Pessoas de Escopo Intermediário

Breve Revisão do Escopo Inicial

Estávamos falando sobre pessoas do nível inicial de motivação. O versículo do texto é:

(3) Uma pessoa com grande interesse em atingir, de alguma forma, a mera felicidade do samsara incontrolavelmente recorrente é conhecida como uma pessoa do escopo espiritual mínimo.

Os tópicos de confiar adequadamente em um professor espiritual e o renascimento humano precioso são comuns à formação dos três tipos de pessoas: do escopo inicial, intermediário e avançado. Os temas para as pessoas do escopo inicial incluem morte e impermanência, o sofrimento dos três reinos inferiores, o refúgio e as práticas de causa e efeito cármico. Mais especificamente, manter a autodisciplina ética de abster-se de cometer as dez ações destrutivas.

Com base em evitar cometer as dez ações destrutivas, podemos evitar renascer em um dos três reinos inferiores. Além disso, podemos garantir o renascimento como um ser humano ou um deus. Tendo obtido um renascimento humano precioso, como o que obtivemos, podemos alcançar esse tipo de objetivo. Porém, mesmo que consigamos, embora seja muito bom, ainda não é suficiente.

Progressão para o Escopo Intermediário

Onde quer que renasçamos na existência samsárica incontrolavelmente recorrente, independente de quanta riqueza tenhamos ou quão elevado seja o nosso status, mesmo que sejamos um imperador mundial ou um deus, essa riqueza e posição não nos trarão nada além de problemas e sofrimento. Não importa onde renasçamos, será em uma condição de problemas e sofrimento. O que temos que ver é que todos os tipos de felicidade mundana são problemáticos e têm a natureza do sofrimento. (Por isso) temos que parar de trabalhar com esse objetivo. Temos que trabalhar para nos libertarmos de todas as situações de existência samsárica.

Este estado mais avançado de motivação é conhecido como o escopo intermediário. Antes, no nível inicial, trabalhávamos para atingir a felicidade mundana em vidas futuras, e agora no nível intermediário, nos afastamos disso também e desejamos obter a libertação de todo sofrimento, seja qual for, em qualquer um dos estados de existência samsárica incontrolavelmente recorrente. Vemos que esses estados nada mais são do que sofrimento.

O Sofrimento do Sofrimento

Nada É Certo

O primeiro ponto relativo ao sofrimento é que nada é certo na existência samsárica incontrolavelmente recorrente. Não importa quão ricos sejamos, não importa quantas posses tenhamos, ou qualquer tipo de posição elevada que possamos ocupar, tudo isso são coisas que não duram. Não existe certeza de que vamos tê-las e mantê-las e, portanto, a qualquer momento, podemos perdê-las e cair num estado de muita pobreza ou numa posição inferior.

Isso é algo que todos nós podemos ver. Já vimos que nada é certo nesta vida. Podemos ver isto apenas em termos desta vida, quando, por exemplo, alguém que ocupava uma posição elevada como funcionário do governo foi desonrado e talvez até jogado na prisão, mas regressou mais tarde e ocupou novamente uma posição governamental elevada.

Além disso, podemos ver como alguém que foi um amigo muito próximo no início de nossa vida, depois, apenas por causa da troca de algumas palavras duras, tornou-se nosso inimigo, alguém de quem não gostamos muito. Da mesma forma, podemos ter tido um inimigo no início de nossas vidas, alguém que não suportávamos, e no final da vida, ele tornar-se um amigo próximo. Este tipo de incerteza de status é algo que todos nós já vimos.

Não Há Satisfação no Samsara

O próximo ponto sobre o sofrimento do sofrimento é que não há satisfação na existência samsárica. Não importa quanta riqueza tenhamos, mesmo que tenhamos a riqueza de um país inteiro, não sentiremos que ela é suficiente. Não ficaremos satisfeitos; só desejaremos ter mais. Não há satisfação na existência samsárica.

Temos Que Desistir de Nossos Corpos Repetidamente

Outro ponto é que temos que continuamente abandonar nossos corpos. Desde tempos sem princípio, nascemos e depois tivemos que morrer, desistindo de nosso corpo, e então nascer de novo. Repetidas vezes desistimos de nosso corpo e, repetidas vezes renascemos; isso continua indefinidamente. Se não pusermos fim à existência samsárica incontrolavelmente recorrente, ela continuará assim no futuro.

