Breve Revisão
Em nossa última sessão, falamos sobre a morte, a impermanência e o sofrimento dos três reinos inferiores. Esses estados infelizes de renascimento são na forma de criaturas dos infernos, fantasmas famintos e animais. O sofrimento de cada um desses três estados de renascimento pode ser explicado extensivamente, mas não terminaríamos nunca se começássemos a discuti-lo agora.
Contudo, um ponto sobre o sofrimento dos três reinos inferiores é que não devemos pensar nele apenas como o sofrimento de uma pessoa lá fora. Deveríamos pensar em nossas próprias mortes e na possibilidade de renascermos nos reinos inferiores e experimentarmos pessoalmente esse sofrimento. Isso gera muita apreensão e medo de experimentar esse tipo de vida. É esse estado de apreensão e medo que nos serve como causa; e tendo em mente essa apreensão e medo, nos motivamos a buscar algum tipo de proteção ou refúgio que possa nos oferecer uma direção segura a seguir.
Refúgio no Buda
Na última sessão também discutimos os tipos de objetos nos quais poderíamos buscar refúgio e que poderiam nos oferecer uma direção segura. Isto introduziu as Três Joias de Refúgio e as razões para termos certeza e confiança de que são as fontes corretas de refúgio.
Por que esses três objetos são adequados para nos refugiarmos? Em primeiro lugar, em relação aos budas, eles estão livres do medo. Se não estivessem livres de todo o medo, não seriam capazes de proteger ninguém do medo. Em segundo lugar, eles são perfeitamente hábeis em métodos para libertar os outros dos seus próprios medos. Vejamos alguns exemplos dos sutras.
Meios Hábeis em Relação à Raiva
Era uma vez um serial killer chamado Angulimala, que significa literalmente “o homem com um rosário de polegares”. Angulimala confiou em um guru enganador, que o instruiu a coletar um rosário de 1.000 polegares humanos. Esse guru disse-lhe para matar pessoas, cortar-lhes os polegares e fazer um rosário com eles. Angulimala conseguiu juntar 999 polegares, fazendo com que a população local fugisse aterrorizada de suas aldeias. Mas ele não conseguiu encontrar ninguém para matar e conseguir seu último polegar, então pensou em ir buscar o de sua própria mãe.
Justamente nessa hora, o Buda apareceu e, quando Angulimala o viu, pensou: “Tudo bem, vou poupar minha mãe e pegar o polegar do Buda”. O Buda parecia estar andando muito devagar, mas por mais rápido que Angulimala tentasse correr atrás, não conseguia alcançá-lo. Finalmente, Angulimala pediu ao Buda que parasse para que pudesse alcançá-lo, mas este respondeu que já estava indo muito devagar. “Por que você não consegue me pegar? Estou apenas andando, muito devagar”. Eventualmente, Angulimala percebeu que era impossível alcançar o Buda e satisfazer sua raiva, e então eles puderam se encontrar. O Buda começou a ensinar-lhe o Dharma e, como resultado, Angulimala aprendeu, mudou seus hábitos e finalmente conseguiu obter a compreensão da vacuidade.
Meios Hábeis em Relação à Ignorância e à Estupidez
Outro relato conta a história de um monge que era extremamente burro e incapaz de memorizar qualquer coisa. Mesmo que tentasse por um mês inteiro, não conseguia memorizar uma palavra sequer. O Buda ensinou-lhe uma frase simples: “sujeira vai embora; poeira vai embora.” O monge tentou memorizar essas duas linhas e novamente, mesmo depois de um mês inteiro, não conseguiu lembrar-se delas. O Buda então o instruiu a engraxar os sapatos dos outros monges. Isso ele sabia fazer, então engraxou os sapatos dos monges.
Desanimado, ele foi até o Buda e disse: “Sou tão burro. Não sei nada e não consigo aprender nada. Não tenho habilidades ou qualidades.” O Buda respondeu: “Tudo bem, não se preocupe. Alguém que diz que não sabe nada é muito melhor do que alguém que anda por aí se vangloriando de saber tudo. Se você admite que não sabe alguma coisa, torna-se possível aprender. No entanto, se você afirma que já sabe, se tem muito orgulho, nunca poderá aprender nada.”
