Revisão
Desenvolvendo uma Ideia Precisa de Bodichita e Iluminação
Vimos que existe a bodichita relativa e mais profunda (absoluta), e que a bodichita tem como objetivo a iluminação e, especificamente, nossa própria iluminação que ainda não aconteceu, mas que pode ser imputada em nosso contínuo mental - em algum momento ela acontecerá. Mas não é inevitável que ela aconteça, pois se não criarmos as causas para tanto, ela não acontecerá. Portanto, a bodichita relativa é direcionada àquilo em que a iluminação que-ainda-não-está-acontecendo resulta: o aspecto Dharmakaya de Consciência Profunda (a mente onisciente) da iluminação e os aspectos Sambhogakaya e Nirmanakaya. A bodichita mais profunda é direcionada à forma como essa iluminação que-ainda-não-está-acontecendo existe, ou seja, seu aspecto de vacuidade, que é o aspecto do Corpo de Natureza Essencial (Svabhavakaya) da iluminação.
Em termos de bodichita relativa, a maneira como a mente toma isso como seu objeto é com duas intenções:
- Uma intenção é alcançar esse estado, ou seja, que ele se torne uma iluminação que-está-acontecendo, não uma iluminação que-ainda-não- aconteceu.
- A outra intenção é beneficiar a todos da forma mais completa possível por meio dessa conquista. Mas, na verdade, essa intenção vem antes, pois faz parte da motivação de querer beneficiar a todos o máximo possível. Portanto, - uma vez que percebemos que, para fazer isso plenamente, precisamos alcançar a iluminação mais completa possível - intencionamos alcançar essa iluminação e, de fato, beneficiar os outros.
A bodichita é acompanhada de amor e compaixão, mas certamente não é a mesma coisa que amor e compaixão, por isso precisamos diferenciar esses estados, esses fatores mentais. A compaixão – a grande compaixão (não a compaixão comum) –, afinal, tem um alvo (ao qual ela é direcionada); ela é direcionada a todos e, especificamente, ao sofrimento de todos. Seu alvo não é a iluminação, mas o sofrimento de todos os seres. E a maneira como a mente mira nesse alvo é com o desejo e a intenção de que (os seres) se livrem do sofrimento, que esse sofrimento vá embora, com a intenção de fazer algo a respeito, desejando ser capaz de fazer algo a respeito. Portanto, isso vem primeiro, antes da bodichita. E podemos ter compaixão simultaneamente com bodichita, pois podemos ter vários estados mentais simultaneamente com diferentes objetos simultâneos, assim como podemos ouvir e ver ao mesmo tempo em que estamos falando com alguém. Da mesma forma, podemos ter compaixão e bodichita ao mesmo tempo, mas elas são objetos diferentes - estão focadas em coisas diferentes. Portanto, é muito importante diferenciar compaixão de bodichita. A compaixão é o desejo de que todos estejam livres do sofrimento e das causas do sofrimento; o amor é o desejo de que todos sejam felizes e tenham as causas da felicidade. Esses são todos estados mentais diferentes.
Para nos concentrarmos adequadamente na verdade relativa de nossa própria iluminação futura, que-ainda-não-aconteceu – ou seja, para nos concentrarmos no que ela é - temos que ter uma ideia muito precisa do que é a iluminação. Se for uma ideia imprecisa de que poderemos simplesmente acenar com uma varinha mágica ou mover nossas mãos e resolver todos os problemas do mundo ou do universo - bem, isso não é iluminação, isso não é algo possível. Portanto, tentar alcançá-la seria uma fantasia. Temos que ter uma ideia e um entendimento muito precisos do que realmente é a iluminação, por isso precisamos estar muito familiarizados com todas as qualidades de um buda. Isso nós já deveríamos ter aprendido quando tomamos refúgio, quando demos uma direção segura às nossas vidas – (deveríamos) aprender isso muito antes da bodichita.
