Exemplos da Lei do Carma

Práticas Meditativas sobre as Leis do Carma

Ontem falamos sobre as leis do carma, as leis sobre causas e efeitos dos comportamentos. No que diz respeito ao carma em geral, a principal prática é abster-se de cometer alguma das dez ações destrutivas ou não virtuosas e esforçar-se para agir construtivamente, de forma virtuosa. Também falamos das várias características das leis sobre comportamentos e resultados dos comportamentos. Mais especificamente, falamos sobre o fator de certeza, de que se você cometer uma ação positiva, ou construtiva, é certo que o resultado será a felicidade. Também falamos do fator de amplificação, de que a partir de uma pequena ação, podem surgir resultados grandiosos. A maneira de meditarmos sobre tudo isso, de gerarmos hábitos mentais benéficos, é pensando sobre a certeza do resultado dos comportamentos, pensando que a felicidade é aquilo que resulta das ações construtivas e a infelicidade, o sofrimento e os problemas é o que resulta das ações destrutivas.

Você começa pensando em todos os tipos diferentes de felicidade que deseja, e se pergunta: “Bom, quais são as causas disso”? A seguir, você pensa sobre as várias ações construtivas e como elas amadurecem, considerando que há um resultado do amadurecimento, um resultado que corresponde à causa em termos da experiência e em termos do comportamento instintivo e um resultado abrangente. Você pensa sobre todos esses resultados, sobre a felicidade que deseja alcançar e sobre como ela surge dessas causas, ou seja, de agir de forma positiva e construtiva. Depois pensa: “Quero conseguir alcançar essa felicidade”. Assim, você toma uma firme decisão de tentar alcançar essa felicidade.

A seguir você pensa que aquilo que lhe causaria problemas e evitaria que você atingisse essa felicidade seria agir destrutivamente. Então você pensa nas várias ações destrutivas e seus resultados, os resultados do amadurecimento, os resultados que correspondem às causas em sua experiência e em seu comportamento instintivo e os resultados abrangentes. E finalmente, você pensa: “Eu realmente não quero experimentar nenhum desses problemas e sofrimentos”. Assim, você toma a firme decisão de abandonar as ações destrutivas, todas as dez.

A seguir, você pondera sobre o fator de amplificação, ou seja, sobre como uma pequena ação pode gerar grandes resultados, e toma a firme decisão: “Tentarei fazer nem que seja uma mínima ação construtiva e evitar cometer até mesmo a mínima ação destrutiva.”

Então você pensa nos próximos dois aspectos, que são: se você não cometeu uma ação, você não colherá os resultados, e se cometeu, esta não terá sido em vão, seus resultados certamente irão amadurecer. Assim, você pensa, por exemplo, que se agiu de forma destrutiva, se gerou potencial negativo, só existem duas possibilidades. Você pode se purificar de ter que vivenciar [o resultado do] potencial negativo, aplicando as quatro forças opositoras, como o arrependimento e assim por diante; caso contrário, certamente vivenciará os resultados. Se cometer ações construtivas, é só uma questão de tempo para a felicidade amadurecer, assim como é só uma questão de tempo para a infelicidade e os problemas que resultam das ações negativas amadurecerem.  Essas coisas amadurecem, você pode ter certeza. Nunca acontecerá de o resultado de uma ação não amadurecer.

Entretanto, se você não gerar o potencial para que algo aconteça, não haverá uma causa para que aconteça. Por exemplo, você pode pensar nos vários tipos de felicidade que deseja, mas não vai vivenciá-la a não ser que gere as causas. Pense que se você não gerou as causas, não terá os resultados e se gerou as causas, isso não terá sido em vão.

Contos que Ilustram as Leis de Causa e Efeito do Comportamento

Se Você Cometeu uma Ação, Ela Não Foi em Vão

Para ilustrar essa afirmação, há o caso do filho que trancou a mãe em casa e não a alimentava. Ela pedia por comida, mas ele só lhe dava cinzas misturadas com água, até que ela morreu de fome.

