Profecias
Antes de Milarepa receber seus vários discípulos, a figura búdica Vajrayogini apareceu para ele em uma visão e profetizou que em um futuro não muito distante receberia um discípulo que seria como um sol, outro que seria como uma lua e muitos outros como estrelas no céu. O discípulo que seria como um sol era Gampopa (sGam-po-pa bSod-nams rin-chen) (1079-1153), que também ficou conhecido como o Grande Doutor de Dagpo (Dvags-po lha-rje). Ele tornou-se um dos principais discípulos de Milarepa, juntamente com Rechungpa (Ras-chung-pa rDo-rje grags-pa) (1084-1161) e muitos outros.
Gampopa não era uma pessoa comum. Sua presença neste universo naquela época tinha sido profetizada em vários sutras, especialmente o Sutra do Lótus Branco, em que sua chegada foi claramente profetizada, como segue:
Certo dia, o Buda Shakyamuni virou-se para seu discípulo Ananda e disse, “Ananda, após minha entrada no parinirvana, haverá um monge no norte deste hemisfério que será conhecido como o Monge Doutor.” Gampopa era monge e médico talentoso. “Ele será alguém que durante muitas vidas dedicou-se completamente ao dharma, e teve muitos professores espirituais.”
A Vida Como Chefe de Família
Gampopa nasceu em um pequeno vilarejo no sul do Tibete, em uma região chamada Dagpo (Dvags-po), próxima à fronteira do Nepal. Seu pai era um médico muito reconhecido, que teve dois filhos, sendo Gampopa o mais velho. Desde criança Gampopa era extremamente inteligente, aprendeu a profissão do pai e também tornou-se um grande médico. Quando tinha cerca de 15 anos de idade estudou muitas escrituras Nyingma e portanto adquiriu um enorme conhecimento nessa tradição. Ele procurou ter muitos ensinamentos espirituais e, quando completou vinte e dois anos, casou-se com Chogmey (mChog-med), filha de uma família muito rica de um vilarejo vizinho. Após o casamento tiveram dois filhos, um menino e uma menina.
Passados alguns anos seu filho morreu de repente. Gampopa levou o corpo do menino para o cemitério, a fim de realizar os procedimentos costumeiros. Quando voltou do funeral, sua filha também estava morta. Pouco tempo depois sua esposa contraiu muitas doenças. Como médico, Gampopa lhe deu todo tipo de remédio, consultou outros médicos e tentou vários pujas para sua recuperação, mas nada funcionou. Como ela só piorava, eles perderam as esperanças. Finalmente, Gampopa sentou-se ao lado de sua cama e leu um sutra para ela, em preparação para sua morte. Mas ela não morreu.
Gampopa perguntou-se por que ela não morria. O que a estava mantendo viva? Por que ela não conseguia desistir desta vida, uma vida sem esperança, que só lhe traria mais dor e sofrimento? Sentindo grande compaixão pela esposa deitada e doente, Gampopa gentilmente lhe perguntou “Fiz o que pude para curá-la. Tentei vários médicos, remédios e todo tipo de oração e ritual, mas nada funcionou. Eles não funcionaram por causa de suas próprias ações prévias. As orações e forças kármicas de vidas passadas nos unem. Mas agora, apesar de ter muito amor e afeição por você, preciso lhe perguntar: o que a mantém aqui? Se for a riqueza que temos na casa ou qualquer posse material que acumulamos, se for isso que a está segurando, se estiver muito apegada, eu doo tudo. Vendo ou dou como oferenda para um monastério, ou para os pobres. Posso me livrar de qualquer coisa que a esteja segurando. O que quer que deseje, eu faço.
Chogmey respondeu, “Não estou apegada à riqueza ou a qualquer outra coisa da casa. Não é o que me mantém aqui. Minha preocupação é com seu futuro, é por isso que não consigo morrer. Depois que eu morrer será fácil para você casar-se novamente e ter muitas filhas e filhos, mais do que tivemos juntos. No entanto, vejo que esse tipo de vida não tem nenhum sentido para você. É por isso que me preocupo tanto. Se me prometer que, ao invés de ter uma vida assim, será um dedicado praticante do dharma, que é o meio mais eficaz de ter felicidade e dar felicidade a todos os seres, então conseguirei morrer em paz. Caso contrário, permanecerei assim por um longo tempo.”
“Neste caso” disse Gampopa, “devo dar-lhe minha palavra de honra de que deixarei essa maneira de viver e me tornarei um dedicado praticante do dharma.”
Chogmey respondeu, “Apesar de confiar em você, para deixar-me totalmente feliz e segura de sua promessa, por favor traga uma testemunha”. Gampopa pediu a seu tio que testemunhasse seu voto. De pé, ao lado de sua amada esposa, com o tio como testemunha, Gampopa prometeu dedicar sua vida ao dharma. Isso deixou Chogmey muito feliz, e ela disse, “Mesmo depois de morta estarei sempre cuidando de você.” Após essas palavras, segurou sua mão e, com muitas lágrimas nos olhos, faleceu.
