Desenvolvendo um Ideal de Bodhichitta

Revisão

Vamos estabelecer a motivação adequada para ouvir esses ensinamentos, ou seja, um coração de bodhichitta, dedicado a ajudar os outros e a alcançar a iluminação para conseguir ajudar melhor. Esses ensinamentos foram apresentados de acordo com os três níveis de motivação. No nível inicial, a principal coisa que o Buda sinalizou é que precisamos seguir a estrita autodisciplina ética de evitar os dez tipos de ações destrutivas e de tentar sempre ser construtivo, de todas as maneiras. Fazemos isso para evitar um estado de renascimento pior. No segundo nível, olhamos para a autodisciplina ética de manter os vários conjuntos de votos de restrições para atingir a liberação individual - os votos de pratimoksha. Mantemos essa autodisciplina ética mais elevada como base para desenvolvermos o treinamento em uma consciência discriminativa mais elevada. Afinal de contas, entendemos que, para desenvolver uma consciência discriminativa mais elevada, precisamos do treinamento em concentração absorvida mais elevada, e a base ou raiz dessa maior concentração absorvida é o treinamento em uma autodisciplina ética mais elevada. Portanto, manter a autodisciplina ética através do conjunto de votos de pratimoksha é a essência da prática no nível intermediário.

No terceiro nível, ou seja, no nível avançado, precisamos pensar que não somos os únicos nessa situação de querer ser feliz e não querer sofrer. Todos os demais seres estão na mesma situação. Portanto, não é suficiente que apenas nós nos libertemos de nossos problemas. Temos que trabalhar para ajudar todos os seres a também se libertarem de seus problemas. Para isso, precisamos alcançar um estado de iluminação. Portanto, temos que desenvolver um coração dedicado de bodhichitta, com o qual nos dedicamos aos outros e alcançamos a iluminação para poder beneficiá-los e aliviá-los de seus problemas e sofrimentos, tanto quanto possível. Essa é a essência da prática no nível avançado.

Os Dois Estágios de um Coração Dedicado de Bodhichitta

No que diz respeito à natureza de um coração dedicado de bodhichitta, há dois estágios: bodhichitta de aspiração e bodhichitta engajada. O simples desejo ou aspiração de ser capaz de alcançar a iluminação para poder ajudar a todos os seres é conhecido como um “coração dedicado que aspira” (bodhichitta de desejo). Quando realmente nos engajamos nas práticas que nos levarão a esse objetivo, isso é conhecido como um “coração engajado e dedicado” (bodhichitta envolvida). 

Há duas maneiras de nos treinarmos e nos esforçarmos para podermos dedicar nossos corações puramente ao estágio de aspiração. São elas: (1) o ensinamento quintessencial sobre causa e efeito em sete partes e (2) igualar e trocar nossas atitudes conosco e com os outros.

O Ensinamento Quintessencial sobre Causa e Efeito em Sete Partes Para Desenvolver um Coração Dedicado Que Aspira

O ensinamento quintessencial sobre causa e efeito em sete partes, para desenvolver um coração dedicado de bodhichitta, coloca a compaixão no meio e então considera o que resulta dela e as causas que podem gerá-la. Antes de conseguir desenvolver a grande compaixão, precisamos do amor reconfortante – que é o tipo de amor, ou desejo de que os outros sejam felizes, com o qual nos sentimos automaticamente próximos dos outros e os estimamos, com o qual nos preocupamos sinceramente com seu bem-estar e nos sentimos tristes quando algo lhes acontece.

No que diz respeito a como desenvolver esse amor reconfortante, não é algo para o qual tenhamos que fazer uma prática separada. Ele surge automaticamente quando temos as três atitudes que desenvolvemos antes, que são: (1) reconhecer a todos como tendo sido nossas mães, (2) lembrar da bondade do amor maternal e (3) sentir gratidão por essa bondade e desejar retribui-la.

Todos esses estados mentais positivos vêm de nos treinarmos para estarmos conscientes de que todos já foram, em algum momento, nossa mãe. Pensando bem, a pessoa que mais nos ajudou em toda nossa vida, mesmo considerando os nossos amigos, foi a nossa mãe. Quando éramos bebês minúsculos, nossa situação não era muito melhor do que a de um pequeno inseto. Não tínhamos capacidade de cuidar de nós mesmos. Nós não sabíamos como andar e não tínhamos dentes. O fato de termos sobrevivido a esse estágio indefeso se deve à bondade de nossa mãe, que cuidou de nós. Assim, para alguém que nos ajudou tanto, o mínimo que podemos fazer é tentar nos lembrar de sua bondade. Por exemplo, se estivéssemos gravemente doentes e um médico muito qualificado viesse e nos desse algum tratamento ou remédio especial que nos curasse e salvasse nossa vida, ficaríamos extremamente felizes e agradecidos. Pensando assim, quando éramos bebês, nossa mãe salvava nossa vida o tempo todo.

