Nosso tópico, Uma Perspectiva Budista sobre a Vida, trata basicamente de como aplicar os ensinamentos do Buda em nossa vida diária. O que esses ensinamentos significam para nós? Isso é crucial. Podemos estudar e meditar todos os dias, mas pode ser que não tenhamos muita clareza sobre como integrar o que aprendemos em nosso dia a dia. O que todos esses ensinamentos realmente significam, em termos práticos? Como eles podem mudar a nossa vida ou nos afetar pessoalmente? Será que não temos a nossa prática budista apenas como um hobby ou uma fuga das dificuldades da vida? Será que só ficamos viajando e criando belas visualização e fantasias, ou a prática realmente nos ajuda na nossa vida? Afinal, esse é o propósito dos ensinamentos budistas, nos ajudar a superar o sofrimento e os problemas da nossa vida.
Uma Orientação Muito Útil
Há uma pequena oração, chamada Três Práticas a Serem Feitas Continuamente, que nos dá uma orientação muito útil para aplicar os ensinamentos no cotidiano. Geralmente, ela é recitada antes da maioria dos ensinamentos, e há uma passagem que diz:
Não faça nada de negativo; faça esplendidamente o que é construtivo; subjugue totalmente a sua própria mente. Esses são os ensinamentos do Buda.
Esses são os pontos mais importantes dos ensinamentos budistas. Na primeira sentença, não faça nada de negativo, negativo significa algo destrutivo, algo que cause problemas e infelicidade para os outros e, a longo prazo, para nós também. Portanto, a primeira coisa que fazemos na prática budista é tentar não causar danos aos outros ou a nós mesmos. O segundo ponto, faça esplendidamente o que é construtivo, construtivo significa algo que traz felicidade e coisas boas para os outros e para nós.
Para conseguirmos fazer isso, o terceiro ponto diz: subjugue totalmente a sua própria mente. Isso aponta para a origem de nossas ações destrutivas e construtivas. Para conseguir evitar o primeiro ponto e fazer o segundo, precisamos nos trabalhar – trabalhar nossas atitudes e emoções, e estas vêm de nossa mente. Nossas atitudes e emoções afetarão nossos relacionamentos com os outros e a maneira como agimos, falamos e pensamos. E o último ponto é que esses são os ensinamentos do Buda.
Compreendendo a Realidade
Olhando melhor, veremos que a abordagem básica no budismo é ser realista. É como disse um professor budista amigo meu: saber o que é a realidade e lidar com ela de uma maneira realista. Ou seja, nosso comportamento e nossa compreensão das coisas precisam estar baseados na realidade.
O que é a realidade? A realidade é causa e efeito, ou aquilo a que normalmente nos referimos como “surgimento dependente”. As coisas surgem ou acontecem na dependência uma das outras, em termos de causa e efeito. Em outras palavras, nossas ações destrutivas ou construtivas vêm de causas. Se olharmos para o nosso comportamento, podemos ver se ele está causando problemas ou gerando felicidade e benefícios para nós mesmos e para os outros. Mas precisamos olhar para o nosso comportamento sem julgar. Lidar com a vida sem julgamento é muito importante.
A ética budista não se baseia em seguir leis fornecidas por um ser divino, um legislador ou um governante. Se tivermos uma ética baseada em leis, certamente teremos julgamentos. Se seguirmos as leis e regras, seremos considerados bons e recompensados; e se não as seguirmos - se violarmos as leis - seremos considerados maus e mereceremos ser punidos. Essa não é a ética budista, ou a maneira budista de lidar com a vida. É importante lembrar disso quando sentirmos que estamos nos julgando. Essa é uma das profundas mudanças de atitude que precisamos fazer: parar de nos julgar – para de pensar, por exemplo, que somos ruins, que não somos bons, que não somos bons o suficiente, ou que o que fizemos foi horrível.
Ao invés disso, precisamos olhar para a vida e lidar com ela em termos de causa e efeito. Se causamos problemas e erramos, isso surgiu por conta de causas e condições. Não é porque somos maus. Quando nos aprofundamos nisso, descobrimos que estávamos confusos com a situação; não a compreendíamos. O que acontece, na verdade, é que fazemos projeções. Nós tendemos a exagerar as coisas e projetar todo tipo de bobagem em nós mesmos, nas situações e nas pessoas ao nosso redor. E tendemos a acreditar que essas projeções correspondem à realidade, quando na verdade não correspondem. Se nos examinarmos, e analisarmos o por quê de estarmos agindo de maneira destrutiva, poderemos descobrir que estamos projetando um absurdo qualquer sobre a situação e estamos reagindo às nossas projeções.
As Duas Verdades
Sua Santidade o Dalai Lama tem falado muito sobre o que pode ser a maneira mais universal de ajudar as pessoas a tornar suas vidas menos problemáticas. Ele não está se restringindo ao público budista, ele está falando universalmente, ele se preocupa muito em fazer isso. Ele diz que precisamos começar compreendendo as duas verdades. Isso é o básico. Não precisamos olhar para as duas verdades analisando-as de uma forma muito sofisticada, mas de uma forma básica, de forma que qualquer pessoa pode se relacionar com elas. De um lado, existem as nossas projeções, baseadas em exageros e ideias malucas, e de outro, existe a realidade. Estas são as duas verdades.
