensar em nós. Basicamente, somos muito desagradáveis com qualquer pessoa que vem nos visitar.
Depois, ainda que isso esteja acontecendo ou continue a acontecer e seja muito assustador, também confiamos que é possível parar esse comportamento ou criar hábitos melhores. Pensamos nos outros: “Se eu for assim com todo mundo, eles não vão querer estar comigo, e esse meu comportamento fará com que se sintam incrivelmente infelizes. O estado mental deles ficará péssimo depois de um encontro comigo. E eu não quero que seja assim. Não quero que eles se sintam assim.” Portanto, com essa motivação em três passos, imaginamos primeiro que estamos caindo em depressão - já estamos caindo e pensamos: “Uau, realmente não quero que isso aconteça; quero ter um direcionamento seguro para evitar essa depressão.”
E depois vem o segundo passo: estamos prestes a cair nesse estado mental horrível, sentindo “Uau, realmente não quero isso!” e aí entra o direcionamento seguro. O terceiro passo é um pouco antes de chegar ao penhasco, mas se continuarmos agindo da mesma forma, acabaremos indo para lá. Por isso, dizemos: “Uau, tenho que parar. Há um direcionamento seguro que é possível e eu vou adotá-lo para minha vida, vou me trabalhar, de modo a estar com os outros sem ficar reclamando o tempo todo. ”Esse é o caminho tríplice sobre o qual meditamos ao tomarmos refúgio.
Obviamente, podemos fazer isso imaginando que estamos caindo em um inferno, mas não temos que ficar restritos a esse modo clássico de meditar. Cair numa depressão horrível, ficar isolado - já é suficientemente infernal, e queremos evitar essa queda. A forma clássica é imaginar que estamos caindo em um inferno. Então, vamos tentar fazer isso na meditação.
Meditação Tríplice Guiada sobre o Refúgio
Primeiro, como com qualquer meditação, precisamos nos acalmar. Geralmente, nos aquietamos focando na respiração. Esse foco ajuda muito porque temos que soltar cada respiração, já que não podemos prender a respiração para sempre. A cada vez que expiramos, tentamos soltar qualquer tensão, quaisquer pensamentos que tivermos. Isso nos ajuda a nos acalmar e aquietar. Também nos conecta com nosso corpo, de modo que não ficamos apenas perdidos em nossos pensamentos. De certa maneira, respirar assim ajuda a nos aterrarmos.
Depois, nos lembramos de como é esse estado depressivo, solitário, isolado ou amargo. Por exemplo, o estado mental que nos faz sentir que “ninguém me ama”. Não temos que gerar esse estado, basta nos lembrarmos dele. Depois, pensamos: “Isso é realmente assustador, um estado mental horrível. Com certeza, não quero isso para mim. Eu ficaria aterrorizado se algo assim acontecesse comigo.”
Depois, pensamos: “Tenho medo que isso aconteça se eu não mudar. No entanto, confio que seja possível mudar. O cérebro tem neuroplasticidade, a mente é flexível. É possível mudar meus hábitos, parar de reclamar e agir de uma forma tão desagradável que só afasta as pessoas."
“Posso abrir o meu coração para os outros. Não tenho que ser tão fechado, só pensar em mim, reclamar sobre tudo que acontece comigo, comigo, comigo, sem me importar com nenhuma outra pessoa."
Depois, pensamos: “Eu me importo com os outros e o efeito de meu comportamento sobre eles. Não quero que fiquem infelizes por causa de meu comportamento.” Então, desenvolvemos compaixão.
Agora, imaginamos que estamos caindo nesse estado de depressão, isolamento ou solidão. Não chegamos ao fundo do abismo ainda, mas estamos caindo. Aterrorizados por essa situação, mas confiantes de que podemos mudar, sentindo compaixão pelos outros, tomamos a forte resolução de ter esse grande objetivo: “Vou dar um direcionamento positivo à minha vida e trabalhar para superar meu comportamento negativo.” É como se estivéssemos caindo e, de repente, quiséssemos mudar o rumo e voltar voando para cima."