Dar comida, bebida, dinheiro ou posses para alguém foi muito bondoso conosco é uma maneira de retribuir, mas não é a melhor maneira.  Todas as pessoas já renasceram incontáveis vezes e, nessas várias vezes, certamente foram extremamente ricas e estiveram em situações muito prósperas, mas isso não as ajudou em nada. Porém, se pudéssemos superar e resolver todos os nossos problemas pessoais, ficarmos completamente livres deles, e atingir nosso potencial máximo, nos tornando um buda iluminado, aí sim teremos a capacidade de ajudar nossa mãe a sair de todos os seus problemas incontrolavelmente recorrentes e sofrimentos. Essa seria uma maneira realmente significativa de retribuir a bondade dela.

A maneira de iniciar esta linha de raciocínio, que nos leva a dedicar nosso coração à bodhichitta, é lembrando de nossa mãe e de como ela foi bondosa conosco. Tentamos recordar todas as coisas boas que ela fez por nós ao longo dos anos e depois pensamos que ela não foi bondosa conosco apenas nesta vida, mas também em incontáveis vidas passadas. E assim vamos ampliando aos poucos o escopo desse modo de pensar. Pensamos em nosso pai e em como ele também foi nossa mãe em alguma vida anterior. E depois ampliamos isso mais ainda e eventualmente pensamos em termos de nossos inimigos também. Pensamos nas pessoas que odiamos: elas também foram nossas mães em vidas passadas e foram muito bondosas conosco. Eventualmente, nós estendemos esse tipo de pensamento a todos os seres limitados, considerando que foram nossas mães e foram muito bondosos conosco no passado.

Desenvolvendo Equanimidade

É extremamente difícil gerar essa “consciência de nossas mães” como um hábito benéfico da mente. E o motivo é que nos falta equanimidade. Temos vários amigos e pessoas por quem nos apaixonamos e a quem somos apegados. Temos um sentimento muito forte em relação a essas pessoas, mas com muito apego. E há pessoas que nos incomodam e outras que não conseguimos suportar. Nós as consideramos nossos inimigos, e sentimos muita hostilidade e repulsa por elas. Portanto não somos equânimes. O tipo de equanimidade da qual estamos falando aqui, neste contexto, é a equanimidade com que cortamos qualquer pensamento de atração ou repulsa. Se pudermos desenvolver bem esse tipo de equanimidade, e com sinceridade, todas as outras atitudes virão com mais facilidade.

A maneira de desenvolver esse tipo de equanimidade é imaginando três pessoas à nossa frente: em primeiro lugar, alguém que nos ajudou muito, depois uma pessoa que nos prejudicou muito e, em seguida, uma terceira pessoa que nunca nos ajudou nem nos prejudicou, um estranho. Pensamos nessas três pessoas e observamos as atitudes e sentimentos que surgem. Para a pessoa que nos ajudou muito, o tipo de atitude que surge é de atração e apego, queremos ajudá-la também. A razão pela qual temos esses fortes sentimentos positivos em relação a essa pessoa, sentimentos de atração, é simplesmente porque ela foi bondosa conosco, nos ajudou. Mas essa não é uma razão estável. Embora ela tenha nos ajudado, e por isso a consideramos amiga e nos apegamos a ela, é bem possível que também possa nos ferir e nos causar grandes dores. Portanto, não podemos dizer que essa pessoa sempre vai nos ajudar.

Além disso, quando olhamos para o estado mental de desejo e apego, vemos que é um estado de fascínio, de paixão. Esse desejo apaixonado superestima a pessoa. É um estado mental muito perturbador. Por ser uma emoção perturbadora, nos leva a um renascimento pior, então, realmente há muitas desvantagens em se apaixonar por alguém. Pensando nesse sentido, tentamos não nos apegar. Por exemplo, existem certos tipos de espíritos canibais masculinos e femininos que são como sereias, no sentido de que aparecem em formas muito encantadoras e sedutoras. Eles podem se emanar em todos os tipos de formas milagrosas. Eles enganam as pessoas para que fiquem apaixonadas e atraídas por eles, e então, quando as pessoas se aproximam, eles voltam às suas formas reais e as engolem. Quando estamos muito apaixonados por alguém, que parece muito atraente, precisamos pensar no exemplo dos homens e mulheres sereia e como essas pessoas podem nos engolir. Assim, podemos tentar bloquear nosso fascínio e apego.