Então, o homem engraxou os sapatos dos monges e, no processo, conseguiu remover alguns dos obscurecimentos que turvavam sua mente. Eventualmente, foi capaz de lembrar as duas frases que o Buda lhe disse para memorizar.
Depois, o Buda deu-lhe a tarefa de varrer o templo. Essa tarefa tornou-se muito difícil e, na verdade, foi o Buda que fez com que isso acontecesse. Sempre que o monge terminava de varrer a poeira de um lado do templo e ia para o outro, o lado que acabara de varrer ficava novamente sujo. Ele ia de um lado para o outro no templo e a poeira continuava a se acumular. Enquanto isso acontecia, o homem recitava as duas frases que o Buda lhe havia dado: “sujeira vá embora, poeira vá embora”. Eventualmente, ao repetir tantas vezes essas frases, ele percebeu que a sujeira e a poeira não eram algo externo. Ele percebeu que eram coisas internas em sua mente, das quais deveria se livrar. Assim, finalmente, foi capaz de obter a cognição não-conceitual da vacuidade e alcançar o estado de um arhat, um ser liberado.
Quando estivermos varrendo, podemos usar isso como um método para eliminar a sujeira e a poeira que sujam nossas mentes. Além disso, quando varremos ou limpamos um cômodo, quando juntamos toda a sujeira e poeira, antes de jogá-la fora, devemos primeiro elevar a natureza da sujeira e da poeira recitando “om ah hum”, e em nossas mentes as transformar em néctar. Então, quando as jogarmos fora, imaginamos que as estamos descartando na boca do Senhor da Morte. Já vimos várias fotos mostrando a aparência do Senhor da Morte, então devemos imaginar que ele está com a boca bem aberta e estamos jogando a transformação elevada dessa sujeira e poeira, desse néctar, em sua boca para satisfazê-lo. Isso funciona como um método para purificar e eliminar nossas negatividades, máculas e impurezas. Além disso, satisfazer o Senhor da Morte nos ajuda a ter uma vida longa.
Meios Hábeis para Lidar com a Preguiça e a Distração
Outro exemplo dos métodos hábeis do Buda é a história um velho chefe de família de 80 anos. Por ele estar muito velho e ser inútil, sua família o expulsou de casa. Ele procurou todos os shravakas – uma certa classe de discípulos – da comitiva do Buda e pediu para ser ordenado monge. Nenhum deles quis ordená-lo, dizendo que por ser muito velho, seria incapaz de aprender e adquirir várias qualidades e habilidades. Ninguém quis lhe ordenar; entretanto, quando o Buda chegou, disse: “Eu farei de você um monge. Eu irei lhe ordenar.”
Depois de ordená-lo, o Buda designou Maudgalyayana para ser seu professor. Maudgalyayana tinha poderes extra-sensoriais para ver muito longe e, na costa de um oceano distante, viu os ossos de um grande monstro marinho, talvez uma baleia ou algo parecido. Maudgalyayana também tinha poderes extrafísicos para conseguir viajar para onde quisesse, e levou o velho até a pilha de ossos. Ele disse ao velho que eram os ossos da baleia que ele era em sua vida anterior. E este perguntou: “Qual foi o potencial cármico que me fez renascer como esta baleia?”
Maudgalyayana explicou o seguinte. “Muitas vidas atrás, você era o rei de um determinado país onde, não importava que tipo de crime alguém cometesse, não podia ser executado. Esse rei não acreditava na pena capital. Certo dia, ele estava jogando uma espécie de jogo de tabuleiro semelhante ao xadrez e um de seus agentes penitenciários apareceu com um documento para ele assinar dando permissão para que determinado criminoso fosse executado. O rei estava tão absorto em seu jogo que não prestou muita atenção e apenas assinou. Depois do jogo terminado, quando perguntou o que havia assinado, já haviam executado o criminoso. Essa ação destrutiva – permitir que uma pessoa fosse executada só porque sua mente estava distraída e absorta em um jogo – serviu de causa para ela renascer como uma baleia.
Depois de ouvir esta história, o velho desenvolveu um forte sentimento de renúncia. A partir de então, passou a prestar estrita atenção aos ensinamentos, sem preguiça de ouvi-los e, durante sua vida, conseguiu obter a realização da vacuidade e alcançar o estado de arhat.
