As Dez Ações Destrutivas Detalhadas

Vocês acham que será bom para vocês se eu continuar explicando dessa forma? Pergunto porque o dharma pode ser ensinado de muitas maneiras.

Dr. Berzin: O Rinpoche está pedindo feedback. Essa maneira de apresentar o material está adequada a vocês?

Se acharem que é bom prosseguir assim, continuarei assim, pois o importante é explicar algo que lhes beneficie, que essa experiência lhes seja benéfica. Qualquer tipo de ensinamento que tenham escutado, o que quer que tenham aprendido sobre essas medidas preventivas, primeiro vocês tiveram que escutar e, com base nisso, passaram a saber. Uma vez que sabem, precisam colocar em prática – é nisso que estamos envolvidos aqui.

Se apenas tomarmos conhecimento das medidas preventivas e não as adotarmos, não as colocarmos em prática, não alcançaremos nada. E se você quiser praticar, se quiser tomar medidas preventivas e não souber quais medidas tomar, não poderá tomá-las. Portanto, aprender quais são essas medidas é tão importante quanto praticá-las. Você tem que escutar os ensinamentos, escutar a explicação dessas medidas, aprender quais são essas medidas e praticá-las. Tudo isso precisa estar junto: é um único processo.

As Três Ações Destrutivas de Corpo (Continuação)

Revisão de Evitar Matar

Já expliquei o que está envolvido na ação destrutiva de tirar a vida de um ser, portanto, agora vocês possuem esse conhecimento, por terem escutado essa explicação. O que foi que escutaram? Escutaram sobre todas as desvantagens e problemas provenientes do ato de matar, e também as vantagens e benefícios provenientes de abster-se de tirar a vida de um ser. Então, agora que vocês possuem esse conhecimento, precisam colocar isso em prática, ou seja, precisam fazer uma forte promessa, um voto, de que de agora em diante “não tirarei a vida de nenhum ser, mesmo que seja um minúsculo inseto.”

Abster-se desse tipo de ação destrutiva é praticar. Mas, no dia a dia, você anda por aí, e ao andar, inevitavelmente pisa em pequenos insetos que estão no chão. Nesse caso, pisa por acidente, sem um claro reconhecimento do que está fazendo. Não existe a motivação de ir lá e esmagar os insetos. Não é intencional, e os fatores que fazem com que a ação seja completa não estão todos presentes. Portanto, é um caso diferente.

Conta-se que havia um matador de animais que vivia no tempo de arya (ser altamente realizado) Katyayana. Quando conheceu Katyayana, tomou votos de abstenção. Mas disse: “Eu não posso parar de matar animais durante o dia, mas eu posso abster-me à noite”. Então tomou o voto de que durante o dia continuaria a matar, mas nunca mais mataria depois do anoitecer. No seu próximo renascimento, tudo corria muito bem durante a noite. Ele tinha comida e bebida suficiente, e tudo era bom e confortável. Mas durante o dia, todos os animais que estivessem por perto o atacavam, tudo era absolutamente terrível, pois todos as criaturas selvagens a sua volta tentavam chifrá-lo ou atacá-lo.

No caso de um exemplo contrário, onde a pessoa matasse durante a noite e não matasse durante o dia, o dia seria muito agradável. Você teria bastante comida, bebida, conforto e tudo à sua volta seria muito harmonioso, durante o dia. Uma vez um monge encontrou uma pessoa que tinha esse tipo de situação, tudo ia muito bem de dia, mas à noite os animais o atacavam. Ele perguntou ao Buda qual era a causa disso e o Buda explicou que era o resultado dessa pessoa ter sido um matador em uma vida passada, matava animais durante a noite, mas se abstinha de matar durante o dia.

Roubar

O próximo tipo de ação destrutiva de corpo é roubar, tomar coisas que não nos foram dadas. Isso refere-se a qualquer objeto que não nos pertença. Tomar o que não lhe foi dado inclui não apenas roubar, mas também passar pelo pedágio sem pagar, por exemplo. Isso também é tomar o que não lhe foi dado, isso também é roubar.

