Renúncia à Criação de Aparências Comuns e ao Apego

O último tópico sobre o qual falaremos é a renúncia à nossa mente dar origem a aparências comuns e ao nosso apego a essas aparências comuns e, ao invés disso, ter como principal interesse fazer com que a mente dê origem a aparências puras de figuras búdicas e mandalas, sem que tenhamos nenhum apego a elas.

Uma figura búdica é uma das formas em que os budas aparecem, que muitas vezes tem vários rostos, braços e pernas, que representam diferentes qualidades a serem desenvolvidas no caminho para a iluminação. Uma mandala é o palácio e o ambiente em que essas figuras búdicas estão sentadas, ou de pé. E cada recurso arquitetônico representa uma parte diferente do caminho. Os discípulos avançados se visualizam nessas formas e ambientes como um método holístico para desenvolver todas essas qualidades de maneira holística e integrada, a fim de atingirem a iluminação.

A Mente Onisciente de um Buda

Lembre-se de nossa descrição da mente onisciente de um buda. A mente onisciente de um buda origina a aparência de todo o universo quântico e é plenamente consciente de sua totalidade e da ausência de sua existência autoestabelecida. Do ponto de vista do buda, sua mente onisciente não colapsa esse campo em aparências específicas de existência autoestabelecida. Isso ocorre porque um buda não possui um hardware limitado. Mas ele/ela sabe que outros seres, com hardware limitado – mesmo com o hardware sutil e limitado de um arhat –, colapsam esse universo quântico em aparências de existência autoestabelecida, como sites na tela de um computador.

Como um Buda Emana Informações e Como os Seres Limitados as Percebem

A mente onisciente de um buda emana informações; ele as irradia em todas as direções. E essas informações podem ser compreendidas em muitos níveis diferentes, claro. De acordo com o aparato com o qual os diferentes seres as recebem, elas colapsam em uma determinada linguagem e são expressas em termos de determinados conceitos e convenções.

Um buda emana informações tanto na forma de falas iluminadoras quanto em aparências de corpos iluminadores. Por causa do hardware limitado dos seres sencientes, todos entendem a fala iluminadora em seu próprio idioma. E quanto à informação de como um buda se parece, da mesma forma, de acordo com o hardware do receptor, ele/ela aparecerá simultaneamente de várias formas diferentes para os diferentes seres em todos os lugares. No entanto, para alguém que não é receptivo a um buda, seu hardware não recebe as palavras do buda ou a imagem do buda.

Acho que essa analogia é muito útil – pelo menos é útil para mim entender como um buda pode falar e cada um entender em sua própria língua, e como ele/ela pode emanar corpos e as pessoas em todos os lugares os verem de maneiras diferentes. Acho que isso faz sentido.

Agora a questão é, com nosso aparato comum, nosso hardware comum, nossos corpos e mentes limitados, será que vamos colapsar o universo quântico em aparências comuns ou na estrutura e forma de figuras búdicas e mandalas? Podemos colapsar essa informação de qualquer uma dessas duas maneiras, então ambas são válidas. É apenas uma questão de como percebemos o universo, e de qual dessas duas nos traz mais benefícios ao trabalharmos para atingir a iluminação?

A Determinação de Ser Livre da Criação de Aparências Comuns

Aquilo de que estamos determinados a nos livrar, aqui, é de ter como principal interesse as aparências comuns que nossas mentes fazem surgir, as aparências de nossos corpos e ambientes usuais, e de nos apegarmos a (esse processo) da mente fazer surgir essas aparências e de projetar nelas uma existência autoestabelecida. O que queremos, em vez disso, como um método hábil para nos ajudar a atingir a iluminação, é fazer com que nossas mentes colapsem o campo em mandalas e figuras búdicas, sabendo que nem o URL (endereço na rede) das aparências comuns, nem o URL das mandalas estão estabelecidas dentro do computador do nosso hardware interno. Ambos são igualmente desprovidos de existência autoestabelecida. Não há diferença, é apenas que ver as coisas em termos de mandalas e figuras búdicas tem muitas vantagens.

Refutação Excessiva ou Insuficiente da Criação de Aparências Comuns

Refutar demais seria refutar a existência convencional das aparências comuns que nossas mentes limitadas criam – dizer que elas não aparecem de forma alguma. Ou acreditar que a aparência de uma mandala ou uma figura búdica não existe, que isso é besteira – isso é refutar demais.