O Buda também disse, sobre esse mesmo velho, que numa vida passada muito remota ele tinha sido uma mosca. Como mosca, pousou em um pedaço de cocô de burro e, quando as fortes chuvas das monções chegaram, foi carregado nesse cocô ao redor de uma estupa em uma corredeira de água da chuva. Nessa vida anterior como mosca, ele circundou uma estupa enquanto estava pousado no cocô de burro durante uma grande tempestade. Essa era uma raiz muito sutil de potencial cármico positivo, e somente o Buda tinha consciência dela. E foi porque estava ciente desta raiz de potencial positivo que lhe deu a ordenação, e esse velho foi capaz de atingir o estado de arhat.
Podemos ver que se caminharmos em volta das estupas, em Bodhgaya ou no Nepal, com nossas intenções como humanos, muito mais potencial positivo pode ser criado. Em nossa casa ou onde quer que estejamos, se colocarmos uma representação do Buda – uma estátua ou pintura do Buda e imaginarmos que todos os budas estão presentes ali – e a circumambularmos, isso também traz grande benefício.
Tudo isso ilustra como o Buda era hábil nos diferentes métodos para beneficiar os outros.
Meios Hábeis para Lidar com o Desejo
Tivemos agora ilustrações de como o Buda ajudou pessoas que eram muito pouco inteligentes, com o exemplo do velho monge distraído, e também o de como ele ajudou Angulimala, o homem com o rosário de 999 polegares humanos, que tinha extrema raiva. A seguir veremos um exemplo de como o Buda conseguiu ajudar alguém que tinha um desejo extremo, seu meio-irmão, Nanda.
Nanda era casado com uma rainha, Janapada Kalyani, que era extremamente bonita. Ele era tão apegado a ela que nunca saía do palácio ou se envolvia em qualquer atividade do Dharma. Ele só queria estar com sua linda esposa. Para ajudá-lo com isso, o Buda deixou Shravasti, um lugar onde costumava ficar, e voltou para o palácio. Mas, em vez de entrar, permaneceu no hall de entrada. Nanda desceu com algumas iguarias deliciosas para lhe oferecer, mas ele não aceitou e virou-se para sair. Ele estava em um estado tão radiante e glorioso que Nanda foi atraído a segui-lo por todo o caminho de volta ao mosteiro.
Nanda permaneceu com Buda no mosteiro, depois de decidir ingressar na comunidade de monges, mas quando Ananda, assistente do Buda, tentou cortar seu cabelo, como é costume de todos os monges, Nanda relutou. O próprio Buda foi quem teve que cortar seu cabelo, e então ele permaneceu lá como monge. No entanto, Nanda ainda sentia muito desejo e apego por sua esposa que ficou no palácio, e foi fortemente atraído a retornar para ela.
Um dia, ele tentou deixar o mosteiro para voltar ao palácio e morar com sua esposa. O Buda, possuindo percepção extra-sensorial e poderes extrafísicos, previu isso. E enquanto Nanda se dirigia ao palácio, ele subiu a mesma estrada para encontrá-lo. Nanda tentou se esconder entre as árvores para que o Buda não o visse. A árvore estava curvada onde as folhas eram muito grossas, mas, quando o Buda veio, o galho da árvore subiu automaticamente. O Buda levou Nanda de volta ao mosteiro.
Nanda era um artista muito habilidoso e, de volta ao mosteiro, desenhou um retrato de sua esposa em um pedaço de ardósia. Na época, as pessoas tinham o costume de tocar a testa como uma saudação quando se encontravam, então ele começou a tocar a testa na imagem que havia desenhado na ardósia, ele era muito apegado a esposa.
Um dia, o Buda levou Nanda para um piquenique em um lugar onde havia muitos macacos. E perguntou a ele quem era mais bonito, a esposa dele ou os macacos? Nanda respondeu: “Esses macacos são apenas macacos, mas minha esposa é uma verdadeira beleza. Obviamente, minha esposa é mais bonita.” Então, o Buda levou Nanda para um dos reinos divinos. As donzelas celestiais nesse reino eram extremamente bonitas e o Buda perguntou-lhe novamente: “Quem é mais bonita, sua esposa ou estas donzelas celestiais?” Nanda respondeu: “Comparada a essas donzelas celestiais, minha esposa é como os macacos que comparamos a ela”. Isso funcionou como um meio de subjugar seu grande desejo pela esposa.