No que diz respeito ao resultado, assim como no caso das outras ações destrutivas, o que acontecerá será um renascimento em um dos estados piores, como uma criatura do inferno, um fantasma faminto ou um animal. Se e quando você renascer como ser humano novamente, durante essa vida você será extremamente pobre e não terá nada. Esse é o resultado que corresponde à causa no que diz respeito à sua experiência. Você será muito pobre. No que diz respeito ao seu comportamento instintivo, não importa quão rico seja, ou quão estudado ou talentoso, você instintivamente terá o impulso de roubar. No que diz respeito ao resultado abrangente, você renascerá em um lugar muito pobre, onde não chove na época apropriada e coisas como comida e bebida são muito escassas.

Por exemplo, os Estados Unidos são um país muito rico, com comida e bebida farta. Esse é o resultado das pessoas aqui não terem roubado no passado. Portanto, se você quiser continuar a renascer em países ricos, em lugares ricos, você precisa abster-se de roubar, de tomar para si coisas que pertencem a outras pessoas, qualquer coisa que não lhe pertença. O resultado que amadurece de abster-se de roubar é você renascer em um lugar rico como este. O resultado que corresponde à causa em termos de sua experiência é que a área onde você nascer será próspera e rica. Assim, você deve considerar as desvantagens de roubar, de ser um ladrão, e pensar nos resultados benéficos de abster-se. Se você tomar um voto de abster-se e prometer nunca mais roubar, isso será muito construtivo e muitas coisas positivas resultarão disso. 

O dharma é uma prática spiritual que tem a ver com tomar medidas preventivas para vidas futuras, ou seja, sua próxima vida em diante. Portanto, tem a ver com pensar, por exemplo, que quero que minha vida futura seja longa e saudável e, para isso, tomarei a medida preventiva de não matar. Em minhas vidas futuras quero ser rico e próspero e, portanto, tomarei a medida preventiva de nunca roubar, nunca tomar o que não me foi dado. É disso que estamos falando quando falamos em tomar as medidas preventivas do dharma.

Comportamento Sexual Inadequado

A próxima ação destrutiva de corpo é o comportamento sexual inadequado. Umas das coisas envolvidas no comportamento sexual inadequado é o adultério, por exemplo, que é ter relações sexuais com alguém que não é o seu companheiro ou companheira. O resultado disso, no que diz respeito ao renascimento, é renascer como uma criatura inferior em um lugar extremamente sujo. Por exemplo, vemos todos esses insetos e moscas vivendo no esgoto ou em pântanos poluídos e horríveis. Isso é um resultado que amadurece do comportamento sexual inadequado. Um resultado correspondente à causa, no que diz respeito às experiências é, quando você renascer como ser humano, seu parceiro ser infiel, você não conseguir manter seu casamento e seu corpo cheirar mal. Por outro lado, abster-se do comportamento sexual inadequado leva a um corpo que cheira bem e é radiante, e a você ter muita harmonia no relacionamento.

Quando falamos em roubar, tomar aquilo que não lhe foi dado, lembre-se que na análise dessa ação há quatro coisas que precisam estar completas. Para que o roubo seja completo é preciso que desenvolvamos a atitude ou o sentimento de que aquilo que pegamos agora nos pertence. Para que um ato de comportamento sexual inapropriado esteja completo é necessário que haja o êxtase do orgasmo.

Essas são as três ações destrutivas do corpo.

As Quatro Ações Destrutivas da Fala

Mentir

A quarta ação destrutiva nos leva à categoria das ações destrutivas da fala, que são quatro. A primeira é mentir. A base aqui, sobre a qual se mente, pode ser uma destas quatro coisas: algo que você viu, que ouviu, que encontrou ou da qual ouviu falar. Pode ser também o oposto disso: algo que não viu, que não ouviu, que não encontrou ou vivenciou ou que não lhe foi contado.

O reconhecimento envolvido deve ser o oposto daquilo que você experimentou. Em outras palavras, você deve reconhecer que viu algo e depois ter dito que não, ou que ouviu algo e depois ter dito que não ouviu; ou o oposto disso: reconhecer que não viu algo, mas dizer que viu. Deve ser esse tipo de reconhecimento.

Vários tipos de motivação podem estar envolvidos para que você minta. E eles podem ser de uma destas três categorias: desejo, raiva ou ignorância. O mesmo se aplica a todas as outras ações destrutivas; elas podem vir de qualquer destas três atitudes venenosas:  apego, raiva ou ignorância.

