Apreciando a Vida Humana Preciosa

Quando estamos tentando praticar meditação, não conseguimos nos sentar e fazer alguma prática meditativa se nossas mentes estiverem realmente agitadas, indo de um lugar para outro, se não estivermos calmos. Se não tentarmos nos acalmar um pouco antes de começar a meditar, toda a sessão de meditação será com uma mente que vagueia, seja nos preocupando ou nos ocupando, nos lembrando de coisas que temos que fazer: "Então vamos passar por esta sessão rapidamente, porque eu tenho uma consulta ou tenho que levar as crianças para a escola, ou o que quer que seja. Elas vão acordar a qualquer minuto", esse tipo de tensão poderá estar presente. Então primeiro precisamos nos acalmar, e o método usual é focando na respiração. Assim o processo de realmente meditar dependerá de termos feito algum trabalho anterior.

Há muitos tipos diferentes de meditação. Meditar significa habituar ou acostumar a mente a algo: a um determinado modo de pensar, a uma determinada maneira de sentir, a um entendimento, algo assim. Se formos trabalhar algum tipo de realização, primeiro precisamos escutar, aprender, ou seja, assimilar a informação. E assim ganhamos o que se chama consciência discriminativa que surge da audição. Somos capazes de distinguir este ponto em particular de outros pontos, esse fato do que não é esse fato. Tomemos algo muito básico dos ensinamentos budistas, o lam-rim - os estágios graduais do caminho - algo sobre a  vida humana preciosa.

Bem, nós temos uma vida humana preciosa, então precisamos aprender a definição disso. Qual é a definição de uma vida humana preciosa? Uma vida humana preciosa é uma vida que é preenchida com o que eu chamo de uma trégua das situações realmente difíceis. Não ficamos presos a elas, temos uma trégua, um intervalo temporário, tipo um recesso. Não é que estejamos livres disso para sempre, temos um alívio temporário dessas situações realmente difíceis, e também temos muitas oportunidades. Isso que é uma vida humana preciosa. Há uma lista completa de dezoito dessas coisas para as quais ou temos uma trégua ou temos oportunidades, coisas que enriquecem nossas vidas.

Uma delas seria termos uma pausa de situações terríveis em que nunca temos tempo livre para estudar e praticar. Essas situações são descritas como sendo diferentes tipos de reinos de existência. Quer os tomemos literalmente ou não, é outra questão, mas podemos imaginar, por exemplo, estar em Bagdá, e quão afortunados somos por não ser essa a nossa cidade natal, por não ser onde estamos. Eu moro em Berlim, tenho alguns alunos mais velhos que se lembram - que eram crianças durante a guerra e, particularmente, depois da guerra - como era ser uma criança em abrigos antiaéreos debaixo das casas, dormindo em um porão úmido com vinte, trinta outras pessoas. Não estar realmente dormindo, mas absolutamente aterrorizado e, em seguida, ouvindo as bombas e aviões, todas essas coisas passando lá em cima. E também como foi depois da guerra. Você sabe, quando vê fotos dessas cidades, que elas se pareciam com Hiroshima depois da guerra: quero dizer, completamente queimadas e bombardeadas. E uma aluna me contou que teve que morar por anos em uma sala lotada com cerca de vinte pessoas, em um desses acampamentos de pessoas deslocadas. As pessoas roubavam comida umas das outras e o banheiro não funcionava: havia vinte pessoas, a água era cortada, bem, como dar descarga em um  banheiro utilizado por vinte pessoas? Todos compartilhavam um único  banheiro e não havia água. Questões de ordem pratica como essas eram realmente horríveis.

E as pessoas em Bagdá também experimentaram algo assim; as pessoas na Bósnia experimentaram algo assim; pessoas em Ruanda, não importa. Isso acontece periodicamente, infelizmente, no nosso mundo, e em algum momento será a nossa vez. E então, não é maravilhoso é termos um descanso disso? Nós experimentamos um pouco disso no 11 de Setembro, mas isso não é nada comparado à Segunda Guerra Mundial. Nós não experimentamos isso em nossa cidade natal - sermos bombardeados e incendiados. Isso é uma trégua que nós temos, e é ótimo que nós temos isso; temos oportunidades de buscar o que quer que queiramos com liberdade.

