As Fontes da Felicidade

A fonte da felicidade está dentro de nós. Quando nossa mente está tranquila, nossa visão é positiva, mas realista, e nossos pensamentos em relação aos outros são amorosos, sentimos uma felicidade que nos sustenta com força e coragem independente das dificuldades que enfrentamos. Conforme disse o Buda, se queremos ser felizes, precisamos domar nossa mente.

Felicidade Comum: o Sofrimento da Mudança

Algumas pessoas têm caracterizado o budismo como uma religião negativa que identifica todas as nossas experiências como sofrimento e não reconhece absolutamente a felicidade. No entanto, esta é uma visão desinformada. É verdade que o budismo fala de nossa felicidade comum e costumeira como sendo o sofrimento da mudança. Isso significa que este tipo de felicidade é insatisfatório: ela nunca dura e nunca temos o suficiente. Não se trata da verdadeira felicidade. Por exemplo, se comer sorvete fosse a verdadeira felicidade, então quanto mais comêssemos de uma vez só, mais felizes seríamos. Porém, logo alcançamos um ponto no qual a felicidade de comer sorvete se transforma em infelicidade e sofrimento. O mesmo se aplica a ficar sentado ao sol ou decidir sentar na sombra. É disso que falamos quando mencionamos o sofrimento da mudança.

No entanto, o budismo oferece muitos métodos para superar os limites de nossa felicidade comum, este sofrimento da mudança, para que possamos alcançar o estado de alegria eterna de um buda. Ainda assim, apesar das desvantagens de nossa felicidade comum, o budismo também explica as fontes para alcançar este tipo de felicidade. O budismo oferece este ensinamento porque um de seus axiomas básicos é que todo mundo quer ser feliz e ninguém quer ser infeliz. Já que todos estamos buscando por felicidade e, como seres comuns, não conhecemos nenhum tipo de felicidade além daquele tipo comum e costumeiro, o budismo nos diz como alcançá-la. Apenas quando este desejo e esta necessidade de felicidade forem preenchidos no nível mais básico de felicidade comum, poderemos então buscar níveis mais profundos e satisfatórios de felicidade com práticas espirituais mais avançadas.

Infelizmente, no entanto, como o grande mestre indiano Shantideva escreveu em “Engajar-se no Comportamento de um Boddhisattva” I.28 (sPyod-‘jug, sct. Bodhicharyavatara):

Apesar de ter uma mente que deseja evitar sofrimento, eles se precipitam para o sofrimento. Embora desejem a felicidade, ainda assim, por ingenuidade, eles destroem a própria felicidade como se fosse um inimigo.

Em outras palavras, embora desejemos a felicidade, somos ingênuos no que diz respeito às suas fontes e assim, ao invés de criarmos mais felicidade para nós mesmos, criamos apenas mais infelicidade e sofrimento.

Video: Dr Chönyi Taylor — “Por Que É Tão Fácil Se Viciar”
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A Felicidade é um Sentimento

Embora haja muitos tipos de felicidade, aqui vamos focar nossa atenção na felicidade comum. Para entender as suas fontes, primeiro precisamos ficar claros em relação ao que significa “felicidade”. O que é esta felicidade (bde-ba, sct. sukha) que todos nós queremos? De acordo com a análise budista, a felicidade é um fator mental – em outras palavras, trata-se de um tipo de atividade mental do qual temos consciência de um objeto de uma certa forma. É uma seção de um fator mental mais vasto chamado “sentimento” (tshor-ba, sct. vedana), que cobre um espectro que abrange um amplo leque que vai de totalmente feliz a totalmente infeliz.

Qual é a definição de “sentimento”? Sentimento é o fator mental que está tendo a natureza da experiência (myong-ba). Trata-se da atividade mental da experiência de um objeto ou de uma situação de uma forma que realmente faz com que ela seja uma experiência daquele objeto ou daquela situação. Sem um sentimento que esteja em algum ponto do espectro entre felicidade e infelicidade, nós não realmente fazemos a experiência de um objeto ou de uma situação. Um computador recebe e processa dados, mas como um computador não realmente se sente feliz ou infeliz ao fazer isso, um computador não faz a experiência dos dados. Esta é a diferença entre um computador e a mente.