Gampopa preparou um elaborado rito funerário para a cremação de sua esposa. Com suas cinzas, ossos e argila ele fez várias placas votivas onde imprimiu figuras de seres iluminados. A estupa que construiu em sua honra, “A Estupa de Chogmey” (mChog-med mchod-rten), ainda está de pé no Tibete. Agora que Gampopa estava só, dividiu toda sua riqueza em duas partes iguais. Uma parte ele vendeu, usando o dinheiro para fazer oferendas às Três Joias e distribuir esmolas aos pobres e necessitados. A outra parte ele manteve para a manutenção de sua vida e prática religiosa.
Certo dia seu tio, que foi a testemunha da promessa de Gampopa a Chogmey, visitou Gampopa, esperando que ainda estivesse em profundo luto por sua esposa. Foi dar-lhe um conselho, dizer que não se preocupasse e consolá-lo, explicando sua situação segundo a lei do karma. Gampopa respondeu que não estava nem um pouco preocupado. Pelo contrário, estava bastante feliz por ela ter morrido. O tio ficou extremamente zangado ao ouvir isso, encheu a mão de terra e jogou-a no rosto de Gampopa. “Como assim?” gritou “Você não podia ter tido uma esposa melhor, uma pessoa tão bonita!”
Surpreso com sua reação, Gampopa perguntou ao tio, “Que tipo de testemunha é você? Não estava lá quando prometi seguir as práticas do dharma? Não escutou?” O tio, muito envergonhado, disse “É verdade. Apesar de já estar velho, nunca me lembro de praticar o dharma, enquanto você, tão jovem, tem tanta coragem de seguir o caminho espiritual. Ficaria muito feliz se pudesse ajudá-lo de alguma forma.”
Tornando-se Monge e Estudando com os Mestres Kadam
Certo dia, Gampopa embalou uma grande quantidade de comida e roupas e decidiu viver em solitude. Sem dizer sequer uma palavra a seus parentes e amigos, deixou o povoado em que vivia e seguiu para a região de Penpo (‘Phan-po), em busca de um guru.
Logo depois ele encontrou Shawa-lingpa (Sha-ba gling-pa), um compassivo mestre da tradição Kadam, e pediu que lhe desse os votos de noviço e os votos completos de monge. O nome que recebeu na ordenação foi Sonam-rinchen (bSod-nams rin-chen). Como monge, ele praticou intensamente com uma série de geshes Kadam, meditando e estudando com esses grandes mestres. Frequentemente passava dias sem comida e sequer uma gota d’água, absorvido na bem-aventurança mental e física da concentração perfeita. Gampopa atingiu um nível tão alto de samadhi, que era capaz de sentar-se por sete dias totalmente absorvido em meditação.
Portanto, Gampopa já tinha uma percepção bem desenvolvida, e bastante confiança em sua prática, quando partiu em busca de seu guru, Milarepa. Possuía maestria sobre todos os ensinamentos Kadam e sonhos extraordinários, como de ser um bodhisattva do décimo grau. Frequentemente, sonhava que um yogui azul de bengala colocava a mão direita sobre sua cabeça e algumas vezes cuspia nele. Achando que esse sonho era um sinal de que um espírito maligno estava tentando causar interferência e obstáculos em sua prática, fez um intenso retiro de Achala (Mi-g.yo-ba), o Imóvel. Achala é uma figura de aparência feroz usada como objeto de meditação, principalmente na tradição Kadam, com o objetivo de eliminar obstáculos à prática. Entretanto, após o retiro, o sonho passou a repetir-se com ainda mais frequência, mais forte e vívido que nunca. Mal sabia ele que esse sonho era um sinal de que em breve encontraria seu futuro professor, o grande yogui Milarepa.
Encontrando Milarepa
A primeira vez que Gampopa escutou o nome de Milarepa foi quando estava circumambulando uma estupa na estrada e ouviu três mendigos conversando. Um deles reclamava o tempo todo sobre a fome no país, dizendo que fazia muito tempo que não comia. Outro dizia que eles deviam se envergonhar de falar o tempo todo sobre comida, pois os monges que circumambulavam a estupa poderiam ouvir e isso era uma vergonha. “Além do mais”, disse, “nós não somos os únicos que não têm o que comer. O grande yogui e santo Milarepa nunca tem comida e, no entanto, vive nas montanhas dedicando-se completamente ao dharma. Ele nunca reclama de comida. Todos precisamos rezar para desenvolver o desejo sincero de levar uma vida simples como a dele.”
Ao ouvir o nome de Milarepa, Gampopa foi tomado por um sentimento de felicidade e bem-aventurança. Quando contou a seu professor o que havia acontecido, ele disse, “Eu sabia desde o princípio que você tinha uma relação kármica próxima com um mestre de meditação . Vá ter com ele e tudo sairá bem”.
Naquela noite, Gampopa quase não conseguiu dormir. Durante praticamente toda a noite ofereceu fervorosas orações e intenções de que imediatamente encontrasse Milarepa. Quando finalmente cochilou, teve um sonho muito especial em que ouviu o som de uma concha branca, que produz o som mais alto em todo o planeta. Ele também contou isso ao professor, que disse “Esse é um sinal muito auspicioso. Você deve partir imediatamente em busca de Milarepa.”
