Propostas de Badmaev para a Anexação do Tibete à Rússia
A Dinastia Qing, Manchu, da China (1644-1911) entrou em declínio durante o século XIX. Muitos países procuraram tirar vantagem da sua fraqueza para a obtenção de comércio ou concessões territoriais. Estes países incluíram não só a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha e Portugal, mas também a Rússia e o Japão.
Em 1893, por exemplo, Piotr Badmaev, médico mongol buriate, submeteu um plano ao Czar Alexandre III para submeter partes do Império Qing sob influência Russa, incluindo o Tibete e a Mongólia Exterior e Interior. Ele propôs que a ferrovia transiberiana fosse estendida desde a terra buriate de origem, no lago Baikal, através da Mongólia Exterior e Interior, até Gansu, China, junto à fronteira tibetana. Quando terminada, ele organizaria, com ajuda buriate, uma revolta no Tibete que iria permitir à Rússia anexar o país. Badmaev propôs também estabelecer, na Ásia, uma companhia comercial russa. O Conde Sergei Yulgevich Witte, ministro das finanças russo, entre 1882 e 1903, apoiou os dois planos de Badmaev, mas o Czar Alexandre não aceitou nenhum deles.
Com a morte de Alexandre, Badmaev tornou-se o médico pessoal do seu sucessor, Czar Nicolau II (czar de 1894 a 1917). Depressa o novo czar aprovou a criação de uma companhia comercial. No entanto, o seu objetivo era a costa pacífica, onde a Rússia e o Japão competiam para o controlo do Porto Artur, um porto liberto de gelo na extremidade do sul da Manchúria. Primeiro, o Japão conquistou o Porto Artur, mas depressa a Rússia obteve o seu controlo. O Czar aumentou a ferrovia transiberiana através do norte da Manchúria até Vladivostok e ligou-a ao Porto Artur. Contudo, Nicolau não levou a cabo as propostas de Badmaev a respeito do Tibete.
Dorjiev e o Czar Nicolau II
O monge mongol buriate Agvan Dorjiev (1854-1938) estudou em Lhasa, Tibete, a partir de 1880, tornando-se por fim um dos Parceiros Mor de Debate (Tutores Assistentes) do XIII Dalai Lama. Tornou-se também o conselheiro político em quem Dalai Lama mais confiava.
A Convenção Anglo-Chinesa de 1890 tinha estabelecido Sikkim como um protectorado britânico. Os tibetanos não reconheceram a convenção e sentiam-se desconfortáveis com os projetos ingleses e chineses para o seu país. Assim, em 1899, Dorjiev visitou a Rússia com vista à obtenção de ajuda para contrabalançar estas ameaças. Dorjiev era amigo de Badmaev e tinha esperança que a política expansionista da Rússia, no nordeste da Ásia, se fosse estender até à região himalaica à custa da China. O Conde Witte recebeu-o nesta e nas suas várias visitas seguintes. Em nome dos mongóis buriates e calmuques residentes em São Petersburgo, Dorjiev também fez uma petição pedindo permissão para lá construir um templo Kalachakra. Embora as autoridades russas não estivessem interessadas em nenhuma das propostas, Dorjiev enviou uma carta ao Dalai Lama relatando que a possibilidade de ajuda parecia viável.
No início, Dalai Lama e seus ministros estavam hesitantes mas, com o seu regresso a Lhasa, Dorjiev convenceu Dalai Lama a se voltar para a Rússia para dela ter proteção. Argumentou que a Rússia era o Reino Nórdico de Shambhala, a terra lendária que salvaguardava os ensinamentos de Kalachakra, e que o Czar Nicolau II era a encarnação de Tsongkhapa, o fundador da tradição Gelug. Como prova, chamou a atenção para a proteção que o Czar dava à tradição Gelug entre os buriates, calmuques e turcos tuvanos, no império Russo. Influenciado pelo seu argumento, Dalai Lama despachou-o, em 1900, de regresso à Rússia.
Naquele tempo, o príncipe Esper Ukhtomski era o líder do Departamento Russo das Crenças Estrangeiras. O príncipe estava profundamente interessado na cultura “lamaísta” e mais tarde escreveu diversos livros sobre ela. Convidou Dorjiev a encontrar-se com o Czar, sendo esta a primeira de várias audiências que Dorjiev teve em nome de Dalai Lama. Nos anos seguintes, Dorjiev viajou várias vezes, indo e vindo entre o Czar e o Dalai Lama. Contudo, nunca conseguiu obter para o Tibete apoio militar dos russos.