Sentir um nível de felicidade ou infelicidade acompanha ou a cognição de um objeto sensorial – a visão, o som, o cheiro, o sabor ou a sensação física como prazer ou dor – ou a cognição de um objeto mental quando se pensa algo. Não tem que ser nem dramático nem extremo. Pode ser um nível bem reduzido. Na verdade, algum nível de sentimento de felicidade ou infelicidade acompanha cada momento de nossas vidas – até mesmo quando estamos profundamente adormecidos sem sonhos, fazemos a experiência disso com um sentimento neutro.

A Definição da Felicidade

O budismo oferece duas definições de felicidade. Uma é definida em termos de nossa relação com um objeto, enquanto a outra é definida em termos de nossa relação com o estado mental do próprio sentimento.

  • A primeira define a felicidade como fazer a experiência de algo de uma forma satisfatória, baseado na crença que isso nos beneficia, independente de realmente ser assim ou não. A infelicidade é a experiência de algo de uma forma insatisfatória e atormentada. Fazemos a experiência de algo de forma neutra quando não é nem de uma forma satisfatória nem de uma forma atormentada.
  • A segunda define a felicidade como o sentimento que, quando ele acaba, queremos encontrá-lo de novo. A infelicidade é aquele sentimento que, quando ele surge, queremos que ele se vá. Enquanto um sentimento neutro é aquele sentimento que, quando surge ou acaba, não temos nenhum dos dois desejos.

Ambas as definições estão relacionadas. Quando fazemos a experiência de algo de uma forma satisfatória, a forma como fazemos a experiência do objeto é que o objeto, literalmente, “surge na nossa mente” (yid-du ‘ong-ba, sct. manapa) de uma forma prazerosa. Aceitamos o objeto e ele permanece confortavelmente como objeto da nossa atenção. Isso implica em sentirmos que a nossa experiência do objeto é benéfica para nós: ela nos faz feliz; nos dá uma sensação boa. Por isso, queremos que o benefício desta experiência continue e, se ele acabar, vamos querer que volte. De forma coloquial, diríamos que desfrutamos do objeto e da experiência que ele nos proporciona.

Quando fazemos a experiência de um objeto de forma atormentada, esta experiência infeliz do objeto, literalmente, “não surge na nossa mente” (yid-du ma-‘ong-ba, sct. amanapa) de uma forma agradável. Não aceitamos o objeto e ele não permanece como objeto de nossa atenção de uma forma confortável. Sentimos que a nossa experiência do objeto não nos beneficia e, na verdade, nos machuca. Queremos que pare. De forma coloquial, diríamos que não desfrutamos do objeto nem da experiência que ele nos proporciona.

Video: Dr. Alan Wallace — “O que é Felicidade?”
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Exagerar as Qualidades de um Objeto

O que significa sentir-se confortável com um objeto? Quando nos sentimos confortáveis com um objeto, nós o aceitamos tal qual ele é, sem ingenuidade, e sem exagerar ou negar suas boas qualidades nem suas falhas. Este ponto nos traz para a discussão sobre as emoções perturbadoras (nyon-rmongs, sct. klesha; emoções aflitivas) e a relação delas com o fato de fazermos a experiência de um objeto com felicidade ou infelicidade.

Um conjunto de emoções perturbadoras é desejo, apego e cobiça. Com esses três, exageramos as boas qualidades de um objeto. Com o desejo, queremos obter o objeto, se ainda não o temos. Com o apego, não queremos perde-lo, quando o temos; e com a cobiça, queremos mais, mesmo se já o temos. Com essas emoções perturbadoras, tendemos a ignorar as falhas do objeto. Não se trata de estados felizes da mente, já que não achamos que o objeto seja satisfatório. Isso quer dizer que não estamos satisfeitos com o objeto. Não o aceitamos pelo que ele é.

Por exemplo, quando vemos a nossa namorada ou o nosso namorado, a quem somos muito apegados, fazemos talvez a experiência deste momento com felicidade. Estamos satisfeitos ao ver a pessoa; isso nos satisfaz. No entanto, assim que o nosso apego surge, exageramos as boas qualidades da pessoa, de estar com ele ou ela, e exageramos as qualidades negativas de não estarmos com essa pessoa, e então nós nos sentimos insatisfeitos ou infelizes. Não aceitamos a situação de ver a pessoa somente agora e apenas desfrutar do momento, mas queremos mais e tememos que ele ou ela vá embora. Por conseguinte, de repente, fazemos agora a experiência de ver nossos entes amados com insatisfação, inquietação e infelicidade.