Para uma mente confusa, as projeções parecem ser verdadeiras, como: "Eu sou um perdedor, não sou bom, ninguém me ama" ou "Essa é a pior coisa que já aconteceu no mundo", quando queimamos o jantar, quando não tem o que pedimos em um restaurante ou quando estamos presos no trânsito e achamos que nunca chegaremos em casa. Nós exageramos e projetamos que essas são as coisas mais terríveis que poderiam acontecer, e que ficar preso no trânsito, por exemplo, vai durar para sempre. Nós tomamos essas projeções como sendo a verdade. Essa é a verdade convencional: o que uma mente confusa considera incorretamente como sendo verdadeiro.
E, há a realidade, a verdade mais profunda. A realidade é que o tráfego está lá por conta de causas e circunstâncias; é hora do rush e todo mundo quer chegar em casa. O que esperávamos? É como reclamar que está frio no inverno. O que esperávamos? É inverno. É assim.
Precisamos ser capazes de distinguir as duas verdades, e quando percebermos que estamos exagerando e projetando absurdos, desconstruir esse absurdo. Em suma, para entender o que acontece conosco, precisamos entender a diferença entre as duas verdades e integrar esse entendimento em nossas vidas. Isso é essencial.
Isso é o que diz o próximo verso da mesma oração:
Como as estrelas, como um borrão ou uma tocha (girando), uma ilusão, gotas de orvalho ou uma bolha, um sonho, um clarão ou nuvens, considere que os fenômenos afetados são assim.
Precisamos reconhecer quando estamos exagerando e projetando, dando muita importância a nada ou a algo que não tem muita importância. Precisamos reconhecer que o que parece muito real é como uma ilusão, um sonho, uma bolha e assim por diante. Não é tão sólido quanto parece ser. Assim, não acreditamos que corresponda à realidade. Não acreditar é como estourar a bolha da nossa fantasia.
Projeções
Existem basicamente dois tipos de projeções; algumas são úteis e outras são prejudiciais. Quais são úteis? Poderíamos ter a intenção positiva ou neutra, por exemplo, de organizar uma viagem. Vamos viajar de um lugar para o outro e já planejamos como vai ser. Isso é uma projeção: precisamos fazer isso, levar aquilo, fazer as reservas, etc. Esse tipo de projeção também se aplica a uma rotina de trabalho ou a uma lista de compras, é uma projeção sobre o que pretendemos fazer, um plano sobre como vamos realizar uma coisa. Costumamos fazer isso no trabalho, quando planejamos o que vamos realizar no ano.
Mas precisamos perceber que nosso plano, nossa projeção, é como um sonho. O que isso significa em um nível prático? Significa que temos que ser flexíveis. Esses fenômenos são fenômenos afetados, como diz a oração. Eles são afetados por causas e condições; às vezes são chamados de “fenômenos condicionados”. As coisas surgem com base em causas e condições. Portanto, quando fazemos um plano, a situação será afetada por causas e condições, e pode mudar. Um exemplo de mudança: pode não haver mais assentos disponíveis em um determinado voo. Mesmo que tenhamos planejado pegar esse voo, precisaremos mudar nosso plano. Ao invés de reclamar e ficar chateado, apenas aceite a realidade. Isso é o que precisamos treinar. Quando ficamos presos em nosso plano original e não temos a flexibilidade de perceber que o ele é como se fosse uma ilusão, ou uma bolha e todas as analogias da oração, nos apegamos a ele com muita força.
O que isso produz? Produz um estado de espírito infeliz. Ficamos com raiva ou frustrados. Isso só nos deixa mal e não muda a situação. Amaldiçoar o trânsito não ajuda nada; buzinar não ajuda nada. A única coisa que ajuda é aceitar a realidade de que a situação que esperávamos mudou. Por exemplo, planejamos chegar em um determinado horário, mas perdemos o trem ou o ele está atrasado, não há nada que possamos fazer. É assim que aplicamos os ensinamentos em um nível prático.
Precisamos entender que existe uma maneira correta e uma maneira incorreta de considerar as coisas. A maneira incorreta é pensar que algo que é constantemente afetado pela mudança de condições é estático e fixo – é como pensar que um plano tem que ser fixo. Pensar assim é muito comum. Mas precisamos estar prontos para mudar nossos planos quando preciso, quando as coisas não funcionarem como planejamos. Podemos ficar presos no trânsito, a pessoa pode cancelar o compromisso e coisas assim. Em Engajando-se no Comportamento do Bodhisattva (O Caminho do Bodhisattva), Shantideva dá o melhor conselho para isso:
Se não há o que fazer, por que se aborrecer? Se há o que fazer, por que se aborrecer?
Esse conselho é realmente básico, algo que precisamos internalizar, que precisa fazer parte do nosso modo de lidar com a vida. Se nos encontramos em uma situação difícil e podemos mudá-la, simplesmente mudamos. Se não podemos mudá-la e se não houver nada que possamos fazer, não adianta se aborrecer. Por exemplo, nossa bagagem se perdeu na viagem e levará alguns dias para encontrarem. Aceite essa realidade e pronto.
Eu tive uma experiência muito interessante algumas semanas atrás. Ia viajar para os ensinamentos de Sua Santidade o Dalai Lama na Holanda. Então fui para o aeroporto, para voar para Amsterdã, e estava esperando na fila do check-in. O sistema de computadores havia caído e havia uma fila muito longa. Todos estavam apavorados porque não conseguiriam fazer o check-in a tempo de pegar seus voos. A certa altura, as pessoas na minha frente pegaram suas passagens e passaportes, e quando eu fui fazer o mesmo, percebi que tinha esquecido de levar meu passaporte. Eu não conseguiria fazer o check-in sem meu passaporte, eu não tenho um cartão de identidade alemão.