Usando vários métodos como este, o Buda conseguiu diminuir e domar o desejo de Nanda e, eventualmente, este foi capaz de alcançar o estado de um arhat. Mesmo no caso do desejo, o Buda oferece esses meios hábeis.
Este é o segundo ponto pelo qual o Buda é soberbamente qualificado como fonte de orientação e refúgio seguros. Apenas para repetir, a primeira qualificação é que o Buda está livre de todos os medos, e a segunda é que ele é habilidoso nos meios para libertar os outros dos seus medos.
O Buda Não Demonstra Parcialidade
O próximo ponto que explica por que o Buda é uma fonte confiável de direção segura é que ele não demonstra parcialidade em relação a ninguém. Ele não considera nenhum ser mais próximo e outro mais distante. Por exemplo, o primo do Buda, Devadatta, conspirava constantemente para matá-lo, mas quando estava muito doente e prestes a morrer, o Buda impôs-lhe as mãos e, pelo poder edificante das palavras da verdade que recitou, curou-o.
O Buda Ajuda a Todos
Outro aspecto dessa imparcialidade é que o Buda ajuda e beneficia os outros quer eles já o tenham ajudado ou não. No nosso caso, normalmente só ajudamos aqueles que nos ajudaram, mas o Buda não é assim.
Tomando Refúgio
Se buscarmos refúgio, deve ser em alguém que tenha essas qualidades. Para as Três Joias, todas as quatro qualidades estão completas. Deveríamos ter grande confiança de que esses objetos têm o poder de nos oferecer uma direção segura e nos proporcionar um refúgio.
O que se conhece como “tomar refúgio” é confiar completamente que essas Três Joias podem nos oferecer uma direção segura, por conta do nosso medo e apreensão – de que falamos anteriormente – e da crença confiante de que elas podem nos dar essa direção
Tomar refúgio é um tema extremamente extenso e algo sobre o qual poderíamos falar durante meses sem conseguir terminar. No que diz respeito aos benefícios de tomar refúgio, você deve buscar mais ensinamentos sobre isso no futuro. Estude especialmente as qualidades do corpo, fala e mente do Buda, a apresentação completa. Isto é algo muito benéfico para melhorar e aumentar a sua confiança nele. Sem consciência das qualidades dos objetos de refúgio, é difícil desenvolver uma crença confiante neles.
Uma vez, no Tibete, o sucessor do trono de Tsongkhapa foi convidado para ir a um determinado lugar. Esse detentor do trono de Ganden – literalmente: este que pertence ao trono de Ganden – é alguém que está numa posição (hierárquica) extremamente elevada, logo abaixo da de Sua Santidade o Dalai Lama. Onde quer que vá, alguém segura uma sombrinha de brocado dourado sobre ele. Quando chegou ao tal lugar, havia uma senhora idosa que se virou para a sombrinha dourada e disse: “Eu me refugio nesta sombrinha dourada que pertence ao trono de Ganden”. E em seguida: “E que monge querido está parado embaixo de você.” Este é um exemplo de como se refugiar na coisa errada. Refugiou-se na sombrinha e não na pessoa. Quando não conhecemos as qualidades do objeto de refúgio, podemos cometer erros.
Se houvesse um animal feroz vagando por nossa propriedade, todos ficaríamos com muito medo. Se ficássemos assustados por tempo suficiente, buscaríamos alguém com quem nos sentíssemos confiantes para nos proteger da fera. Precisaríamos de alguém corajoso e que tivesse a capacidade de nos proteger. Só nos sentiríamos tranquilos se nos confiássemos a alguém assim. Não pensaríamos em nos confiar a alguém que tivesse apenas um falso orgulho de ser capaz de nos proteger. O que está envolvido nesse caso é, em primeiro lugar, o medo da fera e, em segundo lugar, a confiança nessa pessoa para nos proteger. Se confiássemos na pessoa e disséssemos isso em voz alta, essas palavras de confiança deixariam nossa mente tranquila. Essa sensação de tranquilidade, que seria o resultado disso, é semelhante ao que sentimos depois de tomar refúgio.