Se olharmos para a pessoa que não suportamos, veremos que a razão pela qual sentimos tanta hostilidade e repulsa pode ser porque ela nos prejudicou de alguma forma. Mas precisamos tentar nos livrar desse sentimento pensando que isso não significa necessariamente que ela sempre vai nos prejudicar. É bem possível que ela nos ajude muito no futuro. Além disso, precisamos considerar o fato de que talvez possamos superar a raiva e a hostilidade e desenvolver tolerância e paciência justamente por causa dessa pessoa. Talvez possamos nos aperfeiçoar na atitude de amplo alcance da paciência [perfeição da paciência] e, assim, desenvolvermos uma mente totalmente clara e nos tornarmos um Buda totalmente evoluído. Portanto, essa pessoa é realmente muito bondosa por nos dar a oportunidade de aperfeiçoar a atitude de amplo alcance da paciência.

Além disso, se diante de uma pessoa que nos deixa com raiva, conseguirmos permanecer tranquilos e ajudá-la, isso é realmente uma grande prática espiritual. Mas se sempre ficarmos zangados, nossa raiva e ódio nos levarão a um dos piores estados de renascimento. Por outro lado, se pudermos superar e eliminar a raiva e o ódio, então não haverá motivo algum para termos que renascer em um dos estados piores.

Algumas pessoas podem ter dúvidas e perguntas aqui. Nos reinos dos deuses, não existe raiva e ódio. Se esse é o caso, se os deuses nunca se zangam, como é que eles podem renascer nos piores estados de renascimento? Não há uma contradição aqui, porque quando olhamos para os estágios da prática, quando nossa raiva diminui e chegamos ao estágio chamado de estágio da paciência, nesse ponto, por não termos mais raiva alguma, nunca mais nascemos em um dos estados piores. Então, o que acontece? Qual é a diferença entre alguém que alcançou o estado mental da paciência, e consequentemente nunca terá que renascer em um dos reinos inferiores, e os deuses que não têm raiva alguma?

A resposta é que, no caso dos deuses, em seu estado particular de renascimento, eles realmente não têm mais nenhuma raiva ou ódio manifesto, mas eles não os eliminaram completamente. Portanto, esses sentimentos podem vir a surgir de novo e, assim, ele podem renascer mais uma vez em um dos reinos inferiores.

Se sentirmos uma profunda hostilidade, raiva ou ódio contra aqueles que nos prejudicaram, precisamos pensar que, se agirmos assim, não seremos diferentes de um escorpião ou de uma cobra. Com essas criaturas, tudo o que temos a fazer é cutucá-las com um pau e elas imediatamente atacam. Se formos rápidos em ficar com raiva e morder, então não somos diferentes de um escorpião ou de uma cobra. Portanto, temos que aprender a controlar e superar a raiva.

Quando olhamos para a terceira pessoa, a pessoa que é um estranho, que não nos ajudou nem nos prejudicou, a sensação que desenvolvemos é a de não nos importarmos com ela. Não sentimos vontade de ajudá-la nem de prejudicá-la; nossa vontade é apenas de ignorá-la. Isso também não é realista, porque na verdade é bem possível que essa pessoa possa nos ajudar muito no futuro. É só uma questão de tempo. E assim, não é certo ou justo permanecermos totalmente indiferentes a ela.

Pensando dessa maneira, desenvolveremos um sentimento de equanimidade em relação a todos os seres. Sejam amigos, inimigos ou estranhos, teremos o mesmo sentimento de desejar que sejam felizes e que não tenham nenhum problema ou sofrimento. Desenvolveremos um estado de equanimidade com o qual não teremos mais sentimentos de apego, hostilidade, raiva ou indiferença.

A maneira de começar esta prática é primeiro tentando eliminar os sentimentos de fascínio por aqueles que nos ajudaram e hostilidade por aqueles que nos prejudicaram. Tentamos ter uma atitude igual e imperturbável com todos, da mesma forma que teríamos com alguém que nunca fez nada de bom ou ruim para conosco. Depois, trabalhamos para superar os sentimentos de indiferença.