Como Se Convencer da Própria Iluminação
Para que possamos ter o objetivo de alcançá-la, precisamos estar convencidos de que é possível alcançá-la - é possível para mim alcançá-la. Como disse, isso requer duas coisas - requer várias outras coisas, mas para focar na iluminação, tenho que ter uma imagem precisa, para que essa imagem precisa diga: como, com esse estado búdico, conseguirei beneficiar a todos tanto quanto possível? Portanto, temos que realmente entender essas coisas básicas, tipo como não ter emoções perturbadoras. Coisas ainda mais básicas: (na iluminação) não há criação de aparências de existência verdadeira, conforme discutimos esta manhã, o que significa que podemos estar plenamente conscientes de todas as causas e interconexões de tudo e de todos, do carma de todos os seres desde tempos sem princípio. Sabemos o que está acontecendo com uma determinada pessoa, com cada pessoa, e quais são as razões para ela agir assim ou assado. E sabemos todas as consequências de tudo o que ensinamos a elas e, portanto, sabemos exatamente qual é a melhor coisa a ser ensinada; e como isso as afetará, não apenas em todas as vidas futuras, mas como afetará todas as outras pessoas com quem elas interagirão como resultado de termos ensinado isso a elas. E temos a capacidade de nos relacionar com todos, de nos comunicar com todos, de uma forma que eles conseguem entender, e não nos limitamos a ajudar apenas uma pessoa de cada vez. Portanto, temos que entender que essa é realmente a maneira pela qual poderemos ajudar a todos. E, ainda assim, tudo o que poderemos fazer é mostrar-lhes o caminho. Eles precisarão entender por si mesmos. Portanto, temos de nos convencer de que é possível nos tornarmos assim.
Natureza Búdica
Conforme disse, para almejar alcançá-la, precisamos estar convencidos de que podemos alcançá-la. Isso significa que precisamos entender que possuímos uma natureza búdica - temos o material básico que nos permite alcançar a iluminação, que a torna possível. E isso se refere à natureza de nossa mente, à natureza da atividade mental - sua natureza relativa e sua natureza mais profunda. Sua natureza relativa é de criar aparências, é a atividade de criar aparências e tomar conhecimento, perceber. Isso é algo que permitirá o fato de criar as aparências de tudo e de tomar pleno conhecimento, sem limitações. Portanto, o material está lá, a atividade está lá, o que ele é e suas qualidades básicas de capacidade de compreender, de se concentrar em muitas coisas, de estar ciente da individualidade das coisas, de receber informações, de saber como se relacionar com os outros, de cordialidade, de compreensão. Todas essas qualidades básicas são qualidades dessa atividade mental. Portanto, é apenas uma questão de se livrar dos obstáculos que impedem seu pleno funcionamento. Além disso, a natureza mais profunda dessa atividade mental - ela não existe de formas impossíveis, encapsulada em plástico, sempre igual, impossível de ser afetada ou desenvolvida - ela pode ser desenvolvida. Portanto, temos que realmente entender a natureza búdica, que é isso que nos permite alcançar a iluminação. E ela não tem começo e não terá fim.
Criação de Redes de Força Positiva e Consciência Profunda
Precisamos perceber que esse pleno funcionamento da atividade mental ainda não está acontecendo, mas é possível de acontecer. Não é que já esteja acontecendo, é que está sendo encoberto por algum obscurecimento. Ainda não está acontecendo, mas pode acontecer; a base está lá. Temos que entender isso também. Precisamos também perceber que o pleno funcionamento não acontecerá apenas com base no material de trabalho que já existe. Para que isso funcione plenamente, temos de trabalhar muito. Portanto, temos de fazer duas coisas.