O Sofrimento do Sofrimento que os Deuses Experimentam

Isso acontece mesmo quando renascemos como um deus em um dos reinos divinos, onde tudo é muito lindo e prazeroso e, por exemplo, o chão é feito de pedras preciosas. Os deuses não precisam comer alimentos grosseiros, podem nutrir-se de concentração absorvida, e não precisam exercer nenhum esforço ou trabalho para conseguir isso.

À medida que alguém ascende aos reinos divinos superiores, a felicidade aumenta cada vez mais; ainda assim, mesmo esses deuses sofrem muito na hora da morte. Embora vivam com grande felicidade mundana, na hora da morte, começam a acontecer coisas que nunca aconteceram antes. Por exemplo, eles começam a cheirar mal, suas guirlandas de flores e enfeites começam a murchar e, com a aproximação de todos esses sinais que indicam que estão prestes a morrer, passam por um tremendo sofrimento mental. Os seres renascidos nos reinos inferiores, como os infernos, sofrem uma maior quantidade de sofrimento físico; entretanto, no que diz respeito ao sofrimento mental, os deuses, quando percebem os sinais de sua morte iminente, têm mais sofrimento mental.

Se compararmos o sofrimento mental no momento da morte de alguém de um país muito pobre e de alguém muito rico em um país próspero, o sofrimento mental dos ricos é muito maior. A quantidade de sofrimento mental de um mendigo na hora da morte, alguém que não tem absolutamente nenhum bem e é completamente pobre e desamparado, é muito menor do que o de alguém que é extremamente rico e tem muitos bens. Portanto, a quantidade de sofrimento mental que temos na existência samsárica incontrolavelmente recorrente é diretamente proporcional à quantidade de riqueza material e prosperidade que temos.

O Sofrimento do Sofrimento que os Humanos Vivenciam

A seguir, consideremos o sofrimento dos seres humanos. Primeiro, há o sofrimento extremo da hora do nascimento. Embora não nos lembremos, pois isso aconteceu quando ainda éramos muito novos, a hora do nascimento acarreta o maior sofrimento que já experimentamos.

Deveríamos considerar também, por exemplo, a quantidade de sofrimento que sentimos por ficarmos confinados num útero durante nove meses e dez dias. Podemos entender isso considerando que não suportaríamos ficar trancados em um quartinho sem janelas e sem portas por apenas alguns dias. Acharíamos insuportável. Imagine o sofrimento de ficar preso assim por nove meses e dez dias!

Da mesma forma, devemos considerar o sofrimento da doença. Isso é algo que todos nós entendemos e já vimos, e não apenas quando nós ficamos doentes. Também podemos ver várias pessoas em diferentes hospitais que sofrem por conta de doenças e acidentes terríveis. Também podemos ver pessoas em hospitais psiquiátricos que apresentam fortes problemas mentais e distúrbios psicológicos. Há muito sofrimento envolvido em estar doente. Não sofremos com uma doença apenas quando a temos, sofremos também quando nos preocupamos em contraí-la.

Como seres humanos, o próximo sofrimento é o de envelhecer. O envelhecimento é algo que chega muito lentamente, não ficamos velhos de repente. Mas o sofrimento do envelhecimento é muito grande e dura muito tempo. Imagine se tivéssemos dezesseis ou dezessete anos e, de repente, quando fossemos dormir e acordássemos no dia seguinte, estivéssemos muito velhos. O sofrimento envolvido em nos vermos velhos de uma hora para outra seria incalculável. Seria como se tivéssemos colocado uma máscara.

Quando estamos doentes ou velhos, mesmo que gostemos muito de comer certos alimentos, descobrimos que não conseguimos mais. Temos que tomar remédios com um gosto horrível ou coisas assim, e há muito sofrimento envolvido em ambos os casos.

O sofrimento do nascimento, do envelhecimento, da doença e o sofrimento de renascer em qualquer um dos reinos inferiores são exemplos do que é conhecido como o sofrimento do sofrimento, o sofrimento da miséria. São os sofrimentos grosseiros e óbvios.

O Sofrimento da Mudança

Há também um tipo mais sutil de sofrimento, o sofrimento da mudança. Qualquer tipo de objeto material prazeroso que possamos ter e considerarmos capaz de nos trazer felicidade traz-nos, de fato, uma felicidade que é da natureza do sofrimento. Por exemplo, se formos caminhar, depois de um tempo o caminhar se transforma em sofrimento, e queremos parar e sentar. Sentamo-nos para parar e descansar e isso inicialmente nos dá uma sensação de felicidade; no entanto, na verdade, não é uma felicidade que dura. É uma felicidade em si problemática e da natureza do sofrimento.

