Se quisermos compreender do que se trata o budismo e como se aplica a nossas vidas diárias, um bom lugar para olhar é a conotação do termo tradicional usado para os ensinamentos e a prática: o Dharma. “Dharma” é uma palavra em sânscrito que significa literalmente “uma medida preventiva.” É algo que podemos fazer para evitar problemas. Se compreendermos isto, compreenderemos a intenção atrás de tudo que Buda ensinou.
Para ter qualquer interesse em tomar medidas preventivas, precisamos ver que há problemas na vida. Para tanto é de fato necessário muita coragem. Muitas pessoas não levam a si mesmos ou a suas vidas a sério. Trabalham duro o dia inteiro e então se distraem com entretenimento e coisas do gênero nas noites porque estão cansados. Não olham realmente internamente para os problemas em suas vidas. Mesmo se olharem para seus problemas, não querem realmente reconhecer que suas vidas não são satisfatórias porque isso seria muito deprimente. Realmente é preciso ter coragem para verificar a qualidade de nossas vidas e admitir honestamente quando a achamos insatisfatória.
Situações Insatisfatórias e Suas Causas
Naturalmente, há níveis de insatisfação. Nós poderíamos dizer: “Às vezes eu estou de mau humor e às vezes as coisas vão bem, mas tudo bem. Assim é a vida.” Se estivermos satisfeitos com isso, tudo bem. Se tivermos alguma esperança de podermos tornar as coisas um pouco melhores, isso nos leva a buscar uma maneira de fazê-lo. A fim de encontrar métodos para melhorar a qualidade de nossas vidas, temos que identificar a fonte de nossos problemas. A maioria das pessoas olha externamente para a fonte de seus problemas. “Eu estou tendo dificuldades no meu relacionamento com você por causa de você! Você não está agindo da maneira que eu gostaria que você agisse.” Também podemos responsabilizar a situação política ou econômica pelas nossas dificuldades. De acordo com algumas escolas da psicologia, podemos olhar para eventos traumáticos em nossa infância como sendo o que nos conduziu a ter os problemas que temos. É muito fácil por a culpa da nossa infelicidade nos outros. Colocar a culpa nas pessoas ou em fatores sociais ou econômicos não conduz realmente a uma solução. Se possuímos essa estrutura conceitual, talvez possamos perdoar e isso talvez traga algum benefício, mas a maioria das pessoas conclui que apenas fazer isso não lhes aliviou de seus problemas psicológicos e infelicidade.
O budismo diz que embora as outras pessoas, a sociedade e assim por diante contribuam para nossos problemas, elas não são realmente a fonte mais profunda deles. Para descobrir a fonte mais profunda de nossas dificuldades temos que olhar para dentro. Afinal de contas, se nos sentimos infelizes na vida é uma resposta a nossa situação. Diferentes pessoas respondem a uma mesma situação de forma diferente. Mesmo se apenas nos observarmos, vemos que reagimos diferente às dificuldades de um dia para o outro. Se a fonte do problema fosse apenas a situação externa, deveríamos reagir da mesma maneira o tempo inteiro, porém não o fazemos. Há os fatores que afetam como reagimos, como ter um bom dia de trabalho, mas estes são somente fatores contribuintes superficiais. Não chegam profundamente o bastante.
Se olharmos, começamos a ver que nossas atitudes para a vida, nós mesmos e nossas situações contribuem muito para como nos sentimos. Por exemplo, não sentimos pena de nós mesmos o tempo inteiro, como quando estamos tendo um bom dia, mas basta não termos um bom dia, que o sentimento de autopiedade reaparece. As atitudes básicas que temos para com a vida moldam a forma como experimentamos a vida. Se examinarmos mais profundamente, veremos que nossas atitudes estão baseadas na confusão.