Refutar de menos seria refutar a existência autoestabelecida apenas das aparências comuns, e achar que as coisas realmente são mandalas e figuras búdicas – concordamos com a existência autoestabelecida das chamadas aparências puras, e refutamos apenas as impuras. Isso é sub-refutar. Achamos que ser um ser comum é uma completa ilusão e que, na verdade, somos todos budas, literalmente – isso também é sub-refutar.

A Causa para Nossa Mente Gerar a Aparências Comuns

Qual é a causa de a mente gerar as aparências comuns dos corpos e do ambiente que costumamos ter ao nosso redor? São as tendências cármicas que, quando ativadas, provocam, por meio do mecanismo dos doze elos do surgimento dependente, o renascimento incontrolavelmente recorrente. Em todo renascimento, temos agregados maculados – “maculados” significa que há algo distorcido neles. Na Gelug Prasangika, a definição de maculado é “misturado com uma aparência de existência autoestabelecida”. Nosso hardware é automaticamente limitado; ele automaticamente faz com que as coisas pareçam estar lá, estabelecidas por seu próprio poder dentro da tela do computador. Isso é maculado.

Por causa do renascimento samsárico com esses agregados limitados e maculados, com um hardware maculado, nossas mentes dão origem a essas aparências comuns, baseadas nas nossas tendências cármicas e assim por diante. E devido a esse hábito constante de apegar-se a uma existência autoestabelecida, acreditamos que o que aparece corresponde a como as coisas realmente existem. Apegamo-nos à uma existência autoestabelecida delas.

As Desvantagens de Se Apegar às Aparências Comuns e as Vantagens de Fazer Com Que a Mente Dê Origem a Aparências Puras

A desvantagem de nossa mente gerar essas aparências comuns e se apegar a elas é que fazemos associações fortes e perturbadoras com nossa aparência comum – “Sou muito gordo, sou feio, estou ficando velho” – todo tipo de associação perturbadora com nossa aparência comum. É muito difícil fazer com que essas associações que fazemos com as aparências comuns que nossa mente limitada cria cessem.

Vemos as coisas ao nosso redor e somos muito críticos – por exemplo: “Esta parede está horrível, precisa ser pintada”. Não pensamos no que vemos em termos de “a mandala precisa de tinta fresca”, pensamos em termos de “a sala precisa de tinta fresca”. Você percebe que há uma grande diferença?

Quando imaginamos que o espaço em que estamos é uma mandala, não pensamos nessa mandala como precisando de tinta fresca. Obviamente, poderíamos imaginar uma mandala que precisa de tinta fresca, mas não sejamos bobos. Normalmente, uma mandala é perfeita. Mas quanto às nossas aparências comuns, somos muito críticos.

Além disso, nosso corpo comum muda a cada momento, então quando estamos sentados, tentando desenvolver concentração no corpo, por exemplo, sentimos uma dor no joelho, o rosto coça e assim por diante. Por isso, é muito difícil obter shamata focado na vacuidade do corpo comum, ou focado na impureza do corpo comum. Isso porque a aparência da base que nossa mente está originando para focarmos está mudando o tempo todo. Mas se focarmos na vacuidade de nós mesmos na forma de uma figura búdica, essa forma que nossa mente está originando não muda, é sempre a mesma. Isso ajuda a mente a permanecer estável.

Qual é o nosso objetivo? É que nossas mentes gerem a nossa aparência e a aparência dos outros como figuras búdicas, e a aparência de nosso ambiente como uma mandala, para então focarmos na vacuidade disso.

Refutando de Forma Excessiva ou Insuficiente as Aparências Puras e Apegando-se a Elas

Refutar demais é pensar que não existem aparências puras de figuras búdicas e mandalas, que isso é um absurdo, uma invenção de nossa imaginação.

Refutar de menos é pensar que um buda realmente se parece como uma determinada figura búdica e que ele/ela tem uma existência autoestabelecida como essa figura, com todos aqueles braços e pernas e em uma mandala. Lembre-se, um buda emana, mas cada um colapsa essas emanações em uma aparência diferente. Colapsá-las na forma de uma mandala é um método habilidoso para ajudar as pessoas a compreender com mais facilidade a vacuidade, a fim de atingirem a iluminação.

Um buda pode aparecer em qualquer forma, na forma que for mais útil no momento. Não existe uma forma inerente a um buda, com a qual ele/ela se pareça. Mesmo a forma clássica de um buda, com os 32 sinais e 80 características, chamados de sinais indicativos, apenas indicam as causas para alcançarmos a iluminação. Portanto, aparecer dessa forma é um método habilidoso para ensinar aos outros as causas da iluminação. Não é que isso seja realmente como um buda se parece. A forma como um buda aparece é puramente para ajudar os outros a alcançar a liberação e a iluminação.