Depois, imaginamos uma situação semelhante na qual estamos na beira de um penhasco, prestes a cair. Novamente, nos sentimos aterrorizados e pensamos: “Ah, mas eu tenho a certeza de que conseguirei parar antes, pois eu me importo com os outros.” Assim, evitando cair, adotamos um direcionamento positivo."
Depois, na terceira situação vemos que estamos indo para a beira do abismo. Ainda não chegamos lá, mas vemos que, se continuarmos agindo da forma como temos agido até agora, nos aproximaremos cada vez mais do abismo. Pensamos: “Realmente quero evitar isso, é muito assustador. Portanto, para evitar, adotarei esse direcionamento positivo para minha vida agora. Estou confiante e acredito que conseguirei tomar esse direcionamento positivo, pois eu me preocupo com o efeito de minhas ações nas outras pessoas. “ Assim, em vez de irmos para o abismo, nos movemos na direção contrária e mais segura.
Finalmente, terminamos a meditação focando novamente na respiração para nos aquietarmos e acalmarmos.
Basicamente, essa é a estrutura da meditação sobre o refúgio. Pensamos em muitas diferentes situações infernais que queremos evitar e depois, ao terminar, conseguimos ter uma ideia mais clara do que significa ter um direcionamento positivo, no que diz respeito a confiarmos no Buda, no Dharma e na Sangha e adotarmos o direcionamento seguro que eles nos ensinam. No entanto, a estrutura da meditação consiste nos três passos que acabamos de ver. Primeiro, precisamos entender a estrutura da meditação, depois podemos imaginar mais detalhes.
Perguntas
Há uma instrução que não inclua o medo? Tenho trabalhado por muito tempo em desenvolver o lado positivo das coisas em minha vida e acho que o medo bloqueia tudo, não permitindo que as coisas boas aconteçam.
Bem, por isso acho que é importante diferenciar dois tipos de medo. Há o medo que vem com o sentimento de “Não há esperança. Estou desamparado, não há nada que eu possa fazer.” Isso nos paralisa, pois se trata de um tipo de medo muito negativo. No entanto, há um tipo positivo de medo, que é saber que existe uma forma de evitar algo que queremos evitar e nos faz perceber que não estamos desamparados. Esse tipo de medo nos leva a evitar o que não queremos vivenciar.
Por exemplo, digamos que estamos tirando uma farpa de um dedo ou um cisco do olho e pensamos: “Estou com medo de fazer com que isso piore, mas sei que, se eu tiver cuidado, posso evitar.” Por que queremos ter cuidado? Porque não queremos nos machucar. Há uma forte sensação de “não quero me machucar.” Como chamamos isso? Será medo? Será receio? Será que estamos assustados diante da ideia de que vamos enfiar essa agulha no olho, ou algo assim? Como chamamos isso? É realmente difícil identificar a palavra exata para descrever essa sensação tão forte.
Eu costumava usar a palavra “receio”. Não sei se essa palavra existe em russo, mas o exemplo que eu usei muitas vezes é: “Tenho um encontro com alguém que é terrivelmente chato e realmente não estou com vontade de ir, mas tenho que ir. Não tenho medo do encontro em si, mas receio essa situação."
Meu pensamento mais recente - e ele está sempre mudando - é que receio não é uma emoção suficientemente forte. Por exemplo, quando digo que receio viver em um asilo de velhos, onde ninguém vem me visitar e fico sentado sozinho me sentindo horrível, acho que a palavra “recear" não é forte o suficiente. De certa maneira, realmente receio essa situação, mas é mais do que isso, eu a acho assustadora. Realmente não quero ter esse tipo horrível de sentimento. Não é bem medo e é mais forte que receio. Agora, estou brincando com a palavra “assustador”, pois tem que ser uma emoção forte, mas que não nos paralisa.
