Renúncia e desenvolvimento de um objetivo de Bodhichitta

Versículos 9 a 12

Trabalhando para a Liberação

(9) A prática de um bodhisattva é interessar-se pelo estado supremo e imperturbável da liberação, uma vez que os prazeres dos três planos de existência compulsiva são fenômenos que perecem em um mero instante, como o orvalho nas pontas das folhas de grama.

Ouvimos nossos gurus, lemos muitos livros e, embora eles nos inspirem muito, acho que muitas vezes também nos sentimos um pouco bloqueados. A meu ver, esse versículo trata disso. Somos como insetos, de certa forma. Estou apenas dando um exemplo aqui; não estou dizendo que somos insetos! Acenda uma vela e veja como os insetos são atraídos por ela, como voam ao redor das chamas e como morrem por causa de sua atração pela chama. Todos os esforços do samsara, tudo o que fazemos e pelo que nos esforçamos, é assim. Atraídos pelas distrações, desfrutamos do que fazemos. No entanto, no fim, quando tudo está feito, não passa de lembranças. 

Imagine que seu chefe lhe desse um ano de férias e você pudesse passar esse tempo fazendo o que quisesse. Você visitaria diferentes lugares, comeria comidas incríveis, conheceria pessoas maravilhosas. Aproveitaria o ano, depois voltaria e todos lhe perguntariam: “O que você fez? Do que mais gostou?” “Fui aqui e acolá.” Tudo o que você compartilharia não seriam nada mais que lembranças. É tudo o que nos resta. 

O grande mestre Shantideva disse que tudo é como a experiência de um sonho e será apenas uma lembrança. Tiramos muitas fotos de nós mesmos e as publicamos on-line para obter mais curtidas. Mas o que isso nos proporciona? Tudo o que conseguimos são algumas curtidas e talvez um comentário dizendo: “Maravilhoso!” Só isso. 

Dou ao meu cachorro uma boa comida e vejo os outros cães olhando para ele. Eles o admiram ou talvez tenham até inveja! Já o meu cão está sempre olhando para mim enquanto como, provavelmente pensando “Maravilhoso! Que sorte a dele!” E eu estou olhando para aqueles bilionários que comem comida chique todos os dias e podem comprar sem esforço o que quiserem, quando quiserem. Muitas das coisas que queremos e de que precisamos lhes são dadas de graça! 

E há também aqueles que são muito ricos, como Bill Gates, que podem achar que nós, aqui embaixo, somos mais felizes, mesmo que não tenhamos muito dinheiro. Eles provavelmente se sentem bastante limitados por causa de sua fama e riqueza. O que quer que façam, é divulgado nas notícias, torna-se público. Até mesmo seus filhos e filhas não podem fazer nada sem ser assediados pelos paparazzi. Quando fazemos coisas boas ou ruins, quem realmente se importa? Temos mais liberdade. É isso que as pessoas ricas veem quando olham para nós. 

Quando um grande praticante de meditação atinge shamata, sua mente se torna tão controlada, o estado de sua mente se torna tão sutil que sua mente atinge um estágio em que não há excitação e preocupação, apenas paz. Podemos atingir esse cume. Quando alcançamos esse estágio, realmente nos sentimos mais felizes. Mas há uma data de validade. É preciso voltar. Esse estado mental só dura enquanto estivermos meditando.

Assisti a um ensinamento de minha vida passada, o antigo Serkong Rinpoche, no YouTube. Uma pergunta maravilhosa que ele fez a seus alunos foi: “Por quanto tempo vocês continuarão no samsara?” Sempre temos que voltar, de novo e de novo. Ele estava na França e algumas pessoas o convidaram para subir na torre Eiffel. Ele disse: “Deixe-me ficar aqui embaixo, subam e aproveitem”. Indiretamente, ele estava lhes dando um ensinamento. Eles subiram e apreciaram a vista de Paris. Quando voltaram, ele lhes perguntou: “Do que vocês mais gostaram?” Eles responderam: “Conseguimos ver a cidade inteira!” Ele respondeu: “Então, vocês deixaram o que mais gostaram e voltaram para baixo. Eu realmente não quero fazer uma coisa dessas.”

Isso é samsara. A vida tem altos e baixos. Às vezes, temos que aprender isso através do contato com outras pessoas ou com o que o nosso ambiente nos proporciona. Às vezes estamos saudáveis, outras vezes doentes. O bodhisattva Gyalse Togme Zangpo diz no texto que todas as experiências dos três reinos duram apenas um momento. Na minha idade - estou na casa dos 30 anos - já enfrentamos muitos problemas. Às vezes, choramos, gritamos e berramos muito. Mas agora tudo está resolvido. Foi apenas um momento. Quer tenhamos nos refugiado ou não, quer sejamos budistas ou não, todos nós podemos reconhecer isso. Tudo o que vivenciamos agora são apenas momentos do passado depois. E há o futuro, o que está por vir. Continuaremos a enfrentar coisas boas e ruins em nossa vida. Na hora da morte, diremos que tudo passou em um instante, em um flash. É uma certeza que temos. É por isso que Gyalse Togme Zangpo disse que toda a felicidade dos três reinos dura um momento e desaparece rapidamente, como gotas de orvalho na grama. 

Agora, a pergunta é: “Existe algo melhor do que isso?” Gyalse Togme Zangpo diz que sim, existe. É o supremo estado de liberação que nunca muda.