Mais tarde o filho morreu, e em uma vida futura renasceu numa época em que o Buda Shakyamuni estava vivo abençoando a Terra. Tornou-se monge, estudou e alcançou o estado de arhat, de um ser liberado. No entanto, mesmo depois de atingir o estado de um ser liberado, de um arhat, ele adoeceu. Naquela época, os monges que seguiam o Buda costumavam sair de manhã para pedir comida, mas, como estava doente, esse arhat não conseguia ir. Então o Buda sugeriu a alguns monges, que possuíam poderes milagrosos, que levassem sua tigela e conseguissem alguma comida para ele. Um dos monges conseguiu, mas enquanto levava a tigela de volta com a comida, um pássaro apareceu e pegou a tigela e tudo o que tinha dentro. Portanto, ele não conseguiu alimentar o monge.

Isso aconteceu seguidamente durante seis ou sete dias, eles simplesmente não conseguiam levar comida para o arhat doente. Então, um dia, Shariputra resolveu ele mesmo levar a tigela, mas enquanto caminhava em direção à casa onde estava o monge, as portas desapareceram. Sem porta, não havia como entrar na casa. Tudo isso aconteceu como resultado do potencial cármico negativo previamente gerado pelo monge.

Shariputra, então, usou seus vários poderes milagrosos, manifestou uma porta e conseguiu entrar na casa e colocar a tigela no chão na frente do monge, mas o chão engoliu a tigela, também como resultado do carma do monge. Shariputra usou novamente seus poderes para enfiar a mão no chão e recuperar a tigela, mas quando o monge tentou comer, sua boca despareceu.

Bom, mesmo que essa história pareça muito estranha, essas coisas extraordinárias são resultado de potenciais cármicos gerados em vidas passadas. Depois de tudo isso, o monge explicou a Shariputra que tudo o que estava acontecendo era resultado do amadurecimento de carma do passado. “Eu neguei comida à minha mãe e, como resultado, é impossível eu comer qualquer coisa agora. Apesar de ter atingido o estado de um ser liberado, um arhat, o resultado do carma passado é certo. Mas nessa vida passada eu dei uma pasta feita de cinzas para minha mãe, então, se você me trouxer isso, conseguirei comer.” Ele comeu essa pasta feita de cinzas e então demonstrou todos os poderes miraculosos que ganhou como arhat, tal como voar, fazer fogo e água, e fazer tudo que é tipo de elemento sair de seu corpo. Após demonstrar todos esses poderes, ele passou para a liberação final do parinirvana.

Essa história demonstra o fato de que se você gerar um potencial cármico, a ação não terá sido em vão; e mesmo que você atinja o estado liberado de um arhat, essas coisas amadurecerão.

Se Você Não Purificou Todos os Seus Potenciais Cármicos, Eles Certamente Amadurecerão

Posso fazer uma pergunta?

Sim.

Por um lado, fala-se que as sementes cármicas podem ser queimadas, ou purificadas, pelos quatro poderes opositores, mas, por outro lado, parece que todos esses grandes mestres que eram arhats sofreram o resultado de suas ações? Como isso é possível?

Conforme disse, se você admitir abertamente, se confessar os erros que cometeu e aplicar as várias forças opositoras para se purificar, não haverá necessidade de experimentar os resultados das várias ações que cometeu no passado. No entanto, as várias ações dos seres liberados são inconcebíveis e houve situações em que eles não admitiram abertamente os erros do passado e não se purificaram. Como resultado, tiveram que sofrer as consequências.

Um outro exemplo disso vem da vida do grande Nagarjuna. Havia um rei que tinha um relacionamento especial com Nagarjuna.  Ele não morria a não ser que Nagarjuna morresse. Porém, seu filho, o príncipe, não se tornaria rei a não ser que o pai morresse, e ele queria muito tornar-se rei. Então ele foi pedir a Nagarjuna que morresse. Nagarjuna concordou, mas ele tinha atingido um tipo de corpo que não morria. O príncipe usou tudo que é tipo de arma e meio para tentar matá-lo, mas não conseguiu; nada funcionava. Então Nagarjuna disse: “Você devia parar com isso, você está perdendo seu tempo. Você não conseguirá me matar assim. Porém, em uma vida passada eu era um cortador de capim e uma vez cortei a cabeça de uma formiga enquanto cortava o capim. O potencial dessa ação ainda existe; se você pegar uma folha de capim e passar ao redor do meu pescoço, conseguirá me matar”. Então o príncipe pegou um pedaço de capim, enrolou no pescoço de Nagarjuna e conseguiu cortá-lo. Isso só foi possível por causa desse potencial cármico que Nagarjuna não havia purificado, não havia admitido abertamente e limpado de seu contínuo mental.