Em outras palavras, tem que ser um estado mental que nos ajuda, não um estado mental que acaba sendo um obstáculo. Depois, tentamos trabalhar com aquele receio, aquele estado mental assustador, e permitimos que ele nos ajude, sendo que ele pertence à categoria geral de sentir-se assustado, amedrontado, receoso, - mas não de modo que esse sentimento nos paralise, pois ele vem com a confiança de que há uma forma de evitar o que tememos. O medo não é a única motivação. O medo vem com a confiança de que há uma forma de evitar o que tememos, juntamente com o pensamento: “Quero evitar isso não só por minha causa, mas porque quero conseguir ajudar mais os outros. Esse estado não está só me machucando, está machucando todo mundo! Como poderei ajudar qualquer pessoa se ficar aprisionado por muitas eras em um inferno?”
Lembrem-se há três tipos de crença ou confiança que combinamos aqui. A primeira é baseada na razão - que podemos mudar e que faz sentido ter confiança nisso. É claro que faz sentido que podemos mudar e que podemos evitar comportamentos negativos. O tipo de confiança lúcida é aquela que nos livra de emoções perturbadoras. Portanto, aquele tipo de desamparo do qual falamos seria o aspecto negativo do medo; se acreditarmos que podemos mudar e que há um método confiável que podemos seguir para isso, já não teremos o tipo de medo que paralisa. Teremos o tipo saudável de medo. E depois vem a confiança que aspira, com a qual sentimos: “Confio que posso ir nessa direção e, por isso, aspiro a ir nessa direção."
É difícil para mim visualizar minhas situações infernais pessoais, pois elas não estimulam tanto medo em mim. Portanto, seria possível, neste caso, imaginar os grandes problemas de nossa sociedade? A possibilidade de ter que lutar em uma guerra, por exemplo, ou seria isso apenas uma tentativa de minha mente de evitar meus problemas pessoais reais?
Sua Santidade o Dalai Lama sempre diz que temos que pensar em problemas sociais mais amplos, como a guerra, etc. No entanto, podemos ter mais efeitos se começarmos pensando em nós. Por isso, o foco principal no início é de nos trabalharmos e depois disseminarmos isso cada vez mais aos outros ao nosso redor. Essa é a maneira de criar uma mudança social gradual, porque a maioria de nós não tem a habilidade de provocar uma enorme mudança social.
Quando pensamos em uma situação de guerra, o que causa a guerra? Ela é causada pela raiva, pelo apego a opiniões, por um lado não considerar a opinião do outro. Depois, aplicamos essa situação ao nosso caso. “Quando tenho problemas com outras pessoas, pode ser que não seja uma guerra onde saio atirando, mas é o mesmo tipo de problema - que envolve raiva, apego às minhas opiniões, não considerar o que os outros estão sentindo, etc."
Em outras palavras, se tivermos medo de lutar em uma guerra - bem, o que podemos efetivamente fazer para evitar isso? Podemos sair às ruas e protestar. Ainda que isso nos faça sentir melhor, não erradicaremos o problema. A fonte principal do problema é a raiva e o apego às próprias opiniões. São questões que só podemos trabalhar dentro de nós. Portanto, temos que confiar que nos trabalhar nos ajudará. Pensamos sobre essas duas causas, as duas partes da motivação. Pensamos: “Minha raiva me assusta, mas confio que se eu me trabalhar isso realmente terá um efeito que perceberei em mim.” Nos trabalhar pode trazer resultados mais rápidos do que tentar mudar a sociedade. As mudanças sociais levam um tempo extraordinário.
Podemos ter medo que uma bomba atômica caia sobre nossas cabeças, mas o que podemos fazer para evitar isso? Vamos nos esconder debaixo de uma cadeira? O que podemos fazer?