Outro conjunto de emoções perturbadoras é repulsa, raiva e ódio. Com estas, exageramos as falhas ou qualidades negativas do objeto e queremos evita-lo, se não o temos; queremos nos livrar dele se o temos; e quando acaba, não queremos que se repita. Essas três emoções perturbadoras geralmente são mescladas a medo. Elas tampouco são estados felizes da mente, já que não estamos satisfeitos com o objeto. Não o aceitamos pelo que ele é.

Por exemplo, podemos estar tratando um canal no dentista. O objeto de nossa experiência é uma sensação física de dor. Mas se o aceitarmos pelo que ele é, sem exagerar suas qualidades negativas, não ficaremos infelizes durante o procedimento. Poderíamos ter um sentimento neutro em relação a como fazemos a experiência da dor: nós a aceitamos pelo tempo de duração do procedimento, e assim não rezamos para que acabe rapidamente; e quando o dentista parar de perfurar, não desejamos que ele ou ela perfure mais. Temos equanimidade em relação à dor da perfuração – nem repulsa, nem atração nem ingenuidade. De fato, durante o procedimento, podemos até fazer a experiência da felicidade, se focarmos no pensamento que estamos evitando futuras dores nos dentes.

Observem que estar felizes ou satisfeitos com algo não impede que queiramos mais ou menos de algo, baseados na necessidade. Isso não nos torna inativos de forma que nunca tentamos melhorar as coisas ou a nós mesmos ou as situações em nossas vidas. Por exemplo, podemos aceitar, ficar satisfeitos e, por conseguinte, felizes com o progresso que fizemos na realização de um projeto ou na recuperação de uma cirurgia. Até mesmo, baseados na necessidade, podemos ainda assim querer continuar a progredir sem estarmos infelizes com aquilo que realizamos até então. O mesmo se aplica com a quantidade de comida em nosso prato ou a quantidade de dinheiro que temos no banco, se de fato for a realidade que não temos suficiente e precisamos de mais. Sem exagerarmos os aspectos negativos de não termos comida suficiente para comer ou dinheiro no banco, nem negarmos os benefícios de ter mais, podemos nos esforçar para conseguir obter mais comida ou dinheiro, sem ficar infelizes em relação a isso. Se formos bem-sucedidos, tudo bem; se falharmos, tudo bem também, vamos conseguir de alguma maneira. Continuaremos a tentar. O mais importante é que continuamos a tentar obter mais sem as divagações mentais ocasionadas pelas expectativas por sucesso ou pelas preocupações em relação ao fracasso.

Shantideva descreveu isso bem em seu capítulo sobre paciência (VI.10):

Se pode ser remediado, por que ficar de mau humor em relação a isso? E se não pode ser remediado, de que adianta ficar de mau humor?

Comportamento Construtivo como a Fonte Principal de Felicidade

A longo prazo, a causa principal da felicidade é o comportamento construtivo. Isso significa evitar agir, falar, ou pensar sob a influência de emoções perturbadoras como desejo, apego, cobiça, repulsa, raiva, ingenuidade, e assim por diante, sem se preocupar com o efeito a longo prazo de nosso comportamento em nós e nos outros. Ao invés disso, simplesmente fazendo. Por exemplo, com o desejo, exageramos as boas qualidades de um objeto em uma loja, ignoramos as consequências legais, e o roubamos. Com raiva, exageramos as qualidades negativas de algo que o nosso/a parceiro/a nos disse e, ignorando o efeito que isso terá em nosso relacionamento, gritamos com ele ou ela e dizemos palavras cruéis.

Agir, falar e pensar evitando estar sob a influência de emoções perturbadoras desenvolve o hábito de evitar estar sob tal influência no futuro. Como resultado, se uma emoção perturbadora surgir no futuro, não agiremos baseados nela e, eventualmente, a força da emoção perturbadora diminuirá. Com o tempo, a emoção perturbadora surgirá cada vez menos. Por outro lado, quanto mais agirmos baseados nas emoções perturbadoras, mais elas surgirão no futuro e mais fortes serão.

