Detalhamento das Últimas Quatro Perfeições

Detalhamento da Perfeição da Paciência

A próxima atitude de amplo alcance é a paciência ou tolerância. Trata-se novamente de uma atitude, um estado mental, no qual não ficamos com raiva, mas somos capazes de suportar várias dificuldades e sofrimentos. Não quer dizer que não temos mais inimigos ou pessoas que queiram nos machucar, mas quer dizer que não ficamos com raiva, desmotivados ou relutantes quando se trata de ajudar os outros; não nos frustramos. Não conseguiremos ajudar os outros se sempre perdermos a paciência.

A Paciência de Não nos Deixarmos Perturbar por Aqueles que Nos Prejudicam

Há três tipos de paciência. A primeira é a paciência de não nos deixarmos perturbar por aqueles que nos prejudicam. Isso envolve pessoas que estão agindo de forma negativa – não ficar com raiva delas – e, mais especificamente, pessoas que nos machucam ou são sórdidas conosco e nos tratam mal. Isso não se limita a pessoas que batem em nós, mas podem ser pessoas que não nos agradecem, não nos valorizam, essas coisas. Pessoas que não gostam de nós, e nos deixam com raiva: “Ah, essa pessoa não gosta de mim!”

Quando estamos ajudando os outros, é especialmente importante não ficar com raiva e ser paciente quando eles não seguem nossos conselhos ou quando não conseguimos ajudá-los. Há muitas pessoas muito, muito difíceis de ajudar. Temos que tentar não ter raiva delas nem perder a paciência com elas, mas suportar todas essas dificuldades.

Para um professor é especialmente importante não perder a paciência com os alunos. Mesmo se alguém for extremamente lento ou ignorante, depende de nós, professores, – não necessariamente professores do dharma, mas de qualquer coisa – sermos pacientes, não ficarmos com raiva nem frustrados, mas sermos habilidosos ao ensinar. É como quando ensinamos algo a um bebê. Não podemos esperar que um bebê seja capaz de aprender tão rapidamente quanto um adulto.

Shantideva sobre Desenvolver a Paciência

E há muitas, muitas formas diferentes de desenvolver paciência. Em seu “Engajando-se no Comportamento de um Bodhisattva”, Shantideva explica muitas, muitas formas diferentes. Não temos tempo para nos aprofundar em cada uma delas, mas podemos olhar para uma ou duas.

Quando queimamos a nossa mão no fogo ou em um fogão – bem, não podemos ficar com raiva do fogo por ser quente; trata-se de sua natureza. Da mesma forma, o que é possível esperar do samsara? É claro que as pessoas nos decepcionarão, nos magoarão, as coisas serão difíceis – o que esperamos? Se pedirmos a alguém que faça algo por nós, devemos esperar que a pessoa cometa erros. E se ela cometer erros, e não fizer como queríamos que fizesse, de quem será a culpa? É culpa é nossa. Por termos preguiça, não fazermos nós mesmos e pedirmos aos outros. Se tivermos que ter raiva de alguém, que seja da nossa própria preguiça. Afinal, o que esperávamos do samsara?

Para todos os diferentes tipos de paciência, podemos desenvolver essa forma muito útil de nos lembrarmos, simplesmente perguntando a nós mesmos: O que eu esperava do samsara? O que você esperava? Que tudo fosse fácil, que tudo funcionasse bem? O que eu esperava? A natureza do samsara, que compõe cada momento de nossas vidas, é feita de sofrimento e problemas, e das coisas que não funcionam exatamente da forma como gostaríamos que funcionassem, de pessoas difíceis que nos decepcionam, e assim por diante. Então, o que você esperava? Não se surpreenda. Por isso, queremos nos libertar do samsara.

É como reclamar aqui na Letônia que o inverno é frio e escuro. Bem, o que você esperava do inverno – que fosse agradável e quente, e que pudésseos passear e tomar sol vestidos com roupas de banho? O que você esperava? É como a natureza do fogo. A natureza do fogo é quente. O que você esperava? É claro que você se queimará se colocar a mão no fogo ou pegar a panela quente do fogão sem proteção. O que você esperava? Não adianta ficar com raiva.

E há um tipo de paciência que podemos desenvolver vendo os outros como loucos ou bebês. Se um louco ou um bêbado gritasse conosco, seríamos ainda mais loucos se reagíssemos e gritássemos com o bêbado. Ou então, no momento de desligar a televisão e ter que dormir, se uma criança de dois anos disser para nós: “Eu te odeio!” Será que a levaremos a sério e ficaremos com raiva ou perturbados porque a criança nos odeia? É só um bebê. O bebê está cansado; então, nós o levamos para a cama, fazemos com que durma. Da mesma forma, ao ver outras pessoas agindo assim, exaustas e irritadas, podemos pensar: “Ele está agindo como um bebê, ou está agindo como um louco.” Isso nos ajuda a não ter raiva delas.

Isso se aplica também a alguém que esteja dificultando muito a nossa vida. É muito bom ver esta pessoa como nosso professor: “É o meu professor de paciência. Se ninguém dificultasse a minha vida, eu nunca aprenderia paciência nem nunca seria desafiado. Portanto, ele é muito gentil por dificultar as coisas para mim.” Sua Santidade o Dalai Lama sempre diz que os líderes chineses são professores, que Mao Tsé-Tung é o seu melhor professor de paciência. Aquela pessoa irritante no escritório... Também é um professor de paciência.