Em Sturm über Asien (Tempestade sobre a Ásia) (1924), o agente secreto alemão Wilhelm Filchner escreveu que entre 1900 e 1902 havia, em São Petersburgo, um grande interesse em integrar o Tibete na Rússia. Contudo, esse interesse parece ter sido limitado aos esforços de Dorjiev, com o apoio de Badmaev e de Witte. O explorador sueco Sven Hedin, um admirador fervoroso da Alemanha, teve uma audiência com Czar Nicolau II no caminho de regresso à Europa, da sua segunda expedição tibetana (1899-1902). Mais tarde, escreveu que teve a impressão que o príncipe Ukhtomski estava pressionando o Czar para transformar o Tibete num protectorado russo. Porém, as escritas do príncipe não revelam tal interesse.
Intrigas entre o Japão, a Rússia, a Grã-Bretanha e a China, e o Seu Efeito no Tibete
Ekai Kawaguchi, um sacerdote zen japonês, visitou o Tibete de 1900 a 1902 para compilar textos budistas sânscritos e tibetanos. No seu regresso através da India Britânica, ele indicou falsamente uma presença militar russa no Tibete a Sarat Chandra Das, um espião indiano ao serviço dos ingleses que tinha visitado o Tibete em 1879 e em 1881. Naquela altura, o Japão estava se preparando para a guerra contra a Rússia, sobre a Manchúria. Tinha recentemente assinado a Aliança Anglo-Japonesa (1902-1907) com a Grã-Bretanha, sob a qual ambos os lados concordaram permanecer neutrais se o outro estivesse em guerra. Fomentando a discórdia entre a Inglaterra e a Rússia, parece que o sacerdote japonês estava tentando assegurar-se que a Grã-Bretanha não iria apoiar a Rússia na guerra que se aproximava. Provavelmente tinha também esperança de que os protestos britânicos sobre o Tibete iriam desviar a atenção da Rússia, relativamente à Manchúria.
No seu livro Três Anos no Tibete, publicado em Benaras pela Sociedade Teosófica, em 1909, Kawaguchi relatou que tinha ouvido falar dos panfletos de Dorjiev, em tibetano, mongol e russo, propagando que a Rússia era Shambhala e o Czar a encarnação de Tsongkhapa. No entanto, nunca os tinha visto pessoalmente. Kawaguchi também falou sobre uma Aliança Budista Nipo-Tibetana, mas nenhum dos lados fez planos para a implementar.
O relatório de Kawaguchi, e mais tarde o seu livro, tornaram-se muito conhecidos entre as autoridades britânicas, na India. Charles Bell, oficial político britânico em Sikkim, por exemplo, citou-o em Tibete: Passado e Presente (1924). Escreveu que Dorjiev tinha influenciado o Dalai Lama para o lado da Rússia, dizendo-lhe que a Rússia controlava e protegia parte da Mongólia (Buriátia), que cada vez mais russos estavam adotando o budismo tibetano, e que era provável que o Czar também o adotasse.
Lord Curzon, vice-rei britânico da India na altura do relatório de Kawaguchi, era extremamente paranóico a respeito dos russos. Temendo o domínio e o monopólio russo do comércio tibetano, ordenou a invasão britânica ao Tibete, com a Expedição Younghusband (1903-1904). Juntamente com Dorjiev, Dalai Lama fugiu para Urga (Ulaan Baatar), a capital da Mongólia. Após ter sido derrotado, o regente tibetano assinou, em 1904, a Convenção de Lhasa, reconhecendo o controlo britânico de Sikkim e concedendo relações comerciais britânicas e a presença de tropas e oficiais em Lhasa para proteger o acordo comercial.
Alguns meses depois, a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) explodiu na Manchúria, na qual os japoneses derrotaram as forças do Czar. Dalai Lama permaneceu na Mongólia, dado que em 1906 os britânicos e os chineses assinaram uma convenção reafirmando a suserania chinesa sobre o Tibete. A convenção depressa instigou uma tentativa chinesa de anexar o Tibete. Dalai Lama enviou Dorjiev uma vez mais à corte russa para procurar obter apoio militar.