Isso significa que você tem de estar ciente de cada ação que cometeu e purificar uma a uma, ou existe um estado que você alcança e todas as suas ações são purificadas?

Lidamos com isso considerando o fato de que os renascimentos não tiveram um início e, portanto, não existe uma única ação que cada um de nós não tenha cometido. Quando você admite seus erros do passado e se purifica, o que você faz é pensar em absolutamente todas as ações horríveis que podem ser cometidas e admitir ter cometido todas. Você pode fazer disso um processo racional, pensando em todas as coisas negativas que fez nesta vida e considerando que se fosse lembrar de todas as vidas, a lista de coisas negativas seria enorme. Considerando que em vidas passadas você agiu de uma forma parecida, é razoável assumir que, já que teve renascimentos sem início, já cometeu todo tipo de ações destrutivas. Portanto, quando você se purifica, você admite ter cometido todos os erros possíveis e imagina vários néctares fluindo dos budas em sua direção e lhe purificando enquanto você aplica as quatro forças opositoras.

O mesmo se aplica ao regozijo por ações construtivas ou positivas que cometemos no passado. Aqui, também usamos a lógica, pois se pensarmos em nossa vida humana preciosa e em todas as oportunidades, folgas e liberdades que temos, isso há de ter vindo de uma quantidade tremenda de coisas positivas do passado. Portanto, quando nos regozijamos por tudo de positivo que fizemos no passado, temos que considerar toda essa vastidão. Não há dúvida de que você fez um monte de coisas positivas também.

Atos Não Intencionais

Posso lhe fazer uma pergunta? Ontem entendi que, para uma ação ser completa, ela precisa ter sido cometida intencionalmente, não por acidente. Mas Nagarjuna matou a formiga por acidente. Então como fica isso?

Na verdade, naquela vida, sua ação de cortar a cabeça da formiga foi intencional. Na história, não se diz que Nagarjuna cortou acidentalmente a cabeça da formiga. Ele estava cortando capim, viu a formiga e cortou sua cabeça.

No processo do carma, do comportamento e dos resultados, envolvido em acidentalmente pisar em uma formiga, se você pisou na formiga por acidente, você não gerou o potencial total, com todas as suas ramificações, de renascer como uma criatura do inferno. No entanto, apesar de não haver as consequências completas, ainda assim há consequências. Por exemplo, haverá a consequência da mesma coisa acontecer com você no futuro. Formigas, por exemplo, vivenciam o fato de pessoas pisando nelas; então a mesma coisa acontecerá com você como resultado de pisar em uma formiga. Quando você for uma formiga, também será pisoteada.

Precisamos entender o que significa dizer que as consequências de suas ações retornarão a você. Pisar acidentalmente em uma formiga não lhe levará a renascer no inferno ou a ter uma vida curta, mas terá algumas consequências. A ação voltará de alguma forma a você. É por isso que em alguns monastérios há o costume de tomar os preceitos de ficar em retiro durante a estação chuvosa do verão. Durante os três meses da monção indiana, os monges e monjas permanecem nos monastérios, eles não saem. O motivo disso ter sido instituído na Índia é por causa da enorme quantidade de insetos nessa época. A fim de evitar que os monges e monjas pisassem nos insetos enquanto iam pedir comida, o Buda decretou que durante esse período eles deveriam ficar no monastério e meditar.