Sentar-se não tem a felicidade como natureza. A aparente felicidade que obtemos ao sentar é, na verdade, um exemplo de sofrimento da mudança. O que acontece, de fato, é que caminhamos muito e experimentamos o sofrimento de caminhar, por isso, quando sentamos, embora pareça que sentar é uma fonte de felicidade, na verdade tudo o que faz é diminuir o sofrimento de caminhar. A felicidade de sentar-se supera inicialmente o sofrimento grosseiro de caminhar, mas isso acontece apenas por um curto período de tempo.

O que sentimos não tem a felicidade como natureza. Se tivesse, deveria permanecer como felicidade em todos os momentos. Não tem, pois depois de ficarmos sentados por muito tempo, nossas costas começam a doer e nos sentimos desconfortáveis, o que faz com que queiramos nos levantar novamente. Isso demonstra com clareza que sentar-se tem o sofrimento como natureza. Não é felicidade só porque supera ligeiramente o sofrimento de caminhar. Por si só, não é felicidade, é apenas outro tipo de sofrimento.

Outro exemplo é quando estamos com muita fome e comemos. Comer elimina o sofrimento da fome; no entanto, não é algo que dura. Tudo o que faz é anular ou superar o óbvio sofrimento manifesto da fome. Não dura porque depois de um tempo voltamos a ter fome.

Da mesma forma, quando estamos com frio, queremos ir para o sol. Pegamos sol e, novamente, isso apenas substitui o sofrimento manifesto de estar com frio. No entanto, a felicidade que sentimos não dura.  Depois de ficarmos expostos ao sol por um tempo, sentimos muito calor e começamos a nos preocupar com a possibilidade de sofrermos uma queimadura solar. Isso faz com que queiramos voltar para a sombra, para algum lugar que seja fresco.

Todos esses são exemplos de sofrimento da mudança. O que experimentamos parece ser felicidade, mas se transforma em sofrimento. Portanto, não se trata de felicidade, apenas de outra forma de sofrimento. Isso é conhecido como “sofrimento da mudança”.

Sofrimento Que Tudo Permeia

O próximo tipo de sofrimento é conhecido como “sofrimento que tudo permeia”. Um exemplo seria os nossos agregados contaminados. Nossos corpos comuns, por sua própria natureza, geram sofrimento automaticamente. Temos um corpo contaminado, um corpo que adoece, um corpo que se machuca e tem diversos tipos de dor e sofrimento pelo simples fato de existir. Isso é conhecido como “sofrimento que tudo permeia”.

Para os seres arya, os nobres, o sofrimento generalizado de ter um corpo contaminado lhes parece tão doloroso quanto ter uma mecha de cabelo nos olhos; e como parece tão doloroso, imediatamente querem abandoná-lo, se livrarem dele. Nós, seres comuns, só temos consciência do grosseiro sofrimento do sofrimento. Não temos consciência nem do sofrimento que tudo permeia, ele nos parece tão inocente quanto ter uma mecha de cabelo na palma da mão.

Podemos falar do samsara, ou da existência samsárica incontrolavelmente recorrente, como exemplo de sofrimento que tudo permeia. Na existência samsárica, nossa consciência está sob o poder das emoções perturbadoras e impulsos cármicos irresistíveis. Portanto, não está sob seu próprio poder e não tem controle sobre si mesma. Esse também é um exemplo de sofrimento que tudo permeia.

Como Se Livrar do Sofrimento

Qual é o resultado de pensar em todo esse sofrimento? O resultado é que desejaremos procurar um método para nos livrarmos dele. Esse sofrimento não é permanente ou estático, ele muda e é impermanente. Como é impermanente, é conhecido como um “fenômeno afetado” ('dus-byas-kyi chos, fenômeno condicionado).

Este termo, “fenômeno afetado”, significa algo que surge de causas. Se perguntarmos quais são as causas que provocam o sofrimento, podemos dizer que são os impulsos cármicos compulsivos, o carma, que nos leva a cometer ações destrutivas compulsivas. O que fez com que esses impulsos cármicos irresistíveis surgissem? Eles surgiram por causa de várias emoções perturbadoras. E se perguntarmos de onde essas várias emoções vêm, veremos que vêm das três principais emoções perturbadoras: desejo e apego, hostilidade e raiva e ignorância. A raiz ou causa básica é a terceira, a ignorância. Os impulsos cármicos irresistíveis e essas emoções perturbadoras são conhecidas como a “segunda nobre verdade”, as verdadeiras origens do sofrimento.