Confusão Como a Fonte dos Problemas
Se explorarmos a confusão, vemos que um aspecto dela é a confusão sobre a causa e o efeito comportamental. Estamos confusos sobre o que fazer ou dizer e sobre o que acontecerá em conseqüência. Podemos estar muito confusos sobre que tipo de trabalho buscar, se devemos casar, se devemos ter filhos, etc. Se começarmos um relacionamento com alguém, qual será o resultado? Nós não sabemos. Nossas idéias sobre o que acontecerá após nossas escolhas são realmente somente fantasias baseadas em pensamentos desejosos ou medo e paranóia. Talvez achemos que se tivermos um relacionamento profundo com determinada pessoa, seremos felizes para sempre, como em um conto de fadas. Ou podemos estar receosos de que nos abandonarão e assim mantemos a distância emocional. Se estivermos tristes em uma situação, pensamos que gritar irá melhorá-la. Temos uma ideia muito confusa sobre como a outra pessoa irá responder ao que fazemos. Pensamos que se gritarmos e falarmos o que pensamos, nos sentiremos melhor e tudo ficará bem, mas tudo não ficará bem. Nós queremos saber o que acontecerá.
Desesperadamente consultamos a astrologia ou jogamos moedas para O livro das mudanças, o I Ching. Por que fazemos esse tipo de coisa? Queremos estar no controle do que acontece.
O budismo diz que um nível mais profundo de confusão é a confusão sobre como nós e os outros existimos e sobre como o mundo existe. Estamos confusos sobre todo o assunto do controle. Pensamos que é possível estar totalmente no controle do que nos acontece. Por exemplo, podemos pensar que se não deixássemos ninguém mais usar nosso computador, ele nunca deixará de funcionar. Por causa disso, nos frustramos quando as coisas não acontecem como esperamos. Não é possível sempre estar no controle. Isto não é a realidade. A realidade é muito complexa. Muitas coisas influenciam o que acontece, não apenas o que fazemos. Não é que estejamos totalmente fora do controle ou sejamos manipulados por forças externas. Contribuímos ao que acontece, mas não somos o único fator que determina o que acontece.
Por causa de nossa confusão e insegurança, agimos frequentemente destrutivamente sem mesmo saber que é um comportamento destrutivo. Isto porque estamos sob a influência de emoções perturbadoras, de atitudes perturbadoras, e da compulsividade de nosso comportamento habitual. Não somente agimos de forma destrutiva com os outros; agimos primariamente de formas autodestrutivas. Ou seja, criamos mais problemas para nós mesmos. Se quisermos menos problemas ou liberação de nossos problemas, ou mais além, a habilidade de ajudar os outros a sair também de seus problemas, necessitamos reconhecer a fonte de nossas limitações.
Livrar-nos da Confusão
Digamos que podemos reconhecer que a fonte de nossos problemas é confusão. Isto não é demasiado difícil. Alguns chegam ao ponto de dizer: “Sou realmente confuso. Eu estraguei tudo.” E? Antes de gastar dinheiro neste curso ou naquele retiro precisamos considerar muito seriamente se estamos convencidos realmente que é possível livrar-nos de nossa confusão. Se não pensarmos que é possível livrar-se da confusão, o que estamos tentando fazer? Se formos somente com a esperança de que pode ser possível acabar com nossa confusão, não é muito estável. É somente um pensamento desejoso.
Podemos pensar que a liberdade poderia vir de diversas maneiras. Podemos pensar que alguém nos salvará. Poderia ser uma figura mais elevada, divina, tal como Deus, e assim nos transformamos em fiéis renascidos. Alternativamente, podemos buscar um professor espiritual, um parceiro, ou alguém para nos salvar de nossa confusão. Em tais situações é fácil tornar-se dependente da outra pessoa e comportar-se imaturamente. Estamos frequentemente tão desesperados em encontrar alguém para nos salvar, que ficamos cegos na escolha. Talvez escolhamos alguém que não está livre da própria confusão e que, por causa das suas próprias atitudes e emoções perturbadoras, tira vantagem da nossa ingênua dependência. Esta não é uma forma estável de proceder. Não devemos buscar por um professor espiritual ou por um relacionamento para limpar toda a nossa confusão. Devemos limpar a nossa própria confusão.