O Próximo Passo Nos Ensinamentos Quintessenciais sobre Causa e Efeito em Sete Partes

Depois de desenvolver essas três ou quatro atitudes baseadas sequencialmente uma na outra, o que segue é sentirmos um amor reconfortante para com todos. Isso é algo que não precisamos fazer práticas adicionais para desenvolver. É algo que surge indireta e automaticamente como resultado do treinamento anterior.

O próximo ponto é desenvolver a compaixão com a qual desejamos que todos estejam livres de seus problemas e dificuldades. Precisamos desenvolver um estado mental compassivo, que seja totalmente sincero, que não seja falso. Desenvolver tal compaixão é extremamente importante; é a base para sermos capazes de nos purificarmos totalmente e alcançarmos o mais alto estado de desenvolvimento. É a raiz e base para todos os vários veículos da mente, por isso é extremamente importante nos treinarmos para ter essa compaixão.

O grande mestre indiano Aryashura disse: “Todos os seres errantes estão cativos, presos às suas emoções e atitudes perturbadoras. Mas você, o Buda, tem o desejo de libertá-los de tudo isso. Na verdade, você cativou todos os seres com sua compaixão.” E depois ele levantou a questão: “A quem devo então me prostrar primeiro - à compaixão na mente do Buda ou a você, você mesmo, ó Buda?” No verso de saudação de seu “Suplemento aos (Versos Raiz sobre o) Caminho do Meio (de Nagarjuna)”, o grande Chandrakirti respondeu a essa pergunta: “Eu me prostro primeiro à grande compaixão, já que esta é a raiz de todas as coisas construtivas e positivas dos três veículos da mente.” Assim sendo, precisamos ouvir e estudar muito bem os textos referentes ao tópico da compaixão, e tentar praticar de acordo como que ensinam.

Essa é a tradição do ensinamento quintessencial sobre causa e efeito em sete partes. A seis primeiras partes são as causas e a parte final, um coração dedicado de bodichita, é o efeito, ou resultado.

Os Primeiros Passos para Equalizar e Trocar Nossas Atitudes em Relação a Nós Mesmos e aos Outros

A segunda tradição para desenvolver um coração dedicado de bodichita é equalizar e trocar nossas atitudes em relação a nós mesmos e aos outros. Esse método também começa com o desenvolvimento do estado de equanimidade e depois a consciência de que os outros foram nossas mães, lembrando de sua gentileza, sentindo gratidão e desejando retribuir essa bondade, conforme fizemos anteriormente. Todas essas fases, que vão até o amor reconfortante, são exatamente as mesmas, exceto pelo fato de que há uma maneira especial de lembrar da gentileza dos outros nesta tradição.

Na tradição anterior, nos lembramos da gentileza dos outros dentro do contexto de terem sido nossa mãe. Aqui, a gentileza dos outros é lembrada mesmo quando eles não foram nossas mães, porque, de fato, não há ninguém que seja mais gentil conosco do que os outros. Pensamos em como somos totalmente dependentes da gentileza de outros seres para as várias coisas que temos. Por exemplo, quando está frio e usamos um suéter de lã, de onde veio essa lã? Veio da ovelha. Sem ovelhas, não teríamos lã. É o mesmo quando, por exemplo, estamos doentes e fracos e comemos carne, essa carne vem dos animais. Vem da gentileza dos animais. O mesmo acontece quando gostamos de mel. O mel vem do trabalho de muitas abelhas: voar e coletar pólen é muito trabalhoso. Somos muito dependentes do trabalho dessas pequenas criaturas. É o mesmo com todos os outros produtos de origem animal que gostamos - leite e assim por diante.

Pensando assim, ficamos mais conscientes da gentileza para conosco de todas as criaturas ao nosso redor. Na verdade, não há gentileza maior do que essa. Pense em um inimigo, alguém que não consegue suportar. Essa pessoa nos dá a oportunidade de desenvolver paciência e tolerância. Ao desenvolvermos essa atitude tão ampla de paciência e tolerância, podemos desenvolver uma mente totalmente clara e nos tornarmos um buda iluminado. Então, de fato, essa pessoa a quem não conseguimos suportar e a quem consideramos nossa inimiga é extremamente gentil por nos oferecer oportunidades tão grandes de desenvolvimento.