Nós escutamos as características que definem uma vida humana preciosa. Poderíamos somente ouvir as palavras e não saber o que elas significam. Digamos que ouvimos as palavras "vida humana preciosa" e não sabemos realmente o que isso significa. Temos maneiras de saber. Temos uma ideia do que significa, uma idéia das palavras, mas sem qualquer significado profundo associado a elas. E podemos presumir que seja verdade, mas não entendemos realmente. Eu presumo que seja verdade, porque meu professor disse. Eu tenho respeito pelo meu professor então estou um pouco aberto. Esse é o primeiro passo - você tem que ouvir, obter as informações - a vida humana preciosa, e qual é a definição disso.

O segundo passo é pensar sobre isso. Temos que ponderar: ponderar o significado. E isso significa pensar de uma maneira lógica. Qual é a definição da vida humana preciosa e qual a linha de raciocínio que define o motivo pelo qual ela é preciosa? Pode ser, por exemplo, pensar que nascemos como seres humanos e vivemos em um ambiente pacífico - um ambiente relativamente pacífico - não em uma zona de guerra. Isso é algo precioso quando queremos praticar e realizar o Dharma. Então, estar livre de estar em uma zona de guerra, esta é a linha de raciocínio, esta é a lógica: estar livre de estar em uma zona de guerra, apavorado em um abrigo anti-bombas ou em algum campo de refugiados, onde tudo é imundo e todos roubam uns dos outros - estar livre disso é precioso, pois podemos praticar, estudar e aprender. Precisamos nos convencer disso: por que é precioso? Porque estamos livre dessas dificuldades. E você precisa se convencer de que essa linha de raciocínio comprova nossa tese no que diz respeito à lógica. Estar livre de situações horríveis prova que tenho uma vida humana preciosa e muitas oportunidades que posso usar.

Temos que tentar meditar e pensar sobre isso. Bom, esse é o processo de ponderar, de contemplar. Como seria se eu estivesse em uma dessas zonas de guerra? Como seria se eu soubesse que alguma força inimiga ia bombardear minha cidade em algum momento nos próximos dias e provavelmente a água seria cortada, e como moro no deserto, e é realmente quente, quem sabe quando haveria mais água? Então começamos a encher a banheira - esqueça o banho de agora em diante - encha a banheira. Você enche todas as suas panelas e frigideiras o máximo que puder, porque pode não ter mais água. E esqueça de sair e comprar água engarrafada. Você poderia levar um tiro. Então você tenta imaginar como seria. Ao sair, quantas velas você compraria? Porque com certeza a eletricidade seria desligada. E agora as velas custam vinte vezes o preço que custavam antes, talvez cem vezes o preço. Existe apenas uma quantidade limitada. E imagine os riscos de brigas para tentar comprar. Uma pessoa rica entra e quer comprar todas as velas. Como você se sentiria nessa situação? Você tem que realmente tomar isso como se fosse verdade.

Eu achei muito comovente pois, no meu site, eu tenho vários materiais sobre o diálogo budista-islâmico em que tenho me envolvido. Recebi um email de um homem que disse que era de um país muçulmano e tinha se tornado budista, provavelmente ele era o único budista em seu país. Isso era muito perigoso, porque a conversão não é realmente aceita em sua sociedade. Mas ele achou esse material realmente muito inspirador, muito maravilhoso: particularmente coisas sobre como você explicaria o budismo do ponto de vista islâmico, esses artigos que eu tenho no site. Ele se ofereceu para ajudar a traduzir o site para o árabe. Então eu disse: “Maravilhoso, ótimo!” E perguntei-lhe “De onde você é, onde você mora?” E ele escreveu “Bagdá”. O que eu achei muito comovente.

Isso foi cerca de duas ou três semanas antes do início da guerra no Iraque. Eu estava em contato por e-mail com ele, e ele me escreveu duas horas antes das bombas começarem a cair, antes da guerra ser declarada, dizendo: “Bem, não se preocupe, nós estamos acostumados com esse tipo de coisa.” Isso foi no meio da noite; ele deve ter ficado acordado a noite toda, todos absolutamente aterrorizados: "Quando as bombas vão começar a cair?" Você pode imaginar tentar adormecer sabendo que a qualquer minuto as sirenes vão soar e você não tem um abrigo anti-bombas em sua casa? Então, o que você vai fazer, se esconder debaixo da cama? O que você vai fazer? Será que a banheira está realmente cheia? Talvez haja outra panela que eu possa encher de água. Horrível! Para mim, isso se tornou muito mais real porque agora eu conheço alguém que está lá, que está realmente passando por essa experiência horrível. Ele era apenas um homem inocente e pobre, apenas um estudante, na verdade. Será que ele vai fazer os exames, terminar o curso e continuar com sua vida? Ele terá que esquecer completamente isso agora, pelo menos por um tempo.