Como nós vimos, quando fazemos a experiência de um objeto com felicidade, fazemos isso sem as emoções perturbadoras da ingenuidade, do desejo, do apego, da cobiça, da repulsa e da raiva. A nossa experiência do objeto é baseada na aceitação de sua natureza atual, tal qual ela é, sem exagerar ou negar seus pontos bons ou ruins. Esta forma de fazer a experiência das coisas, então, vem do hábito de um comportamento construtivo com o qual agimos, falamos e pensamos, baseados na aceitação da natureza do que são as pessoas, coisas ou situações, sem exagerar ou negar seus pontos bons ou ruins.

As Circunstâncias que Fazem Amadurecer os Potenciais de Felicidade.

A nossa forma de fazer a experiência de objetos ou pensamentos – com felicidade ou infelicidade – não é, então, determinada pelo objeto ou pensamento em si. Como vimos, se com o nosso comportamento prévio, a longo prazo, desenvolvemos o hábito de evitar exagerar ou negar os aspectos positivos ou negativos dessas coisas, podemos fazer a experiência até mesmo da dor de fazer um tratamento de canal em um estado mental feliz. Voltando à definição da felicidade, fazemos a experiência do procedimento de uma forma satisfatória, baseados na crença de que ele nos beneficia.

Embora possa ser que tenhamos desenvolvido o hábito de evitar agir, falar, ou pensar sob a influência de emoções perturbadoras e, assim, desenvolvemos o potencial de fazer a experiência de objetos e pensamentos com felicidade, ainda assim certas circunstâncias são necessárias para que este potencial amadureça como uma experiência de felicidade. Como vimos, o objeto de nossa experiência não necessariamente determina se fazemos a experiência dele com felicidade ou infelicidade. Ao invés disso, fazer a experiência de um objeto com felicidade depende mais de nossa postura ao aceitar a realidade do que é o objeto, independentemente do que ele for – a sensação física dolorosa de um tratamento de canal ou a visão de um ente amado. Portanto, a nossa postura, nosso estado mental, é de suma importância para determinar se em dado momento nos sentiremos felizes ou infelizes, não importa qual for o objeto que estejamos vendo, ouvindo, cheirando, provando, sentindo fisicamente, ou pensando.

Também vimos que quando aceitamos a realidade daquilo que é, e não somos ingênuos em relação a isso, então não exageramos nem negamos suas qualidades positivas ou negativas e, então, não fazemos a experiência do objeto com desejo, cobiça, apego, repulsa ou raiva. Portanto, o que ajuda e dá impulso ao amadurecimento da felicidade em qualquer momento é estar livre da ingenuidade.

Ingenuidade

Em qualquer momento de infelicidade, a nossa ingenuidade (gti-mug, sct. moha) não é necessariamente restrita a ser ingênuos sobre o objeto de nossa experiência. A ingenuidade tem um âmbito muito mais vasto. Pode também ser focada em nós mesmos. Quando fazemos a experiência de um problema com grande infelicidade, então, com a ingenuidade, temos a tendência a ficar fixados apenas em nós mesmos e pode até ser que pensemos que somos os únicos que já fizeram a experiência deste problema.

Vejam o exemplo de perder o emprego. A realidade é que há milhões de pessoas no mundo que perderam seus empregos e agora estão desempregadas. Podemos pensar sobre a nossa situação sem sermos ingênuos sobre a impermanência, por exemplo. Nós nos lembramos que todos os fenômenos que surgem de causas e circunstâncias serão afetados por mais causas e circunstâncias e eventualmente acabarão. Isso pode ser muito útil. Mas ainda mais efetivo é expandir mais o âmbito de nosso pensamento para incluir não apenas o nosso problema, mas também o problema se todos os outros ao perder seus trabalhos, se isso ocorreu com eles. Precisamos pensar, “Este não é apenas meu problema; trata-se do problema de um número enorme de pessoas. ” Não sou o único que necessita de uma solução; todos os outros também precisam de uma solução. ” De fato, esta é a realidade.

Com esta forma de pensar, sem ingenuidade, desenvolvemos compaixão (snying-rje, sct. karuna) pelos outros, ao invés de chafurdar na autopiedade. Nossas mentes não ficam mais, de uma forma estreita, focadas apenas em nós mesmos, mas são bem mais abertas pensando em outros que estão em uma situação semelhante. Com o desejo de ajuda-los a superar seus problemas também, diminui a importância de nossos próprios problemas individuais e desenvolvemos a coragem e força de lidar com eles de uma forma objetiva. Certamente, não queremos perder nosso emprego, mas com equanimidade aceitamos a realidade da situação e, pensando nos outros, pode ser que fiquemos até mesmo felizes com o pensamento de que agora temos a oportunidade de tentar ajuda-los.