- Temos que purificar e nos livrar dos obstáculos, dos obscurecimentos que estão impedindo seu pleno funcionamento
- E temos que acumular o que geralmente é traduzido como "mérito", mas que significa uma "força positiva", uma energia positiva. Às vezes é chamado de "coleção de mérito" - "coleção" não é uma palavra muito boa aqui, pois "coleção" é como uma coleção de selos e não estamos falando de uma coleção de selos, uma coleção de pontos. Estamos falando de uma rede – de muita força positiva que se acumula. E precisamos trabalhar a rede e fortalecer a rede não apenas de força positiva ou mérito, mas também de consciência profunda. E a consciência profunda, às vezes chamada de "sabedoria", significa, na verdade, uma rede de mais e mais experiências e momentos de foco na vacuidade, especificamente, de forma não conceitual, mas podemos começar de forma conceitual
As tradições Gelug e Sakya explicam que a geração de força positiva desenvolverá essas qualidades básicas e relativas da natureza búdica - há potenciais, mas estão fracos, como acolhimento, compreensão e assim por diante. Por outro lado, as tradições Kagyu e Nyingma explicam que o modo como eles funcionam é ajudando no processo de purificação, para nos livrarmos dos obstáculos, dos obscurecimentos. Mas o resultado é exatamente o mesmo. A Kagyu e a Nyingma não estão dizendo que o estado de iluminação plena já está funcionando. Elas estão dizendo que ainda não está funcionando, mas se você se livrar dos impedimentos, ele funcionará plenamente. A Gelugpa e a Sakya estão dizendo que você deve se livrar dos obstáculos, deve trabalhar nisso e também no desenvolvimento das qualidades positivas. Mas, no final, todos estão fazendo exatamente a mesma coisa. Portanto, é apenas uma questão de interpretação de como isso funciona, por isso não devemos pensar que é contraditório - não é. Mesmo quando lemos, bem, "Já somos budas", isso não significa que a mente já está funcionando como um buda, que ela está apenas meio que escondida dentro. Isso não é budismo de forma alguma; é uma das escolas hindus - Samkhya, para ser mais específico.
Também precisamos entender por que é necessário construir essas duas redes e como elas funcionam. Portanto, precisamos entender que, quanto mais experiência tivermos em focar profundamente, de forma não conceitual, na vacuidade, mais forte a rede ficará. Ela ficará cada vez mais forte, de modo que, eventualmente, poderemos nos concentrar nela para sempre, sem sair. E quando conseguimos fazer isso, precisamos saber que significa que não podemos ter, simultaneamente, emoções perturbadoras, inconsciência da realidade ou a mente criando aparências de formas impossíveis de existir. Assim, entendemos por que precisamos acumular mais e mais experiências nesse sentido.
Tudo isso, é claro, baseia-se no fato de percebermos que essas limitações - a inconsciência, as emoções perturbadoras, a aparência de coisas realmente existentes, com linhas ao redor e assim por diante - são coisas que podem ser removidas. Elas não fazem parte da natureza da atividade mental. Portanto, também entendemos isso. E com essa base, percebemos a importância de ampliar cada vez mais essa rede de consciência profunda, o propósito disso. E precisamos entender por que temos de construir uma rede de força positiva e como ela funciona. Para isso, precisamos entender que, ao fazer coisas construtivas - de fato, ajudar os outros, desenvolver estados mentais construtivos, generosidade, disciplina e assim por diante - isso gera uma grande quantidade de energia positiva.
Essa energia positiva é necessária. De certa forma, é como o combustível que nos impulsiona para frente. Também temos de entender que, quando acumulamos um certo nível de força positiva, é como em um sistema orgânico - de repente, todo o sistema se reorganiza e funciona em um nível totalmente diferente, quando há um aumento suficiente de energia. É como quando você coloca energia suficiente no gelo e, de repente, a coisa toda se reorganiza e se torna água líquida. E se você colocar ainda mais energia, ela se reorganizará e, de repente, se tornará vapor. Da mesma forma, a atividade mental – à medida que você coloca mais força nela, ela vai passando por esses vários estágios, como arya e arhat e, por fim, buda, e passa a funcionar em sua plenitude. Portanto, precisamos entender a necessidade de fazer isso, como isso funciona. É assim que chegaremos à iluminação: a combinação de construir essas duas redes e conectá-las entre si - a rede de força positiva e a de consciência profunda, vacuidade.
É como, por exemplo, se quisermos chegar a uma estrela que está a mil anos-luz de distância e soubermos por que queremos chegar até ela - não apenas "Ok, seria bom ir até lá". Se entendermos a necessidade de chegar a essa estrela e chegarmos a essa estrela, teremos todas as habilidades para conseguir ajudar a todos os seres da forma mais completa possível.