Em 1907, Dorjiev apresentou um relatório a P.P. Semyonov-Tyan-Shansky, vice-presidente da Sociedade Geográfica Russa, intitulado “Sobre o Restabelecimento das Relações Cordiais entre a Rússia, a Mongólia e o Tibete”. Nele, propunha a unificação dos três estados para criar uma grande federação budista. As autoridades russas rejeitaram-na de imediato.
Na Convenção Anglo-Russa de 1907, a Grã-Bretanha e a Rússia concordaram manter-se fora dos assuntos internos do Tibete e negociar somente com a China. Sem desanimar, Dorjiev peticionou ao Ministro dos Negócios Estrangeiros russo, em 1908, que pelo menos construisse um templo Kalachakra em São Petersburgo, pedido que as autoridades tinham rejeitado aquando da sua primeira proposta em 1899. No entanto, desta vez o Czar aprovou o plano. Isto foi em 1909.
No final de 1909, Dalai Lama regressou por pouco tempo a Lhasa, mas as tropas chinesas depressa chegaram. No início de 1910, Dalai Lama fugiu para a India, onde ficou em Darjeeling, a sul de Sikkim, sob proteção britânica. Ali, tornou-se amigo de Sir Charles Bell, que o influenciou sobre a modernização.
Eventos Pós-Revolução Nacionalista Chinesa de 1911
Em 1911-1912, a Dinastia Qing Manchu da China caiu. O novo presidente da República Nacionalista Chinesa, Yüan Shih-k’ ai (Yuan xi-kai), continuou a política expansionista manchu em relação ao Tibete e convidou Dalai Lama a juntar-se à “Terra Mãe”. Dalai Lama recusou e cortou todos os laços com a China. Criou um Departamento de Guerra para conduzir uma rebelião armada contra os chineses. Devido principalmente à situação caótica da China, as tropas chinesas depressa se renderam. Assim que os soldados saíram do Tibete, no início de 1913, Dalai Lama regressou a Lhasa.
Mais tarde, em 1913, ocorreu a primeira ceremónia pública no Templo Kalachakra, em São Petersburgo – uma oração de longevidade para comemorar o aniversário do tricentenário da Casa dos Romanov. Dalai Lama enviou presentes de congratulação e espalhou-se o boato de que ele tinha reconhecido Alexis, o Sucessor Aparente, como um bodhisattva que iria iluminar os não-budistas do norte. No entanto, nenhuma ajuda militar dos Romanovs era adquirível.
Após ter afastado as forças chinesas de algumas seções de Kham (sudeste do Tibete), os tibetanos negociaram a Convenção de Simla de 1914, com os ingleses. Dado que os ingleses não apoiavam a independência completa do Tibete, Dalai Lama chegou a um acordo. Os ingleses garantiam a autonomia tibetana apenas sob suserania chinesa nominal. Além disso, os ingleses concordaram que não iriam anexar o Tibete e que também não iriam permitir que a China o fizesse.
Os chineses nunca assinaram a convenção e, na continuação de conflitos fronteiriços com os chineses, em Kham, os ingleses nunca ajudaram os tibetanos. Dalai Lama começou então a procurar apoio alhures.
Tibete Recebe Orientação Militar Japonesa
A vitória dos japoneses na Guerra Russo-Japonesa tinha impressionado Dalai Lama. Ele estava agora interessado na Restauração de Meiji e na modernização do Japão enquanto modelo para a modernização do Tibete, dentro de uma estrutura budista. Por conseguinte, face à continuada ameaça militar chinesa e à falta de apoio russo ou britânico, o Tibete voltou-se então para o Japão para modernizar o seu exército. Tsarong, chefe do centro emissor de notas e moedas e do armamento tibetano e favorito de Dalai Lama, estava especialmente interessado em estabelecer uma conexão próxima com o Japão.
Yajima Yasujiro, um veterano da Guerra Russo-Japonesa, veio a Lhasa e, de 1913 a 1919, treinou as tropas e serviu de conselheiro relativamente à defesa contra os chineses. Aoki Bunkyo, um sacerdote budista japonês, traduziu manuais de exército do japonês para o tibetano. Ajudou também a desenhar a bandeira nacional tibetana, adicionando aos símbolos tradicionais tibetanos um sol nascente com raios de luz à sua volta. Este padrão de desenho incluia as bandeiras da cavalaria e da infantaria japonesas da altura e tornou-se mais tarde o desenho para a bandeira da marinha e do exército japoneses, durante a segunda guerra mundial.