O fator motivador que faz com que você minta é o hábito contínuo de mentir. Em outras palavras, se você está sempre enganando os outros, se está sempre inventando coisas, a força disso faz com que a mentira surja automaticamente, é um mentir compulsivo. Quanto à ação envolvida em criar essa mentira, pode ser a ação de dizer alguma coisa. Mas você não precisa nem falar, pode simplesmente fazer um gesto com seu corpo ou simplesmente a sua postura ou qualquer outra indicação, física ou verbal. A finalização é quando a outra pessoa entende sua mentira, quer seja por meio de palavras, gestos ou expressões, quando ela compreende e toma consciência daquilo que você está tentando comunicar, então a ação está completa.

Quando digo que a outra pessoa compreendeu aquilo sobre o qual você mentiu, isso não significa que ela compreendeu que você mentiu. Significa que ela entendeu o que você disse e acreditou em você. Ela entendeu [ela acha] que você realmente viu o que disse ter visto, quando, na verdade, você não viu. Não significa que ela reconheceu que você mentiu, significa simplesmente que você falou e que ela entendeu o que você tentou comunicar.

Agora, digam-me, o que acabei de dizer? Como se finaliza a mentira? Quando podemos dizer que está completa?

Quando alguém entendeu o que você disse, quando você conseguiu enganar?

O que significa “entender”?

Entender o significado do que você quis comunicar?

Não significa que a outra pessoa percebeu que você mentiu. Significa apenas que entendeu o que você disse ou o gesto que você fez. Se ela não percebeu que você mentiu, isso significa que entendeu o que disse ou o gesto que fez, como sendo a verdade.

Linguagem Desagregadora

A próxima ação destrutiva, a quinta entre as dez ações destrutivas ou não virtuosas, ou a segunda entre as quatro ações verbais, é criar discórdia com o que você fala. A base envolvida tem de ser grupos ou pares, que estão ou não em harmonia; pode ser qualquer dos casos. Assim como nos casos anteriores, a intenção precisa envolver tanto o reconhecimento do grupo quanto a motivação. O reconhecimento, por exemplo, seria você ver duas pessoas e reconhecer que são essas pessoas que você quer separar. Você quer que não exista amizade entre elas. Portanto, você reconhece as duas pessoas que você quer separar. A motivação deve ser uma destas duas: se forem amigos, criar um rompimento e fazer com que se tornem inimigos. Se são já são inimigos, piorar a inimizade.

A ação pode ser falar alguma coisa, seja isso verdade ou não, simplesmente falar alguma coisa. Se você ouviu dizer ou se não ouviu dizer, não importa; o que importa é falar algo que faça com que as pessoas rompam uma com a outra. Se já tiverem rompido, fazer com que fiquem ainda mais distantes. A finalização da ação ocorre quando as duas partes entenderam o que você disse, as palavras que farão com que qualquer harmonia que exista entre elas desapareça – essa é a finalização da ação. Novamente, isso não significa que elas compreendem que você disse o que disse só para causar desarmonia.

No que diz respeito à ação envolvida, além de você dizer algo que cause discórdia é preciso que haja pelo menos mais duas pessoas envolvidas. Pode ser qualquer número de pessoas, desde que seja maior que dois. Pode ser, por exemplo, tentar criar discórdia dentro de todo um país, de toda uma área, criar desarmonia entre todas as pessoas.

Linguagem Hostil e Abusiva

O próximo tipo de ação destrutiva é a sexta ação, ou a terceira ação entre as quatro ações destrutivas de fala. É usar de linguagem grosseira ou abusiva. A outra parte envolvida nessa ação de linguagem hostil ou abusiva pode ser algum indivíduo – um inimigo, um amigo ou um parente – que lhe prejudicou no passado, lhe prejudica no presente ou possa lhe prejudicar no futuro, a você ou a qualquer outra pessoa. Pode ser também alguém que simplesmente lhe irrite. A motivação e o reconhecimento envolvidos são parecidos com os da ação anterior. A intenção é de gritar ou dizer algo hostil e abusivo para essa pessoa ou ser.

A ação envolvida é a de gritar alguma coisa, de dizer algo hostil ou abusivo sobre o status social, saúde, corpo, moral ou qualquer outra coisa, seja isso verdade ou não: dizer algo muito rude e cruel a essa pessoa no que diz respeito a algum aspecto dela.