Isso está relacionado às três esferas de atividade de explicar e praticar, uma lista de atividades e práticas escritas para monges e monjas. A primeira é a esfera de abandonar as coisas e obter estabilidade mental; a segunda é a esfera das ações através do trabalho e a terceira é a esfera de ler e estudar, através da escuta e da ponderação. As práticas do retiro da estação chuvosa caem na primeira esfera, a esfera de abandonar as ações através da estabilidade mental e da meditação. Portanto, durante os três meses das monções, quando os insetos são mais numerosos, é hora de colocar em prática essa esfera de abandonar as coisas através da obtenção de estabilidade mental.

O Falecimento do Buda

Algumas vezes, ouço dizer que quando os grandes lamas, como o Dalai Lama, Ling Rinpoche e também o Buda Shakyamuni, morrem, eles não estão sujeitos ao carma, estão apenas o demonstrando. É isso mesmo? Ou será que ao tomar um corpo, mesmo que para ajudar outros seres, eles ficam sujeitos aos efeitos de suas ações passadas?

Você está perguntando do ponto de vista do sutra ou do tantra?

Acho que do sutra.

O Sutra da Luz Dourada, o Suvarnaprabha Sutra, diz que o Buda não morre nem tem parinirvana e o dharma não se põe como o sol. No entanto, quando o carma e os potenciais dos discípulos que encontraram o Buda se exaurem, ele demonstra falecimento. Também é dito que, apesar do corpo de um buda não ser feito de carne, ossos e sangue, e, portanto não produzir relíquias; por causa do poder da fé de seus discípulos os budas demonstram e manifestam relíquias.

Se você tem fé e uma crença respeitosa, verá a aparência de vários seres iluminados, como quem vê a lua refletida em um lago. Mas se você não tem uma crença respeitosa e lhe falta fé, não verá. Por exemplo, às vezes Sua Santidade o Dalai Lama está sentado em um trono e as pessoas estão indo ao seu encontro e recebendo bênçãos, mas há muitos exemplos de pessoas que simplesmente passam e nem o veem.

Agora, no que diz respeito aos Nirmanakayas (ou tulkus, em tibetano), existem tipos diferentes. Há o tipo supremo de Nirmanakaya ou Corpo de Emanação, como no caso do Buda que apareceu com todos os 32 sinais maiores e 80 sinais menores. Ele demonstrou uma maneira de falecer de acordo com a forma que percebemos e vemos as coisas. No Sutra do Éon Afortunado, que descreve o relato de vida dos 1002 budas deste éon afortunado, são mencionadas duas maneiras diferentes de um buda falecer e o que deve ser feito com seu corpo. Alguns budas, como o Buda Shakyamuni, falecem como ele faleceu em Kushinagar, e têm seu corpo cremado. Outros têm o corpo simplesmente exposto, não é enterrado nem cremado. Muitas vezes o deixam em uma caverna ou montanha em uma postura respeitosa.

Há duas maneiras de vermos o falecimento do Buda Shakyamuni em Kushinagar. Uma é a partir do ponto de vista dos shravakas, os ouvintes dos ensinamentos, e a outra é a partir do ponto de vista da mente vasta dos praticantes Mahayana. Os ouvintes, os praticantes Hinayana, interpretam uma morte onde nada dos agregados é deixado para trás, como uma vela se apagando. O sistema Mahayana já descreve o que acontece quando um Buda morre de uma maneira diferente. No entanto, em ambos os casos, existe uma apresentação de morte do Buda, um parinirvana. No Mahayana, se diz que o Buda só demonstra morrer, ele não morre realmente, como no Hinayana. Mas a maneira como ele demonstra a morte é a maneira convencional, aquela com a qual estamos acostumados.

Quando o Buda ainda praticava os caminhos, quando ainda precisava de mais treinamento, ele teve muitos renascimentos. Descreve-se que ele teve 500 renascimentos em formas puras e 500 em formas impuras. Esses 500 renascimentos impuros foram em formas não humanas, e uma delas foi como um primata muito grande. Naquele tempo, havia caçadores atrás de todos os animais da floresta. Enquanto todos os animais corriam dos caçadores, esse primata enorme, que era o Buda em uma vida anterior, viu um riacho. Ele pôs os pés em uma margem e alcançou a outra margem com as mãos, formando uma ponte. Assim, os cervos e outras criaturas da floresta puderam atravessar e escapar dos caçadores. Após todos os animais passarem, o primata olhou para trás e viu um filhote que ainda pulava para chegar até a ponte, então ele esperou até que o último animal atravessasse. Todo esse tráfego de animais com cascos afiados, como os dos cervos, esfolou suas costas. Seu corpo ficou em um estado lastimável, não serviria para mais nada. Então ele se soltou, caiu no riacho e morreu.