Contudo, Dalai Lama não teve sucesso na obtenção de apoio militar adicional japonês. Em 1919, o exército japonês tornou-se profundamente envolvido na supressão de um movimento para a independência da Coreia, anexada pelo Japão em 1910. Entretanto, na década de 1920, o Japão voltou a sua atenção para a Manchúria e para a Mongólia e permaneceu apenas interessado no Tibete relativamente aos estudos eruditos budistas. Os últimos japoneses deixaram o Tibete em 1923, quando o grande terremoto de Kanto destruiu Tokyo e Yokohama.
No ano seguinte, os ingleses estabeleceram uma força policial em Lhasa. Ocorreu um conflito entre a polícia e as forças armadas tibetanas, resultando na morte de um polícia. Tsarong puniu severamente o criminoso, mas a facção anti-modernização no governo tibetano usou isto como um pretexto para colocar Dalai Lama contra ele. Disseram que Tsarong tinha agido sem consentimento de Dalai Lama e acusaram as forças armadas de conspirarem para tomar o governo. Dalai Lama despromoveu Tsarong, em 1925, da sua posição como comandante-chefe do exército e, em 1930, demitiu-o do gabinete. Assim, o principal proponente tibetano para uma aliança com o Japão foi silenciado.
Em Dezembro de 1933 faleceu Dalai Lama. O Tibete não retomou contato com o Japão até 1938, altura em que Tsarong reapareceu desempenhando um papel na expedição oficial dos alemães, aliados do Japão contra a propagação do comunismo internacional.
Esforços para Obter Tolerância ao Budismo, na Rússia e Mongólia Comunistas
A Revolução Russa de 1917 estabeleceu a União Soviética. Inicialmente, Lenin não forçou a política comunista anti-religião. Face ao alastrar da guerra civil, a consolidação do seu poder teve a maior prioridade. Mesmo quando o regime comunista se tornou estável, durante a década de 1920, o estado não tinha infra-estruturas para substituir os sistemas educacionais e de saúde que os mosteiros budistas facultavam em Buriátia, Calmúquia e Tuva. Por tal motivo, o partido comunista tolerou o budismo durante esse período.
No final de 1919, diversos príncipes mongóis renunciaram a autonomia da Mongólia Exterior e submeteram-se ao regime chinês. Tropas chinesas entraram na Mongólia com o pretexto de a proteger dos soviéticos. No final de 1920, o Barão von Ungern-Sternberg, um anti-bolchevique fanático, invadiu a Mongólia a partir da Buriátia, derrubou os chineses e restabeleceu o líder budista tradicional, o VIII Jebtsundampa, como Chefe de Estado. Proseguiu ao massacre indiscriminado de todos os chineses e suspeitos colaboradores mongóis que restavam e que conseguiu encontrar.
Em 1921, o revolucionário mongol Sukhe Batur estabeleceu o Governo Provisório Comunista Mongol, na Buriátia. Os ensinamentos de Kalachakra tinham uma longa história de popularidade na Mongólia. Aproveitando-se da fé dos mongóis nestes ensinamentos, Sukhe Batur os deturpou e disse aos seus seguidores que seriam renascidos no exército de Shambhala se lutassem para livrar Mongólia da opressão.
Mais tarde, em 1921, com a ajuda do Exército Vermelho Soviético, Sukhe Batur expulsou Ungern da Mongólia. Limitou os poderes de Jebtsundampa e permitiu que o Exército Soviético mantivesse o controlo. Os russos usaram o pretexto de que a União Soviética garantia a independência da Mongólia e a protegia de outra agressão chinesa. O Exército Soviético permaneceu até a morte do Jebtsundampa, em 1924, e à declaração da República Popular da Mongólia, que se seguiu logo depois.
Durante este período, Barchenko, um russo especializado em parapsicologia com conexões ao Politburo Soviético, passou vários meses na Mongólia. Ali, estudou Kalachakra. Ficou convencido que o seu enfoque em partículas materiais e a sua discussão sobre ciclos históricos e sobre a batalha entre o exército de Shambhala e as forças invasoras auguravam os ensinamentos comunistas do materialismo dialético. Queria introduzir isto aos mais elevados funcionários bolcheviques e, assim, com o seu regresso a Moscovo, organizou entre alguns dos seus membros um grupo de estudo sobre Kalachakra. O mais influente entre os participantes era Gleb Bokii, chefe georgiano de um departamento especial do Serviço de Inteligência Militar Soviético (o OGPU, precursor do KGB). Bokii era o criptógrafo principal do Serviço e empregava técnicas de decifração ligadas a fenómenos paranormais.