Uma relação com um professor espiritual ou com um parceiro pode prover circunstâncias que ajudem, mas apenas quando o relacionamento é saudável. Quando for insalubre somente piora tudo. Conduz a mais confusão. No início, podemos estar em um profundo estado de negação, achando que o professor é perfeito, que o parceiro é perfeito, mas eventualmente nossa ingenuidade se desgasta. Quando começamos a ver as fraquezas na outra pessoa e que a outra pessoa não vai nos salvar de toda a nossa confusão, temos uma pane. Sentimo-nos traídos. Nossa fé e nossa confiança foram traídas. É um sentimento terrível! É muito importante tentar evitar isso desde o começo. Necessitamos tomar medidas preventivas. Necessitamos compreender o que é possível e o que não é. O que um professor espiritual pode fazer e o que não pode? Tomamos medidas preventivas para evitar uma pane.
Precisamos desenvolver um estado de mente livre de confusão. O oposto da confusão, compreensão, impedirá que a confusão brote. Nosso trabalho no budismo é sermos introspectivos e atentos às nossas atitudes, às nossas emoções perturbadoras e aos nossos comportamentos impulsivos, compulsivos e neuróticos. Isso significa estarmos dispostos a ver em nós mesmos coisas que não são tão legais, coisas que preferiríamos negar. Quando notamos coisas que estão causando nossos problemas ou são sintomas de nossos problemas, precisamos aplicar oponentes para superá-las. Tudo isso está baseado no estudo e na meditação. Temos que aprender a identificar emoções e atitudes perturbadoras e de onde vem.
Meditação
Meditação significa que praticamos aplicando os vários oponentes numa situação controlada de maneira a nos familiarizarmos em como aplicá-los, para que possamos fazê-lo na vida real. Por exemplo, se ficamos irritados com os outros quando não agem da maneira que gostaríamos, na meditação pensamos sobre essas situações e tentamos olhá-las de uma perspectiva diferente. A outra pessoa está agindo em maneiras discordantes por muitas razões diferentes. Ele ou ela não está agindo necessariamente de forma implicante porque não nos ama. Na meditação tentamos dissolver tais atitudes: “Meu amigo não me ama mais porque não me ligou.”
Se pudermos praticar através desse tipo de situação com um estado mental mais relaxado, compreensivo e paciente, então se a pessoa não nos liga por uma semana, não ficamos tão chateados. Quando começamos a ficar chateados lembramo-nos de que essa pessoa é provavelmente muito ocupada e é egocêntrico pensar que somos a pessoa mais importante na sua vida. Isto nos ajuda a acalmar nossa mágoa emocional.
A Prática Budista É uma Ocupação em Tempo Integral
A prática budista não é um hobby. Não é algo que fazemos como um esporte ou para relaxar. A prática budista é um trabalho em tempo integral. Nossa tarefa é trabalhar em nossas atitudes para com tudo em nossas vidas. Se estamos trabalhando para desenvolver amor por todos os seres senscientes, por exemplo, precisamos aplicar isso em nossa família. Muitas pessoas sentam em seus quartos meditando no amor, mas não conseguem dar-se bem com seus pais ou seus parceiros. Isto é triste.
Evitando Extremos
Ao tentar aplicar os ensinamentos budistas em situações de nossa vida real em casa ou no trabalho, devemos evitar extremos. Um pólo do extremo é colocar a culpa inteira sobre outros. O outro extremo está em por a culpa inteira sobre nós mesmos. O que acontece na vida é muito complexo. Ambos os lados contribuem: outros contribuem; nós contribuímos. Podemos tentar fazer os outros mudarem seus comportamentos e posturas, mas todos sabemos por experiência própria que isso não é algo fácil, especialmente se nos aproximamos de uma maneira superior e sagrada, acusando o outro de ser um pecador. É muito mais fácil tentar mudar a nós mesmos. Apesar de podermos fazer sugestões aos outros, se eles são receptivos e se não vão se tornar mais agressivos por causa da nossa sugestão, o principal trabalho é sobre nós mesmos.
Ao trabalhar em nós mesmos, temos de ter cuidado com outro par de extremos: sermos totalmente preocupados com nossos sentimentos e não estarmos atentos a eles de maneira alguma. O primeiro é uma preocupação narcisista. Estamos somente preocupados em como nos sentimos. Tendemos a ignorar o que outros estão sentindo. Tendemos a pensar que o que sentimos é mais importante do que o que outras pessoas estão sentindo. Por outro lado, podemos estar totalmente fora de contato com nossos sentimentos ou não sentir nada, como se nossas emoções tivessem sido abatidas com Novocaína. Evitar estes extremos requer um contrapeso delicado. Não é assim fácil.