Mais tarde, quando o Buda renasceu como Shakyamuni, teve muitos discípulos que ele levou a vários estados de realização e atingimento. Quando ele estava prestes a morrer, percebeu que ainda restava um não budista que tinha o carma para ser seu discípulo e obter realizações. Então o Buda abençoou seu tempo de vida para que fosse de mais um mês, a fim de poder ensinar este último discípulo. Após essa extensão de um mês em sua vida, foi para Kushinagar e morreu. O motivo disso tudo foi que esse último discípulo era aquele filhote que ficou para trás após todos os animais terem atravessado o riacho, mas que tinha o carma para passar na ponte formada pelo Buda, que era o primata. Então ele ainda tinha o carma para ser um discípulo do Buda.

Os Corpos de um Buda

Esse tipo de Corpo de Emanação ou Nirmanakaya de um buda é chamado de Nirmanakaya Supremo, que possui 32 excelentes sinais maiores e 80 características exemplares menores, como as do Buda Shakyamuni. Se tivermos desenvolvido o potencial para encontrar com o Corpo de Emanação Supremo de um buda, mesmo que sejamos um ser comum conseguiremos encontrá-lo; caso contrário, não conseguiremos. Os Sambogakayas ou Corpos de um Buda que Faz Uso Completo do Mahayana, ficam em Womin ou Akanishta, o mais elevado reino, e só podem ser vistos por arya bodhisattvas. Arya bodhisattvas são seres dedicados que possuem cognição não conceitual da vacuidade, cognição direta. Ninguém mais é capaz de ver Sambhogakayas. Já os Dharmakayas, os Corpos do Buda Que a Tudo Permeiam, apenas os budas, nenhum outro ser, nem mesmo os arya bodhisattvas, conseguem percebê-los.

Dos vários tipos de Corpos de um buda, nós, seres comuns, não conseguimos ver um Dharmakaya, nem um Sambhogakaya, um Corpo de Uso Completo. E a maioria de nós não consegue ver nem um Corpo de Emanação Supremo, um Supremo Nirmanakaya. Entretanto, há três tipos de Nirmanakaya:

  • Um Corpo de Emanação Supremo
  • Um Corpo de Emanação como Artesão
  • Um Corpo de Emanação como uma Personagem

Seres comuns como nós conseguem ver um Corpo de Emanação, um Nirmanakaya, como um artesão ou uma personagem comum. Exemplos de Nirmanakayas, ou Corpos de Emanação, que são personagens, que literalmente nasceram, são o Tutor Senior Yongdzin Ling Rinpoche e Sua Santidade o Dalai Lama.

No que diz respeito à sangha, a palavra sânscrita tem a conotação de “comunidade suprema” e a palavra tibetana de “intuito” e “meta positiva”. Portanto, juntando tudo, “o intuito da comunidade suprema para uma meta positiva” ou “intuito da comunidade” engloba o significado sânscrito e tibetano.

Particularmente em cerimônias onde você toma os preceitos Mahayana, é bom fazer a recitação tanto em tibetano quanto em inglês [ou português], e ter uma terminologia para traduzir que realmente comunique a conotação das palavras originais, ao invés de simplesmente usar as palavras normalmente usadas, herdadas de tradutores anteriores.