Para desenvolver paciência e tolerância, precisamos ter alguém que nos incomode, alguém que não consigamos suportar. É somente com essa pessoa que podemos desenvolver paciência. Paciência não é algo que desenvolvemos com os budas ou bodhisattvas; mas com um inimigo, alguém que odiamos. Portanto, essas pessoas são muito gentis por nos oferecerem uma oportunidade de nos desenvolvermos e atingirmos a iluminação. Veja minha própria situação como um refugiado tibetano. Perdemos nosso país para pessoas que consideramos nossos inimigos. Por isso, nos aventuramos nesta parte do mundo. Pudemos viajar e conhecer países muito bons como este e encontrar com todos vocês. Isso tudo se deve à gentileza de nossos inimigos.

Se pensarmos dessa maneira, quando olharmos para tudo o que os seres limitados fizeram por nós, perceberemos que foram extremamente gentis. Quando comparamos a gentileza de todos os seres limitados com a gentileza dos budas, todos são, de fato, igualmente gentis. Isso foi atestado pelo grande Shantideva. Pensando assim, desenvolvemos um estado de espírito com o qual apreciamos os outros e ficamos muito chateados se algo der errado com eles. Isto é conhecido como “amor reconfortante”, a atitude de estimar os outros e ficar chateado quando algo dá errado com eles.

Uma vez, um grande mestre da tradição Kadam perguntou ao seu discípulo sobre o que ele meditava - em outras palavras, o que ele sempre tentou gerar como um bom hábito mental. O discípulo respondeu: “Eu sempre procuro gerar amor como um bom hábito mental. É nisso que eu medito o tempo todo.” Então o mestre tirou o chapéu em um sinal de respeito e disse: “Você realmente está fazendo a prática mais excelente”.

Equalizando Nossa Atitude Conosco e Com os Outros

Agora, além disso, precisamos equalizar nossa atitude conosco e com os outros. Se nos analisarmos honestamente, veremos que todos estamos em uma situação em que somos extremamente egoístas - nos prezamos muito e ignoramos os outros. Além disso, temos favoritismos; nós temos os nossos favoritos. Nos sentimos muito próximos de alguns seres e de outros nos sentimos muito distantes. Àquelas pessoas que nos ajudaram e, portanto, de quem gostamos, nos sentimos próximos e queremos ajudar. Mas há pessoas que não fizeram nada por nós e então nos sentimos distantes delas. Nem sequer passa por nossa cabeça tentar fazer alguma coisa por elas. O que queremos aqui é desenvolver um segundo tipo de equanimidade - a equanimidade com a qual não temos favoritos.

Para desenvolver este tipo de equanimidade, pensamos primeiro em como todos os seres - todos mesmo - foram igualmente gentis conosco em várias situações diferentes. No passado, tivemos que confiar no apoio dos outros seres para várias coisas, e no futuro também teremos.

Quando pensamos que os outros seres foram igualmente gentis conosco e nos ajudaram em tantas situações diferentes, um pensamento pode vir à nossa mente: “Mas nem todos nos ajudaram o tempo todo. Às vezes, foram muito desagradáveis e nos feriram. E agora?” Bem, o que precisamos fazer, se pensarmos assim, é lembrar que todos os seres foram nossos inimigos e nos feriram em algumas ocasiões. Mas a quantidade de vezes que nos ajudaram superou em muito qualquer pequeno dano ou aborrecimento que nos geraram. Portanto, precisamos pensar no quanto os outros seres já nos beneficiaram e, particularmente, no quanto os nossos inimigos já nos beneficiaram. Faça orações para equalizar sua atitude consigo e com os outros.

O próximo ponto a considerar é a impermanência. Nenhuma situação permanece estática. Se tivéssemos um inimigo e ele fosse ser executado à noite, feri-lo de manhã seria um absurdo. Não haveria motivo para tanto, já que ele iria morrer à noite. Da mesma forma, se nós fossemos morrer à noite, não valeria a pena ferir pessoas pela manhã. Se pensarmos assim sobre a morte e a impermanência, isso também nos ajudará a superar sentimentos de hostilidade e falta de equanimidade.

Além disso, assim como nós queremos ser felizes, o mesmo acontece com todos os seres. Ninguém gosta de ser infeliz ou de ter problemas e sofrimento. Isso é algo em que precisamos pensar muito. Se fôssemos um médico e tivéssemos dez pacientes desesperadamente doentes, com a mesma doença, seria absolutamente impróprio tratar apenas um ou dois e esquecer os demais. Todos os dez pacientes têm o mesmo direito de serem tratados; não haveria espaço para qualquer tipo de favoritismo por parte do médico. Da mesma forma, precisamos tentar desenvolver o mesmo tipo de atitude com relação a querer ajudar e beneficiar a todos, sem qualquer favoritismo. O exemplo do médico com dez pacientes é muito útil para desenvolver esse tipo de atitude.