Gampopa correu para o lugar onde os mendigos estavam acampados e perguntou-lhes se conheciam Milarepa pessoalmente, se sabiam onde ele estava e se podiam guiá-lo até lá. Disse que tinha 450 gramas de ouro em pó e daria metade a eles, mantendo a outra metade para oferecer ao grande guru quando o encontrasse. O mais velho dos mendigos disse que sabia onde Milarepa estava e concordou em guiá-lo até sua caverna.
Mas o velho mendigo era traiçoeiro e quando já estavam à caminho admitiu que não sabia onde ficava a caverna. Disse que não se sentia bem e não poderia mais guiar. Haviam chegado a um lugar onde não existiam casas, pessoas ou animais; completamente deserto. O mendigo foi embora e Gampopa ficou sozinho. Andou e andou por muitos dias, sem comida, até que finalmente encontrou um grupo de mercadores. Gampopa perguntou a um deles onde poderia encontrar Milarepa e ele respondeu que o conhecia bem e que era um grande meditador e yogui. Disse que Milarepa mudava-se com frequência, vivendo de caverna em caverna, povoado em povoado, mas que atualmente estava vivendo em um certo povoado e caverna, e apontou a direção. Indicou precisamente onde o aspirante a discípulo poderia encontrar o yogui. Tomado de alegria, Gampopa abraçou o homem em gratidão e não o soltou por um bom tempo.
Foi uma viagem de vários dias e, como viajava sem comida alguma, acabou caindo ao chão, inconsciente. Quando acordou, achou que não tinha o karma para encontrar esse grande yogui e que iria morrer. Então juntou as mãos e, com profunda reverência e gratidão, rezou fervorosamente para que pudesse nascer novamente como humano e discípulo de Milarepa.
Enquanto Gampopa aguardava a morte, deitado no chão, um dos mestres Kadam o viu. Percebendo que ele havia caído no chão, foi ajudá-lo. Perguntou, “O que está fazendo aqui?” e Gampopa respondeu, “Estou procurando o grande mestre Milarepa. Viajando há vários dias sem água e nem comida. Agora sinto que vou morrer, e sinto tanto por não ter o karma para ver esse guru.” O mestre Kadampa buscou água e comida e guiou Gampopa até o vilarejo onde se encontrava Milarepa.
Quando chegou, Gampopa perguntou a várias pessoas como poderia encontrar o guru e como receber os ensinamentos específicos que buscava. Finalmente encontrou uma pessoa que era um grande mestre e também discípulo do realizado yogui. Gampopa contou-lhe que tinha um forte desejo de conhecer seu guru e receber ensinamentos. Mas ele respondeu que não poderia ver o grande yogui no momento, deveria esperar alguns dias e ser avaliado antes de receber ensinamentos.
Alguns dias antes, Milarepa havia se reunido com seus discípulo e avisado que Gampopa estava a caminho. Disse que esperava a chegada de um monge médico a quem daria os ensinamentos completos e que os espalharia nas dez direções. Milarepa contou sobre o sonho da noite anterior, em que o monge médico lhe trazia um vaso de vidro vazio e ele o enchia com água, significando que Gampopa viria com uma mente totalmente aberta e receptiva aos ensinamentos e Milarepa encheria o vaso de sua mente com o néctar dos insights e ensinamentos completos.
Então Milarepa riu, cheio de alegria, e disse “Agora estou confiante que o dharma do Buda brilhará como o sol em todas as direções.” E cantou para os que estavam a sua volta, “O leite da leoa branca é sem dúvida alguma nutritivo, mas a pessoa que nunca o provou não se beneficiará de seus nutrientes. Você deve prová-lo — mesmo que uma única gota — e então poderá apreciar o efeito nutritivo. O mesmo acontece com meus ensinamentos. Primeiro deve experimentá-los, ver que gosto têm, e então eles serão muito nutritivos.”
“Não existe dúvida alguma sobre a validade e profundidade dos ensinamentos que vêm da linhagem de Tilopa e Naropa. Mas se não meditar, não compreenderá sua profundidade. Só conseguirá aprofundar-se neles se meditar e desenvolver experiências genuínas. Meu grande guru paternal, Marpa, os trouxe da Índia e eu, o yogui, meditei. Testei a validade dos ensinamentos e desenvolvi as experiências pertinentes.”
“O leite da leoa branca deve ser colocado em um recipiente especial, não em qualquer lugar. Se tentarem colocá-lo em um pote de barro, por exemplo, assim que tocá-lo o pote se quebrará. Para os vastos e profundos ensinamentos desta linhagem é preciso um tipo especial de praticante. Recuso-me a ensinar essa tradição a qualquer um que venha receber meus ensinamentos sem estar preparado. Só ensinarei às pessoas que já estiverem completamente desenvolvidas e forem recipientes adequados, prontas para receber os ensinamentos e praticá-los.”