Novamente, quando não sabemos quais são as qualidades das fontes de refúgio e qual é a atitude que necessitamos ter para nos confiar a elas, dizer: “Eu tomo refúgio”, apenas repetir estas palavras, não tem significado algum.
Ações Cármicas
Não basta simplesmente confiarmos nas Três Joias. O que realmente precisamos fazer é ter uma crença confiante nas leis cármicas de causa e efeito e então agir de acordo com elas. Analisemos, portanto, uma ação destrutiva, como tirar a vida de outro ser. Existem quatro fatores que precisam estar completos para que o resultado seja completo:
- Uma base
- Uma estrutura motivadora
- A implementação de um método para realizar a ação
- A conclusão.
Quando matamos uma ovelha, por exemplo, a ovelha é a base sobre a qual dirigimos a ação destrutiva. A estrutura motivadora tem dois aspectos. O primeiro é a intenção e o segundo é a emoção perturbadora. Podemos ser motivados pelo desejo, por exemplo, de comer a carne da ovelha. Com isso em mente, matamos o animal. Também podemos ser motivados por raiva ou hostilidade para matar as ovelhas do nosso inimigo, ou matá-las por ignorância e mente fechada. Algumas pessoas acreditam que se você abater e sacrificar um animal e depois oferecer sua carne como sacrifício de sangue a um deus, se tornará muito rico como resultado. Esse é um exemplo de matar por ignorância.
O próximo ponto envolvido é a implementação de um método para realizar a ação de matar as ovelhas. O ato de matar pode ser feito de forma severa ou delicada. Podemos matar a ovelha por asfixia por não querermos que ela sangre, por achar que isso estraga o sabor da carne. Sufocar a ovelha até a morte é uma maneira horrível de matá-la, uma maneira severa e horrível de matá-la. Poderíamos fazer isso de uma forma mais humana, aplicando uma injeção.
O último ponto é o que acontece no final da ação. Para a conclusão de uma ação, o final deve ser que a ovelha morra, e ela deve morrer antes de morrermos.
Estes são os quatro fatores envolvidos na concretização de uma ação como matar: uma base, uma estrutura motivadora, a implementação de um método para realizar a ação e concluí-la. Podemos aplicar isso a todas as dez ações destrutivas.
Resultados Cármicos
Existem diferentes tipos de resultados que decorrem do potencial cármico negativo gerado a partir das ações destrutivas:
- Em primeiro lugar, existe o resultado amadurecido. No caso de matar uma ovelha, o resultado amadurecido que se segue é o renascimento em um dos reinos inferiores.
- Há também o resultado que é semelhante à sua causa. Ele tem dois aspectos: (1) Existe um resultado que é semelhante à sua causa em termos do que experienciamos. Por exemplo, uma vida curta ou uma vida com muitas doenças, por ter matado. (2) Existe também um resultado que é semelhante à sua causa em termos do nosso comportamento instintivo – por exemplo, gostarmos instintivamente de criar e abater animais para o mercado de carne.
- Além disso, existe o resultado abrangente. Isto poderia significar, por exemplo, que desde a primeira infância, os alimentos disponíveis para nós onde vivemos serão muito fracos em termos nutricionais.
Se percebermos as desvantagens de matar e depois decidirmos nunca mais matar, muitas vantagens e benefícios virão. Ao passo que, se resolvermos apenas em uma única ocasião abster-nos de matar, haverá apenas um único benefício. Se decidirmos: “Nunca mais matarei enquanto viver”, com base nisso, os benefícios serão acumulados o tempo todo, até morrermos. Em outras palavras, quer estejamos acordados ou dormindo, essa resolução ainda está presente.
As Quatro Leis do Carma
A Certeza do Carma
Existem quatro leis do carma. A primeira é que as ações destrutivas resultam em sofrimento e as ações construtivas resultam em felicidade. Esse ponto é certo. É certo que é o sofrimento, e não a felicidade, que resulta das ações destrutivas, e é a felicidade, e não o sofrimento, que resulta das ações construtivas.