- Em primeiro lugar, temos que mirar na estrela correta para chegar lá; se estivermos um pouco fora de rota, não chegaremos.
- Temos que estar convencidos de que temos um foguete que pode nos levar até o fim da viagem, até lá, e que podemos usá-lo quando estivermos lá, a fim tirarmos proveito do que há na estrela.
- Levaremos dez mil anos para chegar, mas estamos convencidos de que há uma continuidade de vida após vida após vida, então chegaremos lá. Não é que eu vá morrer depois dos cinquenta anos e então a jornada estará terminada.
- Temos combustível suficiente - essa é a força positiva, a rede de força positiva - que nos levará até lá. O foguete é a mente, a atividade mental. Temos combustível suficiente e continuaremos a acumular combustível. Usaremos o vento solar ou sabe-se lá o que para chegar lá. Mas sabemos que podemos colocar mais e mais combustível - sabemos qual é o combustível, ele nos levará até lá
- Sabemos exatamente o caminho para chegar lá - então chegaremos. Podemos confiar que, ao partirmos em nosso foguete, acabaremos chegando lá.
É a mesma coisa com a bodichita. Sem tudo isso, você desiste e não tem confiança de que pode chegar; você não consegue colocar seu coração nisso. Você pode até errar a estrela por não ter mirado corretamente. E então, no meio do caminho, você se pergunta: "Afinal, por que estou me dando ao trabalho de ir até lá?" E desiste.
A Importância da Dedicação
A dedicação dessa força positiva é absolutamente essencial; dedicá-la corretamente. Se não a dedicarmos à liberação ou à iluminação, toda a força positiva que acumularmos funcionará automaticamente apenas para melhorar o samsara, nossa existência samsárica – isso faz parte do processo cármico. É como se você digitasse um arquivo e, se não apertasse um determinado botão para salvá-lo na pasta "liberação" ou na pasta "iluminação", automaticamente ele fosse para a pasta "melhorar o samsara". Portanto, você precisa dedicar e salvar essa força positiva à medida que ela se acumula mais e mais, não apenas na pasta da liberação, mas também na pasta da iluminação. E a força ficará cada vez mais forte, dependendo de onde a salvarmos.
Então é a mesma coisa: temos o foguete, temos o combustível, mas se a força não for muito forte, o que vai acontecer? Vamos subir, mas ficaremos apenas em órbita; daremos voltas e mais voltas e mais voltas - isso é o samsara. Temos que acumular mais força e dedicá-la à liberação para sairmos da órbita - a liberação do samsara. Apenas sair da órbita e ir em direção à liberação - bem, isso não é suficiente. Temos que conseguir ir à velocidade da luz - isso é bodichita, para que possamos de fato alcançar essa estrela a mil anos-luz de distância.
Às vezes, uma analogia pode ser útil, mas é muito importante entender o que se quer dizer, ou seja, que o acúmulo de força positiva deve ser direcionado adequadamente. Temos que fazer isso; caso contrário, não funcionará de forma alguma.
Estágios da Bodichita
Na bodichita relativa há dois estágios. Um é chamado "estágio de aspiração" da bodichita, no qual apenas aspiramos alcançar a iluminação para poder beneficiar a todos o máximo possível, o que, é claro, tem como base a compreensão do que é a iluminação e de como poderemos beneficiar a todos os seres - o que ela realmente significa e o fato de que é possível alcançá-la, e não só estar-se aspirando algo que é impossível.
Esse primeiro estágio da bodichita relativa também tem dois estágios. O primeiro é apenas querer alcançar a iluminação – ter a aspiração de alcançá-la. E o segundo estágio é o estágio em que estamos totalmente determinados a nunca nos afastar desse objetivo. Para estarmos totalmente determinado de que nunca vamos nos afastar desse objetivo, obviamente temos que ter como base a confiança total de que é possível alcançá-lo, não é mesmo? É por isso que estou enfatizando: é muito importante entender como é possível alcançar; e que é possível alcançar; e que é possível que eu alcance; e saber como fazer isso, como isso irá funcionar - para que então possamos realmente estar absolutamente determinados de que nunca vamos nos afastar dessa meta. Portanto, essas são as duas partes do estágio de aspiração.