Os discípulos perguntaram a Milarepa, “Quando essa pessoa com quem sonhou chegará?” e ele respondeu, “Provavelmente chegará depois de amanhã. Ele desmaiou e pediu minha ajuda. Usei de meus poderes milagrosos para guiá-lo até aqui.”
No dia seguinte, enquanto meditava, Milarepa periodicamente explodia em gargalhadas. Alarmada, uma fiel patrocinadora exigiu uma explicação. “Mas o que está lhe causando isso? Às vezes fica tão sério e às vezes ri. É melhor explicar esse comportamento porque as pessoas podem achar que ficou louco. O que está acontecendo? Não pode fazer disso um mistério!”
Milarepa respondeu, “Estou ótimo. Meu estado mental está totalmente normal e não estou fazendo mistério. Vejo algo engraçado acontecendo a um discípulo que vem me ver. Primeiro ele desmaiou e agora está com o corpo todo dolorido, mas é corajoso e está se esforçando muito para vir. Isso me faz rir. Estou feliz e acho engraçado”.
“Logo ele chegará ao povoado, e aquele que primeiro convidá-lo para sua casa atingirá a iluminação em pouco tempo, devido a suas bênçãos. O generoso anfitrião, ou anfitriã, terá muitos insights e poderes para rapidamente atingir seus objetivos.”
Alguns dias depois Gampopa chegou, muito fraco e doente. A primeira porta em que bateu foi a da casa da patrocinadora que questionou Milarepa. Ela o estava aguardando e imediatamente atendeu à porta. Perguntou ao buscador quem ele era e o que procurava. Gampopa explicou os detalhes de sua jornada em busca de Milarepa e ela imediatamente soube que esse era o discípulo de quem seu mestre havia falado. Convidou-o a entrar e lhe fez muitas oferendas, lembrando-se da previsão de Milarepa.
A senhora presenteou Gampopa contando-lhe sobre as previsões de Milarepa. Ela disse “Seu lama estava lhe esperando; falou de você para todos nós. Disse que desmaiou e que ele mandou uma ajuda milagrosa, e está impacientemente aguardando sua chegada. Pode ir vê-lo agora mesmo que será muito bem recebido.” Gampopa ficou com o ego todo inflado por causa dos elogios e pensou “Oh, devo ser uma pessoa muito especial, afinal meu professor estava me aguardando”. Vendo o orgulho de Gampopa, Milarepa ficou quinze dias sem sequer olhar para ele. Intencionalmente o neglicenciou e ignorou, e Gampopa teve que procurar outro lugar para ficar.
Passadas duas semanas, a senhora levou Gampopa à casa de Milarepa perguntando se podia recebê-lo. Milarepa concordou. Quando Gampopa chegou, ele se encontrava sentado, entre Rechungpa e um outro discípulo. Os dois tinham seus assentos na mesma altura do de Milarepa e suas roupas eram iguais às do mestre, totalmente brancas. Tinham exatamente o mesmo aspecto e estavam sentados na mesma postura, e todos também tinham exatamente a mesma expressão no rosto. Milarepa esperou para ver se Gampopa sabia quem era ele. Esperto, Gampopa deve ter notado um ligeiro sinal de Rechungpa indicando que Milarepa estava no centro. Gampopa prostrou-se para Milarepa, e empilhou todas as suas oferendas na frente do mestre. Falou de seu intenso desejo de encontrá-lo, receber ensinamentos e atingir a iluminação.
Milarepa meditou por alguns segundos, levou a mão até a pilha de ouro em pó, oferecida por Gampopa, pegou um pouco e jogou para cima. “Ofereço isso ao meu guru Marpa”, declarou. E de repente ouviu-se um trovão e raios cortaram os céus. Um grande arco-íris se formou e muitos outros sinais auspiciosos surgiram.
Milarepa tinha bebido chang, uma forte bebida alcoólica e ainda havia um pouco em seu copo de crânio que estava sobre a mesa. Depois de um tempo ele pegou o copo com a bebida e o entregou a Gampopa, que a princípio hesitou, porque era um monge totalmente ordenado, com voto de abstinência. Estava envergonhado, sentado ali na presença dos outros discípulos. Então Milarepa disse, “Não hesite. Beba o que lhe dei.” Sem mais hesitar Gampopa bebeu.
Então Milarepa perguntou seu nome, e ele respondeu que era Sonam-rinchen, o nome que seu mestre Kadampa havia lhe dado. Milarepa achou o nome muito auspicioso: Sonam significa “força positiva”, e Rinchen significa “a grande joia”. Portanto ele era a Grande Joia de Força Positiva. Milarepa afetuosamente recitou um verso de enaltecimento no qual seu nome era citado três vezes. Gampopa sentiu que o nome que lhe tinha sido dado era muito significativo.