Há uma história que dá um exemplo de um Corpo de Emanação como um Artesão ou artista. Certa vez, havia um rei dos gandarvas. Os gandarvas são músicos celestiais; o nome significa literalmente “aqueles que se sustentam com fragrâncias”. O rei dos músicos celestiais era extremamente orgulhoso e arrogante por tocar fantasticamente a vina, um instrumento de cordas indiano. Para domar esse orgulhoso rei, o Buda manifestou-se como um artista, como um músico. Eles fizeram uma competição de vina, que possui mil cordas. A cada rodada da competição eles cortavam mais e mais cordas e continuavam a tocar a vina com menos e menos cordas, até que só sobrou uma corda. O rei ainda assim era páreo para o Buda, mas então o Buda cortou a última corda e continuou a tocar uma belíssima música, sem cordas, e o rei teve que admitir a derrota. Assim, o Buda conseguiu diminuir o orgulho e eventualmente domar a mente do rei. Esse é um exemplo de um Corpo de Emanação como um Artesão.

Os Corpos de Forma que conseguiríamos ver antes de nos tornarmos budas seriam um Corpos de Emanação Supremo, um Corpo de Emanação como Artesão, um Corpo de Emanação como uma Personagem – esses são os diferentes Nirmanakayas – e também o Sambhogakaya ou Corpo de Uso Completo. Entre esses Corpos de Forma, Um Corpo de Uso Completo, ou Sambhogakaya, é um corpo que não morre. Já os vários Corpos de Emanação, os Nirmanakayas, sejam eles um corpo supremo, um artista ou um personagem, são os corpos nos quais um buda demonstra morrer.

Como surgiu essa pergunta; de qual ponto da minha fala?

Acho que você estava falando dos quatro poderes opositores e que podemos purificar ações. Depois disso, teve a história do arhat que ainda sofria o resultado de suas ações.

A pergunta surgiu da história de Nagarjuna, na qual ele disse: “O único motivo de você conseguir me matar é porque tenho esse potencial cármico restante de uma ação que não admiti abertamente. Não me purifiquei por ter matado uma formiga e, portanto, a única forma de me matar é da mesma forma que matei a formiga”. Então a pergunta diz respeito aos budas, se quando um buda demonstra morrer é o mesmo caso, se isso está baseado em um potencial cármico que não purificou.

Os budas explicam que é assim, mas, na verdade, estão apenas demonstrando as leis sobre o comportamento e seus resultados. Os budas se purificaram de todos os potenciais negativos. Portanto, não há porque experimentarem resultados de ações negativas que tenham cometido no passado. No entanto, para demonstrar como as leis do carma são certeiras, às vezes eles demonstram coisas acontecendo com eles, apesar de ser apenas uma demonstração armada para ensinar uma determinada lição.

Mais Exemplos de Como Você Vivenciará o Resultado das Ações que Cometeu

Há uma história sobre o Buda tirando um espinho do pé. As pessoas perguntaram: “Qual o motivo desse espinho ter entrado no seu pé?” E ele respondeu: “Em uma vida passada eu era um capitão em um navio mercante com quinhentos mercadores. O navio saiu para buscar tesouros no mar e, quando voltou à terra firme, estava cheio de joias e riquezas.

 “Havia um bandido a bordo chamado Minag Dungdung, que queria tomar o navio, matar todo mundo e roubar o tesouro. Eu percebi que se nada fosse feito para deter o bandido, ele mataria a todos. Então, troquei de lugar com os outros e, ao invés de deixar o bandido gerar um enorme potencial negativo por ter matado a todos, e os mercadores sofrerem por terem sido mortos por ele, tomei para mim todas as difíceis consequências e o matei, evitando assim que ele matasse. Quando o matei, o fiz disposto a aceitar todos os desastrosos resultados provenientes disso. Esse espinho em meu pé é resultado”.

Claro que o Buda se purificou desse carma negativo, mas permitiu que um espinho entrasse em seu pé para ensinar essa lição a seus discípulos. Temos esses exemplos, mesmo com os budas. São exemplos do fato de que se você cometer uma determinada ação, irá experimentar seu resultado, e se não cometer, não irá.

Existe um outro exemplo, que não comentei, de Devadatta batendo ou tentando bater no Buda; com ele também dá para ensinar o mesmo tipo de lição sobre o carma.