A primeira entre essas ações é xingar alguém se referindo à sua casta ou posição social. Em inglês poderia ser, por exemplo, xingar alguém de bastardo ou algo assim. Na Índia, eunucos travestidos que tocam tambor em determinados festivais, varredores ou faxineiros são de uma casta muito baixa; portanto, chamar alguém de varredor ou faxineiro é muito ofensivo. No Tibete, um ferreiro, um abatedor de animais ou uma pessoa que arrume o corpo dos mortos são de uma casta muito baixa. Portanto, chamar alguém de uma dessas coisas é como chamar de bastardo [no inglês].

No que diz respeito ao aspecto físico, pode ser chamar de aleijado ou “seu cego” ou “seu surdo” ou “seu feio”, essas coisas que têm a ver com a condição física da pessoa. Você também pode dizer coisas abusivas referindo-se a um comportamento, como chamar de idiota, jumento, cachorro ou algo assim. Em suma, é qualquer tipo de abuso verbal que você dirija a alguém. E a finalização da ação está na outra pessoa entender o que você disse.

Conversa Inútil

A próxima ação destrutiva é a sétima, ou a quarta entre as quatro ações verbais. É engajar-se em conversa inútil. A base disso é falar sobre coisas totalmente sem sentido ou triviais. É preciso que você reconheça e considere esse assunto insignificante como sendo insignificante. A motivação deve ser o desejo de falar sobre coisas sem sentido, triviais, expressar essas ideias. A ação é expressar-se falando essas coisas triviais e sem sentido. A finalização não requer que alguém entenda o que você falou; ficar murmurando consigo mesmo já é suficiente para completar a ação.

Será que isso inclui, por exemplo, pensamentos discursivos enquanto meditamos?

Não. Expressar em voz alta os pensamentos discursivos envolvidos na meditação, como na meditação em que tentamos encontrar o “eu”, [analisando se] o “eu” está em minha cabeça ou em meu pé, não é um tagarelar inútil. A base da conversa inútil [ou do tagarelar inútil] tem de ser algo totalmente sem sentido ou trivial. Expressar em voz alta os pensamentos discursivos que surgem na meditação não é tagarelar inútil, pois o processo de meditar não é sem sentido ou idiota, mesmo que os pensamentos discursivos envolvidos sejam idiotas e sem sentido.

Você está se referindo aos pensamentos aleatórios que podem surgir durante a meditação?

Dr. Berzin: Estava me referindo aos pensamentos aleatórios.

O que acho que é conversa fiada quando percebo que minha mente está divagando?

Dr. Berzin: Por exemplo?

Qualquer coisa que surja. Como, o que vou fazer após a meditação [por exemplo].

Dr. Berzin: Falar em voz alta?

Não, apenas pensar.

Dr. Berzin: Bom, essa é uma ação da fala, mas vou perguntar ao Rinpoche sobre falar em voz alta.

Serkong Rinpoche: Primeiro, é preciso que seja expressado em voz alta para ser um tagarelar inútil; o tagarelar mental inútil é outra coisa. Estamos falando aqui de uma ação realmente verbal e é preciso que seja algo totalmente sem sentido e idiota. Se estiver meditando e com fome, e se disser em voz alta “Estou com fome, o que deveria fazer para o almoço?” Isso não é tagarelar inútil, pois é significativo. Mas dizer algo totalmente idiota e sem sentido, algo sem propósito, seria um tagarelar inútil.

As Três Ações Destrutivas da Mente

Pensamentos de Cobiça

A próxima é a oitava ação destrutiva. Aqui começaremos [a falar das] três ações destrutivas da mente, e a primeira é ter pensamentos de cobiça, pensamentos relativos a desejar coisas que pertencem aos outros.  A base para isso é a riqueza e as posses de outra pessoa. A motivação envolvida requer o reconhecimento daquilo que se cobiça e se quer para si. Por exemplo, se você vê a casa de alguém, a casa é o objeto envolvido, e o pensamento “Ah, eu queria essa casa para mim” seria o reconhecimento envolvido, reconhecer exatamente o que se está cobiçando. A motivação envolvida é esse hábito contínuo de querer e querer e querer, de cobiçar coisas. A ação envolvida é esse pensamento de querer essa coisa e decidir fazer algo para obter isso que você cobiça. Portanto, a ação é pensar em fazer algo para conseguir o que cobiça, e a finalização seria tomar a decisão de tentar conseguir o que cobiça.