O Mestre Conta Sua História
Então Milarepa disse, “Para começar, vou contar-lhe um pouco da história de minha vida. Mas antes faremos uma homenagem e prostrações ao nosso grande guru, Marpa, a fonte da linhagem de práticas que seguimos”. Após a homenagem e as prostrações, Milarepa contou sua história: “Na Índia, os mahasiddhas mais famosos atualmente são Naropa e Maitripa. Marpa é o grande filho espiritual desses dois grandes e famosos mahasiddhas indianos, e o detentor e fonte de todos esses ensinamento que seguimos tão de perto. Os dakas, dakinis e protetores do Dharma espalharam sua fama em todas as direções. Após saber da extraordinária reputação de Marpa, eu estava determinado a encontrá-lo, independentemente das dificuldades. Quando o encontrei não tinha nada material para lhe oferecer, mas ofereci meu corpo, fala e mente. Em resposta a meu pedido sincero, Marpa cordialmente admitiu que tinha métodos eficazes para atingir-se a iluminação no curto período de apenas uma vida. E esses métodos lhe haviam sido transmitidos por seu grande mestre Naropa.”
“Fiquei lá por vários anos, recebendo os ensinamentos e práticas intensivas de meu mestre, vivendo uma vida despretensiosa, totalmente dedicada, com motivação pura, e cheio de coragem e determinação para atingir a iluminação a fim de beneficiar todos os seres. Recebi os ensinamentos completos de Marpa. Meu mestre jurou que não havia nada mais que pudesse me dar. Enchi meu vaso até a borda com o néctar completo dos ensinamentos de meu guru, Marpa.”
“Isto é o que Marpa me disse, é um conselho muito importante, ‘Estamos na época das cinco degenerações, e especialmente agora o tempo de vida dos seres humanos está se degenerando. Está diminuindo e não aumentando. Não busque conhecimento sobre tudo. Procure entender a essência da prática do Dharma e aperfeiçoar-se nessa essência. Só assim você conseguirá atingir a iluminação no curto período de uma vida. Não busque maestria em todos os campos’. ”
“Eu, com extraordinária determinação, seguindo os ensinamentos de meu guru, Marpa, com um perfeito entendimento da vacuidade e aproveitando a força da perseverança, alcançei e experimentei insights muito frutíferos com esses ensinamentos. Consegui reconhecer claramente os três kayas, os corpos dos budas: uma absoluta certeza e reconhecimento deles através de minha experiência, prática e meditação. Tenho fé de que é possível atingir-se esses três kayas. Assim como desenvolvi insights e experiências com minhas práticas, estou disposto a dar-lhes todos esses ensinamentos que recebi de meu cordial guru, Marpa. Vocês também não devem tomar esses ensinamentos como teoria, como um mero entendimento intelectual do dharma. Devem desenvolver uma experiência real, assim com eu fiz.
Então Milarepa disse a Gampopa, “Leve de volta sua oferenda de ouro em pó, pois um velho homem como eu não precisa de ouro. E leve também o chá que me ofereceu, pois um velho homem como eu não tem chaleiras ou cozinha para fazer o chá. Ouro e chá não têm utilidade para mim; leve de volta toda a sua oferenda. Se achar que está pronto para confiar sua vida a mim, e viver seguindo minha liderança e ensinamentos, deve viver como eu vivo. Deve viver uma vida simples e imitar a forma como vivo e pratico.”
Gampopa respondeu, “Se você não aceita o chá porque não tem chaleira ou cozinha, irei fazê-lo em outro lugar”. Foi até uma casa próxima, fez o chá e retornou para o guru com sua oferenda. Milarepa ficou muito satisfeito. Chamou os outros discípulo e juntos aproveitaram o delicioso chá que Gampopa preparou.
Milarepa Ensina Gampopa
Milarepa perguntou sobre os ensinamentos e práticas que ele havia recebido e Gampopa fez uma descrição completa de todos os ensinamentos e professores que teve e das meditações que havia praticado. Milarepa comentou que todos eram excelentes professores, e que Gampopa teve uma base completa para os ensinamentos em tummo (gtum-mo), o calor interno, um método hábil para se realizar a verdadeira natureza da realidade como vazia.
Milarepa continuou, “Apesar de todas as iniciações, ensinamentos e bênçãos que recebeu de outros mestre serem perfeitamente aceitáveis em minha tradição, devo dar-lhe outra iniciação, só para certificar-me de que todas as outras não foram invalidadas pelas circunstâncias de sua vida. Eu lhe iniciarei na prática de Vajrayogini”. Logo depois da iniciação, Milarepa deu-lhe todos os ensinamentos em um curto período de tempo. Gampopa logo mergulhou nas práticas e rapidamente desenvolveu experiências e insights sobre os ensinamentos. Seus insights aumentavam a cada dia, como o broto de uma planta saindo do solo. Estava totalmente satisfeito e felicíssimo com o progresso.
Gampopa praticava tummo e a cada dia tinha uma nova experiência. Em uma noite extremamente fria de inverno, resolveu meditar completamente nu para testar seu calor interno. Permaneceu quente durante toda a noite, mas de manhã, quando parou com o tummo, congelou completamente. Praticou assim durante uma semana e no final teve visões dos cinco Dhyani Budas. Quando encontrou seu professor para reportar suas experiências e visões, Milarepa disse, “Isso não é bom nem ruim. Você deve esforçar-se mais para consolidá-las. Não se deixe atrair pelas visões, aperfeiçoe o poder do calor interno.”