Também outros russos achavam que o comunismo e o budismo poderiam ser compatíveis um com o outro. Nikolai Roerich (1874-1947), por exemplo, era um teosofista russo que viajou pelo Tibete, Mongólia e região Altai da Ásia Central, entre 1925 e 1928, em busca de Shambhala. Ele concebia a residência legendária dos ensinamentos de Kalachakra como um reino de paz universal. Devido à sua ligação com Barchenko e ao interesse comum em Kalachakra, Roerich alterou a sua viagem em 1926 e visitou Moscovo. Dali, enviou uma carta, através de Chicherin, Ministro do Estrangeiro soviético, ao povo soviético. Lembrando-nos das cartas de Blavatsky, pelos mahatmas dos himalaias, Roerich também disse que a carta era dos mahatmas himalaicos. A carta elogiava a Revolução por eliminar, entre outras coisas, “a miséria da propriedade privada”, e oferecia “ajuda em forjar a unidade da Ásia”. Como oferta, entregou, em nome dos mahatmas, um punhado de solo tibetano para polvilhar na sepultura do “nosso irmão, Mahatma Lenin”. Embora não houvesse nessa carta nenhuma menção a Shambhala, ela promoveu o mito teosófico da ajuda benevolente, pelos mestres da Ásia Central, no estabelecimento da paz mundial, desta vez de acordo com a missão messiânica de Lenin.
Mediante a influência de Bokii, o OGPU patrocinou o regresso de Roerich à Ásia Central para continuar com os seus contatos. Mais tarde, em 1926 e em 1928, o OGPU patrocinou também duas expedições a Lhasa, conduzidas por oficiais calmuques mongóis disfarçados de peregrinos. O seu propósito principal era recolher informação e explorar as possibilidades para a continuação da propagação do comunismo internacional, na Ásia Central, e para a expansão da esfera do poder da União Soviética. Assim, os oficiais calmuques propuseram ao XIII Dalai Lama que, em troca da sua aliança, a União Soviética garantiria a independência do Tibete e protegeria o país dos chineses.
Durante este período, os líderes budistas na União Soviética e Mongólia tentaram também ajustar o budismo ao comunismo, demonstrando as similaridades entre os dois sistemas de crença. A partir de 1922, o Templo Kalachakra de Leninegrado (São Petersburgo) tornou-se o centro para o Movimento de Renovação da Fé. Liderado por Dorjiev, o movimento era uma tentativa de reformar o budismo para que este se adaptasse à realidade soviética, comunalizando o estilo de vida dos monges de acordo com o budismo antigo. No Primeiro Conselho de Todos os Budistas Unidos da URSS, em 1927, Dorjiev salientou também a similaridade entre o pensamento budista e comunista no trabalho para o bem-estar do povo. Assim, como proseguimento à primeira expedição da OGPU a Lhasa, Dorjiev enviou uma carta ao XIII Dalai Lama elogiando a política soviética para com as suas nacionalidades minoritárias. Disse que Buda era na verdade o fundador do comunismo, que Lenin tinha um grande respeito pelo Buda, e que o espírito do budismo vivia em Lenin. Dorjiev estava uma vez mais tentando usar a sua influência para convencer Dalai Lama a virar-se para a União Soviética, como tinha previamente tentado, ao associar a Rússia a Shambhala e o Czar Nicolau a Tsongkhapa.
Entretanto, o interesse principal de Dorjiev era indubitavelmente a proteção do budismo na União Soviética e na República Popular da Mongólia. Líderes budistas na Mongólia, tal como Darva Bandida e o buriate Jamsaranov, seguiam a liderança de Dorjiev, tentando também reconciliar o budismo com o comunismo. Assim, Dorjiev criou, em 1928, a Missão Tibetano-Mongol no Templo de Leninegrado, em conjunção com o seu objetivo de proteger o budismo. No mesmo ano, o OGPU enviou a sua segunda expedição a Lhasa.