O segundo estágio é o que chamamos de "estágio engajado" de bodichita e, na verdade, é aqui que temos que saber como alcançar a iluminação. É com base nisso que nos comprometemos totalmente - "Sim! É isso que vou fazer!" - e vamos nos engajar em todas as atividades que nos levarão à iluminação, o que podemos resumir como a construção dessas duas redes, fortalecer essas duas redes, com a dedicação apropriada à iluminação.
Os Votos do Bodisatva
É nesse ponto, com a bodichita engajada, que tomamos os votos de bodisatva. Os votos de bodisatva são basicamente diretrizes do que queremos evitar se quisermos alcançar a iluminação, se quisermos ser capazes de beneficiar os outros. E o caminho para alcançar a iluminação é beneficiar os outros o máximo que pudermos agora, mesmo que estejamos limitados. Portanto, essas são as diretrizes, os votos de bodisatva, sobre o que devemos evitar. Damos forma ao nosso comportamento; ao tomarmos os votos, damos forma ao nosso contínuo mental, ao nosso comportamento e assim por diante: "Esta é a estrutura dentro da qual vou trabalhar para alcançar a iluminação. Não vou além disso, fora desses limites, por assim dizer; eles vão moldar meu comportamento em meu caminho para a iluminação". Esses são os votos de bodisatva. E quando os tomamos, eles se tornam parte de nosso contínuo mental de agora até que eu alcance a iluminação, ou seja, para todas as vidas futuras. Obviamente, na próxima vida, teremos que refazê-los para nos comprometermos novamente, mas o instinto, o hábito, estará lá com muita força, então seremos atraídos a fazer isso. De certa forma, temos de atualizá-los.
Em outras palavras, quando ainda formos um bebê, se tivermos feito um voto de bodisatva em uma vida anterior, teremos esses votos, mas poderemos transgredi-los. Ao transgredi-los, enfraquecemos o voto, mas não é que estejamos pensando "Sim, esse voto é ridículo e não quero segui-lo", e o esqueçamos. Não é um estado mental negativo, tipo "Estou muito feliz por tê-lo violado e não tenho intenção de cumpri-lo novamente". Com um estado mental assim, totalmente negativo, você abandona os votos. Portanto, sem esse estado mental - um bebê não tem tal discernimento e uma criança pequena também não - isso apenas enfraquece a força do voto de bodisatva. Porque, basicamente, o voto de bodisatva faz parte do contínuo mental. Assim, quando a criança tiver idade suficiente para saber o que está fazendo, ela poderá tomar o voto de bodisatva novamente - purificá-lo, fortalecê-lo novamente. E é isso que fazemos. Fazemos isso mesmo nesta vida, pois inevitavelmente o enfraqueceremos.
A questão é não perdê-lo completamente, por ficar feliz por tê-lo violado e não ter a intenção de parar de violá-lo, e “não me arrependo nem um pouquinho (na verdade, estou feliz com isso) e não tenho nenhum sentimento de vergonha, não me importo com a repercussão que isso terá em mim ou em meus professores” ou qualquer coisa do tipo – se for assim, perderemos o voto. Teremos desistido. Portanto, é isso que significa dizer que tomamos esse voto de bodisatva de agora até a iluminação. Não é como os votos dos monges ou monjas, que você perde quando morre. E os votos tântricos também são tomados até a iluminação; é o mesmo mecanismo dos votos de bodisatva.
Trabalhando para Alcançar a Bodichita
No momento, podemos ter essa aspiração e esse estado engajado de bodichita, mas temos que nos esforçar para ter esse ideal. Temos que trabalhar em estágios para isso, e no decorrer do dia, em nossa vida cotidiana normal, ele não vem automaticamente. Temos que trabalhar passo a passo para realmente senti-lo. Ou seja, temos que passar por uma linha de raciocínio, por etapas, para realmente senti-lo. E há dois métodos em geral para fazermos isso.