Se estamos sempre observando a nós mesmos enquanto com os outros, cria-se uma dualidade imaginada, nós mesmos e aquilo que estamos sentindo e fazendo, e então não nos interessamos em nos relacionar com alguém ou estar com alguém. A verdadeira arte é relacionar-se e agir de uma maneira natural e sincera, enquanto parte da nossa atenção está na nossa motivação e atitude. Precisamos tentar fazer isso, entretanto, sem que seja uma maneira de agir descontínua, de maneira que não estejamos presentes com a outra pessoa. Se estivermos verificando nossa motivação e sentimentos durante o processo de se relacionar com alguém, às vezes é útil dizer a pessoa. Entretanto é muito narcisista sentir que temos que dizer a pessoa. Frequentemente, os outros não estão interessados no que estamos sentindo. É muito arrogante sentir que querem saber. Quando notamos que estamos começando a agir de forma egoísta, podemos apenas parar. Não temos que anunciar isso.
Outro conjunto de extremos é que somos totalmente maus ou totalmente bons. Se colocarmos muita ênfase nas nossas dificuldades, nossos problemas e nossas emoções perturbadoras, poderemos começar a sentir que somos pessoas más. Isso vira culpa rapidamente. “Eu deveria praticar. Se eu não o fizer, eu sou uma pessoa má.” Esta é uma base muito neurótica para a prática.
Também precisamos evitar o outro extremo, que é por muita ênfase nos nossos lados positivos. “Nós somos completamente perfeitos. Nós somos todos budas. Tudo é maravilhoso.” Isso é muito perigoso, pois pode implicar que não precisamos desistir de nada, não precisamos parar nenhuma negatividade, pois tudo que precisamos fazer é ver nossas qualidades básicas boas. “Eu sou maravilhoso. Eu sou perfeito. Eu não preciso parar meu comportamento negativo. Já sou um buda!” Precisamos de equilíbrio. Se nos sentirmos muito para baixo, precisamos nos lembrar de nossas habilidades de sobrepujar nossos defeitos e nos tornar budas; se estivermos blasé demais, devemos dar ênfase aos nossos lados negativos.
Assumindo a Responsabilidade
Basicamente, precisamos assumir a responsabilidade por nosso desenvolvimento e por nos livrar de nossos problemas. Naturalmente, necessitamos de ajuda. Não é fácil fazer isso sozinhos. Podemos receber ajuda de professores espirituais ou de nossa comunidade espiritual, pessoas que pensam como nós e que estão trabalhando consigo mesmas e não culpando uns aos outros por seus problemas. É por isso que num relacionamento é importante compartilhar o mesmo tipo de atitude, particularmente a de não culpar o parceiro pelos problemas que surgem. Se ambos estiverem responsabilizando um ao outro, não funciona de forma alguma. Se somente um parceiro estiver trabalhando nele ou nela e o outro somente culpar, também não funciona. Se já estivermos em uma relação em que a outra pessoa está acusando, porém estamos procurando onde contribuímos, não significa que tenhamos que terminar a relação, mas é mais difícil. Temos que tentar evitar sermos os mártires neste relacionamento: “Eu estou passando por tudo isso! É tão difícil!” A coisa toda pode ser muito neurótica.
Recebendo Inspiração
O caminho budista não é fácil. Diz respeito a lidar com a feiúra da vida. Precisamos de algum tipo de força para continuar; precisamos de fontes estáveis da inspiração. Se nossa fonte de inspiração são professores contando estórias de milagres fantásticos e coisas do gênero, sobre eles mesmos ou sobre outros na história do budismo, não será uma fonte de inspiração muito estável. Certamente pode ser muito emocionante, mas temos que examinar como isto nos está afetando. Em muitas pessoas, isso reforça um mundo de fantasia no qual estamos desejando ser salvos por milagres. Imaginamos que algum grande mágico vai nos salvar com seus poderes milagrosos ou que vamos de repente desenvolver a capacidade de operar milagres. Temos que ser muito cautelosos a respeito destas estórias fantásticas. Podem inspirar nossa fé e assim por diante, e isso pode ser útil, mas não é uma base estável da inspiração. Precisamos de uma base estável.