Da mesma forma, se dez pessoas famintas e sedentas vêm à nossa porta, todas as dez têm o mesmo sofrimento, o mesmo problema de estar com fome e sede. Novamente, seria totalmente injusto e impróprio dar comida e bebida a apenas uma ou duas delas, e afastar as demais. Não é justo ter favoritos. Todos têm o mesmo direito, e é nosso dever ajudar a todos igualmente. Esses pontos estão implícitos em um verso de quatro linhas no Lama Chopa (Uma Cerimônia de Oferenda aos Mestres Espirituais, O Puja do Guru): “Inspire-nos a aumentar o conforto e a alegria dos outros, pensando que não há diferença entre eles e nós. Ninguém deseja nem mesmo o menor sofrimento, e nunca se contenta com a felicidade que tem”. Precisamos pensar nesses pontos quando recitarmos esse texto.

Além disso, se existissem as categorias verdadeiras de “amigos” e “inimigos”, o Buda teria visto os indivíduos à luz dessas categorias. Mas, ele nunca colocou os seres em categorias restritas e precisas de amigos ou inimigos. Se perguntarmos como o Buda conseguia olhar para todos os seres sem essas categorias, precisaremos considerar o exemplo do seu primo Devadatta.

Devadatta estava sempre tentando assassinar o Buda, arremessando pedras nele e assim por diante. Certa vez, um médico ofereceu uma dose muito alta de um remédio muito forte ao Buda. Devadatta, que estava sempre tentando competir com o primo, insistiu para que o médico lhe desse a mesma dose do mesmo remédio, ao que ele respondeu: "Isso não vai funcionar para você; você não tem a força corporal do Buda.” Mas Devadatta continuou insistindo e incomodando. Finalmente, o médico deu-lhe uma dose bastante grande e, claro, Devadatta ficou extremamente doente, em um estado terrível. Então o Buda foi até ele e, colocando a mão em sua cabeça, disse: “Entre você, que está sempre tentando me prejudicar, e meu filho Rahula, não tenho favorito. E pelo poder da verdade dessa afirmação, que você possa ser curado”. E Devadatta foi curado. Mas em vez de agradecer ao Buda, ele apenas olhou e resmungou: "Tire sua mão suja da minha cabeça!"

Com este exemplo, o Buda mostrou que nunca considerou seu filho como sendo o seu ente querido, como estando mais próximo a ele do que qualquer outra pessoa, ou os outros como estando mais distantes ou até mesmo sendo seus inimigos. Ele sempre teve uma atitude igual com todos, sem favoritos. Precisamos pensar como, com base nesse tipo de atitude, ele foi capaz de alcançar o potencial máximo e se tornar um ser iluminado, um buda.

Precisamos continuar, precisamos refletir sobre como parecemos sempre pensar em termos desses dois fatores: há pessoas que são nossos amigos e entes queridos, que sempre nos ajudam, e há pessoas que consideramos não prestar e não gostamos delas. Elas são nossos inimigos. Mas precisamos lembrar que, de fato, não há certeza de status na existência compulsiva. Este é um ponto que foi levantado quando estávamos nos treinando no nível intermediário de motivação - que não há certeza alguma nas situações incontrolavelmente recorrentes do samsara. Precisamos aplicar isso aqui para ver que realmente não existem essas categorias concretas e definitivas, onde algumas pessoas são amigas e outras inimigas.

Além disso, precisamos pensar que todos esses termos e categorias são relativos. Nós tendemos a pensar em categorias concretas, de "eu" e "outros", de "amigos" e "inimigos", como se essas categorias fossem estabelecidas e existissem por si só em algum lugar "lá fora". De fato, não existem categorias fixas estabelecidas e existentes por si só, com vários itens firmemente assentados nelas.

Considere o exemplo da montanha distante e da montanha próxima. Parece-nos que a montanha distante é algo que existe lá fora, na nossa frente, por si só, e que está vindo em nossa direção, como se realmente fosse a “montanha distante” que está ali. Se atravessássemos o vale e chegássemos na chamada montanha distante, ela não seria mais “a montanha distante”. A montanha onde estávamos antes é que agora seria “a montanha distante”. Da mesma forma, precisamos ver que todas as categorias, "amigo", "inimigo", "próximo", "distante" e assim por diante, são todos termos relativos. Nada existe nessas categorias inerentemente, por si só, como coisas concretas e definidas em algum lugar lá fora. Até mesmo as próprias categorias não existem dessas maneiras impossíveis.