Perseguição Comunista ao Budismo e a Ascensão do Japão como Patrono Budista
Pelo final de 1928, Stalin tinha consolidado o seu controlo sobre a União Soviética. Iniciou o seu programa de coletivização e de anti-religião em 1929, estentendo-o também à sua população budista. Mongólia depressa seguiu o exemplo, mas implementou a política de Stalin de uma forma ainda mais fanática e agressiva. Dorjiev informou Dalai Lama de tudo o que ocorreu, convencendo-o a não confiar nos soviéticos. Muitos monges na Mongólia revoltaram-se contra a perseguição e instigaram a chamada Guerra de Shambhala, de 1930-1932. Stalin enviou o exército soviético, em 1932, para acabar com a rebelião e acalmar o “desvio esquerdista” do Partido Comunista Mongol.
Mais cedo, nesse mesmo ano, a conquista japonesa da Manchuria e da Mongólia Interior e o estabelecimento do estado-fantoche de Manchukuo também instigaram a decisão de Stalin. Estava preocupado de que o Japão tentasse mobilizar os budistas da Buriátia e da Mongólia Exterior para o seu lado, como partes de um império budista. Além disso, Stalin precisava da Mongólia como um estado-tampão entre a União Soviética e o crescente Império Japonês. Assim, durante os dois anos seguintes, Stalin ordenou os mongóis a moderarem o seu programa anti-religioso de modo a não arrastarem a sua população budista para o campo japonês. Sob a Nova Mudança Política, o partido comunista mongol permitiu até a reabertura de diversos mosteiros. Armado com a propaganda desta aprovação oficial do budismo, o OGPU planeou outra expedição ao Tibete no inverno de 1933-1934. No entanto, a expedição nunca se concretizou porque Stalin depressa mudou de ideias e tomou gradualmente uma posição mais severa relativamente ao budismo.
Em 1933, o Japão expandiu Manchukuo, anexando Jehol (Chengde) ao sul. Jehol tinha sido a capital de verão dos manchus, os quais tinham tentado fazer dela o centro do budismo tibetano e mongol sob o regime da sua Dinastia Qing. No final desse ano, Stalin encerrou o Templo de Kalachakra, em São Petersburgo, para ceremónias públicas. Entretanto, Stalin deu início à sua severa perseguição, na União Soviética e na Mongólia, quando Kirov, segundo membro na escala de importância dentro do Politburo, foi assassinado em 1934. Isto marcou o início do Grande Expurgo.
Quando, em 1935, explodiram os conflitos fronteiriços entre o Manchukuo japonês e a Mongólia Exterior, Stalin fez as suas primeiras prisões de monges budistas, em Leninegrado. Em 1937, o Japão tomou o resto da Mongólia Interior e do norte da China. Para obter a aliança mongol, os japoneses propuseram o restabelecimento do IX Jebtsundampa, líder político e religioso tradicional dos mongóis, e o estabelecimento de um estado pan-mongol que incluiria a Mongólia Interior e Exterior e a Buriátia. No seu esforço para aliciar os mongóis para o seu lado, até afirmaram que o Japão era Shambhala. Face à opressão comunista, muitos monges da Mongólia e Buriátia disseminaram a propaganda japonesa.
O Izvestiya, jornal do Partido Comunista Soviético, responsabilizou Dorjiev pela estratégia e acusou-o de ser um espião japonês. Mais tarde, em 1937, Stalin mandou prender Dorjiev e matar todos os restantes monges do Templo de Leninegrado, e encerrar a Missão Tibetano-Mongol. Dorjiev morreu no início de 1938.
Esforços Chineses para Tomar o Tibete e a Ineficácia Britânica em Dar Proteção
Informados por Dorjiev, os tibetanos mantiveram-se atentos e cautelosos durante esse período de opressão comunista ao budismo, na União Soviética e na Mongólia. Estavam também preocupados com os projetos chineses para a sua terra. Quando, no final de 1928, o Governo Nacionalista Chinês foi inaugurado, Chiang Kai-shek continuou a afirmar que o Tibete e a Mongólia eram partes da China. Um dos seus primeiros atos foi estabelecer a Comissão dos Negócios Mongóis e Tibetanos. Também apoiou a posição do IX Panchen Lama, na sua disputa com o governo tibetano. O Panchen Lama tinha estado a residir na China, desde 1924. Vinha insistindo numa relativa autonomia de Lhasa, na isenção de impostos, no direito de ter as suas próprias forças armadas, e na permissão para ser escoltado, de regresso ao Tibete, pelos soldados que o governo chinês lhe tinha fornecido. Dalai Lama não aceitou as suas exigências.