Essa foi a primeira vez em toda a minha vida que isso me aconteceu. O que eu fiz? Eu estava no aeroporto e não havia como ir até o meu apartamento e depois voltar a tempo de pegar aquele voo. Eu me aborreci? Não, isso não iria ajudar em nada. Eu fiquei com raiva? Não, isso também não iria ajudar. Fui ao balcão de informações e perguntei se havia um voo mais tarde. Não havia outro voo saindo daquele aeroporto; no entanto, havia um saindo de outro aeroporto, do outro lado da cidade. Isso significava que eu perderia o evento que eu tinha planejado ir à noite. O que fazer? Fui para casa, fiz a reserva no outro voo, viajei à noite e pronto.
Essas experiências são um teste para ver se integramos os ensinamentos em nossas vidas. Ficamos chateados e surtamos? Se ficarmos com raiva, tudo o que isso fará será nos deixar mal. Precisamos aceitar instantaneamente a realidade da situação e fazer o que precisamos fazer. É assim que precisamos integrar e utilizar, em um nível prático, os ensinamentos do Buda sobre a impermanência, ao invés de nos fixarmos nas nossas projeções. No meu caso, o plano era pegar um determinado voo, depois o trem do aeroporto de Amsterdã para Roterdã e ir para o evento da noite. Isso era como um sonho e não ia acontecer dessa maneira. Ok, fiz um plano alternativo.
Isso está relacionado com uma instrução muito básica para meditar: precisamos meditar sem expectativas. Se não tivermos expectativas, não teremos decepções. Isso é muito básico para a aplicação prática do budismo.
Minha irmã tem dois filhos e quatro netos. Eu estou sempre a encorajando a não esperar que seus filhos ou netos liguem. Se esperarmos que liguem, ficaremos desapontados, porque não ligarão. Se quisermos falar com alguém, ligamos para a pessoa. É simples assim; nós aceitamos a realidade. Se pudermos mudá-la, mudamos, se não pudermos mudá-la, não podemos mudá-la. Nós não vamos conseguir reaver a nossa bagagem perdida mais cedo. Simplesmente aceitamos.
Repetindo, existem dois tipos de projeções. Uma delas é útil - precisamos fazer alguns planos, precisamos reservar uma passagem se quisermos ir a algum lugar. No entanto, as outras não apenas são inúteis, também são prejudiciais.
Reflexão e Aplicação Prática
Antes de analisar nossas projeções prejudiciais, é uma boa ideia pensar um pouco na nossa própria situação. Qual é o nosso grau de flexibilidade? Ficamos muito aborrecidos quando as coisas não acontecem da maneira que planejamos? Ficamos presos a um cronograma fixo de como as coisas devem acontecer? Por exemplo, esta tarefa deve ser feita neste exato momento; ou quando chegarmos ao restaurante, eles terão exatamente a comida de que gostamos e ela será servida rapidamente. Quanto nos atemos a um plano ou expectativa? Tente perceber como é desagradável quando ficamos desapontados. Ficamos desapontados por causa de nossas expectativas. Achamos que o que planejamos corresponde à realidade de como as coisas vão acontecer.
Mas tudo depende de causas e condições. O prato que queríamos no restaurante pode ter acabado. São causas e condições. O trem pode se atrasar. Podemos ficar presos no trânsito e perder o avião. São causas e condições. Examine por alguns minutos o quanto você é flexível. Você precisa trabalhar nisso? Não basta apenas aprender sobre a impermanência ou focar na respiração e perceber que a respiração é impermanente. Isso tudo é muito interessante; mas como aplicar em nossa vida? Esse é o aspecto crucial da compreensão da impermanência.
Pense em um exemplo prático, como deixar cair um prato e ele quebrar. Qual seria a sua resposta emocional a isso? Quando você está cozinhando e a comida queima, como você lida com isso emocionalmente? É aí que nosso progresso é revelado. Quando você tenta fazer algo no computador ou no telefone e não funciona, você imediatamente tenta outra coisa? Ou você se aborrece e sai xingando?
Isso é aplicar os ensinamentos na prática. Se ficarmos chateados nessas situações e não formos capazes de simplesmente mudar para o plano B - há sempre uma outra maneira de fazer algo no telefone, no computador e assim por diante - se nos aborrecermos, é porque precisamos trabalhar nisso.
Projeções Prejudiciais
Conforme mencionei, temos dois tipos de projeções: um é útil, para planejarmos e programarmos, e o outro é prejudicial. Imaginar coisas como “eu sou um perdedor; ninguém me ama; essa pessoa é má”, etc. é prejudicial. Também é prejudicial pensar, quando uma refeição queima ou perdemos o trem, que isso é um desastre. Tais projeções são baseadas no exagero.
Quando estamos com raiva, exageramos as qualidades negativas e damos uma importância demasiada às coisas. Muitos já passaram isto no metro: você acaba de descer a escada e o metro fecha a porta. Como lidamos com isso? Saímos xingando? Esperar cinco ou dez minutos não é a pior coisa do mundo. Mas nós exageramos, reagimos com raiva, ficamos chateados. Isso não ajuda em nada, só nos deixa mal, não é?
A ganância e o apego nos fazem pensar que algo é a coisa mais maravilhosa do mundo ou que estamos com a pessoa mais maravilhosa do mundo. Nós exageramos, nos apaixonamos e só vemos o lado bom da pessoa, e o exageramos. Esperamos que pessoa corresponda aos nossos exageros, mas ninguém consegue fazer isso. Então nos desapontamos.