Gampopa meditou intensamente por três meses e no final sentiu como se todo o universo estivesse girando como uma enorme roda. Sentindo-se assim por muito tempo, foi ter com Milarepa. E o guru disse, “Isso não é bom nem ruim. É um sinal de que os vários pensamentos e energias, que entram nos diversos canais de energia sutil, estão entrando no canal central. Você deve esforçar-se mais e meditar mais.”
Praticando mais, teve uma visão de Avalokiteshvara entrando pelo topo de sua cabeça, dissolvendo-se e fundindo-se com ele. Quando perguntou a Milarepa, o mestre respondeu, “Isso não é bom nem ruim. É uma indicação de que o centro energético de seu chakra da coroa está se abrindo.” Fazendo a meditação, Gampopa passou por uma série de mudanças físicas internas. Sentiu um vento violento e um fluxo de ar quente subindo e descendo por sua coluna. Quando reportou a Milarepa, ele disse “Isso não é bom nem ruim. É uma indicação de que canais sutis de energia estão conectando-se no seu corpo. Quando se ganha controle desses canais sutis e eles se conectam, tem-se essas sensações. Agora você deve voltar e meditar mais.”
Certa vez ele teve uma visão completa de todos os estados dos seres divinos, os deuses. Teve uma visão pura dos deuses mais elevados derramando néctar branco e iniciando os deuses menos elevados. Milarepa explicou, “Isso não é bom nem ruim. É uma indicação de que o centro energético do chakra da garganta está se abrindo. As várias fontes e locais de bem-aventurança estão se desenvolvendo em cada uma dessas posições em seu corpo.”
Nesse ponto, Milarepa passou-lhe vários exercícios yoguicos — mudras (gestos com a mão) e movimentos com o corpo — para abrir os outros centros energéticos sutis do corpo. E disse, “Não se deixe atrair demais por essas coisas. Apenas tome-as como uma indicação do seu progresso, mas não se deixe distrair por elas. Ao invés disso, prossiga e aperfeiçoe essas práticas.
Quando o discípulo atinge esse nível de meditação é extremamente importante que viva perto de seu guru, porque precisa de instruções muito específicas. Se o discípulo morar longe, o guru não conseguirá dar as instruções na hora exata, o que é crucial para seu progresso. E se o guru não tiver experiência do que está acontecendo com o discípulo, é um grande problema, pois todo o progresso cessa. Portanto, é essencial ter um guru extremamente realizado e receber instruções diárias para cada passo da experiência meditativa.
O Progresso de Gampopa
Nesse estágio, Gampopa conseguia nutrir-se totalmente apenas com a concentração do samadhi, nunca precisando recorrer a comida normal. Certa noite, ele sonhou com um eclipse lunar e um solar. Na astrologia tibetana acredita-se que quando há um eclipse é porque o sol ou a lua estão sendo devorados por um demônio. Também sonhou que havia dois tipos de seres devorando o sol e a lua: um era do tamanho do pelo de um rabo de cavalo e o outro parecia uma fileira de insetos. Quando contou a Milarepa, ele disse para que não se preocupasse de estar no caminho errado, e que o sonho não era bom nem ruim. Era um sinal de seu progresso na meditação. Significava que os dois ventos sutis dos dois canais energéticos laterais estavam convergindo para o canal central.
Milarepa o encorajou a continuar a prática, reconhecendo que esses eram sinais das realizações de seu discípulo. Quando o praticante consegue convergir as respirações e os ventos energéticos sutis, dos canais laterais para o canal central, é porque está bastante avançado. O sistema energético sutil é igual em todos os seres sencientes. Em geral, esses seres respiram principalmente pelo canal da direita e, portanto, têm muito apego, ou então principalmente pelo canal da esquerda e têm muita raiva. É raro desenvolvermos pensamentos construtivos, que originam-se no canal central, porque ele está bloqueado com nós. Quando yoguis experientes são capazes de respirar pelo canal central, é porque desfizeram os nós. Eles conseguem direcionar a respiração e as energias sutis dos canais laterais para o canal central, gerando assim apenas intenções positivas.
Depois disso, quando Gampopa visitou Milarepa, ele pareceu muito satisfeito. Mas tudo o que dizia a Gampopa, quando este relatava seus insights e experiências era, “E depois disso (de-nas), e depois disso, e depois disso”, significando que, a à medida que as experiências ocorriam, deveria seguir para a próxima, até atingir a iluminação. Milarepa não ousava contar-lhe diretamente sobre o seu progresso, temendo que Gampopa ficasse orgulhoso, o que impediria seu progresso no caminho.