O exemplo perfeito é o do próprio Buda. Buda não tentou “inspirar” as pessoas ou impressioná-las contando histórias fantásticas. Não saia por aí se vangloriando e abençoando pessoas ou coisas do gênero. A analogia que Buda usava, repetida por todos os ensinamentos budistas, é que um buda é como o sol. O sol não tenta aquecer as pessoas. Naturalmente, da maneira que o sol é, ele traz espontaneamente o calor a todos. Apesar de nos empolgarmos ao ouvir uma estória fantástica ou por sermos tocados na cabeça por uma estátua ou receber uma fita vermelha para amarrar em volta do pescoço, essas não são coisas estáveis. Uma fonte estável de inspiração é a maneira espontânea e natural do professor ser como pessoa; seu caráter, a maneira como ele ou ela é em conseqüência da prática dos ensinamentos budistas. Isto que é inspirador, não algum ato que a pessoa usa para nos entreter. Embora isto possa não ser tão emocionante quanto uma história fantástica, dar-nos-á um sentido estável de inspiração.
À medida que progredimos, podemos obter inspiração de nosso próprio progresso, não por ganhar poderes miraculosos, mas pela lenta mudança do nosso caráter. Os ensinamentos enfatizam sempre o regozijo em nossos próprios atos positivos. É muito importante recordar que o progresso nunca é linear. Não fica somente melhor a cada dia. Uma das características da vida é que os humores sobem e descem até que estejamos completamente livres de problemas incontrolavelmente recorrentes, o que é um estado incrivelmente avançado. Devemos ter certeza que nos sentiremos, às vezes, felizes e, às vezes, infelizes. Às vezes somos capazes de agir de formas positivas e outras vezes nossos hábitos neuróticos serão sobrepujantes. Haverão altos e baixos. Geralmente, milagres não acontecem.
Os ensinamentos sobre evitar as oito preocupações mundanas enfatizam não ficar orgulhosos se as coisas vão bem e não entrar em depressão se as coisas vão mal. Assim é a vida. Precisamos ver os efeitos em longo prazo, não os efeitos em curto prazo. Se estivermos praticando por cinco anos, por exemplo, comparando aos cinco anos atrás, há muito progresso. Mesmo que às vezes fiquemos chateados, se achamos que somos capazes de lidar com as situações com uma mente e coração mais calmos e claros, isso indica que fizemos algum progresso. Isto é inspirador. Não é dramático, embora quiséssemos que fosse dramático e nos empolgarmos com shows dramáticos. É inspiração estável.
Sendo Práticos
Precisamos ser bastante práticos e ter os pés no chão. Quando fazemos práticas de purificação, por exemplo, é importante não pensar nisto como uma figura externa, um grande santo, perdoando os nossos pecados. No budismo não há santos que nos salvarão e nos abençoarão através de purificação. Este não é absolutamente o processo. O que nos purifica é o fato de que nossas mentes são naturalmente puras. Não são manchadas inerentemente pela confusão; a confusão pode ser removida. É reconhecendo a natureza pura da mente através de nossos esforços, que podemos deixar de lado a culpa, potenciais negativos e assim por diante. Isso permite que o processo de purificação funcione.
Além disso, ao realizar todas essas práticas e tentar colocar os ensinamentos budistas em nossas vidas diárias, precisamos reconhecer e discernir o nível em que estamos. É crucial não sermos pretensiosos ou sentir que devemos estar em um nível mais elevado do que estamos agora.
Abordando o Budismo Vindo de um Contexto Católico
Algumas pessoas que se interessam pelo budismo podem, por exemplo, vir de um contexto católico. Se for o nosso caso, na medida em que abordamos o budismo e começamos a estudar, não precisamos sentir que devemos abandonar o catolicismo e nos converter ao budismo. Entretanto, é importante não misturar as duas práticas. Não fazemos três prostrações ao altar antes de sentar em uma igreja. Do mesmo modo, quando fazemos uma prática budista, não visualizamos a Virgem Maria, visualizamos Buda. Praticamos cada uma individualmente. Quando vamos à igreja, vamos apenas à igreja; quando fazemos uma meditação budista, fazemos uma meditação budista.