Fazemos isso em nossa meditação, em nossa contemplação. Assim isso se torna um pouco mais real para nós. Vemos como somos afortunados por estarmos livres disso, por termos uma trégua disso, por não estar mos passando por isso agora. Quem sabe o que pode acontecer no futuro, mas agora eu não tenho isso — graças a Deus! Isso é uma espécie de “ufa!” Por hora estamos livres desse fardo nas nossas costas. E então pensamos: “E se eu estivesse nessa situação, que tipo de oportunidades eu teria para poder estudar, para conseguir praticar?” Claro, se fôssemos um praticante super avançado talvez pudéssemos praticar, mas não como um novato. E não com vinte pessoas amontoadas em uma sala e todo mundo apavorado e assim por diante. Sem oportunidades.

Então nós confiamos nessa linha de raciocínio: como estamos livres disso, temos uma vida humana preciosa. E obtemos, através disso, uma compreensão inferencial, ou seja, uma inferência baseada em uma linha de raciocínio. Não só tenho uma vida humana preciosa, mas tenho uma vida humana preciosa porque estou livre de todos os tipos de situações horríveis. Isso é baseado na razão; há uma razão para isso. Essa afirmação é válida, não é apenas qualquer afirmação. Então, nós temos uma ideia sobre isso, uma ideia que tem significado.

Há uma diferença entre uma ideia que é composta apenas de palavras vazias e uma ideia que tem significado. Assim, podemos nos concentrar nesta vida humana preciosa com a ideia do significado que ela tem, e também com uma determinação sobre isso e não apenas com uma compreensão. Essa é uma maneira válida de conhecer e também ter alguma determinação: eu pensei nisso. Há uma razão para eu saber disso, não apenas pensar e acreditar que é verdade. Ter essa determinação: é verdade; eu tenho uma vida humana preciosa. Eu não hesito. Claro, podemos entrar no campo do debate, especialmente quando sentimos pena de nós mesmos: “Pobre de mim!” Por qualquer motivo. E então nós vemos: bem, quão pior poderia ser! E só porque nossa televisão quebrou, ou qualquer outra coisa, isso não é tão ruim assim.

Então, uma vez que nos convencemos, esta é a conclusão deste passo, ou processo, mas ele pode durar muito tempo. Ao concluir esse passo, nós entendemos este ponto; estamos decididos e somos capazes de chegar a essa conclusão — o modo válido de conhecer que é baseado na inferência, em uma linha de raciocínio.

Então chegamos ao passo que é chamado de meditação. Aqui, o que queremos fazer é digerir isso, nos familiarizar com isso, realmente fazer com que isso seja parte de todo o nosso modo de vida. Integrar isso às nossas vidas. E há duas etapas diferentes envolvidas aqui. Uma é geralmente chamada de meditação analítica — e eu não acho que esse seja um termo adequado. O que eu prefiro é meditação de discernimento, tentar refletir sobre alguma coisa. Essa é a parte analítica, mas ela não é toda analítica. E isso é confuso porque a contemplação também pode ser considerada uma análise. E não é o mesmo passo — esse é o próximo passo.

Portanto, há uma meditação de discernimento e, em seguida, o segundo aspecto é a meditação estabilizadora, como eu a chamo. Às vezes isso é traduzido como meditação formal ou fixadora ... cada tradutor tem um conjunto diferente de termos. Isso é lamentável, mas é assim. Quando os tradutores são “user friendly” e os alunos estão suficientemente interessados, você fornece o termo em Sânscrito ou em Tibetano, de modo que quando você ler outro livro e outro tradutor, e eles fornecerem o mesmo termo Sânscrito ou Tibetano, você saberá que eles estão falando sobre a mesma coisa. Caso contrário, é muito confuso ler diferentes livros de diferentes autores, ou até mesmo livros diferentes do mesmo autor, porque certamente sou culpado de mudar minha terminologia ao longo de todos os anos em que escrevo.