Gampopa foi meditar em uma caverna durante um mês. Ao final desse retiro, teve uma visão de Hevajra com sua mandala e séquito, e logo pensou que isso era o que seu Lama queria dizer quando falava “depois disso, depois disso, depois disso”. No final, era a isso que sua prática levava. Mas, depois de um tempo passou a ter outras visões de outras mandalas e figuras búdicas. Um dia teve uma visão de uma forma de Heruka que incluía a completa mandala de ossos da deidade. Milarepa o preveniu para não achar que isso fosse uma grande realização, dizendo que não era nem bom e nem ruim. Era só uma indicação da abertura do chakra central, no umbigo. Quando você abre completamente o chakra do umbigo, vê tudo branco, branco como ossos desbotados pelo sol, porque a energia da bodhichitta branca terá se desenvolvido completamente.
Então ele teve uma experiência que não era exatamente um sonho. Sentiu que havia se tornado um gigante e que todos os tipos de seres sencientes dos vários estados de renascimento rastejavam em seus membros, dedos, e sobre todo seu corpo. Isso era um sinal de que tinha desenvolvido e ativado um sistema completo de energia sutil. Até então, Gampopa só estava fazendo a meditação básica de tummo, do calor interno, mas agora poderia receber instruções nos níveis mais avançados.
Experiências, Sonhos e Realizações
Deve-se notar que sempre que Milarepa ouvia Gampopa contar seus vários estágios de experiência, dizia: “Não é bom nem ruim. Medite mais”. Sempre explicava o que suas experiências significavam, mas nunca o elogiava. Se um guru elogia ou encoraja demais seu discípulo, dizendo coisas como “Isso é extremamente importante” ou “Agora você teve uma ótima experiência”, o discípulo pode empolgar-se, o que se tornará um grande obstáculo. Ele não melhorará, se apegará às suas várias experiências e será dominado por elas.
Apesar de sua história ter sido escrita em apenas algumas páginas, Gampopa ficou meses e meses meditando; não é tão fácil desenvolver tais experiências, e é preciso anos de meditação intensa. A essa altura, Gampopa havia tido trinta e três sonhos especiais sucessivos, mas como ficaria muito longo mencionar cada um deles, detalharei apenas o último.
Quando Milarepa pediu a seus três principais discípulos, Gampopa, Rechungpa e Lingrepa (Gling ras-pa) que contassem seus sonhos, Lingrepa disse que havia sonhado com um nascer do sol e que, no sonho, assim que o sol nasceu no topo da montanha, raios concentraram-se em seu coração que transformou-se em uma grande luz. Rechungpa disse a Milarepa que em seu sonho havia cruzado três cidades fazendo muito barulho.
Gampopa não contou seu sonho a Milarepa. Apenas fez prostrações, chorou e colocou sua cabeça no colo do lama. Lamentou que seu sonho não valia a pena ser contado, era tão terrível que provavelmente significava que ele era uma pessoa horrível. Temia que significasse que ele tinha muitos obstáculos e pediu a Milarepa que não o fizesse contar. Milarepa disse saber quando um sonho era bom ou ruim e que apenas contasse seu sonho.
O sonho de Lingrepa, que aparentava ser o melhor de todos, fez com que ele achasse ser o melhor dos três discípulos, pois seu sonho parecia estar cheio de sinais auspiciosos. Milarepa interpretou-o como o pior. Disse que indicava que a compaixão de Lingrepa era muito pequena e ele seria de pouco benefício aos seres sencientes. Os raios de sol concentrados em seu coração significavam que ele iria para a terra pura de Vajrayogini ainda naquela vida. Ele interpretou o sonho de Rechungpa como significando que não conseguiria se iluminar em uma única vida. Teria que esperar três vidas porque por três vezes havia quebrado a promessa de fazer algo para Milarepa.
O que parecia ser um pesadelo para Gampopa era estar em um campo aberto com muitos animais, cortando suas cabeças enquanto passava. Gampopa surpreendeu-se com o contentamento de Milarepa com esse aparentemente terrível sonho. Quando Gampopa terminou de contar seu sonho, Milarepa disse, “Dê-me sua mão”, e a segurou afetuosamente dizendo ter muita fé em Gampopa, e que ele havia correspondido às suas expectativas. Disse que cortar as cabeças dos animais significava que Gampopa seria capaz de liberar muitos seres senciente da prisão do samsara.
Milarepa disse, “Agora meu trabalho para beneficiar os seres sencientes, meu trabalho para preservar e propagar o dharma, está completo. Tenho alguém que pode tomar meu lugar”.
Gampopa atingiu o estágio em que não mais respirava como seres sencientes, inspirava e expirava apenas uma vez ao dia. Tinha um fluxo contínuo de insights e visões de budas em suas formas reais, incluindo os oito budas da medicina, e os trinta e cinco Budas da Confissão.
Milarepa disse a seu aluno que agora estava pronto para receber ensinamentos de um Sambhogakaya — um dos corpos de forma sutil do Buda, que só arya bodhisattvas, aqueles que têm uma percepção não conceitual da vacuidade, podem ver. Em breve, seria capaz de experimentar um Dharmakaya — o corpo de uma mente onisciente — o que só é acessível a seres iluminados.
Separação
Um dia Milarepa disse à Gampopa, “Estou muito velho e gostaria de passar o resto da minha vida com você. Mas, pela força de preces antigas, devemos nos separar e você deve ir para a província central de U (dBus).”