De que forma o refúgio pode ajudar a lidar com o medo de bombas atômicas? Como ele pode ajudar a lidar com nossos próprios estados emocionais?
Ajuda quando pensamos: “O que podemos de fato afetar?” Em outras palavras, seja realista. Portanto, “tenho medo de que uma bomba atômica caia em cima de minha cabeça. Bem, há muito pouco que eu possa fazer para evitar que uma bomba caia.” Ter medo não vai ajudar, apenas nos fará infelizes. O conselho de Shantideva é que, se houver algo que você possa mudar, por que ficar chateado ou se aborrecer? Apenas mude. E se for algo que você não possa mudar, pois não está em seu poder, por que se aborrecer ou chatear? Tampouco ajudará.
Depois, mudamos o foco; em vez de querermos nos salvar de uma bomba, queremos nos salvar do medo, da infelicidade do medo. O medo é algo que podemos trabalhar - portanto, se houver algo que podemos fazer em relação a ele, devemos fazer. Se não pudermos fazer nada a respeito, bem, nesse caso é melhor vivermos da melhor forma possível enquanto a bomba não cair em nossa cabeça. De qualquer maneira, a morte virá um dia - podemos morrer atropelados por um caminhão; não tem que ser uma bomba atômica caindo em nossa cabeça.
Mudamos nosso foco e, em vez de trabalharmos para nos livrarmos da bomba atômica, passamos a trabalhar para nos livrardo medo. Esse trabalho interno é acessível para nós. Por exemplo, no caso de um incêndio, pode ser que tenhamos medo de simplesmente sair correndo da casa e esquecer as crianças. Queremos trabalhar nisso para que esse medo e a tendência de pensarmos só em nós não sejam superiores à nossa preocupação com o resto da família. É um bom tipo de medo a ser trabalhado - o medo de sermos egoístas demais e só pensarmos em nos salvar.
Se tivermos medo pelos outros e, ao mesmo tempo, não soubermos como ajudá-los, esse tipo de medo é ou não é um obstáculo?
Depende. Sentimos que nunca conseguiremos aprender ou temos o objetivo de nos tornarmos um buda para conhecermos todas as possíveis maneiras de ajudar os outros? Nesse último caso, temos que dar passos nessa direção. O primeiro passo é escutar o que os outros dizem. Não basta imaginar que o que é melhor para nós também é bom para os outros. Devemos escutá-los e tentar entender o lado deles. No entanto, não é fácil fazer isso.
Usamos esses métodos em três passos para meditarmos progressivamente sobre o refúgio, pensando em cada uma das situações assustadoras que queremos evitar. Falamos de algumas delas nas sessões passadas - por exemplo, agir destrutivamente em relação aos outros, ter emoções perturbadoras, afastar as pessoas porque ficamos com raiva delas ou ter um apego tão forte que elas acabam se sentindo sufocadas e fugindo de nós. Por exemplo, quando forçamos nossa ajuda compulsivamente, sufocando os outros até eles se ressentirem e dizerem: “Pare de querer me dizer o que fazer o tempo inteiro!"
Além disso, há a nossa autopreocupação, quando queremos ter sempre as coisas feitas à nossa maneira e pensamos: “Sou eu que estou certo o tempo todo.” Repetimos incontrolavelmente esses padrões de comportamento, não sabendo qual a melhor maneira de ajudar os outros, tomamos decisões erradas e damos conselhos ruins ou inúteis. À medida que trabalhamos nos estágios do lam-rim, aplicamos a ideia básica do refúgio em cada um dos estágios. Depois, acrescentamos a renúncia, a determinação de sermos livres ou a bodhichitta, e assim por diante, o que só fortalece nossa compreensão do refúgio. No entanto, a estrutura é a mesma. O refúgio é o recipiente que abarca tudo isso.