A Relação entre Compaixão e Felicidade

Então, a compaixão é um dos fatores-chave para desencadear os nossos potenciais e fazer a experiência de um objeto ou uma situação com felicidade. Mas como funciona isso? A compaixão é o desejo de que os outros sejam livres de seu sofrimento e das causas de seu sofrimento, da mesma forma que desejamos o mesmo para nós. No entanto, quando focamos no sofrimento e na infelicidade alheia, naturalmente nos sentimos tristes e não felizes. Ou talvez tenhamos sentimentos bloqueados e não sintamos nada. Qualquer que seja o caso, não nos sentimos felizes em relação ao seu sofrimento. Então, como é que a compaixão gera um estado mental feliz?

Para entender isso, precisamos diferenciar sentimentos perturbadores (zang-zing) de sentimentos não perturbadores (zang-zing med-pa). Aqui, estou usando estes termos não com suas definições rígidas, mas de uma forma mais coloquial e não técnica. A diferença é se o sentimento de felicidade, infelicidade ou neutralidade está mesclado com ingenuidade e confusão em relação ao sentimento em si.

Lembrem-se que quando diferenciamos a felicidade da infelicidade em geral, a diferença é se somos ingênuos ou não em relação ao objeto de nossa experiência. Aqui, mesmo se não exagerarmos nem negarmos as qualidades de um objeto do qual fazemos a experiência com infelicidade, por exemplo, pode ser que ainda transformemos aquele sentimento infeliz em uma espécie de “coisa” sólida e realmente existente, uma nuvem escura e pesada pairando sobre nossas cabeças. Depois, exageramos as qualidades negativas do sentimento e imaginamos que ele seja, por exemplo, “uma depressão terrível” e nos sentimos prisioneiros dentro de nós mesmos. Neste caso, a ingenuidade é não aceitar o sentimento infeliz pelo que ele é. Afinal, o sentimento de infelicidade é algo que muda de um momento para o outro de acordo com as variações de sua intensidade: não se trata de um tipo de objeto sólido e monolítico que realmente existe por si só, não afetado pelo resto do mundo.

Podemos aplicar uma análise semelhante a quando fazemos a experiência de não sentir nada ao pensar no sofrimento alheio. Neste caso, quando exageramos a qualidade negativa de sentimentos de tristeza ou infelicidade, temos medo de sentir e bloqueamos isso. Fazemos então a experiência de um sentimento neutro, nem feliz nem infeliz. Mas também exageramos este sentimento neutro, imaginando que seja algo de sólido, como um grande “nada” sentado dentro de nós, impedindo que sintamos qualquer coisa de forma sincera.

Para desenvolver compaixão, é importante não negar que as situações difíceis dos outros são tristes, como talvez as nossas sejam, como por exemplo perder o emprego. Seria pouco saudável ter medo de sentir esta tristeza, bloqueá-la ou reprimi-la. Precisamos sentir esta tristeza, mas de uma forma não perturbadora, para sermos capazes de ter empatia com o sofrimento alheio, para desenvolver o desejo profundo e sincero que os outros sejam livres disso, e tomar responsabilidade no que diz respeito à ajuda-los a superar isso. Em suma, os conselhos budistas dizem: “Não transforme o sentir-se infeliz em algo sólido, não faça um drama por causa disso. ”

Aquietar a Mente

Para fazer a experiência do sentimento de tristeza de uma forma não perturbadora, precisamos aquietar as nossas mentes de toda divagação e embotamento mentais. Com a divagação mental, a nossa atenção voa para pensamentos estranhos e perturbadores como, por exemplo, pensamentos cheios de preocupação, dúvida, medo, ou pensamentos cheios de expectativas em relação às coisas que desejamos que sejam mais agradáveis. Com o embotamento mental, caímos em uma neblina mental e, assim, ficamos desatentos em relação a tudo.