Se dividirmos as duas sílabas da palavra tibetana para a segunda nobre verdade – kun-'byung – que estou traduzindo como as verdadeiras origens do sofrimento, veremos que seu significado literal é “produtor de tudo”. O “tudo” refere-se a todo sofrimento. A conotação é que os impulsos cármicos irresistíveis e as emoções perturbadoras são de onde todo o sofrimento surge. Portanto, são conhecidos como as verdadeiras origens do sofrimento, ou a nobre verdade das origens do sofrimento.

Por que a ignorância é considerada a raiz dessas emoções e sofrimentos perturbadores? Vamos examinar. Em primeiro lugar, todos nós temos o estado mental com o qual pensamos, “eu”. Na verdade, dois tipos de “eu” aparecem. Temos um “eu” que realmente existe e um “eu” que não existe. Complementando, temos um “eu” convencionalmente existente e um “eu” a ser refutado, que não existe. Não existe no sentido de que não corresponde ao que realmente existe, apesar de parecer que corresponde e existe. Na verdade, esse falso “eu”, um “eu” autoestabelecido, ou inerentemente existente, não existe de forma alguma. Entretanto, nossas mentes dão origem à aparência de um “eu” que parece ser autoestabelecido, e o percebemos como se existisse dessa forma impossível como aparece. Ignorância é a emoção perturbadora que nos faz não ter consciência de que essa aparência não corresponde à realidade; acreditamos exatamente o contrário, acreditamos que corresponde.

Simplificando, pensamos em termos de um “eu” autoestabelecido, que na verdade não existe. E como pensamos em termos desse “eu”, pensamos em “meu amigo”. Com base no pensamento “meu amigo”, desenvolvemos o desejo ou apego por essa pessoa. Com base nesse desejo e apego, experimentamos o surgimento de impulsos cármicos irresistíveis que nos levam a cometer ações cármicas compulsivas. O potencial cármico negativo gerado a partir desses impulsos e ações resulta em nossa experiência de sofrimento.

Da mesma forma, quando pensamos usando a categoria de um “eu” verdadeiramente estabelecido, isso nos leva a pensar em termos de alguém ser “meu inimigo”. Desenvolvemos, assim, hostilidade e raiva em relação a esse inimigo e, como resultado, cometemos ações destrutivas que resultam em sofrimento. A raiz de tudo isso é o estado mental com o qual nos agarramos a um “eu” inexistente como se a sua existência fosse verdadeiramente estabelecida e, por conta da ignorância, não sabemos que esse “eu” é falso. Acreditamos que é verdadeiro.

Quando investigamos a maneira como a mente capta o seu objeto, esse “eu” inexistente, descobrimos que o objeto a que nos apegamos é, na verdade, algo que não existe. Quando percebemos que o objeto dessa mente não existe – que não existe tal coisa – o entendimento dessa ausência total é conhecido como o “entendimento da vacuidade (vazio)”, ou da “ausência de um self” ou da “ausência de identidade”.

Essa mente que compreende a ausência de uma verdadeira identidade do “eu” afasta-se, ou inverte a atitude, de se apegar a um “eu” que aparentemente existe de forma verdadeira. Da mesma forma, isso permite-nos deixar de nos apegar a objetos, que aparentemente existem de forma verdadeira e que pertencem a esse “eu”, como se fossem “minhas coisas”. A mente que apreende as coisas como tendo existência autoestabelecida e a mente que apreende que tais coisas não existem são completamente opostas; uma nega a outra.

Consciência Discriminativa

Essa mente que compreende a inexistência desses objetos impossíveis é conhecida como “consciência discriminativa (shes-rab, sabedoria) que apreende vacuidade.” Quando uma mente tem cognição pura e não-conceitual dessa vacuidade, é conhecida como “o verdadeiro caminho mental”, a nobre verdade do caminho. Quando continuamos a meditar com esse verdadeiro caminho mental, essa mente acaba por livrar o contínuo mental de todos os potenciais cármicos e emoções perturbadoras.

Quando tudo isso é removido, essa ausência de potenciais cármicos e emoções perturbadoras é conhecida como uma “verdadeira cessação”, a nobre verdade da cessação. Ela acontece a partir de um causa, que é o verdadeiro caminho mental, a nobre verdade do caminho. Essas duas coisas são definidas como causa e efeito. Uma é a causa da outra, que surge como resultado.