Por exemplo, entre os seguidores do Buda, havia um arya, ou nobre, chamado Katyayana, que era muito hábil em dominar e pacificar os outros e ajudar os que viviam em terras muito violentas. Cada um dos discípulos do Buda tinha uma especialidade e esta era a dele. Certa vez, Katyayana estava pedindo esmolas e foi à casa de um homem que matava animais. Perguntou ao homem: “Você é capaz de prometer e jurar que nunca mais matará?” E este respondeu: “Só posso prometer que não matarei à noite”.
Como resolveu não matar à noite, o homem renasceu num lugar muito lindo, agradável, e durante toda a noite, do pôr do sol ao nascer do sol, tudo era muito feliz, tranquilo e perfeito. Porém, assim que o sol nascia, durante todo o dia, todos os animais do distrito – ovelhas, iaques, gado, búfalos e assim por diante – vinham atacá-lo, causando-lhe muitos problemas.
Um monge descreveu a situação ao Buda e perguntou: “Qual foi a causa disso?” O Buda disse que foi o resultado de ele ter prometido não matar apenas à noite. Por isso, vivia muito feliz durante as noites; mas, por não ter se abstido durante o dia, teve todo esse sofrimento e problemas durante o dia. Esta é uma ilustração da certeza do carma.
Não Há Resultado Cármico sem Causa e, Se Você Cometer uma Ação Cármica, Não Será em Vão
O segundo ponto sobre o carma é que se não tivermos cometido uma determinada ação cármica, não obteremos o seu resultado. Vamos dar um exemplo para ajudar a entender o que isso significa. Há muito tempo atrás, havia um rei que tinha uma rainha. A rainha tinha uma acompanhante e as duas saíram para fazer um piquenique. Elas estavam na floresta e encontraram o ninho de um pássaro semelhante a uma codorna ou faisão. A rainha colocou fogo no ninho, o que matou os filhotes ainda não nascidos. A atendente não estava presente no momento em que a rainha acendeu o fogo pois tinha ido até o riacho buscar água.
Esta rainha nasceu de novo durante a época do Buda, tornou-se monja e alcançou o estado de arhat. Um dia, a casa onde ela morava pegou fogo. Embora fosse uma arhat e normalmente tivesse a habilidade de voar e realizar todo o tipo de feito extrafísico, não foi capaz de fazer nada durante o incêndio. E não conseguiu escapar. Isso porque ela tinha o que sobrou do potencial cármico negativo da vida anterior, quando colocou fogo no ninho. Como resultado, não conseguiu escapar do fogo e morreu queimada.
Na verdade, esse é um exemplo do terceiro ponto sobre o carma: se cometemos uma determinada ação cármica, haverá consequências. Teremos que nos encontrar com seus resultados. Mesmo que alcancemos o estado de arhat, ainda assim teremos que enfrentar as consequências cármicas de nossas ações anteriores.
Quanto ao segundo ponto, a serva também renasceu nessa época e esteve novamente com essa monja que se tornou arhat; porém, ela conseguiu escapar do fogo por um ralo, local por onde a água saía da casa. Esse é o exemplo de que se não cometemos uma determinada ação cármica, não encontramos seus resultados. Como ela não colocou fogo no ninho da codorna, não acumulou o potencial cármico negativo e, portanto, não encontrou o resultado cármico, que era queimar até a morte.
Aumento do Carma
O quarto ponto sobre o carma é que o potencial cármico aumenta. Podemos entender isso observando o crescimento das colheitas. Por exemplo, se plantarmos um pequeno grão de milho, obteremos um enorme pé de milho, com muitas espigas. Da mesma forma, se plantarmos o pequeno caroço de uma fruta, poderemos obter uma enorme árvore frutífera. Se fizermos prostrações corretamente, iremos gerar o potencial cármico positivo para renascermos como imperadores mundiais. Podemos acumular uma quantidade de potencial cármico positivo igual ao número de partículas de poeira sob nosso corpo quando ele está estendido no chão em total prostração.