De qualquer forma, agora eu estou chamando de meditação de discernimento e meditação estabilizadora e, na meditação de discernimento, temos vários passos. Os principais fatores mentais envolvidos nesse processo, e aqui novamente, eles são muito importantes, são dois fatores mentais principais. Um é chamado de detecção grosseira, que é como eu o chamo e o outra é discernimento sutil. Em algum contexto, isso significa investigar e escrutinar. Um deles é a detecção bruta - um exemplo seria revisar uma página e apenas olhar superficialmente e ver que: sim, há erros aqui. Você não está olhando detalhadamente, porque isso seria investigação. Você meio que investiga: isso precisa ser corrigido ou não? Você investiga: ah, sim, precisa de revisão; e então o discernimento sutil seria o escrutínio, ponto por ponto, e a correção. É isso que vamos empregar, pelo menos em alguns aspectos da meditação discernimento.

O que precisamos fazer é examinar, investigar e escrutinar, mas não para tentar entender o que significa ter uma vida humana preciosa. Nós já aprendemos a definição e a entendemos. Agora precisamos escrutinar, investigar: será que eu realmente tenho uma vida humana preciosa? Como eu tenho isso? Quais são os aspectos disso? Isso realmente se aplica a mim? Nós investigamos mais ou menos e detectamos nossa liberdade por não estar em uma zona de guerra, nossa liberdade por não estarmos completamente tomados pelo medo ou pela fome, ou dor, ou essas situações realmente difíceis. E embora possamos às vezes sentir dor, experimentar medo e sentir-nos aterrorizados, aonde isso está na escala de quão ruim isso poderia ser. Esse tipo de coisa. E no final disto, nós nos percebemos como sendo livres deste tipo terrível de situação. Tendo examinado e investigado: eu sou realmente assim? Sim! Agora posso perceber que tenho essa liberdade. Eu não estou em uma zona de guerra; eu não estou constantemente nessa situação terrível.

Mais uma vez, esse é o primeiro passo. O próximo passo seria pela linha de raciocínio novamente. Não para obter o entendimento, mas agora para ser capaz de gerar uma compreensão, uma inferência válida. É isso que queremos fazer. Ok, eu tenho discernimento: eu tenho a liberdade de não estar em uma zona de guerra. OK, agora você segue por uma linha de raciocínio, portanto, tenho uma vida humana preciosa. Se alguém está livre de estar em uma zona de guerra, possui uma vida humana preciosa. Estou livre de estar em uma zona de guerra — portanto, tenho uma vida humana preciosa. Você passa por uma linha de raciocínio para chegar a essa conclusão, com base em uma linha de raciocínio que conhece, com o foco validado no fato de que possui uma vida humana preciosa. Esse seria o processo se tivéssemos a compreensão a partir da inferência, teríamos que passar ativamente por esse processo. Então, isso poderia ser um tipo de processo verbal e mental.

Isso é apenas uma parte. O que realmente queremos fazer é não-verbal. O que queremos fazer é discernir, discernir ativamente que temos uma vida humana preciosa: discernir isso, entender isso, discriminar isso —essa é a consciência discriminativa que surge da meditação. E você se concentra nisso. Com esse discernimento ativo — essa é uma meditação de discernimento. Mas isso é cobre apenas uma pequena parte da meditação analítica, precisamos ser mais precisos aqui.

Temos também a meditação estabilizadora. A meditação estabilizadora é: nós nos concentramos apenas em ter uma vida humana preciosa, sem discernir isso ativamente, em todos os seus detalhes, sem discernir que é por causa dessa ou daquela razão. É como se eu apenas sentisse que tenho uma vida humana preciosa, deixando que isso realmente aprofunde, que se estabilize. É nisso que tentamos nos concentrar perfeitamente. Estou totalmente convencido, eu fui capaz de ver, no sentido de discernir isso, entender de forma válida e agora sentar lá e realmente tentar sentir, deixar afundar. E é claro que isso vai demorar bastante para assimilarmos e um bom tempo para que seja capaz de fazer alguma diferença.

E o que eu sempre mostro para as pessoas é que o progresso não é linear: não é que ele vai melhorar cada vez mais. O samsara em geral é caracterizado por ter altos e baixos. Então, continuará a ter altos e baixos até conseguirmos a liberação, até nos tornarmos um arhat ou um ser liberado, e essa é uma conquista bem elevada. Todo o caminho antes disso, será cheio de altos e baixos. Às vezes sentimos vontade de meditar, às vezes não. Às vezes a meditação vai bem, às vezes não. Como o jovem Serkong Rinpoche diria: “Nada de especial.” Não há nada de especial nisso — nenhuma surpresa. Então não há razão para ficar chateado. Se hoje não sente vontade de meditar, tenha o que é chamado de perseverança, que é parecida com uma armadura: você medita mesmo assim, você simplesmente faz o que tem de ser feito. Este tipo de atitude: “Eu não estou com vontade, então realmente precisarei de disciplina.” Porque é claro que nós não vamos nos sentir assim, e se a meditação não for tão boa hoje - bem, veja como será amanhã. Não se recrimine, é natural: alguns dias serão melhores, é claro, o que você espera? Isso é samsara. Focamos nisso.