As Quatro Nobres Verdades

As quatro nobres verdades, portanto, podem ser divididas em duas partes. A parte de que falamos é conhecida como “o lado purificado ou purificador das nobres verdades”. As duas primeiras nobres verdades seriam conhecidas como o “lado iludido ou ilusório das nobres verdades”. As duas primeiras nobres verdades são os verdadeiros sofrimentos e as verdadeiras origens de todos os sofrimentos; as verdadeiras origens de todos os sofrimentos são o que provoca a primeira (nobre verdade), os verdadeiros sofrimentos. O fato de que todos os fenômenos provêm dessas causas, em termos dos dois lados das nobres verdades, foi afirmado pelos próprios budas.

Os Três Treinamentos Superiores

Nos três tipos de treinamento superior, a consciência discriminativa que compreende a vacuidade constitui o que é conhecido como “treinamento em consciência discriminativa superior”. O que atua como causa dela e deve precedê-la é o treinamento em concentração superior. A raiz ou base da qual essas duas coisas surgem é o treinamento em autodisciplina ética superior. Portanto, manter a autodisciplina ética de não cometer as dez ações destrutivas é algo muito básico, fundamental e importante, pois serve como a base a partir da qual os demais treinamentos superiores se desenvolvem. É como a necessidade de um campo para cultivar vegetais.

As práticas contidas nos três treinamentos superiores são assunto dos três treinamentos superiores. As escrituras que falam sobre esse assunto, os três treinamentos superiores, estão nos Três Cestos, o Tripitika.

  • O assunto relativo à autodisciplina ética superior é encontrado no Cesto do Vinaya, que é sobre as regras de disciplina monástica.
  • Quanto ao assunto do treinamento em concentração superior, os textos que falam sobre ele estão no Cesto do Sutra. 
  • O tema do treinamento em consciência discriminativa superior encontra-se nos textos do Cesto do Abhidharma.

Os três treinamentos superiores, portanto, são o objeto do Tripitika, e os textos que estão nesses Três Cestos os apresenta e explica.

A Duração dos Ensinamentos do Buda

A doutrina do Buda está profetizada para durar 5.000 anos. Esses 5.000 anos estão divididos em dez períodos de 500 anos:

  • Durante o primeiro destes períodos de 500 anos, existiram muitos arhats.
  • Durante o segundo, muitos que alcançaram o estado de não retornar.
  • Durante o terceiro período de 500 anos, muitos alcançaram o estado de entrante no fluxo.

Todos esses seres são aryas ou nobres.

No conjunto seguinte de três períodos de 500 anos:

  • No quarto, estavam principalmente aqueles que praticavam e mantinham o treinamento em consciência discriminativa superior.
  • No quinto, aqueles que mantinham principalmente o treinamento em concentração superior, 
  • E no último período desse conjunto, temos os que mantém principalmente o treinamento em autodisciplina ética superior.

Esses períodos de tempo são conhecidos como capítulos de tempo, como os capítulos usados em um texto, como Engajando-se na Conduta do Bodisatva (O Caminho do Bodisatva). Os primeiros três períodos de 500 anos são conhecidos como os capítulos resultantes – em outras palavras, os capítulos dos resultados, ou frutos, das práticas. O segundo conjunto de três períodos são conhecidos como capítulos de prática, durante os quais predomina a prática de cada um dos treinamentos superiores, um após o outro, começando com a consciência discriminativa superior.  No momento, estamos no terceiro desses capítulos, o tempo em que predomina o treinamento em autodisciplina ética superior. Já se passaram 300 ou mais anos desse período de 500 anos, e ainda restam cerca de 200 anos.

Depois disso, virão os três capítulos de 500 anos de textos escriturais. Em cada um deles, os textos de um dos Três Cestos predominarão:

  • Primeiro o Cesto do Abhidharma,
  • Depois o Cesto do Sutra 
  • E, no terceiro período, o Cesto do Vinaya.

Durante esses períodos, não haverá ninguém com grandes insights provenientes da prática ou da realização de seus resultados. As pessoas estarão envolvidas principalmente na memorização e recitação desses textos.

São dez os períodos de 500 anos e já apresentamos nove. O último será:

  • O período de 500 anos apenas do nome, ou o Budismo apenas no sentido nominal. Durante esse tempo, haverá pessoas ordenadas meramente no sentido nominal. Ou seja, elas usarão mantos, mas só isso. Elas não cumprirão nenhum dos votos. Esse será o último período.