As Vantagens da Mente Fazer Surgir as Aparências de Todas as Coisas Como Formas Puras de Figuras Búdicas e Mandalas

O propósito de fazer com que a mente colapse as coisas ao nosso redor na forma de mandalas e figuras búdicas, em vez de colapsá-las automaticamente em aparências comuns, é conseguir focar com mais facilidade na vacuidade dessas aparências. As aparências puras também parecem autoestabelecidas, mas é mais fácil entender que são como uma ilusão. Além disso, é mais fácil focar na vacuidade dessas figuras búdicas porque não temos associações perturbadoras com elas, como temos com nosso corpo e ambiente.

Outro benefício é que é muito mais fácil atingir shamata focando nessas figuras. Elas são o que chamamos de “fenômeno estático não-estático” – a cada momento elas estão mudando, pois há outro e depois outro momento de cognição delas, mas a figura em si, a forma, não está mudando. Por exemplo, Tara não envelhece, Tara não tem coceira no braço; ela continua sempre igual. Portanto, é muito mais fácil atingir shamata focando na nossa forma como Tara, pois a mente está gerando um objeto que é sempre o mesmo.

Além disso, focar assim funciona como uma causa próxima para alcançarmos os corpos iluminados de um buda; nosso corpo comum envelhece, não é como os Corpos de Forma de um buda. Nosso corpo comum não se transforma organicamente no corpo iluminador de um buda. Essas formas visualizadas já são fac-símiles do que pretendemos alcançar. Elas são formas projetadas para ajudar as pessoas a obterem todos os insights sobre o caminho, o que não é o caso dos nossos corpos comuns.

E lembre-se, todos os braços, pernas e rostos dessas figuras representam diferentes aspectos de nossa compreensão; diferentes aspectos do caminho. Esse é um método muito habilidoso para nos ajudar a permanecer atentos ao que eles representam.

Superestimar ou Subestimar as Aparências Puras

Queremos ter cuidado para não superestimar o fato de nossa mente fazer surgir essas aparências puras. Superestimar seria pensar que só precisamos visualizar e ver tudo e todos como mandalas e figuras búdicas, e que isso seria suficiente para atingirmos a iluminação. Isso seria superestimar esse tipo de visualização.

Subestimar seria pensar que imputar o “eu” convencional nessas visualizações é algo falso e, portanto, visualizá-las é apenas autoilusão e fuga da realidade. Mas não é assim. Nossos fatores da natureza búdica têm um aspecto que pode dar origem ao estado de buda do nível resultante, quando todas as condições e circunstâncias estiverem completas. Uma vez que atingimos esse estado de iluminação, também podemos emanar em formas que outras pessoas colapsam como figuras búdicas. Portanto, é válido rotular o “eu” convencional em todo o continuum de nosso fluxo mental até a iluminação. Fazer isso não é autoilusão, mas pensar que já estamos lá no estágio resultante agora, é.

Se pensarmos no continuum de nossa vida, desde quando éramos bebês até agora, podemos rotular “eu” em todo ele, não podemos, em cada momento? Claro, o “eu” vai mudando à medida que a base para sua rotulagem muda – o bebê, a criança, o adolescente, etc. Da mesma forma, poderemos rotular “eu” quando formos um velho ou uma velha. Ainda teremos uma base válida para o “eu”, não teremos?

Isso não quer dizer que somos um velho ou uma velha agora, mas essa imputação será válida se vivermos o suficiente para nos tornarmos um velho ou uma velha. Da mesma forma, não somos um buda agora, mas se gerarmos todas as causas, poderemos um dia nos tornar um buda, e então poderemos emanar todas essas formas, como fazemos nas sadanas, e beneficiar a todos os seres em todas as formas possíveis. E quando falarmos, todos entenderão em seu próprio idioma e de acordo com seu próprio nível, assim como acontece com um buda. Imaginamos isso agora, quando recitamos mantras e emanamos luzes e figuras minúsculas, sabendo muito bem que ainda não chegamos lá, e então focamos na vacuidade de tudo isso.

É muito importante ter sempre em mente que essa aparência de que nós e todos ao nosso redor são como figuras búdicas e nosso entorno é como uma mandala, tudo isso é como uma ilusão. Essas aparências parecem ser autoestabelecidas, mas não são. Esse é um meio hábil que o Buda ensinou para conseguirmos compreender com mais facilidade a vacuidade das aparências de existência autoestabelecida, pois não temos todas essas associações negativas com elas. Esse também é um dos seus benefícios.