Resumindo, até agora temos sido muito egoístas, nos preocupamos apenas conosco e não temos qualquer consideração pelos outros. O que precisamos fazer é equalizar nossas atitudes: não nos preocupar exclusivamente conosco e ter uma atitude igual em relação a todos.

As Desvantagens do Autocentramento

Agora, quando falamos em egoísmo, estamos falando de algo extremamente destrutivo. Dentre as várias doenças dos tempos modernos, o câncer, por exemplo, é considerado a mais terrível. Mas pior ainda é a doença do egoísmo. O egoísmo é pior porque nos valorizamos demais e queremos sempre ficar à frente dos outros. O resultado é que podemos acabar roubando, matando, cometendo todo tipo de ação destrutiva. E essas ações nos arruínam, não apenas agora, mas também em vidas futuras, levando-nos a estados piores de renascimento. Quando olhamos para os problemas e a desarmonia em outros grupos, famílias ou países, a base de tudo isso é o egoísmo. Uma vez que as pessoas são egoístas, preocupadas apenas consigo mesmas e com seus próprios pontos de vista, surge todo tipo de problema e discórdia.

Quando olhamos para a situação dos seres liberados, os Arhats, vemos que eles superaram todos os seus inimigos internos - os seus obscurecimentos emocionais - e alcançaram um estado muito elevado; isso é verdade. Mas eles não conseguiram alcançar o estado de iluminação. Eles não conseguiram superar os obscurecimentos cognitivos que impedem sua onisciência. A razão para isso é sua preocupação egocêntrica; eles só estão interessados em superar seus próprios problemas, e não em conhecer todos os métodos e detalhes que lhes permitiriam ajudar a libertar todos os demais seres. Da mesma forma, quando temos um político muito egoísta, que só se preocupa com seu próprio progresso, essa pessoa não é considerada muito boa por ninguém. Essas pessoas são consideradas apenas muito autocentradas e ambiciosas. É a mesma coisa quando temos um grupo de pessoas vivendo juntas. Digamos que cinco ou seis pessoas estejam vivendo juntas, e há uma pessoa no grupo que é extremamente autocentrada, que pensa apenas em fazer as coisas de que gosta, sem considerar as outras pessoas. Todos os demais naturalmente não gostarão dela.

É necessário, portanto, pensar sobre os pontos levantados no próximo verso do Puja do Guru e desenvolvê-los como um estado benéfico da mente: “Inspire-nos a ver que esta doença crônica do autocentramento é a causa que dá origem a nosso sofrimento não desejado, e, assim, considerando-o como aquilo a que se deve culpar, destruir esse monstruoso demônio do autocentramento”.

As Vantagens de Valorizar os Outros

Além disso, preocupar-se com os outros, a atitude de estimar os outros, é a base de todas as boas qualidades. O fato de termos renascido como seres humanos deve-se ao fato de termos dado valor aos outros, no sentido de que nos restringimos de matar outros seres. Fomos extremamente éticos em nossas ações para com os outros e, como resultado, renascemos como seres humanos. Isso veio de estimar os demais. O próprio Buda cuidou de todos os outros seres e, como resultado, desenvolveu uma mente totalmente clara e tornou-se um ser totalmente evoluído. Se existe um político em um país que se preocupa em cuidar do bem-estar de todos, todo mundo nesse país gosta dele. Se esse político morresse, as pessoas sentiriam uma grande perda e tristeza. Nesse exemplo, também podemos ver como uma atitude de estimar os outros é a raiz de todas as coisas boas, de tudo correr bem.

Isso é tratado no próximo verso do Guru Puja: “Inspire-nos a ver que a mente que valoriza nossas mães, e as asseguraria o êxtase, é um portal que nos conduz a infinitas virtudes, portanto, devemos valorizar os seres errantes mais do que a nossa própria vida, mesmo que pareçam ser nossos inimigos. ”

Novamente, como recitamos este Guru Puja com frequência, precisamos estar cientes do que estamos dizendo e tentar fazer disso (desses conselhos) um bom hábito mental.