- Um deles é chamado de processo de causa e efeito em sete partes para meditação, no qual reconhecemos que todos foram nossas mães em vidas anteriores, lembrando-nos da bondade das mães, do amor materno e assim por diante
- A outra é chamada de equalização e troca de atitudes em relação a nós e aos outros
Portanto, passamos por uma ou por outra dessas sequências, e há uma maneira de combinar as duas em uma única sequência - então, trabalhamos em nós mesmos ao longo desses estágios para realmente dizer: "Sim! Estou buscando a iluminação para beneficiar a todos os seres, incluindo todas as baratas do universo, igualmente". Não é uma conquista pequena realmente sentir isso em relação a todos os insetos do universo, não apenas às pessoas de quem gostamos, e também não só pelas pessoas, e ser sincero nisso.
Bodichita Elaborada e Não Elaborada
Ao trabalhar em cada um desses estágios em sequência, com base em todo o entendimento que já discutimos, desenvolvemos esse objetivo com sinceridade, realmente o sentimos. Isso é meditação: estamos nos familiarizando, transformando isso em um hábito, desenvolvendo-o repetidamente. E isso é o que é conhecido como bodichita elaborada. Isso não significa que ela não seja sentida sinceramente, que não seja real. Significa apenas que é preciso elaborá-la em etapas. A menos que tenhamos instintos inacreditáveis de vidas anteriores, o que é muito, muito, muito raro, todos nós teremos que fazer isso. Instintos tais que automaticamente temos bodichita perfeita sem precisar elaborá-la através dos estágios - isso não acontece com quase ninguém; então não nos enganemos pensando que acontecerá conosco.
Temos que trabalhar em todos esses estágios, meditação e assim por diante, para que isso se torne um hábito. Isso é chamado de bodichita elaborada. Estamos falando de desenvolvê-la sinceramente, não estamos falando de uma versão banalizada de bodichita. Como eu disse, queremos ajudar todas as baratas do universo a alcançar a iluminação, e isso é muito, muito profundo e muito difícil. E, eventualmente, quando tivermos meditado o suficiente, nos familiarizado o suficiente e nos esforçado para sentir sinceramente a verdadeira bodichita, eventualmente, alcançaremos o estado não elaborado. A bodichita espontânea é quando não precisamos passar por esses estágios um a um; simplesmente a temos, sem ter que trabalhar nos estágios. Só de nos lembrarmos, automaticamente a temos por completo. Esse é o estado não elaborado. E quando não precisamos nem mesmo nos lembrar da bodichita, quando a temos de forma espontânea o tempo todo, nos tornamos um bodisatva. Isso é um bodisatva. Portanto, não banalize o fato de se tornar um bodisatva. Por favor.
Quando pensamos em termos dos cinco caminhos - na verdade, são os caminhos mentais que nos levarão ao nosso objetivo - o primeiro deles costuma ser traduzido como o "caminho da acumulação". Eu o chamo de "caminho mental da acumulação" - você está acumulando mais e mais causas básicas. Mas é somente nesse ponto, quando temos bodichita não elaborada o tempo todo, que realmente entramos no caminho, que realmente temos o primeiro caminho mental, o primeiro nível do caminho mental, o caminho da acumulação. É aí que começa grande parte da discussão. Finalmente subimos de nível; tudo antes disso é como uma preliminar. Ao subir até o acampamento base do Monte Everest, você finalmente chega ao acampamento base. A propósito, esse é o caminho Mahayana de construção, acumulação.
E, quando dizemos que a temos o tempo todo - um bodisatva tem bodichita não elaborada o tempo todo - isso não significa que ela tenha que ser consciente o tempo todo. Um bodisatva tem essa bodichita mesmo quando está dormindo. O que isso significa é que, mesmo quando está dormindo, você ainda tem esse objetivo; você nunca perde esse objetivo, de alcançar a iluminação e beneficiar a todos. Por isso, lemos em Shantideva, Engajando-se no Comportamento do Bodisatva (O Caminho do Bodisatva), que, uma vez que você realmente o tenha desenvolvido - não estamos falando dos estágios iniciais, estamos falando de quando você é realmente um bodisatva -, isso acumula força positiva o tempo todo, pois você nunca perde esse objetivo, porque ele não é trabalhado, ele está lá. É claro que a cada momento ele está mudando, mudando, mudando, mas há uma continuidade disso. Quero dizer, não é algo estático, mas quando estamos acordados, quando estamos dormindo, não importa o que estejamos fazendo, esse ideal de bodichita está sempre presente. Isso é um bodisatva, por isso, como eu disse, é muito importante não banalizar, tipo: "Ah, esta pessoa é um bodisatva", ou "Agora sou um bodisatva". É realmente algo muito extraordinário, muito extraordinário. E então tudo o que você faz é benéfico, porque tudo o que você faz é com esse objetivo.