Entre 1930 e 1932, os tibetanos e os chineses lutaram pelo controlo de partes de Kham. Dalai Lama pediu aos ingleses que propusessem à China um armistício; a Grã-Bretanha fez essas propostas a Chiang Kai-shek sem qualquer resultado. Somente quando o Japão conquistou a Manchúria e a Mongólia Interior Oriental e estabeleceu Manchukuo, é que a China declarou uma trégua em Kham, voltando a sua atenção à frente nordeste. Uma vez mais, os ingleses provaram ser protetores ineficazes do Tibete, apesar da Convenção de Simla de 1914.
O XIII Dalai Lama morreu em Dezembro de 1933, e Reting Rinpoche tornou-se regente. Os chineses enviaram uma delegação com generosas oferendas para ver se o Tibete estava agora disposto a unir-se à República Chinesa. O Governo Tibetano declinou a oferta e reafirmou a independência tibetana. Um dos ministros tibetanos aconselhou a procura de auxílio militar japonês para manter os chineses à distância, mas a Assembleia Nacional ignorou na altura a sugestão.
O regente Reting estava disposto a transigir em algumas das exigências de Panchen Lama, mas recusou a escolta chinesa. Quando pediu aos ingleses ajuda militar, caso as forças chinesas de qualquer modo viessem, os britânicos declinaram. Eles apenas pediriam aos chineses que retirassem as suas tropas, mas Chiang Kai-shek recusou.
No início de 1936, Panchen Lama partiu para o Tibete com a sua escolta militar chinesa. Os combates entre as forças nacionalistas e os insurgentes comunistas chineses durante a sua Grande Marcha, impediram o seu avanço através de Kham. Durante os meses seguintes ocorreram complexas negociações entre os governos tibetanos, chineses e britânicos sobre o caso de Panchen Lama. Finalmente, Reting concordou com a escolta chinesa desde que os ingleses garantissem que as tropas chinesas se retirassem, através da India, logo após à sua chegada. A China opôs-se energicamente à idéia de uma proteção estrangeira e os britânicos hesitaram. Seguiu-se um impasse.
Em 1937, o Japão capturou o resto da Mongólia Interior e norte da China. Agora completamente envolvidos na guerra contra o Japão, a China sugeriu que Panchen Lama esperasse em território dominado pelos chineses, e ele assim fez. No final desse ano, Panchen Lama adoeceu e faleceu, terminando assim o episódio. Contudo, o seu legado ao governo tibetano foi uma profunda falta de confiança nos chineses e a convicção de que a Grã-Bretanha, enquanto fonte de apoio, era totalmente ineficaz.
Renovação do Interesse Tibetano pelo Japão e Contato com a Alemanha Nazi
Hitler tornou-se chanceler da Alemanha em 1933, no mesmo ano da morte do XIII Dalai Lama. Face aos conflitos fronteiriços entre Manchukuo e a Mongólia Exterior e ao estacionamento de tropas soviéticas no último, o Japão assinou o Pacto Anti-Comintern com a Alemanha, em Novembro de 1936. O Pacto proclamava a hostilidade mútua relativamente à propagação do comunismo internacional. Concordaram que nenhum deles faria um tratado político com a União Soviética e, se os soviéticos viessem a atacar qualquer um deles, consultariam um ao outro sobre as medidas a tomar para a proteção dos seus interesses.
Em 1937, o Japão capturou a metade ocidental da Mongólia Interior e o norte da China. A Alemanha anexou a Áustria e parte da Checoslováquia no mesmo ano. Com os expurgos de Stalin no seu apogeu, com as pretenções chinesas de uma presença militar no Tibete como prelúdio à sua anexação e com a falta de confiança no apoio britânico, o Tibete uma vez mais procurou proteção e auxílio militar noutro lado. A alternativa mais razoável era o Japão. Assim, em 1938, o Governo Tibetano, controlado agora unicamente pelo regente Reting, retomou os contatos.
Muitos tibetanos admiravam o Japão como nação budista que se tinha tornado num poder mundial e num novo protetor do budismo, especialmente na Mongólia Interior. Além disso, os japoneses tinham ajudado a treinar o exército tibetano vinte anos antes; os manuais do exército tibetano eram traduções do japonês. Pelo seu lado, o Japão tinha um interesse estratégico no Tibete. Como expandiu a sua Grande Esfera de Co-Prosperidade da Ásia Oriental, via o Tibete como um tampão útil e necessário contra a India britânica. Isto se encaixava bem com o desejo tibetano de permanecer independente da China.