Em suma, o Buda atingiu seu pleno potencial e se tornou um ser iluminado como resultado de cuidar dos outros. Nós, por outro lado, continuamos a ter todos os nossos problemas e sofrimentos porque somos autocentrados e cuidamos apenas de nós mesmos. Portanto, precisamos nos livrar do nosso autocentramento e começar a cuidar dos outros, ao invés de cuidarmos apenas de nós mesmos, pois não há outro caminho. A próxima estrofe de O Guru Puja lida com esse ponto: “Resumidamente, inspire-nos a desenvolver a mente que compreende a diferença entre as falhas dos seres infantis, escravizados por seus fins egoístas, e as virtudes dos Reis dos Sábios, que trabalham exclusivamente para o benefício dos outros. E assim, poderemos equalizar e trocar nossas atitudes em relação aos outros e a nós mesmos”.

Desta forma, consideramos todos os problemas e desvantagens de sermos autocentrados e ignorarmos os outros e todos os benefícios e vantagens de cuidar dos outros e ignorar as nossas preocupações egoístas.

Trocando as Atitudes que Temos Conosco e com os Outros

Com base no passo anterior, agora tomamos a firme resolução de trocar nossas atitudes: agora, ao invés de pensarmos apenas em nós mesmo, iremos pensar nos outros. E ao invés de ignorar os outros, iremos ignorar a nós mesmo. É isso que significa “trocar as atitudes que temos conosco e com os outros”

O próximo verso de O Guru Puja se refere a isso: “Uma vez que valorizarmos a nós mesmo é a porta para todo tipo de tormenta, e valorizar nossas mães é a base para tudo de bom, inpire-nos a fazer nos prática princial: o yoga de nos trocar pelos outros”.

Trocar as atitudes que temos conosco e com os outros não significa pensar que agora eu sou você e você é eu. Não é assim tão simples. O que significa é trocar a atitude que temos conosco pela atitude que temos com os outros. Nós sempre fomos autocentrados e ignoramos os outros. Agora vamos inverter isso e ignorar nossas necessidades egoístas, deixando que nossa principal preocupação seja os outros. Essa é a raiz, o único método para se iluminar. Se você não quer se iluminar, isso é uma coisa; mas se quer, não há outra maneira senão trocar as atitudes que tem consigo e com os outros. É um pré-requisito necessário para desenvolver compaixão.

Os Passos Faltantes para Desenvolver um Coração Dedicado de Bodhichitta

O caminho para desenvolver a compaixão é olhar para os pobres insetos e criaturas ao nosso redor, pensando sobre os terríveis problemas que eles têm que enfrentar, e como deve ser terrível ser uma criatura assim. E nós temos o potencial para renascer assim. Então, precisamos pensar como seria horrível ser um pequeno inseto ou algo assim. Pensamos também em nossa mãe e como seria horrível se ela tivesse que renascer assim. Depois, estendemos esse pensamento contemplando o nosso pai, os nossos amigos, os nossos inimigos e todos os seres. Desta forma, desenvolvemos um sincero sentimento de compaixão - um desejo sincero de que todos nunca tenham quaisquer problemas ou sofrimentos.

Depois pensamos em como todo mundo quer ser feliz e não quer problemas, mas não sabe como evitá-los. Na verdade, as pessoas simplesmente se encontram em situações incontrolavelmente recorrentes, cheias de problemas e infelicidade. Nós desenvolvemos não apenas um sentimento sincero de compaixão por elas, mas também de amor - o desejo de que sejam felizes - e uma resolução excepcional - o desejo de sermos capazes de conduzir todos os seres ao mais pleno estado de felicidade e aliviá-los de todos os seus problemas e sofrimentos. Isso nos leva a desenvolver um coração dedicado de bodhichitta.

O que precisamos, na verdade, é desenvolver o seguinte sentimento ou atitude: “vou dedicar meu coração sinceramente aos outros e a alcançar um estado de iluminação, e não desistirei desse objetivo até que eu realmente alcance esse estado. Uma promessa forte como esta: "eu nunca vou desistir!", é conhecida como "coração que aspira empenhado e dedicado ". Isso é descrito no texto de Tsongkhapa:

(7) Assim como caí no oceano da existência compulsiva, todos os outros seres sencientes também caíram — eles foram minhas mães. Vendo isso, peço inspiração para gerar o supremo ideal de bodhichitta e tomar para mim a responsabilidade de liberar todos os seres sencientes.

As próximas estrofes entram no assunto de ter um coração engajado e dedicado, e isto eu discutirei esta tarde.

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