Milarepa deu vários conselhos a Gampopa, alertando-o sobre o orgulho, especialmente porque ele tinha muitos poderes milagrosos. Disse que não se impressionasse com seu conhecimento do passado e futuro, ou com seus extraordinários poderes físicos; isso poderia causar-lhe grandes obstáculos. Aconselhou-o principalmente a não procurar falhas à sua direita ou esquerda, significando que deveria ter cuidado para não procurar defeitos nos outros. Ensinou que nunca sabemos como as outras pessoas realmente são, que só elas mesmas podem julgar-se. Não havia como Gampopa julgar com precisão se suas ações eram para o bem ou para o mal.
Então Milarepa disse para Gampopa ir a um determinado lugar estabelecer um monastério, explicando que lá ele encontraria todos os seus discípulos, todas as pessoas a quem estava karmicamente conectado para dar prosseguimento ao dharma do Buda. Advertiu-o para que não vivesse em contato próximo com os que eram escravos dos três venenos emocionais — apego, raiva e ingenuidade com mente fechada — porque ele poderia ser contaminado. Também o advertiu para não viver perto de pessoas que sentissem muita atração ou aversão. Disse ainda, que deveria evitar os avarentos, explicando que se vivesse por muito tempo perto deles, terminaria guardando até pequenos pedaços de madeira. Aconselhou Gampopa a ter muita paciência e nunca desrespeitar seus lamas, mesmo que se considerasse iluminado. Deveria manter-se limpo, puro e ser amigável com todas as pessoas. Por fim, Milarepa disse a Gampopa para reforçar suas realizações, continuando a meditar e praticar até atingir seu objetivo final, a iluminação.
Milarepa viu Gampopa partir da mesma forma que seu guru, Marpa. Fez muitas preparações e trouxe comida, e com seus outros discípulos acompanhou-o por um tempo. Antes de separar-se de seu guru, Gampopa recitou muitos versos de elogio, reconhecendo sua sorte de ter encontrado Milarepa nesta vida. Cantou uma canção que dizia que seu único desejo era encontrá-lo e como era grato por ter tido a oportunidade de estudar de acordo com a tradição de Milarepa, e de como teve o karma para combinar esse conhecimento com os ensinamentos que recebeu de seus mestres Kadampa. Gampopa teve a certeza de que havia feito o melhor uso possível de sua vida humana preciosa.
Um Última Ponte Para Cruzar
Ao chegarem a uma ponte, Milarepa disse: “Agora você está por conta própria. Pode me deixar. Por motivos auspiciosos não atravessarei a ponte.” E abençoou Gampopa, que atravessou. Mas Milarepa o chamou de volta. “Volte uma vez mais, tenho um ensinamento muito especial a lhe dar. Se não lhe der esse conselho, a quem darei?” Gampopa perguntou “Devo oferecer-lhe uma mandala por esse ensinamento e conselho especial?” Milarepa disse que não era necessária uma oferenda. Advertiu-o para não desperdiçar o conselho, mas para guardá-lo em um lugar especial em seu coração. Então Milarepa virou de costas, levantou suas vestes, e mostrou-lhe as nádegas. Gampopa viu que as nádegas de Milarepa tinham calos, como um couro endurecido.
Milarepa disse “Para praticar, não há nada melhor que meditação — considerando-se que você sabe como meditar e sobre o que meditar. Eu, que ganhei conhecimento e compreensão de muitos métodos diferentes de meditação, meditei até que minhas nádegas ficassem duras como couro. Você precisa fazer o mesmo. Esse é seu último ensinamento.”
Então disse a Gampopa que era hora de ele ir embora. O discípulo deixou seu mestre e foi para o sul de Lhasa, onde estabeleceu seu monastério conforme a profecia de Milarepa
Conclusão
O Ornamento Precioso da Liberação é o resultado das experiências de Gampopa com os ensinamentos e meditações dos mestres Kadampa e da tradição de Milarepa. Quando escreveu esse texto, já era um ser realizado, segundo ambas as tradições, e combinou a sabedoria das duas escolas.
Na realidade, não existe diferença entre nós, Gampopa e Milarepa. Milarepa começou como uma pessoa comum, cheio de forças negativas de todas as suas ações destrutivas. Mas ele trabalhou duro para eliminar suas emoções destrutivas e seus enganos, e gradualmente desenvolveu insights e experiências. O mesmo aconteceu com Gampopa; ele teve que trabalhar duramente para alcançar suas realizações espirituais. Quando começaram, não eram grandes seres iluminados, e não era fácil meditar e desenvolver sabedoria e realizações. Para Milarepa era até pior que para o resto de nós, o que é uma prova de que sempre existe a possibilidade de realização se estivermos dispostos a trabalhar duro. Quando desenvolvemos a perseverança e a coragem dos grandes mestres, podemos ser como Milarepa e Gampopa. O Ornamento Precioso da Liberação é produto de um desses grandes mestres que, para nosso benefício, combinou o fluxo das tradições Kadampa e Mahamudra em único e claro caminho.