Esse tipo de atitude é problemática. Às vezes, o que acontece é que olhamos para as coisas de uma perspectiva muito estreita. Isso pode acontecer, por exemplo, quando temos algum revés em nossas vidas, ou alguém nos rejeita, ou alguém faz algo desagradável. Uma pessoa com a qual estamos em um relacionamento faz algo que não gostamos, não nos liga no nosso aniversário ou fica com raiva e grita com a gente, ou o que quer que seja. E nós focamos apenas nesse incidente. Não vemos a perspectiva maior de todo o relacionamento. Nós identificamos a pessoa apenas com essa coisa estreita e então ficamos com muita raiva.
Quando estamos em dificuldade ou doentes, podemos pensar: “Pobre de mim, sou o único que sofre assim.” Novamente, esse é um ponto de vista muito restrito. É uma projeção baseada em não ver a perspectiva mais ampla. Por exemplo, "Ninguém me ama". Se olharmos para toda a nossa vida, será que é verdade que ninguém nunca nos amou? Nosso cachorro não nos ama? Será que ninguém nunca foi bondoso conosco ou cuidou de nós? Outro exemplo: "Eu sou um perdedor". Será que isso é verdade? Será que é verdade que você nunca teve sucesso em nada? Conseguimos aprender a andar, conseguimos aprender a ir ao banheiro sozinhos, então, certamente, em alguma coisa nós tivemos sucesso.
De novo, nossas projeções não correspondem à realidade; mas queremos que correspondam, e assim acreditamos que correspondem. Queremos que nosso parceiro seja a pessoa mais maravilhosa e especial do mundo. Um bom exemplo são os pinguins na Antártida, eles têm um único companheiro durante toda a vida. Para nós, todos eles parecem exatamente iguais, mas para o pinguim, seu companheiro é único, é especial. Certamente, da perspectiva dos pinguins, os humanos parecem exatamente iguais; mas, para nós, não importa se outra pessoa nos ama, tem que ser aquela pessoa - a mais especial – ela tem que me amar. Esse tipo de exagero não ajuda.
A Negação da Realidade
Um outro tipo de projeção prejudicial é negar a realidade, não ver a realidade dos outros e negá-la. Isso acontece quando objetificamos as pessoas, as transformamos em objetos, não consideramos que são seres humanos com sentimentos. Há uma frase muito famosa no budismo: "Todo mundo quer ser feliz e ninguém quer ser infeliz". Com que nível de seriedade tomamos isso em relação às outras pessoas? Muitas vezes ignoramos isso e agimos como se não importasse como tratamos ou falamos com as outras pessoas. É como se causa e efeito não se aplicassem aqui, e ninguém mais tivesse sentimentos.
Por exemplo, pode ser que haja alguém muito desagradável em nosso escritório. Mas ainda assim, essa pessoa quer ser feliz e não quer ser infeliz. Ela quer que as pessoas gostem dela e não quer que as pessoas não gostem dela. Ela age de maneira desagradável porque está muito confusa sobre o que lhe trará felicidade. Mais uma vez, voltamos à questão de não julgar. Como disse Shantideva, destruímos nossa felicidade como se fosse nosso inimigo. Em outras palavras, corremos em direção às causas da infelicidade. Se alguém age com egoísmo, todos o rejeitam. Ninguém gosta desse jeito de agir, mas a pessoa acha que isso vai fazê-la feliz.
Isto é muito importante: quando encontrar com alguém, procure entender: “Você quer ser feliz, assim como eu. Você tem sentimentos, assim como eu. Você não quer ser infeliz e quer ser amado, assim como eu. Você não quer ser odiado ou rejeitado, assim como eu também não quero." Isso é muito útil de praticar quando estamos em um ônibus ou no trânsito. Todo mundo quer chegar ao seu destino, e ninguém quer ficar no trânsito, assim como nós. Não há motivo para ficar com raiva dos outros. Todo mundo tem sentimentos, assim como nós.
Uma frase muito útil é: “Nem todo mundo gostava do Buda; então, por que esperar que todos gostem de nós?” Ou: “Se crucificaram até Jesus, o que esperamos que possam fazer conosco?” Será que todos vão nos amar? Isso é muito útil quando alguém não gosta de nós ou não interage conosco da forma como gostaríamos. Essas frases podem ser muito úteis na vida, em um nível prático, para contrabalançar nossas expectativas e projeções irrealistas. Podemos pensar: “Eu deveria estar sempre certo e todos deveriam me ouvir”. Mas por que deveriam?
Lembre-se, estamos fazendo uma distinção aqui entre o que é realista e o que não é. Poderíamos ter a intenção de melhorar, ter mais concentração ou o que seja. Ser melhor, se formos capazes, é uma expectativa realista. Mas, quando pensamos: “Eu sempre deveria ser a pessoa mais importante em sua vida. Você deveria estar sempre disponível para mim” quando nosso parceiro chega em casa do trabalho e parece que nada aconteceu em sua vida durante o dia e ele ou ela chegou do nada e deveria estar totalmente disponível para nós - isso é uma expectativa irrealista, não é?
Vamos pensar um pouco. Quantas expectativas irrealistas nós temos? Conseguimos reconhecê-las direito? Nós reconhecemos que elas são prejudiciais e nos prejudicam quando acreditamos nelas? Nós conseguimos ver que elas causam dor emocional? O Dalai Lama gosta de chamá-las de nossas encrenqueiras interiores.