Agora observe que quando falamos aqui sobre a meditação de discernimento e a estabilizadora, isso ainda é conceitual, ainda é através de uma ideia do que uma vida humana preciosa significa, do que é uma ideia de uma vida humana preciosa, de uma representação em nosso pensamento. Ou representamos com palavras: "Eu tenho uma vida humana preciosa", ou representamos a partir de um sentimento. Conceitual — e isso é muito importante, vamos chegar nesse ponto — o que significa isso, o que significa uma cognição conceitual sobre alguma coisa. É basicamente, em uma linguagem bem simples, saber algo através de uma ideia. Uma ideia verbal, um sentimento, uma imagem mental ou algo parecido.

E agora perguntamos: “Bem, como isso se encaixa em nossas categorias ocidentais de um entendimento intelectual, um entendimento intuitivo — esse tipo de coisa? Na verdade, isso se encaixa. O que chamaríamos de compreensão intelectual seria focar nisso por meio de uma ideia verbal. E uma compreensão intuitiva seria focar nisso através de um sentimento ou uma imagem representativa, não de uma idéia verbal. Mas o ponto é que ambas são conceituais e ambas podem ser precisas ou imprecisas. A compreensão intelectual poderia estar correta ou incorreta. O sentimento poderia ser um sentimento preciso ou poderia ser um sentimento estranho e esquisito — algo assim.

O essencial é que ambos os tipos de cognição — seja com um foco intelectual ou um foco intuitivo: focalizando com uma ideia verbal ou um sentimento — precisam ser acompanhados de uma compreensão correta do que as palavras significam ou de uma compreensão correta do que o sentimento ou a imagem significa. E além disso, para sermos capazes de digerir essa compreensão, precisamos acreditar e focar nela com convicção. Se formos capazes de nos concentrar com a absoluta convicção de que é verdade, poderemos chamar isso de compreensão visceral, ou compreensão profunda, em nossa terminologia ocidental. Quando essa compreensão visceral é acompanhada de emoções construtivas — como o fator mental da valorização da vida humana preciosa — podemos dizer que estamos emocionalmente tocados por nosso entendimento. E isso pode trazer transformação.

Portanto, se quisermos passar de um entendimento conceitual para um entendimento não-conceitual, precisamos saber o que isso significa, pois muitas pessoas simplesmente igualam conceitual a intelectual, e não é isso. Você pode ter, como eu disse, um sentimento que representa algo. Só porque não é verbal não significa que não seja conceitual. E o entendimento não-conceitual é aquele onde se concentra em alguma coisa, mas não através de uma ideia. Primeiro, você não precisa confiar na linha de raciocínio. Podemos entender algo que temos que construir seguindo uma linha de raciocínio: “Eu tenho uma vida humana preciosa, porque estou livre disso ou daquilo, desta ou daquela situação horrível”. Então você pode ter uma compreensão conceitual que não é baseada em uma linha de raciocínio. Você não precisa seguir uma linha de raciocínio. E assim você tem a compreensão: ”Eu tenho uma vida humana preciosa" — a convicção está lá. Como antes você já trabalhou com uma linha de raciocínio, você não precisa passar por isso novamente. Mas ainda é através da ideia de uma vida humana preciosa. Esse é o conceito; seja verbal, um sentimento ou o que seja. Não-conceitual seria sem essa ideia, diretamente. E como você sabe que é diretamente? Bem, a diferença é quão vívido é. Quão vívido é esse sentimento, quão vívido é esse discernimento de ter uma vida humana preciosa. E, novamente, para podermos discernir, precisamos saber o que significa ser vívido, e o que significa não ser vívido. Precisamos ser capazes de reconhecer isso em nossa experiência. Assim, o estudo dos fatores mentais e das formas de conhecer é muito relevante para o nosso progresso no caminho e também para a compreensão da nossa experiência cotidiana de vida.

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