Kalachakra é uma prática complexa de meditação da mais alta classe do tantra, o anuttarayoga. Mais do simplesmente proporcionar um método profundo para superarmos os efeitos prejudiciais do karma compulsivo e atingirmos a iluminação para o benefício de todos, o Kalachakra inclui em sua literatura uma enciclopédia da antiga ciência hindu, que serve para todos, independente de crenças.
“Kalachakra” significa ciclos de tempo, sendo que o tempo é uma medida de mudança, tanto externa, no mundo e no universo, quanto interna, no corpo. Como tal, podemos medi-lo de diversas formas. Externamente, existem os ciclos das órbitas dos planetas, dos meses e das estações do ano, as fases da lua, as horas de um dia e assim por diante, sem falar nos ciclos históricos de períodos de paz e guerra. Internamente temos os ciclos dos períodos da vida (infância, juventude, idade adulta e velhice), o ciclo menstrual, o ciclo do sono e o circadiano, o respiratório e assim por diante. Podemos traçar um paralelo entre os ciclos externos e os internos. Assim como as estrelas, galáxias e universos passam por ciclos de formação, permanência, dissipação e extinção, seres humanos passam por ciclos de nascimento, vida adulta, velhice e morte, além do bardo, o período intermediário. E ainda, tanto os ciclos internos quanto os externos vêm se repetindo desde tempos sem início com o renascimento contínuo dos universos e da vida.
Nossa experiência desses ciclos internos e externos de tempo é moldada por nosso karma. O karma é o fator mental que nos leva compulsivamente a fazer, dizer ou pensar alguma coisa, e está baseado em falta de consciência e confusão sobre o efeito de nosso comportamento e sobre como nós, os outros e todas as coisas existem. De acordo com algumas explicações, o karma também inclui a energia compulsiva com a qual agimos e falamos e também a forma compulsiva de nossas ações e o som compulsivo de nossa voz. Como resultado de nosso comportamento kármico, vivenciamos o ciclo de renascimentos incontroláveis, sujeito aos efeitos devastadores dos ciclos internos e externos do tempo. E também, como resultado, experimentamos esses ciclos em conjunto com ainda outro ciclo, o da infelicidade e felicidade que nunca dura e nunca satisfaz. O Kalachakra acrescenta a essa descrição os ciclos dos ventos do karma, que são responsáveis pelas aparências (hologramas mentais) que nossa atividade mental faz surgir durante os ciclos de vigília, sonho, sono profundo e durante as ocasionais experiências de bem-aventurança do orgasmo.
Existe um terceiro ciclo de tempo conhecido como “Kalachakra alternativo”, composto por iniciações tântricas, dois estágios de prática e o atingimento do estado de Buda. Esse ciclo não é apenas uma alternativa ao Kalachakra interno e externo, ele é o antídoto à sua influência prejudicial. Se, com o passar dos anos, nossa energia, clareza mental e humor forem influenciados pelo clima, pela quantidade de sol, pelas mudanças hormonais, degenerações relacionadas à idade, e assim por diante, isso não só obstrui nossa capacidade de realizar nossos objetivos como também nos impede de ajudar os outros de forma eficiente.
O Kalachakra é único em vários sentidos. Como parte da apresentação dos ciclos externos de tempo, sua literatura fornece complexas fórmulas matemáticas para o cálculo da posição do sol, lua e planetas, a duração do dia no solstício de verão, o tempo de duração dos eclipses, o calendário lunar e os mapas astrológicos. Inclui até projetos com instruções para construção de dispositivos mecânicos para tempos de paz e de guerra. Nas instruções sobre os ciclos internos, ele descreve em detalhes o sistema energético sutil do corpo, como os chakras, os canais e as gotas, além de vários aspectos que foram integrados à medicina tibetana tradicional, e também a análise da fonética do Sânscrito.
A iniciação de Kalachakra e os dois estágios de prática também são únicos, com diversos aspectos diferentes dos outros anuttarayoga tantras. Mantendo o paralelo entre o Kalachakra interno e externos, a iniciação é dada em estágios que correspondem e reproduzem os estágios da vida. O palácio da mandala e o corpo da figura búdica tem as mesmas proporções do modelo do universo e do corpo humano. Devido à complexidade dos mundos internos e externos e à necessidade de purificação completa de ambos, a mandala contém mais figuras que quase todos os outros sistemas do tantra. Os vários grupos de figuras, entre as 722 que estão dentro e fora do palácio, correspondem a conjuntos como os números de dias e meses de um ano lunar, os signos do zodíaco, as principais constelações, o número de ossos e juntas de um corpo, assim como os sentidos, elementos e os fatores agregados do corpo e mente (skandhas). E ainda, os estágios finais da prática com o sistema energético sutil cria uma forma especial de acessar a mente de clara luz (o nível mais sutil de atividade mental) e um tipo especial de corpo sutil (sem forma) que serve como um protótipo para os corpos de forma de um buda (Nirmanakaya).
Conclusão
A prática de Kalachakra é extremamente avançada e sofisticada. Mesmo nos formatos menos complicados, com mandalas mais simples e menor quantidade de figuras, ainda assim é uma prática muito desafiadora. Todavia, com motivação adequada, preparação e esforço contínuo, é extremamente eficaz para atingirmos a iluminação para o benefício de todos os seres.
Ao contrário de outros tantras avançados, existe uma tradição de dar-se iniciação de Kalachakra a grandes grupos de pessoas, como forma de promover a harmonia e paz mundial. Sua Santidade o Dalai Lama deu sua primeira iniciação de Kalachakra em Lhasa, no Tibete, em 1954 e, desde então, aproximadamente dois milhões de pessoas participaram das iniciações que ele deu ao redor do mundo.