Muitas pessoas no Ocidente são influenciadas por suas filosofias orientadas para o julgamento. Para muitos de nós, um dos pensamentos mais preocupantes é que não somos bons o suficiente. Isso é muito crítico. Precisamos reconhecer que ninguém está nos julgando e certamente nós também não precisamos nos julgar. Podemos estar confusos; mas isso não significa que somos defeituosos ou ruins. Essa é uma projeção muito autodestrutiva.
É fundamental conseguirmos diferenciar as duas verdades. O que parece ser verdade para nós - que não somos bons o suficiente, por exemplo – é, na verdade, falso. Não há razão para acreditarmos nisso, por isso precisamos parar de acreditar e levar a vida em termos de causa e efeito. Se queremos realizar alguma coisa, precisamos gerar as causas. Se for possível, gere; e se não for possível, aceite a realidade. Por exemplo, se quisermos obter um emprego melhor, precisamos ir atrás, e não apenas esperar que algo caia do céu ou que alguém nos entregue. Existe causa e efeito. Precisamos ser receptivos às possibilidades e tirar proveito delas, e não ficarmos apenas presos a uma situação achando que ela é terrível, que nunca conseguiremos sair do outro lado e que nada pode ser feito. Esse tipo de pensamento é muito negativo. Conforme diz a oração: Não cometa nada de negativo. Isto não é apenas em termos de fazer ou falar, mas também de pensar. Inclui como nos consideramos e como consideramos os outros.
As Quatro Nobres Verdades
Essa abordagem de distinguir projeção de realidade é como aplicar as quatro nobres verdades em nossa vida. Conforme Sua Santidade costuma enfatizar, precisamos ir das duas verdades para as quatro verdades. Precisamos entender que nossos problemas, a primeira nobre verdade, provêm de causas, a segunda nobre verdade. Fazemos essas projeções e ignoramos ou desconhecemos o fato de que elas não correspondem à realidade. Se quisermos acabar com isso - a terceira nobre verdade - nos livrarmos delas, teremos que entender a realidade - a quarta nobre verdade - e estourar a bolha da nossa fantasia.
Não precisamos ser budistas para aplicar isso. O Dalai Lama costuma dizer que essa é uma abordagem universal, e não precisamos nos referir a ela como as quatro nobres verdades. Nós não precisamos chamá-la de nada. Desta forma, ela nos levará às Três Joias sem termos que saber o que elas são. Entendemos que, se eliminarmos a causa de nossos problemas, eles desaparecerão. O estado no qual todas as causas e os problemas se foram e o entendimento que faz com que isso aconteça é a Joia do Dharma. Estas são a terceira e a quarta nobres verdades. Os Budas são aqueles que assimilaram isso completamente e a Sangha aqueles que assimilaram parcialmente.
Portanto, temos duas verdades, quatro verdades e três joias e não precisamos nem ser budistas para isso. A linha divisória para ser budista é o objetivo de trabalhar para melhorar vidas futuras. Essa abordagem não exige uma crença em vidas passadas e futuras. Como Sua Santidade mostrou, a abordagem tradicional do sutra, introduzida no Tibete na época de Atisha, é o lam-rim, os três níveis de motivação, que servem [progressivamente] para melhorar nossas vidas futuras, nos libertar das vidas futuras incontrolavelmente recorrentes, e então para atingirmos a iluminação de modo a ajudar melhor os demais seres a fazerem o mesmo. Toda essa estrutura depende de vidas futuras e renascimento. Com os quatro pensamentos que voltam a mente para o dharma, é a mesma coisa - renascimento. O caminho todo é baseado na crença de que existe renascimento.
Para os ocidentais, ou para uma abordagem mais geral, é melhor começar com as duas verdades, as quatro verdades e as três joias. Depois disso, podemos introduzir a discussão de causa e efeito; mas, causa e efeito não farão sentido se pensarmos em termos de um início absoluto. Isso nos leva à questão da mente sem início; e se entendermos a mente sem início, entenderemos o renascimento. Neste ponto, podemos chegar sinceramente a querer beneficiar vidas futuras e obter a libertação do samsara, dos renascimentos incontrolavelmente recorrentes. Quando o nosso envolvimento no caminho do lam-rim é baseado apenas na crença no renascimento, não é estável. Isso não significa que praticar o lam-rim com base nisso seja inútil; mas, nossa prática seria mais estável se partíssemos de onde tradicionalmente os tibetanos partem, ou seja, da convicção no renascimento.
Esse esquema de duas verdades também indica a maneira como podemos integrar os ensinamentos em nossas vidas. Ele começa com a distinção entre nossas projeções e a realidade, reconhecer quando estamos projetando e reconhecer que nossa crença nessas projeções é equivocada. Tudo isso deve ser percebido sem julgamento. Por exemplo, "Eu pensei que você ia me ajudar e você não ajudou" ou "Eu pensei que você ia fazer isso corretamente, e você não fez". Em nosso trabalho, delegamos uma tarefa a uma pessoa na expectativa de que ela a faça corretamente, mas ela não faz. O que nós fazemos? Nós fazemos nós mesmos. Ficar com raiva da pessoa não ajuda. Simplesmente não delegue mais a ela uma tarefa semelhante ou a ensine a fazer corretamente. Lide com a realidade. O que nos deixa chateados é a nossa expectativa de que a pessoa vai fazer corretamente sem qualquer orientação. Podemos querer que ela faça; isso é diferente. Mas sem expectativas não há decepções.