O que fazer quando nossa mente gerar essas aparências puras de figuras búdicas e mandalas? Imputamos nosso “eu” convencional nelas. Isso se chama “ter o orgulho da deidade”. Focamos em sua vacuidade e, enquanto nos visualizamos nessas formas, fazemos todas as práticas para gerar força positiva, como imaginar que estamos ajudando todos os seres, que estamos ensinando todos os seres e assim por diante. É muito mais fácil combinar os chamados método e sabedoria dessa maneira.

O Método para nos Livrarmos da Criação de Aparências Comuns e Fazermos com que Nossas Mentes Criem Aparências Puras

Qual é o método para nos livrarmos da criação de aparências comuns e fazermos com que nossas mentes criem aparências puras? Primeiro, focamos nas aparências comuns que a mente gerou e refutamos a natureza autoestabelecida que elas parecem ter. Depois focamos na vacuidade da natureza autoestabelecida delas. A mente não gera aparências comuns enquanto focamos na vacuidade. A ausência de uma existência autoestabelecida e a presença de uma aparência de existência autoestabelecida são coisas mutuamente excludentes. Se estamos focando em “não existe algo como pequenas pessoas sentadas dentro do meu celular, autoestabelecidas lá e aparecendo”, quando focamos em “não existe isso”, não aparece simultaneamente pequenas pessoas na tela. Estamos focando apenas em “não existe isso”.

Depois visualizamos a aparência pura das figuras búdicas e da mandala; e embora às vezes isso seja traduzido como “de um estado de vacuidade, surjo como esta ou aquela divindade”, essa é uma tradução enganosa. Embora o próprio texto tibetano pareça dizer isso, a frase original em sânscrito que os tibetanos traduziram significa “do gosto da vacuidade” – portanto, mantendo o gosto da vacuidade, nossa mente gera essas aparências. Não é como se a aparência da deidade estivesse sentada na vacuidade e surgindo. As aparências puras dessas figuras guardam o sabor da vacuidade: em outras palavras, implicitamente, sem que a vacuidade apareça, nossa mente as faz surgir com o gosto da vacuidade. Isso é o que as palavras realmente significam, se voltarmos ao sânscrito original. Isso é chamado de vacuidade ilusória. Como nossas mentes ainda são limitadas, elas geram essas aparências puras como se elas tivessem uma existência autoestabelecida, mas elas ainda têm esse sabor de vacuidade que a mente estava gerando e a compreensão que havia imediatamente antes. Assim, implicitamente sabemos que são como uma ilusão.

Ganhando a Confiança de que Podemos Ter Como Principal Interesse Fazer Com Que Nossas Mentes Gerem Aparências Puras de Figuras Búdicas e Sua Vacuidade

Podemos confiar que nosso principal interesse é fazer com que a mente dê origem a aparências puras de figuras búdicas e mandalas, pois os fatores da natureza búdica imputados em nosso contínuo mental têm um aspecto de nossa ainda-não-acontecendo iluminação – o ainda-não-acontecendo resultado na forma das figuras búdicas, que esses fatores da natureza búdica podem originar quando todas as causas e condições estiverem completas. E é válido imputar nosso “eu” convencional a esses aspectos, ao mesmo tempo em que percebemos o ainda não-acontecimento deles.

Tomemos o exemplo de uma semente de flor. Uma semente de flor tem um aspecto que pode dar origem à uma ainda-não-acontecendo flor, quando todas as causas e condições estiverem completas: quando for plantada no solo, com água e luz solar. Essa flor é o resultado que ainda-não-está-acontecendo no momento da semente, mas podemos imputar que ele pode acontecer, e podemos chamar a semente de semente de flor enquanto percebemos que a flor da semente de flor ainda não está acontecendo. Mas ainda assim ela é uma semente de flor – é válido chamá-la de semente de flor.

O mesmo acontece em termos de nossos fatores de natureza búdica – esses fatores referem-se principalmente às nossas redes de força positiva e consciência profunda. Essas duas coisas, junto com a vacuidade da mente, permitem que a iluminação aconteça como resultado. As duas redes podem dar origem ao seu resultado, a saber, os corpos iluminados e a mente iluminada de um buda, por causa da vacuidade da mente, da vacuidade das duas redes e da vacuidade de causa e efeito. Entendemos que a vacuidade da existência autoestabelecida significa o surgimento dependente. Podemos então confiar que fazer com que nossas mentes gerem as aparências dessas figuras búdicas e fazer as meditações apropriadas com elas será um método muito mais eficiente para alcançarmos a iluminação do que apenas fazer com que nossas mentes gerem aparências de nossas formas comuns.