O tempo em que os ensinamentos desaparecerão completamente ainda não chegou e, se calcularmos, faltam cerca de 2.200 anos até eles desaparecerem completamente. Portanto, precisamos nos esforçar para obter a realização das quatro nobres verdades e, principalmente, a realização da vacuidade agora. Se virarmos as costas para todos os prazeres e felicidade mundanos, como diz o próximo versículo, e obtivermos a realização da vacuidade, seremos capazes de cortar a raiz da existência samsárica incontrolavelmente recorrente.

Uma Pessoa do Escopo Espiritual Intermediário

Resumindo a motivação do escopo intermediário, Atisha diz:

(4) Qualquer pessoa que por natureza vira as costas aos prazeres da existência compulsiva e aos impulsos negativos do carma, que só tem grande interesse por sua própria paz, é conhecida como uma pessoa do escopo espiritual intermediário.

A frase “qualquer pessoa que por natureza vira as costas aos prazeres da existência compulsiva e impulsos negativos do carma”, refere-se a quem está trabalhando em um nível intermediário e se afastou das ações destrutivas. É alguém que deu as costas às ações destrutivas, mantendo o treinamento em autodisciplina ética superior e, a partir daí, continuou com os outros dois treinamentos superiores. A prática dos três treinamentos superiores é para conseguirmos nos afastar das emoções perturbadoras que nos levam a cometer ações destrutivas.

Onde Atisha escreve “impulsos negativos do carma” não devemos pensar apenas nos impulsos cármicos destrutivos que nos levam a cometer as dez ações destrutivas. Incluímos aqui as emoções perturbadoras que os causam.

Onde Atisha escreve “só tem grande interesse por sua própria paz”, isso se refere ao fato de que, confiando nesses métodos, tais pessoas são capazes de alcançar a própria libertação. Tal pessoa é conhecida como uma pessoa do escopo espiritual intermediário.

Se meditarmos desta forma e trabalharmos apenas para o nosso próprio bem, alcançaremos o que é conhecido como o “tipo mais inferior de libertação." Em outras palavras, conseguiremos nos libertar e não seremos capazes de libertar a todos, como conseguiríamos com o atingimento do estado de iluminação.

O caminho da prática de alguém de escopo intermediário é considerado um caminho comum. Ou seja, não deveríamos adotar o aspecto deste nível de motivação, que leva à nossa própria libertação, como objetivo final. Em vez disso, deveríamos praticar o desenvolvimento dos aspectos do nível intermediário de motivação compartilhados com o nível avançado. Eles incluem afastar-se das preocupações mundanas, dos prazeres e felicidade mundanos e da existência samsárica incontrolavelmente recorrente.

Renúncia, a Determinação de Ser Livre

Existem dois tipos de renúncia, ou determinação de ser livre:

  • A determinação de ser livre com a qual nos afastamos de estarmos completamente envolvidos com esta vida e de trabalhar fervorosamente em função dela.
  • A determinação de ser livre com a qual nos afastamos do envolvimento completo com vidas futuras e de trabalhar fervorosamente em função delas. 

Se nos afastarmos do envolvimento completo com apenas esta vida, poderemos evitar cair para um dos três estados inferiores. Se não desenvolvermos o segundo tipo de determinação de ser livre, com o qual também evitamos o envolvimento completo com vidas futuras, não seremos capazes de nos afastar completamente de toda a existência samsárica incontrolavelmente recorrente e do desejo de renascer como um humano ou um deus. Não seremos capazes de atingir a libertação.

O estado de libertação da existência samsárica incontrolavelmente recorrente é algo que podemos concluir com a base de trabalho do renascimento humano precioso, que todos nós temos. No entanto, nos livrar apenas de nosso próprio sofrimento não é suficiente. Com este renascimento humano precioso que temos, não devemos trabalhar apenas para libertar nós mesmos de todo o sofrimento; devemos também trabalhar para libertar todos os demais seres. Todo o sofrimento que temos, todo o nosso sofrimento, todo mundo também tem. Todo mundo tem os mesmos tipos de sofrimento.

Mas, se não estivermos atentos a todo o nosso sofrimento e não tivermos a determinação de sermos livres dele, não seremos capazes de nos tornar conscientes do sofrimento dos outros com a mesma determinação, para que eles também se libertem dele. A mente com a qual nos concentramos no sofrimento dos outros com o desejo de que se libertem, assim como desejamos nossa própria libertação, é conhecida como “compaixão”.

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