Um bodisatva não apenas tem a bodichita não elaborada, como também cada passo do caminho para desenvolver a bodichita é não elaborado. Por exemplo, o amor sincero, com o qual você aprecia todos os outros seres e se sentiria péssimo se algo de ruim lhes acontecesse. Digamos que um mosquito esteja zumbindo ao redor de sua cabeça: você ficaria muito feliz, isso aqueceria seu coração: "Oh, que maravilha, esse ser foi tão gentil comigo em uma vida anterior e agora voltou". Esse contínuo mental agora tem a forma de um mosquito - "Oh, que terrível, quanto sofrimento minha mãe está tendo agora como um mosquito". Isso simplesmente aquece nosso coração, apreciamos, ficamos muito felizes por encontrar esse mosquito e não queremos que nada de ruim lhe aconteça. Você não precisa se esforçar para pensar: "Bem, ele foi minha mãe em uma vida anterior", pensar em continuidades mentais. Você não precisa pensar nisso tudo, isso simplesmente surge, assim, automaticamente, sem esforço, espontaneamente. É disso que estamos falando aqui; portanto, não banalize isso. É algo muito avançado. É isso que um bodisatva sente.
Bodisatvas, Liberação e Iluminação
Às vezes ouvimos: "Bem, o que é um bodisatva?" Um bodisatva é alguém que não entrará no nirvana até que tenha conseguido ajudar a todos. Mas, o que isso significa? Significa acumular força positiva por meio de muitos, muitos tipos de ações positivas. Se o nosso objetivo é a liberação, se a dedicação é para a liberação, não leva muito tempo - em algumas vidas você consegue fazer isso, uma vez que tenha atingido um determinado estágio. Já para alcançar a iluminação, que significa não colocar toda a força positiva na pasta da liberação, mas guardá-la na pasta da iluminação, isso exigirá uma quantidade enorme de tempo, pois requer uma quantidade enorme de força positiva. É isso que o bodisatva faz. Um bodisatva não vai colocar toda essa força positiva na liberação, que pode ser alcançada em muito menos tempo; mas, como o bodisatva quer beneficiar a todos os seres o máximo possível, colocará toda essa força positiva na pasta da iluminação, que exigirá uma quantidade enorme de tempo para ser preenchida, a fim de que ele possa beneficiar os outros seres. Portanto, é isso que significa o fato de um bodisatva desistir de alcançar seu próprio nirvana, que significa libertação. A liberação virá ao longo do caminho de colocar toda a força positiva na pasta da iluminação, mas levará muito mais tempo. E a atitude do bodisatva é: "Não me importa quanto tempo leve, eu nunca vou desistir", o que, é claro, é baseado na plena confiança de que o continuum mental é para sempre - caso contrário, tudo isso não faria sentido.
Portanto, assim como um bodisatva, não estamos buscando alcançar a liberação, mas a alcançaremos como um estágio no caminho para a iluminação. Por exemplo, se nosso objetivo for chegar ao terceiro andar de um prédio, é claro que, ao subirmos para o terceiro, chegaremos primeiro ao segundo. Mas esse não era o nosso objetivo, chegar apenas ao segundo andar; nosso objetivo era chegar ao terceiro andar. Isso acontece ao longo do caminho. Mas precisaremos de muito mais energia para chegar ao terceiro andar do que para chegar ao segundo andar. Nosso objetivo é nos livrarmos de todos os hábitos das emoções perturbadoras. Portanto, nesse processo, claro, você pode primeiro se livrar das emoções perturbadoras. E você vai.