Pensar com Maldade

A próxima ação destrutiva da mente é pensar pensamentos maldosos ou animosidade com os outros. A base aqui é parecida com a de usar linguagem abusiva, hostil e cruel. Pode ser, por exemplo, um inimigo ou alguém de quem não gostamos, que tenha nos prejudicado no passado, que está nos prejudicando no presente ou que pode nos prejudicar no futuro. Pode ser um amigo ou parente que fez, está fazendo ou pode fazer algo para lhe prejudicar ou lhe perturbar. Portanto, qualquer tipo de ser pode ser o objeto de um pensamento maldoso. A motivação envolvida, a intenção, seria pensar na pessoa e desejar dar um soco, bater ou prejudicá-la de alguma maneira. A ação envolvida seria pensar em realmente fazer isso, agir com base nesse pensamento maldoso, e não apenas ter o pensamento maldoso de machucar alguém, realmente tentar colocar isso em prática, realmente fazer isso. A finalização se dá quando você toma a firme decisão: “vou pegar aquele pedaço de pau e bater com ele em alguém”. É quando tomamos a firme decisão de fazer isso que o pensamento maldoso está completo.

Pensamento Distorcido ou Antagônico

A base envolvida no pensamento distorcido ou antagônico precisa ser algo distorcido ou antagônico. O reconhecimento seria acreditar como sendo verdadeiro aquilo que não é. A motivação ou intenção seria negar a verdade. A ação seria pensar em contar para os outros o que se pensa. Por exemplo, que não existem vidas futuras, quando o caso é que existem vidas futuras. Ou que não existe relação entre causa e efeito, ou que a felicidade não é o resultado de agir positiva e construtivamente. A finalização se dá quando você decide definitivamente espalhar suas crenças distorcidas.

Resumo

É muito importante saber dessas coisas; não só saber quais são as várias ações destrutivas, mas colocar esses ensinamentos em prática, abstendo-se de agir destrutivamente. Esse realmente é o ponto mais importante. Quando o grande Atisha foi convidado para o Tibete, o rei que o convidou disse: “Primeiro nos conte sobre o carma; conte-nos sobre as leis do comportamento e seus resultados. Não nos conte imediatamente sobre as práticas avançadas do tantra”. Quando Atisha ouviu esse pedido, ficou muito feliz.

Os vários ensinamentos do lojong, que é o treinamento ou purificação de nossas atitudes, e os vários ensinamentos do mahamudra, que é o grande selo da realidade, todos incluem, como ensinamentos preliminares, esses pontos sobre o carma, sobre o comportamento e seus resultados. Não há como entrar adequadamente nesses ensinamentos sem entender isso, já que esse é o pano de fundo e o contexto.

Agora voltemos ao ponto onde começamos esta discussão, à pergunta original: o que é dharma, o que é uma medida preventiva ou prática espiritual? Em um primeiro nível, a prática espiritual do dharma envolve tomar medidas para prevenir um nascimento muito ruim. Em outras palavras, tem a ver com trabalhar para as vidas futuras. Portanto, quando você analisa seu comportamento e reflete sobre qual será o resultado de tal comportamento em vidas futuras, e depois se abstém de agir destrutivamente para que suas vidas futuras não sejam terríveis, essa é a prática espiritual do dharma.

As Quatro Leis do Carma

Por exemplo, você pode ser muito ignorante e achar que fazer sacrifícios de sangue, sacrificar um animal, vai lhe trazer felicidade no futuro. Pessoas que fazem isso estão equivocadas, pois ao agir destrutivamente matando outros seres, não há como as coisas irem bem no futuro. A única coisa que pode resultar de matar em um sacrifício de sangue é infelicidade e sofrimento. Essa é a lei do carma, se você vivencia infelicidade, isso é definitivamente o resultado de ter cometido ações destrutivas no passado.