Emoções Perturbadoras
Se queremos seguir a sentença Não faça nada negativo, precisamos reconhecer quando estamos agindo, falando ou pensando sob a influência de emoções perturbadoras. A definição de uma emoção perturbadora é um estado mental que, quando o desenvolvemos, nos faz perder a paz de espírito e o autocontrole. Quando ficamos com raiva, não temos paz de espírito e dizemos e fazemos coisas que depois nos arrependemos. Quando somos gananciosos ou nos apegamos a alguém, não é um estado pacífico e dizemos coisas que mais tarde consideramos ridículas. Às vezes, afastamos a outra pessoa por sermos muito exigentes e apegados.
Precisamos reconhecer quando estamos agindo sob a influência de uma emoção perturbadora. Quando nos tornamos mais sensíveis à nossa própria energia, podemos sentir que ficamos um pouco nervosos quando há alguma hostilidade ou apego subjacente. Essas emoções destrutivas e perturbadoras vêm da nossa ignorância, da nossa falta de consciência. Ignoramos o mecanismo de causa e efeito. Não é que somos burros; é que não percebemos que as coisas vêm de causas e efeitos e não percebemos que nossas projeções não correspondem à realidade.
O Treinamento da Mente em Sete Pontos diz suscintamente:
Coloque toda a culpa em uma única coisa: autocentramento.
Isso significa que estamos sempre querendo que as coisas sejam como gostaríamos que fossem. É a atitude de "eu primeiro": "As coisas devem acontecer da maneira como eu planejei e espero que aconteçam." Colocar a culpa de nossos problemas nessa atitude é um conselho muito útil. Por exemplos: "Eu queria que este restaurante fosse perfeito" ou "Eu queria que esta noite fosse perfeita" ou "Eu queria que você agisse assim comigo" Isso vem de "eu, eu, eu". Só estou pensando em mim e não em você. Não estamos pensando que o outro pode ter tido um dia difícil ou estar preocupado com outra coisa. Só pensamos em nós e no que nós queremos. Esses são os tipos de questões em que queremos focar para mudar nas nossas vidas. A visão budista da vida é que a culpa de todos os nossos problemas é do autocentramento. Isso significa ser egoísta e egocêntrico. Não estou sugerindo que ignoremos totalmente as nossas necessidades, mas que não tomemos nossas necessidades como a única coisa que importa e ignoremos as necessidades dos outros. Essa é uma abordagem bem básica.
Fazer esplendidamente o que é construtivo significa agir com compreensão, e sem raiva, ganância ou carência. Queremos evitar ser alguém que precisa de aprovação e que está sempre buscando atenção. Quando agimos sob a influência dessas atitudes, causamos problemas, não é mesmo? Fazemos exigências irrealistas aos outros e nos desapontamos. Agir construtivamente significa agir sem essas atitudes. Porém, isso não significa que, no nível mais profundo, tenhamos conseguido um verdadeiro cessar das emoções e atitudes perturbadoras; mas que somos capazes de não agir sob sua forte influência.
A Vida É Nosso Campo de Treinamento
Não queremos ser ingênuos e não reconhecer as qualidades dos outros. Precisamos reconhecer que, assim como temos sentimentos, os outros também têm. Assim como não gostamos de ser rejeitados ou ignorados, outros também não gostam. Estas são as percepções que precisamos aplicar em nossas vidas. Para isso, precisamos subjugar totalmente nossas mentes, como afirma na terceira sentença da oração.
É muito útil ver nossa vida como um campo de treinamento. A prática é isso. Certamente não se limita a sentarmos em uma almofada em um ambiente bonito, com velas, incenso, silêncio e definitivamente sem bebês chorando.
Certa vez, fui a um centro budista onde um aluno meu estava ensinando e alguém havia trazido o filho de dois anos. O menino de dois anos ficou correndo na sala durante a aula. O que se poderia esperar de uma criança de dois anos - que ficasse parada por uma hora e meia? O professor ressaltou que trazer uma criança para a aula é perfeito. Foi um desafio maravilhoso ter essa criança correndo e fazendo barulho enquanto tentávamos meditar. Essa é a verdadeira prática. Será que conseguimos praticar sem nos aborrecer e distrair? Isso não significa que os pais não devam ficar atentos para evitar que a criança se machuque. Mas, podemos praticar com o barulho do trânsito do lado de fora ou até mesmo quando estamos presos nele?
Assim é a vida, e a vida precisa ser o local de prática, o verdadeiro campo de batalha contra nossa ignorância, inconsciência e emoções perturbadoras. Na Guirlanda de Joias de um Bodhisattva, Atisha afirma isso claramente:
Quando entre muitos, que eu esteja atento à minha fala. Quando sozinho, que eu esteja atento à minha mente.
Isso é muito útil. Quando estiver com os outros, observe como fala com eles. Não são apenas as palavras, mas também o tom de voz, as emoções e as atitudes por trás delas. Se achar que está falando com hostilidade ou arrogância, note e diminua o tom. É a mesma coisa com nossas mentes quando estamos sozinhos. Observe o que está pensando, a síndrome do “pobre de mim, ninguém me dá valor”.