Outro Exemplo de Que Se Você Cometer uma Ação, Ela Não Será em Vão

Há ainda um outro tipo de exemplo. Há muito tempo, havia dezesseis ladrões que roubaram uma vaca e levaram para uma senhora na vila que tinha uma hospedaria. Lá eles mataram e comeram a vaca. No tempo do Buda, havia a esposa de um ministro que tinha dezesseis filhos. Todos eles eram extremamente habilidosos, estudados e inteligentes, e o rei os favorecia bastante. A vaca que havia sido roubada naquela vida anterior havia renascido como um outro ministro do rei e não gostava desses rapazes. Em uma ocasião, os dezesseis rapazes, que eram jovens atléticos e desordeiros, foram cruzar uma ponte e ficaram lá implicando e brigando uns com os outros. Então, o outro ministro, que havia sido a vaca, disse ao rei: “Você gosta daqueles jovens, mas eles não são nada bons, eles só fingem ser bons e inocentes na sua frente”.

Certo dia, esse outro ministro deu a cada um dos dezesseis rapazes um bastão feito de uma espécie de cristal e que possuía uma faca afiada escondida dentro. Por fora, não dava para ver que havia a faca, parecia ser apenas um lindo bastão de cristal. Então o ministro foi até o rei e disse: “Você acha que aqueles rapazes são bonitinhos e inocentes, mas, na verdade, um dia eles virão aqui trazendo aqueles bastões de cristal que possuem uma faca escondida dentro e tentarão lhe matar”. Então, apesar de não acreditar no ministro, o rei pediu que alguém lhe trouxessem um dos bastões e o quebrasse para ver o que havia dentro.

O Buda, ciente desse estratagema, foi até a casa da mãe dos meninos, a ensinou e ela ganhou cognição da realidade, da vacuidade, atingindo o estado de um ser liberado, um arhat. Quando o rei quebrou o bastão de cristal, viu que realmente havia uma arma escondida. Ele ficou muito bravo com os rapazes e, sem nenhum julgamento ou investigação, mandou cortar suas cabeças, colocá-las em uma caixa e entregar na casa da mãe deles. Porém, conforme expliquei, o Buda havia visitado a mãe e ela havia obtido cognição direta e não conceitual da realidade. Assim, quando abriu a caixa com a cabeça dos dezesseis filhos, ela conseguiu permanecer calma e não se entristecer.

Nesse conto, os dezesseis filhos eram os dezesseis ladrões e a mãe a dona da hospedaria naquela vida passada, a mulher que ajudou a preparar e servir a vaca aos ladrões. Isso nos mostra que, se você fez alguma coisa no passado, o potencial cármico disso não desaparece, ele amadurece.

Mais Exemplos de Amadurecimento de Carma

Na época do Buda havia um mercador de madeira que lhe fez uma oferenda de moedas de ouro, a ele e à comunidade da sangha. Como resultado, a pessoa renasceu com brincos de ouro. Uma outra pessoa também fez uma oferenda de ouro ao Buda e, quando renasceu, sempre que fechava as mãos e depois abria, uma moeda de ouro caia de suas mãos.

Em um outro lugar, alguém estava construindo uma enorme estupa, um monumento relíquia, e havia um trabalhador que estava sempre reclamando: “Para que construir uma monstruosidade dessas? É muito trabalho!” Ele reclamava o tempo todo. Reclamava que era grande demais, que era uma monstruosidade, mas eventualmente a obra terminou. Quando ele viu o monumento terminado, regozijou-se e pensou que afinal valeu a pena. Ele usou seu salário para comprar um sino de ouro, o ofereceu e ele foi colocado no topo da estupa. O resultado disso foi que ele renasceu como um monge na época do Buda Shakyamuni e era chamado de “aquele que tem uma voz doce”, pois tinha uma voz extremamente doce. No entanto, seu corpo era uma absoluta monstruosidade, um desastre completo. Ele era um anão muito deformado e todos que o viam ficavam enauseados com sua aparência. Mas sua voz era tão doce que todos que passavam paravam para ouvi-lo. Até os animais levantavam as orelhas quando ele cantava.