O próximo aspecto das leis do comportamento e seus resultados é o fator de amplificação. Isso pode ser entendido em um nível extremo, se você plantar um caroço de pêssego, o que crescerá dele será um pessegueiro muito grande; se você plantar uma pequena semente de maçã, a macieira que crescerá dela será muito grande. Da mesma forma, se você plantar uma ação positiva pequena como causa, o resultado dela, a felicidade, pode ser muito grande e inesgotável.

Por exemplo, se você realmente tiver um pensamento muito apropriado e positivo, e fizer uma prostração completa com essa intenção extremamente positiva, você pode desenvolver o potencial para renascer como um imperador cósmico por tantas vidas quanto o número de grãos de terra embaixo do seu corpo esticado. O mesmo acontece com o comportamento destrutivo: os problemas e sofrimentos que resultam até mesmo da menor ação destrutiva podem ser muito grandes. Há o exemplo de alguém que xingou um monge dizendo: “Sua voz é como a de um cachorro” e o resultado foi que a pessoa renasceu como cachorro quinhentas vezes. Portanto, é muito perigoso usar de linguagem abusiva e xingar alguém. Gritar e chamar alguém de cachorro não tem o poder de transformar a pessoa em cachorro, mas existe o perigo de você nascer como um cachorro.

Entre os discípulos diretos do Buda, Shariputra era conhecido como o mais sábio. Ele era o que tinha mais clareza mental e capacidade discriminativa. O motivo é que em uma vida anterior ele havia sido um entregador de cartas, um carteiro. Certa vez, quando estava viajando para entregar cartas e mensagens, parou à noite em um templo abandonado. Nesse templo, havia murais com muitas ilustrações representando o corpo, a fala e a mente dos budas. Enquanto Shariputra estava nesse templo, ele acendeu uma lamparina para consertar seus sapatos e a lamparina iluminou todas as gravuras que representavam as qualidades do Buda. Como resultado de ter iluminado essas gravuras, ele obteve grande clareza mental e capacidade discriminativa. Portanto, em qualquer lugar que haja figuras de seres iluminados, budas e assim por diante, se você as iluminar, se oferecer velas ou oferecer-se para ligar a luz e iluminá-las, os benefícios serão muito grandes. Claro, você tem que ter muito cuidado e usar de bom senso, pois se oferecer velas e acender incensos, há o perigo de você incendiar a casa. Você precisa ter cuidado em oferecer essas coisas.

No que diz respeito à terceira lei do carma, entre os discípulos mais velhos do Buda, havia um grupo de dezesseis, chamados algumas vezes de dezesseis arhats. Entre eles havia um chamado Kanakavatsa. Em uma vida anterior, Kanakavatsa havia vivido nos tempos do primeiro buda desta era. Esse buda costumava andar montado em um elefante magnífico, e Kanakavatsa fez uma oferenda de um ornamento de folhas de outro para o elefante, com grande fé e respeito. Como resultado, quando ele renasceu, na época do Buda Shakyamuni, um elefante dourado cujas fezes eram de ouro sólido apareceu em sua casa, na mesma hora em que ele nasceu. O rei local, o poderoso rei Ajatashatru, ordenou que esse magnífico elefante dourado fosse levado ao palácio. No entanto, sempre que o oficial tentava levar o elefante para o palácio do rei, o elefante miraculosamente desaparecia sob a terra e reaparecia na casa onde Kanakavatsa havia renascido. Eles tentaram por três vezes levar o elefante, mas todas as vezes ele desaparecia e reaparecia na casa. Isso aconteceu porque o rei não tinha desenvolvido potencial positivo suficiente para ter um elefante assim. Já a criança que nasceu na casa, tinha. Esse é um exemplo de que, se você não gerar o potencial para uma determinada ação, você não experimentará seus resultados.

No que diz respeito à quarta lei, se você cometer uma ação, ela nunca será em vão, o potencial nunca será desperdiçado, ele amadurecerá conforme amadureceu com essa criança que tinha o potencial para um elefante dourado. [Nessa história], o jovem finalmente deixou a vida familiar e tomou votos monásticos com o Buda, e o Buda disse: “Agora não há mais necessidade de você ter um elefante dourado” e com seu poder fez o elefante desaparecer. Kanakavasta esforçou-se muito e atingiu o estado de arhat, um ser liberto, e era conhecido como o ancião, o arhat Kanakavatsa.

Top