Isso nos leva ao ponto, no Treinamento da Mente em Sete Pontos, onde se afirma que há três coisas difíceis: lembrar dos oponentes (antídotos) – ter meios hábeis de lembrar deles – lembrar de aplicá-los e lembrar de mantê-los. Essas são as coisas mais difíceis e importantes de serem lembradas. Todos nós já ouvimos falar da prática de atenção plena, mas isso não significa, como é entendido no contexto ocidental, que é apenas para estar no momento presente. A palavra “atenção plena” é a palavra que significa lembrar. Precisamos lembrar que o que estamos projetando é lixo e, em seguida, aplicar essa constatação e mantê-la. Essa é a prática real do cotidiano.
Estados Conceituais e Não-Conceituais
No budismo, nós ouvimos todas essas orientações sobre ser não-conceitual e não ser conceitual. O que isso significa? Claro, poderíamos dar uma definição e análise bem técnica; mas, em um nível prático, o que estamos buscando não é ter que pensar sobre essas coisas para aplicá-las. Numa situação em que perdemos um voo ou um trem, o objetivo é não ter que pensar na impermanência e em como tudo é afetado por causas e condições, e que, se ficarmos com raiva, será inútil. Talvez precisemos pensar nesses pontos como um primeiro passo; mas o que queremos é que se torne automático, que não precisemos pensar sobre isso; que já esteja incorporado. Queremos automaticamente não reagir de forma excessiva e ser flexível.
É isso que estamos buscando. Não é um estado místico. Talvez este não seja um estado completamente não-conceitual, mas de uma maneira não técnica, é isso que estamos praticando alcançar. Praticamos para conseguir integrar todos esses ensinamentos em nossas vidas, a fim de evitar criar mais e mais sofrimento para nós e para os outros. É isso.
Perguntas
Quando ser Flexível ao Tentar se Ater a um Plano
Gosto de pensar que sou flexível e que quero encarar a realidade, mas nem sempre isso é verdade. Um problema que enfrento ao encarar a realidade é saber quando desistir e quando não desistir de manter o que foi planejado, saber o que pode e não pode ser mudado. Por exemplo, quando perdi o trem, saí correndo, peguei um táxi e peguei o trem na próxima estação. Como podemos julgar quando devemos tentar lutar para manter o que planejamos?
Existem vários fatores envolvidos no que diz respeito a ater-se ao planejado. Temos que ver se existem alternativas e se o plano pode ser alterado, como no exemplo de pegar um táxi para pegar o trem na próxima estação. Se não houvessem táxis disponíveis, você teria que desistir. Esse é um exemplo em um nível prático. Mas, em outro nível, digamos que nos candidatamos a entrar em uma escola e fomos rejeitados este ano. Desistimos ou nos aplicamos novamente no ano seguinte? Temos que avaliar. Não há nada demais em nos inscrevermos no ano seguinte se não formos aceitos em nenhum outro lugar. Isso implica em uma análise da situação, quanto ao que é realista. Estamos exagerando nossas habilidades e qualificações ou não? Precisamos pedir também a opinião de outras pessoas.
Cada escolha requer uma análise; não há uma resposta padrão que sirva para todos os casos. Precisamos examinar do que depende o nosso objetivo, porque as coisas surgem devido a causas e condições. Será que essas causas e condições estão presentes? Se elas não estiverem agora, será que existe a possibilidade de estarem no futuro? Existem alternativas? Precisamos tomar essas decisões e fazer as mudanças de uma maneira muito racional.
Quando se É uma Pessoa Muito Emotiva
É uma novidade para mim ver que eu me mantenho em um ciclo de sofrimento. Tento lembrar que minhas projeções não são racionais, mas o que eu sinto é diferente e continuo caindo nas projeções. O que posso fazer para praticar não me desvalorizar, porque lembrar é difícil agora?
Muitas vezes, sabemos o que seria bom e o que seria melhor, mas nossas emoções são tão fortes que é difícil fazer alguma coisa. Na verdade, isso é muito comum. Precisamos tentar ser mais determinados, ou seja, precisamos estar convencidos de que, embora possamos ficar emocionados e chateados, não vamos levar isso tão a sério.
É importante não entender mal o que isso significa. Podemos ficar muito chateados ou comovidos com algumas coisas; mas essas coisas passam. Sentimentos e emoções passam e mudam. Nós não queremos nos agarrar e nos identificar com elas. Não deveríamos pensar, por exemplo, "Estou muito chateado porque eu errei de novo e não correspondi à minha expectativa. Eu sou muito ruim.” Quando pensamos assim, estamos nos identificando com o sentimento e nos agarrando a ele. Consideramos o que sentimos como sendo muito importante ou especial, mas não é. É apenas um sentimento passageiro. Precisamos nos convencer de que isso não é o que realmente queremos. Precisamos nos convencer de que esse estado de ânimo vai passar, e depois, precisamos deixar que passe. Lá no fundo, nós sabemos que tínhamos uma expectativa irrealista. Nos sentimos tristes, mas essa tristeza passará. Não devemos levá-la muito a sério, como se fosse o fim do mundo.
Tradicionalmente, um estado de ânimo é descrito como uma nuvem no céu, uma hora ela passa. Essa é realmente a única maneira de começar a lidar com isso. Além disso, precisamos perceber que as emoções têm altos e baixos. Algumas pessoas são muito mais emotivas e, ok, não precisamos julgá-las por isso. É parte da aceitação da realidade. A realidade é que somos assim; podemos ser muito emotivos e facilmente nos aborrecer, mas não temos que nos agarrar a isso. Trabalhe mais e mais em se convencer do que é a realidade.