Também podemos aplicar isso às emoções perturbadoras, só para nos certificarmos que entendemos o método. Por exemplo, consideremos os estados mentais desagradáveis, como ter raiva de outras pessoas, perder a paciência, ficar irritado, ser hostil ou agressivo. Esses estados não perturbam só a nós, mas a todos os outros.
Novamente, primeiro nos acalmamos focando na respiração. Depois, pensamos sobre a situação. No entanto, não temos que visualizar, basta imaginar ou pensar numa situação na qual temos imensa raiva de alguém e brigamos muitos por causa de nossas emoções perturbadoras. Como somos muito agressivos, nosso comportamento só afasta os outros.
Pensamos: “É um padrão meu e ele realmente me assusta. É algo que realmente não quero que continue. Fico assustado com efeito que tem em mim e também nos outros com quem interajo - É horrível! Mas confio que posso mudar. É possível mudar. Posso me trabalhar. Há muitos métodos disponíveis. É uma questão de praticá-los. O Buda ensinou muitos métodos para superar a raiva e eles funcionam. Quero realmente parar de perturbar os outros por causa de meu mau humor e de minha falta de paciência com eles.”
Vamos usar agora a primeira imagem, quando já estamos caindo de um penhasco. Quais são as situações da vida real associadas a isso? Por exemplo, quando estamos interagindo com alguém e ficamos cada vez mais impacientes e com raiva. Digamos que estamos caindo nesse padrão, chegando ao fundo, onde os dois lados explodirão em uma grande briga. Pensamos que realmente queremos evitar isso, pois essa reação seria horrível.
Depois, paramos. Adotamos o direcionamento positivo e aplicamos todos os métodos para não ficar com raiva. Paramos porque a conversa está indo numa direção totalmente errada e não queremos isso. Reconhecemos que isso só está nos perturbando, como também perturba a outra pessoa e todos os outros que estão ao redor. Decidimos que realmente não queremos isso. Portanto, adotamos esse direcionamento positivo e evitamos cair ainda mais nessa briga.
O segundo passo é imaginar que estamos na beira do penhasco, prestes a cair. O que significa isso? Significa que a outra pessoa nos disse algo muito agressivo e estamos prestes a perder a paciência e ficar com raiva. Nesse ponto, adotamos o direcionamento positivo, pensando que realmente não queremos “cair" nessa grande briga neste momento.
Por fim, temos a terceira situação, na qual estamos indo em direção à beira do penhasco. É como se já estivéssemos indo encontrar a pessoa com uma postura defensiva, com a expectativa de uma briga. No entanto, ainda não começamos a brigar, mas estamos em um estado mental disposto a brigar; estamos na defensiva, agressivos, prontos para impor nossa opinião. Antes de chegarmos ao ponto de estar raiva e brigarmos, decidimos que não vamos fazer isso. Adotamos um direcionamento seguro para nossa vida. Não vamos encontrar a pessoa com esse estado mental, não vamos brigar, pois tampouco queremos perturbar a outra pessoa indo rumo ao penhasco da raiva.
Portanto, esse é o direcionamento seguro que queremos adotar - queremos nos trabalhar para evitar a raiva. Pensamos: “É assustador o que a raiva é capaz de fazer, estou confiante que consigo superá-la, pois me preocupo com o efeito que minha raiva tem sobre os outros e não quero magoá-los."
Finalmente, voltamos a focar na respiração.
Dedicação
Sempre ajuda fazer a dedicação ao fim da meditação: “Que essa meditação seja uma causa para eu realmente conseguir superar minha raiva; que ela seja uma causa para eu ter um direcionamento seguro e poder ajudar todo mundo da melhor maneira possível."
Se quisermos que ela seja realmente completa, começamos com a intenção. Firmamos nossa intenção logo depois de aquietarmos a respiração. Pensamos: “Quero trabalhar em meu comportamento negativo e com as minhas emoções perturbadoras para poder ajudar melhor os outros e parar de ter tantos problemas com a raiva.” Depois, fazemos a dedicação ao fim da meditação.