Outro exemplo de como a partir de uma pequena ação obtemos um resultado muito grande é que certa vez alguém disse a um monge que sua voz era como a de um cachorro. O resultado foi que essa pessoa renasceu 500 vezes como cachorro. Outra ilustração disso é a do monge Shariputra. Ele era conhecido por sua sabedoria e inteligência, e isso foi resultado de uma vida anterior em que era um carteiro e entregava mensagens. Certa noite, ele parou em uma casa que tinha muitas pinturas de divindades nas paredes. Ele ficou lá durante toda a noite tentando consertar um buraco nos sapatos. Para isso, acendeu uma lâmpada para conseguir ver. Ao acender a lâmpada, ele pôde ver todas as pinturas de divindades penduradas na parede. Como resultado dessa ação, teve muita sabedoria em sua vida como Shariputra.
Da mesma forma, temos o exemplo de um grande Geshe Kadampa no Tibete. No início de sua vida, ele era extremamente pobre e morava nas montanhas. Como não tinha dinheiro para comprar incenso, fez seu próprio incenso pegando grama e enrolando-a para queimar como oferenda. Como resultado do potencial cármico positivo construído com isso, no final de sua vida foi capaz de fazer oferendas muito extensas, como acender bastões de incenso que custavam dez moedas de ouro cada.
Confiança nas Leis do Carma
Podemos desenvolver uma crença confiante nas leis de causa e efeito cármicos com base na autoridade das escrituras, a partir de citações que descrevem e ilustram essas leis. É muito difícil estabelecer uma crença confiante no mecanismo de causa e efeito cármicos com base no raciocínio lógico.
Se perguntarmos: “Por que podemos acreditar na autoridade escritural do Buda?” é porque ele ensinou sobre a vacuidade e os métodos para obter a concentração absorvida do estado mental quieto e estabelecido de shamata. Podemos provar a validade da vacuidade para nós mesmos através da lógica. Se meditarmos sobre a vacuidade e seguirmos as instruções para desenvolver shamata, poderemos realizá-las, exatamente como o Buda ensinou. Se o que o Buda ensinou sobre esses tópicos profundos é verdadeiro e pode ser estabelecidos pela lógica e pela experiência direta e, além disso, podemos ter uma crença confiante neles com base na lógica e na nossa experiência direta válida, podemos igualmente acreditar nessas outras coisas que não são estabelecidas pela lógica.
É por isso que no Ocidente, onde a maioria das pessoas têm uma orientação muito intelectual, os professores budistas costumam ensinar primeiro sobre a vacuidade e como obter concentração absorvida com shamata. Novamente, isso ocorre porque essas são coisas que podemos, através da meditação, estabelecer para nós mesmos, por meio da lógica e da experiência. Com base em sua experiência pessoal, os estudantes podem adquirir uma crença confiante nos ensinamentos budistas.
Depois disso, se a pessoa aprender sobre causa e efeito cármico, aceitará isso como verdade. Será mais fácil para ela. No Tibete as pessoas automaticamente tinham muita fé, e a ordem natural era primeiro ensinar sobre causa e efeito cármicos e depois, só mais tarde, ensinar sobre essas outras coisas, como a vacuidade e shamata.
Resumo
Vamos revisar brevemente. Falamos de todos os ensinamentos para alguém do escopo inicial, ou com motivação de nível inicial. Os tópicos que cobrimos até agora foram:
- Primeiro: a morte e a impermanência
- Segundo: o sofrimento dos reinos inferiores
- Terceiro: o refúgio
- Quarto: a nossa presente discussão sobre causa e efeito cármicos.
Se uma pessoa do escopo inicial pensar em se envolver nas práticas relativas a esses quatro pontos, como resultado não terá nenhum medo no momento da morte. Da mesma forma, não acontecerão coisas assustadoras depois que ela morrer pois, fazendo essas práticas, não renascerá em um dos três reinos inferiores.
Perguntas
Como pode uma pessoa se tornar um arhat e ainda assim sofrer com o carma passado, como no exemplo da monja que foi queimada viva? Eu pensei que arhats estavam livres do sofrimento.
A questão neste exemplo é que a força do potencial cármico é muito grande e foi gerada e acumulada a partir de vidas sem princípio, de modo que mesmo quando alcançamos o estado de arhat, embora tenhamos nos livrado da maior parte do potencial cármico negativo do passado, ainda resta um pouco que não purificamos totalmente. O poder do potencial cármico é tão grande que mesmo com a obtenção do estado de arhat não o superamos completamente. A monja teve que experimentar o resultado de uma ação cármica destrutiva de uma vida anterior queimando até a morte. No entanto, isso não é o mesmo que uma pessoa normal morrer queimada; ela era uma arhat, não sofreu nada, mas foi assim que encontrou seu fim. Não houve sofrimento.