Por exemplo, “Fui a um retiro e pensei que minha mente ficaria totalmente focada, mas ela ficou o tempo todo dispersa.” Ok, tive uma expectativa irrealista. Claro que a mente ia se dispersar e, claro, o retiro não foi maravilhoso dessa vez. Diminua a expectativa, e seja honesto. Por exemplo, "Eu posso alcançar o nível mais alto, mas isso não acontecerá independentemente causas e efeitos. Eu vou ter que trabalhar duro.”
Além disso, se formos muito emotivos, essa nossa tendência pode ser transformada e usada para gerar emoções positivas. Pessoas emotivas são capazes de sentir amor e compaixão mais fortemente. Nesse sentido, é positivo ser emotivo. Afinal, há algumas pessoas que são muito racionais e é muito difícil para elas sentir qualquer emoção. Para elas, é muito difícil sentir amor e compaixão. Se você é uma pessoa muito emotiva, já existe algo positivo, é uma questão de transformá-lo. Isso acontecerá gradualmente se você aplicar causa e efeito.
Trabalhando Fora da Zona de Conforto
Fazemos todo esse treinamento, e também vemos que é necessário que as pessoas assumam a responsabilidade por muitas situações da sociedade. Como saber se estamos prontos para sair da nossa zona de conforto e lidar com coisas que nos desafiam emocionalmente?
Isso tem a ver com o que é construtivo e o que é destrutivo. Sair da nossa zona de conforto e ir a um bar, por exemplo, e sair com pessoas bêbadas, pode não ser construtivo. Dizemos que um bodhisattva iria até o inferno se fosse para ajudar os seres, mas isso pode ser um pouco drástico para alguém como nós. Porém, sair da nossa zona de conforto para fazer algo construtivo, como dizer algumas palavras gentis a um sem-teto nas ruas, isso é diferente.
A primeira coisa que precisamos fazer é distinguir se a situação fora da nossa zona de conforto nos será útil em termos daquilo que estamos tentando realizar. Alguns jovens conseguem dançar música techno a noite toda, até a manhã seguinte. Nos ajudaria em alguma coisa sair da nossa zona de conforto para fazer isso? Estaríamos saindo da nossa zona de conforto, mas não há nada de positivo nisso, a menos que estejamos tentando superar nossas atitudes negativas de julgamento. Mas podemos trabalhar para superá-las sem precisar dançar até de manhã e ficar surdo com o volume da música. Existem outras coisas que estão fora de nossa zona de conforto, como trabalhar com refugiados. Isso sim seria construtivo e positivo e nos ajudaria a desenvolver generosidade.
Em Berlim, tenho um pequeno grupo de estudos semanal. Somos todos amigos e saímos juntos para jantar depois da aula. Um dia eu perguntei como o dharma os ajudava na vida diária, e um dos meus alunos disse que estava se esforçando para sair de sua zona de conforto, explicando que ele tende a prestar mais atenção e se aproximar mais de pessoas bonitas. De certo modo, ele as considera mais importantes que as outras pessoas. Então, ele fez questão de fazer amizade com um colega de trabalho que era extremamente obeso, com alguma coisa estranha em seu rosto e nada atraente. Ele queria realmente ver que esse era um ser humano que quer ser feliz, ser amado e não querer ser odiado ou ignorado. Essa pessoa poderia se tornar uma grande amiga, uma joia. Então ele decidiu não a ignorar. Esse é um bom exemplo de algo positivo em relação a sair de nossas zonas de conforto. Coisas assim são muito possíveis de fazer. Se for para ir além dos seus limites normais, faça isso em etapas possíveis, não inacessíveis.
Outro amigo foi ao extremo. Ele gosta de sair da sua zona de conforto o tempo todo, então, por exemplo, ele saía com viciados que vendiam drogas no parque. Fazia isso porque era desconfortável estar com essas pessoas. Mas eu realmente não vejo benefício algum. É quase um tipo de exibição machista.
Está é uma questão interessante: como sair de nossa zona de conforto, e o que realmente significa a nossa zona de conforto. Será que também não é uma projeção pensar que dentro de nossa zona de conforto nos sentimos seguros? O que é uma zona de conforto? Isso é algo para analisarmos em nós mesmos. Podemos nos sentir confortáveis em qualquer situação, com qualquer tipo de pessoa?
A chave para isso é colocar a culpa em uma única coisa: o autocentramento. Se nos sentimos desconfortáveis com os outros ou em situações diferentes, é porque estamos pensando em “eu, eu, eu”. Pensamos, por exemplo, “eu não gosto disso e não consigo lidar com isso”. Não estamos pensando nos outros. É uma questão de se interessar pelos outros e ver que somos todos seres humanos.
Resumo
Esses são alguns princípios básicos. Se conseguirmos deixar de ser tão egoístas e egocêntricos, seremos mais felizes. Quando estivermos com outra pessoa, em vez de falarmos apenas de nós mesmos, se mostrarmos um sincero interesse por ela e perguntarmos sobre sua vida, ficaremos muito mais felizes e, certamente, ela também ficará mais feliz. Essas são mudanças básicas e práticas em nosso modo de lidar com a vida e com os outros. Lembrar disso é o que queremos. Tentamos nos lembrar de aplicar este conselho quando estamos sendo egoístas ou pensando apenas em nós mesmos, quando a outra pessoa, por exemplo, está ocupada e quer sair, e continuamos conversando. Continuamos porque pensamos que o que temos a dizer é muito importante. Será que a outra pessoa realmente quer ouvir? Não, mas nós projetamos que ela quer. A vida é onde precisamos aplicar o dharma.