Há muitas características comuns, tais como a ênfase no amor, ajudar o próximo e assim por diante. Não há nenhum conflito no nível básico. Se praticarmos amor, caridade e ajuda ao próximo somos tanto bons católicos quanto bons budistas. Eventualmente, porém teremos de fazer uma escolha, mas apenas quando estivermos prontos para colocar nosso total esforço em fazer um tremendo progresso espiritual. Se vamos subir até o último andar de um edifício, não podemos subir por duas escadarias ao mesmo tempo, esta é uma imagem muito útil. Se estamos agindo somente no nível básico, no lobby, tudo bem. Não precisamos nos preocupar com isso. Podemos nos beneficiar de ambos.
Evitando Lealdade Deslocada
Ao aplicar o budismo em nossas vidas, necessitamos ter cuidados para não rejeitar nossas religiões de origem como sendo ruins ou inferiores. Isto é um grande erro, pois poderíamos tornar-nos budistas fanáticos e anticatólicos fanáticos, por exemplo. As pessoas fazem isso com o comunismo e a democracia também. Um mecanismo psicológico chamado de lealdade deslocada entra em cena. Há uma tendência de querermos ser leais às nossas famílias, às nossas raízes e querermos ser leais ao catolicismo apesar de o havermos rejeitado. Se formos desleais às nossas raízes rejeitando-as totalmente como sendo ruins sentimos que somos completamente maus. Porque isso é extremamente inquietante, inconscientemente sentimos que precisamos achar algo em nosso passado para sermos fiéis.
A tendência é inconscientemente sermos leais a determinados aspectos menos benéficos. Por exemplo, podemos rejeitar o catolicismo, mas trazemos um forte medo dos infernos no budismo. Uma amiga minha era muito católica e se converteu ao budismo fervorosamente e teve então uma crise existencial. “Eu desisti do catolicismo e agora vou para o inferno católico; mas se eu desistir do budismo e voltar ao catolicismo, irei para o inferno budista!” Embora possa soar engraçado, era realmente um problema sério para ela.
Trazemos muitas vezes inconscientemente determinadas atitudes do catolicismo para nossa prática budista. As mais comuns são culpa e procurar por milagres e salvar os outros. Se não praticarmos sentimos que deveríamos praticar, e se não, somos culpados. Estas idéias não são de modo algum úteis. Precisamos reconhecer quando estamos fazendo isso. Devemos olhar para nossos contextos e perceber os aspectos positivos de maneira a sermos fieis às características positivas ao invés das negativas. Ao invés de pensarmos: “Eu herdei culpa e busca por milagres.” podemos pensar: “Eu herdei a tradição católica do amor, caridade e ajuda aos desafortunados.”
Podemos fazer a mesma coisa a respeito de nossas famílias. Podemos rejeitá-las e então sermos inconscientemente leais às suas tradições negativas, ao invés de sermos conscientemente leais às positivas. Se reconhecermos, por exemplo, que somos muito gratos pelo passado católico que nos deram, então podemos seguir nossos próprios caminhos sem conflito sobre nosso passado e sem sentimentos negativos constantemente prejudicando nosso progresso.
É importante tentar compreender a validade psicológica disto. Se pensarmos em nosso passado, nossas famílias, nossa religião de origem ou o que quer que seja como sendo negativos, tendemos a ter atitudes negativas com relação a nós mesmos. Por outro lado, se formos capazes de reconhecer as coisas positivas em nosso contexto de origem e em nosso passado, tendemos a ter atitudes positivas com nós mesmos. Isto nos ajuda a sermos muito mais estáveis em nosso caminho espiritual.
Conclusão
Precisamos progredir gradativamente, passo a passo. Quando ouvimos ou lemos ensinamentos muito avançados, embora os grandes mestres do passado tenham dito: “Assim que você ouvir um ensinamento, imediatamente pratique-o”, precisamos determinar se algo está avançado demais para nós ou se é algo que podemos praticar agora. Se for muito avançado, temos que discernir as etapas que necessitaremos executar para sermos capazes de por em prática e então seguir estas etapas. Resumindo, como um de meus professores, Geshe Ngawang Dhargyey, disse: “Se praticarmos métodos de fantasia, colheremos resultados imaginários; se praticarmos métodos práticos, colheremos resultados práticos.”