A Expedição Nazi ao Tibete
Devido ao Pacto Anti-Comintern Nipo-Germânico, o Tibete também pensou em contactar oficialmente o governo alemão. A decisão nada teve a ver com o apoio à ideologia ou política nazi, mas sim à necessidade prática e às vicissitudes da época. No entanto, o governo tibetano conservador prosseguiu com cautela. Convidou uma delegação exploratória do governo nazi a visitar o Tibete para a celebração do Losar (ano novo), cujo convite levou à terceira expedição ao Tibete de Ernst Schäffer, em 1938-1939. Os britânicos levantaram objeções, mas os tibetanos ignoraram o protesto.
Schäffer era um caçador e um biólogo. As suas duas expedições anteriores ao Tibete, 1931-1932 e 1934-1936, tinham sido para esporte e pesquisa zoológica. Porém, esta terceira expedição foi enviada pelo Ahnenerbe (Departamento para o Estudo da Herança Ancestral). Os alemães não estavam interessados em oferecer auxílio ou proteção militar ao Tibete. Isto é óbvio pela escolha dos membros para a delegação. Além de Schäffer, a equipa incluía um antropólogo, um geofisicista, um produtor de filmes e um líder técnico. A sua missão principal parece ter sido a medição dos crânios dos tibetanos a fim de estabelecê-los como antepassados dos arianos e, consequentemente, aceitáveis enquanto raça intermediária entre os alemães e os japoneses.
De acordo com fontes ocultistas nazis, a expedição também procurava para a causa nazi o apoio dos mestres de Shambhala, que eram guardiões de poderes psíquicos secretos. Shambhala recusou ajudar, mas os mestres ocultistas do reino subterrâneo de Agharti concordaram e milhares de tibetanos foram para a Alemanha. Contudo, estas afirmações parece não serem autênticas. Embora os alemães, no seu regresso, tivessem levado com eles numerosos crânios para estudos adicionais, nenhum dos seus relatórios indica que qualquer tibetano os tenha acompanhado à Alemanha. Além disso, não ocorreram expedições alemãs adicionais.
Desenvolvimentos Subsequentes à Expedição de Schäffer
Após alguns meses à Expedição de Schäffer, o panorama político e militar mudou dramaticamente. Em Maio de 1939, o Japão invadiu a Mongólia Exterior, onde se confrontou com forte resistência do exército soviético. Enquanto a batalha ainda se encontrava violenta na Mongólia, Hitler, em Agosto de 1939, quebrou o Pacto Anti-Comintern com o Japão e assinou o Pacto Nazi-Soviético a fim de evitar a guerra em duas frentes europeias. No mês seguinte, invadiu a Polónia, mais ou menos na mesma altura em que o Japão foi derrotado na Mongólia. Os acontecimentos demonstraram aos tibetanos que nem o Japão nem a Alemanha eram dignos de confiança como fontes de proteção contra os soviéticos. Além disso, como o Japão estava fazendo pouco progresso na conquista do resto da China, voltou a sua atenção para a Indochina e para o Pacífico. O Japão já não parecia um protetor contra os chineses. Assim, o Tibete não teve outra alternativa senão os ingleses e a fraca proteção que a Convenção de Simla lhe dava.
Em Setembro de 1940, a Alemanha, o Japão e a Itália assinaram uma aliança militar e económica. Em Junho de 1941, Hitler quebrou o seu pacto com Stalin e atacou a União Soviética. Porém, nenhum dos acontecimentos levou os tibetanos a reconsiderarem a procura de proteção nos poderes do eixo central. Tibete permaneceu neutro durante a Segunda Guerra Mundial.
Entretanto, o interesse do Japão pelo Tibete continuou e cresceu ainda mais forte após a sua invasão a Burma, no início de 1942. Planeando entrar no Tibete através do norte de Burma, o Governo Imperial Japonês organizou um Departamento da Grande Ásia. Como seu conselheiro para os negócios tibetanos, o governo apontou Aoki Bunkyo, o qual vinte anos antes tinha traduzido manuais de exército japoneses para o tibetano. Sob sua orientação, os japoneses prepararam mapas e dicionários Tibetano-Japoneses. Antecipando a inclusão do Tibete na sua Esfera de Co-Prosperidade, até imprimiram dinheiro tibetano. Porém, com a derrota do Japão em 1945, os japoneses nunca conseguiram implementar os seus planos para o Tibete.