O budismo é rico em métodos para livrar nossos estados mentais de divagação e embotamento mentais. Um dos métodos mais básicos é aquietar-se focando em nossa respiração. Com o mínimo de divagação e embotamento, as nossas mentes ficam tranquilas e serenas. Em tal estado, podemos mais facilmente acalmar a nós mesmos como também a qualquer exagero, repulsa ou indiferença em relação aos problemas e sofrimentos alheios, e nossos sentimentos em relação a eles. Então, até se inicialmente nos sentimos tristes, isso não é perturbador.

No entanto, eventualmente, à medida que a nossa mente relaxa e se acalma mais, naturalmente sentimos um nível baixo de felicidade. Em um estado tranquilo mental e emocional, a calidez mental e a felicidade da mente se manifestam. Se chegamos a construir potenciais fortes por fazer a experiência da felicidade e por termos nos engajados em um comportamento construtivo, o nosso estado mental tranquilo ajuda e dá o impulso para que estes também amadureçam.

Desenvolver Amor

Então, nós reforçamos esta felicidade com pensamentos de amor (byams-pa, sct. maitri). Amor é o desejo de ser feliz e ter as causas da felicidade. Tal desejo naturalmente resulta de uma empatia compassiva. Embora nos sintamos tristes pela dor e pelo sofrimento alheio, ter este tipo de sentimento é difícil enquanto desejamos de forma ativa que a pessoa seja feliz. Quando paramos de pensar sobre nós mesmos e, ao invés disso, focamos na felicidade de alguém, o nosso coração naturalmente se aquece. Isso automaticamente nos traz um sentimento gentil de alegria e pode desencadear ainda mais potenciais de felicidade que foram desenvolvidos durante muito tempo por nosso comportamento construtivo. Portanto, quando o amor é altruísta e sincero, uma felicidade gentil e não perturbadora o acompanha e a nossa tristeza desaparece. Exatamente como um pai ou uma mãe que, tendo uma dor de cabeça, esquece a própria dor ao reconfortar seu filho doente, da mesma forma, a tristeza que sentimos em relação ao infortúnio alheio desaparece ao irradiarmos pensamentos de amor.

Conclusão

Em suma, a longo prazo, a fonte mais básica da felicidade, de acordo com o budismo, é desenvolver o hábito de evitar agir, falar, ou pensar de forma destrutiva sob a influência de emoções perturbadoras e atitudes como desejo, a cobiça, o apego, a repulsa e a raiva, estando todas elas enraizadas na ingenuidade. Tal comportamento construtivo desenvolve potenciais em nossos continuums mentais para fazermos a experiência da felicidade no futuro. Podemos desencadear o amadurecimento desses potenciais não exagerando nem negando as boas ou más qualidades da nossa experiência de quaisquer objetos ou situações nem de qualquer nível de felicidade ou infelicidade com o qual estivermos fazendo essa experiência – independente de qual for o objeto ou a situação. Sem ingenuidade, e assim sendo, sem apego, repulsa ou indiferença, precisamos então aquietar as nossas mentes de suas preocupações ou expectativas. Neste estado mental sereno e tranquilo, já sentiremos um nível baixo de felicidade e desencadearemos potenciais que talvez tenhamos de sentir uma felicidade ainda maior. Nós então expandimos nossas mentes, voltando-a para os problemas alheios e para o fato de que talvez estejam em situações até mesmo piores que a nossa. Paramos de pensar em apenas nós mesmos. Pensamos como seria maravilhoso se todos os outros pudessem ser livres de seu sofrimento, e como seria maravilhoso se pudéssemos ajuda-los a realizar isso. Esta forte compaixão naturalmente leva a um sentimento de amor – ao desejo de que eles sejam felizes. Pensar na felicidade alheia desencadeia ainda mais o amadurecimento de nossos próprios potenciais de felicidade. Com esses pensamentos de compaixão e amor, podemos então voltar nossos pensamentos para os budas ou quaisquer grandes figuras humanitárias. Pensando no exemplo deles, ganhamos inspiração (byin-gyis rlabs, sct. adhisthana) para assumir uma certa responsabilidade e realmente tentar ajudar os outros. Isso nos ajuda a ganhar a força e a coragem de enfrentar não apenas os problemas alheios, mas também os nossos próprios problemas – novamente, sem exagerá-los e sem preocupações em relação a possíveis fracassos ou expectativas de sucesso.

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