Resumo

Resumindo, falamos sobre a determinação de sermos livre, em que desviamos nossa atenção principal de certas coisas que estão produzindo problemas ou limitações e temos como interesse principal outra coisa, que será muito mais benéfica:

  • Deixamos de pensar apenas no benefício de curto prazo nesta vida para pensar no benefício de longo prazo nesta vida.
  • Deixamos de pensar apenas nas coisas agradáveis desta vida para pensar em melhorar as vidas futuras.
  • Deixamos de focar apenas em continuar a ter vidas futuras maravilhosas e agradáveis – em obter vidas samsáricas – para alcançar a liberação.
  • Deixamos de estimar egoisticamente apenas a nós mesmos e passamos a estimar os outros.
  • Passamos do apego à existência autoestabelecida para a vacuidade, para “não existe tal coisa”.
  • Deixamos de gerar aparências comuns e nos apegarmos a elas e à aparência de existência autoestabelecida delas, para fazer com que nossas mentes gerem aparências puras enquanto compreendemos sua vacuidade.

Para cada um desses níveis, analisamos de acordo com um conjunto de variáveis:

  • Identificamos corretamente o objeto do qual estamos determinados a ser livres, sem refutá-lo demais ou de menos, portanto, identificamos o que seria uma refutação excessiva ou insuficiente.
  • Identificamos a causa do apego ao objeto e as desvantagens desse apego.
  • Identificamos de forma clara e correta o que almejamos, sem super ou subestimá-lo.
  • Afirmamos os benefícios de conseguir isso.
  • Esclarecemos o que vamos fazer com isso uma vez que o tenhamos conseguido.
  • Identificamos e compreendemos corretamente o método para nos livrar daquilo a que nos apegamos e para conquistar o que almejamos, ou seja, o método para alcançar essa liberdade.
  • Ganhamos confiança de que o método funcionará e de que podemos ter sucesso em alcançar o objetivo se o aplicarmos.

Isso nos dá um formato muito útil para trabalhar nos vários estágios do caminho para a liberação e a iluminação.

Agora temos tempo para algumas perguntas finais.

Perguntas

Se eu tiver condições muito confortáveis agora nesta vida, isso pode me impedir de renunciar a condições confortáveis nas próximas vidas também. Então talvez se eu me colocar em condições desconfortáveis nesta vida, será mais fácil renunciar nas próximas vidas também e renunciar ao samsara em geral. Então, de certa forma, quanto pior, melhor?

Se tivermos uma situação muito confortável podemos naturalmente ser muito complacentes quanto a isso, e pensar: “Ah, que maravilha, vou sentar e aproveitar” ou podemos aproveitar o fato de termos excelentes condições para usar isso como uma base para ajudar mais os outros. Não estamos renunciando ao nosso conforto, estamos renunciando ao nosso apego a ele. Não é que precisemos nos causar sofrimento de propósito para poder renunciar ao sofrimento. Se formos suficientemente sensíveis, detectaremos o sofrimento de qualquer maneira: o sofrimento de envelhecer, o sofrimento de adoecer e muitos outros tipos de sofrimento além de ser pobre, não ter um bom aparelho de televisão, etc.

No entanto, é importante estar ciente do sofrimento dos outros. Quer façamos isso em termos de pessoas em situações difíceis nesta vida que estão ao nosso redor, ou pensando no sofrimento dos infernos e assim por diante, precisamos fazer isso para abrir nossos corações. Não temos que vivenciar um inferno para pensar no sofrimento dos infernos e desenvolver compaixão por aqueles que o vivenciam. Mas é muito difícil fazer isso com sinceridade, imaginar-se realmente queimando no inferno, ou mesmo sendo queimado vivo como um ser humano, imaginar como seria isso. Mesmo assim, tentamos.

Em suma, precisamos tomar cuidado para não nos sentirmos culpados por estarmos confortáveis, e sim usar nossa situação confortável, se a tivermos, para ajudar mais os outros.

Existem novos contínuos mentais que nascem ou aparecem?

Os contínuos mentais não têm começo e, portanto, não há novos sendo criados. O número de contínuos mentais é incontável, mas isso não significa que eles sejam infinitos em número – são finitos. Se houvesse novos contínuos mentais, teríamos que perguntar de onde eles vêm, e quais são as circunstâncias, causas e condições que estaria dando origem a eles. Há muitas contradições aqui.