Como podemos dizer que é tão difícil ter uma vida humana preciosa quando a população humana aumenta constantemente?
A população do mundo animal está aumentando?
É difícil determinar o número real de insetos. No entanto, o número de animais maiores está diminuindo e algumas espécies estão se extinguindo.
Como sabemos que o número total de animais está diminuindo? Será que o número de pessoas talentosas e inteligentes está aumentando? Mesmo que a população humana esteja aumentando, e mesmo que não consigamos estimar a população de insetos e das pequenas formas de vida do mundo animal, ainda assim podemos concordar que a população humana é muito menor do que a população animal.
Na população humana, se considerarmos a proporção entre o que chamaríamos de pessoas abastadas e pessoas em condições difíceis, que vivem na pobreza ou na miséria, há muito mais pessoas que vivem com grandes dificuldades do que as que são abastadas. Também podemos perceber que o mundo animal não é apenas elefantes e grandes mamíferos, ele inclui todo o mundo dos insetos. Se pensarmos em pequenos insetos e criaturas como essas, e se considerarmos o número de pequenos insetos que existe em uma pequena área, ficará muito fácil entender que o mundo animal supera em muito o mundo humano. Você concorda?
Sim.
A razão pela qual o mundo animal supera em muito o mundo humano é porque os seres que têm potencial cármico negativo superam em muito os com potencial positivo. E como resultado do potencial cármico negativo, os seres nascem em situações muito difíceis, como um animal ou um inseto. Da mesma forma, no que diz respeito aos seres humanos, os que estão em condições difíceis superam em muito os que estão em boas condições. Isso também ocorre porque aqueles que acumularam muito potencial cármico negativo superam em muito aqueles que acumularam potencial positivo.
Além disso, considerando toda a população humana, aqueles que levam uma vida positiva, como os que seguem o Dharma ou outros ensinamentos espirituais, são muito raros e poucos, quando comparados àqueles que não têm o Dharma nas suas vidas ou que não têm inclinações espirituais. Aqueles que não estão envolvidos com a vida espiritual ou com o Dharma tendem a se envolver principalmente em atividades destrutivas. Como resultado, estão caminhando para um renascimento inferior, como animal ou inseto.
Quando consideramos um renascimento afortunado, nascer como um ser humano, por exemplo, ainda assim isso pode ocorrer como um ser humano que está numa boa posição ou como alguém que está numa posição muito difícil. Conforme coloquei, os humanos envolvidos em muitas negatividades superam em muito os envolvidos em muitas ações positivas, e para as pessoas envolvidas em muitas ações destrutivas, não é de grande benefício ser um humano. Nesse caso, (ser um humano) serve apenas como um veículo para que acumulem muitos potenciais cármicos negativos e tenham dificuldade quando morrerem.
Dentro da população humana, há um número muito pequeno de pessoas que realmente levam vidas muito positivas e construtivas. Num país com muitos ladrões isso não é considerado uma grande vantagem, não é mesmo? Mas esses ladrões são humanos, certo? Da mesma forma, não será de grande benefício para o país se estiver cheio de pessoas que estão constantemente envolvidas em ações destrutivas. Como resultado do potencial cármico negativo do passado, mesmo que renasçamos como seres humanos, poderemos renascer como alguém que se envolve apenas em ações destrutivas e isso não será de muita ajuda.
Por exemplo, há mais ou menos 700 ou 800 anos atrás, havia mosteiros no Tibete que abrigavam cerca de 180 mil monges. Mesmo num país pequeno como esse, isso é uma indicação de que naquela época havia um número muito maior de pessoas envolvidas em algum tipo de vida positiva. É muito bom ter esse número de pessoas engajadas em um estilo de vida tão positivo, e isso é o resultado de suas ações construtivas em vidas anteriores. Já aqueles que cometeram muitas ações destrutivas em vidas anteriores, mesmo que tenham nascido como humanos, isso não lhes é de grande benefício.