Certa vez, um rico patrocinador do Buda foi visitá-lo e ouviu essa linda voz cantando. E disse: “Queria muito encontrar o monge que está cantando isso”. O Buda disse: “Não, você não quer; será muito melhor se você não o vir”. Mas o patrocinador insistiu em ver o monge e, quando o viu ficou enauseado. Então, ele perguntou qual havia sido a causa disso e o Buda explicou que em uma vida anterior o monge foi um trabalhador na obra de uma estupa e ficava sempre reclamando que a estupa era uma monstruosidade, que não devia ser tão grande. Mas, como no final da construção ele ofereceu um sino, ele tinha uma bela voz.

Há um outro conto sobre uma terra onde havia sete rainhas. Certa vez, todas foram a um picnic levando uma serva. No picnic, decidiram fazer uma fogueira com um arbusto onde havia um ninho de faisão. Enquanto a serva saiu para buscar água, as rainhas tocaram fogo no arbusto e mataram o faizão queimado. Essas rainhas renasceram na época do Buda, tornaram-se monjas e alcançaram o estado de arhat. Sendo seres liberados, todas tinham poderes milagrosos, elas conseguiam voar e manifestavam vários elementos, como água e fogo, a partir de seu corpo. A serva também renasceu na mesma época e também fazia parte desse grupo de monjas, mas não alcançou o estado liberado de arhat.

Certo dia, quando estavam todas juntas, a casa pegou fogo e, apesar das sete monjas serem arhats e terem o poder de voar, elas não conseguiram usá-lo. Portanto, todas morreram queimadas. Novamente, esse é um exemplo de que se você gerou um potencial cármico, você experimentará seu resultado. Neste exemplo, elas não admitiram o erro nem se purificaram. A serva, que não estava envolvida no ato de queimar o arbusto, também foi pega no fogo, mas conseguiu escapar rastejando para fora da casa. Esse exemplo também mostra que se você não gerou um determinado potencial, não experimentará seu resultado.

Desenvolvendo Confiança nos Ensinamentos sobre o Carma

Apenas um buda totalmente iluminado consegue perceber todos os complexos e sutis detalhes das leis do comportamento e seus resultados. É muito importante estudar essas leis e essas questões. Os textos que explicam isso estão nas palavras traduzidas do Buda, o Kangyur, em vários dos seus volumes e especialmente no Sutra do Sábio e do Tolo. Todos falam sobre o carma, vocês deveriam lê-los. 

No que concerne à apresentação sobre o comportamento e seus resultados, não conseguimos perceber com os nossos olhos renascimentos em reinos inferiores e coisas desse gênero. A única forma de nos convencermos disso é confiando na autoridade do Buda, nas palavras do Buda. Mas como desenvolver a confiança de que aquilo que o Buda disse sobre o carma estava correto? Aceitar, simplesmente porque o Buda é um ser muito precioso e santo, não é algo que todos se sintam confortáveis de fazer, e não é uma razão muito estável para se acreditar no que o Buda disse, pois é muito provável que eventualmente você venha a pensar que o Buda pode ter inventado tudo isso.

Como desenvolvemos confiança no que o Buda disse sobre o carma e essas leis? Bom, consideramos todas as coisas que o Buda disse sobre a vacuidade, sobre a realidade. O Buda nos mostrou muitas linhas de raciocínio para percebermos que não há nada que corresponda a essas várias fantasias de maneiras impossíveis de existir. Se usarmos nosso poder de raciocínio e seguirmos a lógica que o Buda nos mostrou, nos convenceremos de que aquilo que ele disse sobre a realidade é verdadeiro. O Buda também nos deu muitos métodos para acalmarmos a mente, para desenvolvermos shamata, a quietude mental, e se os praticarmos conseguiremos desenvolver um estado mental calmo e assentado. Quando você comprovar tudo isso, desenvolverá confiança de que aquilo que o Buda disse era verdade. Consequentemente, confiará no que o Buda disse sobre as leis do comportamento e seus resultados.

Tudo isso veio da discussão sobre as dez ações destrutivas e as dez ações construtivas. É muito importante conhecer e colocar isso em prática.

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