Normalmente os textos dividem o amor e a compaixão em duas coisas diferentes, mas quando se fala em amor, quando desejamos felicidade aos outros, que tipo de felicidade devemos desejar? Se desejarmos apenas a felicidade comum, bom a felicidade comum é um tipo de sofrimento. Neste caso, qual seria a razão para diferenciar amor e compaixão?

Quando damos amor aos outros, quando desejamos que sejam felizes, é claro que existem estágios da felicidade que desejamos. Claro, se estão infelizes, é melhor que sejam felizes, mesmo que seja uma felicidade comum. “Que todos os seres tenham a felicidade que lhes proporcionará as condições propícias para que alcancem a iluminação.” Isso é amor incomensurável. E há uma alegria imensurável, no sentido Mahayana: “Que eles tenham a felicidade da iluminação que nunca declina”.

Portanto, há estágios na felicidade que desejamos. E compaixão é “que eles se livrem do sofrimento”. Isso é tirar algo, estar livre de algo; e o amor é obter algo, a felicidade. No entanto, não queremos que os outros tenham apenas a felicidade comum; esse não é o objetivo final. Mas com essa felicidade comum, queremos que eles possam trabalhar ainda mais e alcançar a felicidade que não declina do estado de Buda – alegria incomensurável.

Quando ouço a palavra “mérito” nos ensinamentos, eles dizem que se acumularmos mérito suficiente, teremos boas circunstâncias e tudo será muito tranquilo. Mas quando estou trabalhando para ajudar os outros, não posso deixar de sentir: “Estou no barco agora e estou ganhando mais boas circunstâncias, mais boas oportunidades, pois estou criando mérito ao fazer todas essas práticas. E há outros que ainda estão se afogando no oceano do samsara.”

Se o problema é que você se sente culpado por ter acumulado alguma força positiva, bem, você tem que analisar: o que há de errado em gerar força positiva? E por trás disso, qual é a visão que tem de si, que talvez lhe faça pensar que não merece ter essa força positiva? Em outras palavras, baixa autoestima.

Precisamos perceber que não existe uma base para a baixa autoestima. Todos nós temos esses fatores da natureza búdica, acumulamos alguma força positiva; caso contrário, nunca teríamos nos sentido felizes, em nenhum momento da vida. Portanto, temos alguma força positiva. Há também alguma consciência profunda. Conseguimos entender alguma coisa, conseguimos entender a linguagem, portanto temos os fatores que nos permitem obter a iluminação. Portanto, não há razão para termos baixa autoconfiança; não há razão para termos baixa autoestima. Ao acumular mais força positiva, tudo o que estamos fazendo é fortalecer o que já temos. Talvez tenhamos sido doutrinados com “eu não mereço ser feliz” ou “ninguém merece ser feliz”, mas então precisamos analisar: isso faz sentido? De um ponto de vista puramente budista, isso não faz sentido.

Este é um princípio budista básico: todos merecem igualmente ser felizes, então não há razão para se sentir mal por gerar causas para ter felicidade.

É possível desenvolver esses seis níveis de renúncia ao mesmo tempo, ou eles devem ser sequenciais e obtidos sequencialmente nesta vida ou em diferentes vidas?

Quando trabalhamos inicialmente com esses níveis, os desenvolvemos em sequência, pois cada um é construído sobre a base dos anteriores, assim como fizemos com o lam-rim: primeiro o nível inicial, depois o nível intermediário, depois o nível avançado, cada um repousando sobre o nível anterior e o incluindo. Mas depois, quando desenvolvemos familiaridade a longo prazo com eles, precisamos conseguir ter todos os seis tipos de renúncia ao mesmo tempo.

Meu professor Serkong Rinpoche costumava dizer: “Você deve ser capaz de ter todos os pontos do lam-rim simultaneamente, no tempo que leva entre colocar o primeiro pé no estribo da sela e o segundo do outro lado do cavalo”. Portanto, precisamos de muita familiaridade para conseguir fazer isso. Precisamos de repetição, e isso significa meditação.

Acho que esse é um bom ponto para terminar, meditação.

Dedicação

Pensamos que qualquer força positiva, qualquer compreensão que tenha vindo de tudo isso, que ela se aprofunde cada vez mais e aja como uma causa para que todos alcancem o estado iluminado de um Buda para o benefício de todos nós. Obrigada.

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