A Paciência de Suportar Nosso Próprio Sofrimento

O segundo tipo de paciência é aceitar e suportar nossos próprios sofrimentos. Shantideva fala bastante sobre isso, e diz que quando sofremos ou passamos por uma situação difícil, se houver algo que possamos fazer para mudar a situação, devemos fazer – sem ficar com raiva nem nos deixar perturbar, pois são estados que não nos ajudam. Se não houver nada que possamos fazer, por que então ter raiva ou ficar perturbados, já que isso não ajuda? Portanto, se estiver fazendo frio e tivermos acesso a roupas que nos protejam do frio, de que adianta termos raiva e reclamarmos sobre o frio? Simplesmente vestimos as roupas que temos. Se não tivermos roupas que nos abriguem do frio, de que adianta termos raiva e ficarmos perturbados, já que isso não fará com que sintamos menos frio?

Podemos também olhar para nosso próprio sofrimento e ficar felizes, pois estamos queimando obstáculos negativos – o carma negativo está amadurecendo – e podemos nos lembrar de que é bom nos livrarmos dele agora porque no futuro poderia ser bem pior. Também podemos pensar que é muito bom que ele esteja amadurecendo agora desta forma. Qualquer que seja o nosso sofrimento, ele poderia ser bem pior. Então, de certa maneira, estamos nos dando bem.

Quando batemos o pé contra a mesa no escuro e sentimos uma dor bem forte – bem, isso é muito bom, pois poderíamos ter quebrado a perna. “É melhor acontecer isso do que quebrar a perna.” Isso nos ajuda a não ficar com raiva. Afinal, ficar dando pulinhos e fazer um grande drama quando batemos com o pé não nos ajuda. Mesmo se a nossa mamãe vier e beijar o nosso pé, isso não ajudará; ele continuará a doer.

Quando estamos tentando fazer algo de muito positivo e construtivo, também é ótimo que haja vários obstáculos e dificuldades no início. Por exemplo, quando tentamos fazer algo muito positivo, como um longo retiro ou algum projeto positivo do dharma, ou uma viagem para ajudar outras pessoas, ou algo assim. Quando há grandes obstáculos e problemas no início – não precisa ser nada de dramático, como quebrar uma perna, mas se houver dificuldades no início – isso é muito bom, pois podemos fazer a seguinte consideração: “Tudo bem, obstáculos estão sendo removidos agora para que o restante do projeto corra bem.” Assim podemos ficar felizes de remover esses obstáculos agora ao invés de termos um grande problema mais tarde.

Como diz Shantideva, o sofrimento e os problemas também têm boas qualidades. Não significa que temos que buscar por eles, pensar que nosso caminho deve ser torturante e nos fazer sofrer. Não é assim. Mas quando sofremos, podemos apreciar várias boas qualidades do sofrimento. Para começar, o sofrimento ajuda a diminuir nossa arrogância e nos torna mais humildes. Também ajuda a desenvolver compaixão por outras pessoas que estão sofrendo tipos de problemas semelhantes. Por exemplo, quando adoecemos, podemos ter maior apreciação por pessoas que têm a mesma doença, caso contrário não fazemos a mínima ideia do que elas estão passando. Isso também se aplica ao envelhecer e às dores da velhice. Não é fácil ter compaixão por pessoas idosas quando temos dezesseis anos, mas aos sessenta anos, quando começamos a envelhecer, passamos a ter bastante compaixão e compreensão pelas pessoas idosas. Quando entendemos o carma (as causas e  efeitos comportamentais), o sofrimento faz com que realmente evitemos de forma bem mais resoluta as ações destrutivas e negativas, que causam o sofrimento, e nos engajemos mais intensamente em ações positivas e construtivas, que serão as causas da felicidade. Isso nos encoraja.

A Paciência de Suportar Dificuldades por Causa do Dharma

O terceiro tipo é a paciência de ter a determinação de suportar as dificuldades envolvidas no estudo e na prática do Dharma. Quando estamos tentando meditar, trabalhar para alcançar a iluminação, e assim por diante, isso leva muito tempo, e nos custa um tremendo trabalho e esforço. Temos que ser muito realistas sem que isso nos desmotive. Temos que ser pacientes com nós mesmos. Não significa que temos que nos tratar como bebezinhos, mas devemos ser pacientes.

Acho que é muito importante realmente entendermos e aceitarmos que a natureza do samsara é feita de altos e baixos. Isso não significa apenas que teremos renascimentos melhores e piores, mas que há altos e baixos o tempo todo. Às vezes temos vontade de praticar; às vezes a meditação não é muito boa. O que esperávamos? É o samsara. Ele não ficará melhor a cada dia que passa. Portanto, temos que ser pacientes e não nos frustrar por causa disso. Não devemos ficar com raiva e desistir. “Pensei que tinha resolvido a minha raiva e que eu nunca mais sentiria raiva.” De repente, algo ocorre e sentimos raiva novamente. Acontece. Não nos livraremos da raiva até nos libertarmos, como um arhat.

Top