Temos que nos lembrar do primeiro ensinamento do Buda, sobre as quatro nobres verdades. Ele ensinou sobre o sofrimento e disse que deveríamos conhecer o sofrimento. Para conhecer bem o sofrimento, precisamos conhecer a causa do sofrimento. Depois, não precisamos perder a esperança, porque a terceira verdade é a cessação. Essa é a liberação, a liberação eterna. Quando você atinge a cessação, não importa qual o sofrimento, ele não voltará. Nenhuma das emoções negativas pode voltar. Temos uma mente inteligente, portanto, se realmente quisermos nos esforçar por alguma coisa, devemos direcionar nosso esforço para desenvolver nossa mente. 

Para alcançar a liberação, precisamos estudar e vivenciar a vacuidade. Só isso pode nos ajudar a alcançar a liberação. Física e mentalmente, eu diria que somos 50% negativos e 50% positivos. Às vezes surge o lado negativo, às vezes o positivo. Quando alcançamos a liberação e nos livramos de tudo o que é negativo, qual é a garantia de que as coisas negativas não voltarão? Eu tenho me perguntado isso desde que era jovem. Não tenho certeza de qual é a garantia! Quando eliminarmos todas as emoções negativas e o apego ao eu, qual é a garantia de que um pequeno inseto não continuará a viver dentro de nós e um dia voltará a crescer? 

Felizmente, o grande mestre Dharmakirti nos deu muitos exemplos. Uma vez que praticamos e realizamos a inexistência de um “eu” sólido (selflessness) e a vacuidade, elas agem como antídotos para todas as nossas emoções negativas e para o apego ao eu. Não é como ferver água, deixá-la atingir o ponto de ebulição e, depois que você desliga o fogo, a água acaba esfriando. Aqui, a vacuidade não tem um limite..

Sua Santidade o Dalai Lama é uma grande inspiração para mim. Ele conversa muito com cientistas. Durante uma dessas conversas, uma senhora apresentou uma pesquisa que foi realizada com bebês. Foram mostrados a bebês pequenos alguns personagens de um filme de animação. Quando um personagem era abraçado por outro personagem, a reação automática do bebê era sorrir e as áreas do cérebro associadas ao amor se iluminavam. Mas quando os cientistas mostravam aos bebês um personagem machucando outro, eles automaticamente tinham reações infelizes e angustiadas. Conseguimos entender com isso que a natureza inata dos bebês pequenos é “inocente”. Ou, pelo menos, que eles têm uma maneira inocente e imparcial de pensar. Não lhes foi ensinado que cuidar dos outros é bom e prejudicar os outros é ruim, mas suas reações naturais ao ver as imagens mostram que nossa natureza é positiva, é boa. 

Isso nos dá muita esperança. Sua Santidade disse que, quando aprendeu isso com os cientistas, sentiu: “Com esse fato posso fazer muitas coisas”. Essa se tornou a base para tudo. Sua Santidade recebeu um ensinamento direto na forma da pesquisa desses cientistas e de pessoas sem fé no budismo, de que os seres humanos naturalmente têm algo muito positivo em seu interior. Há uma grande esperança no fato de que a natureza dos seres sencientes é positiva. Podemos chamar essa positividade natural de “natureza búdica”. Esse é um grande ensinamento dos cientistas e de Sua Santidade o Dalai Lama. 

Desenvolvendo o Ideal de Bodhichitta

(10) A prática de um bodhisattva é desenvolver o ideal de bodhichitta para liberar inúmeros seres, pois se nossas mães, que cuidaram de nós desde tempos sem princípio, estão sofrendo, o que faríamos com [apenas] a nossa felicidade?

A prática de todos os bodhisattvas é despertar a bodhicitta. O objetivo é levar a liberdade a todos os infinitos seres sencientes. Como a verdadeira felicidade pode ser alcançada algum dia se nossas mães, que cuidaram tanto de nós ao longo dos tempos, sentem tanta dor? 

Isso não se refere apenas a esta vida, mas a todas as nossas vidas. Em todas as nossas vidas, tivemos uma mãe que cuidou de nós e foi muito gentil conosco. Se tivermos dificuldade em reconhecer a pureza do amor de nossa mãe nesta vida e em pensar em eras e vidas infinitas, talvez seja melhor esquecer esse versículo e pular para o próximo. 

Mas pensemos na bondade de nossas mães nesta vida. Na verdade, a coisa mais incrível que qualquer um de nós já experimentou foi a bondade de nossas mães. Antes de nascermos, durante a gravidez, ela nunca perguntou quem estava dentro dela ou pensou: “Não quero esse estranho dentro de mim”. A maioria das mães, mesmo no mundo animal, não se pergunta quem está dentro dela. Elas não têm nenhuma dúvida. Ainda assim, a mãe fará de tudo para proteger o bebê que está dentro dela, mesmo antes de se conhecerem. Durante nove meses, as mães são muito cuidadosas com o que fazem e com o que comem e bebem. Mesmo se tiver que sofrer, a mãe fará tudo o que puder, desde que isso ajude o bebê. Tente pensar nisso agora e sinta a bondade de sua mãe. Esse tipo de bondade não pode ser retribuído com boa comida, roupas caras ou uma bela casa. Ainda que você se tornasse um bilionário e desse a ela uma casa de dez milhões de dólares, isso não chegaria nem perto da bondade dela. Não podemos compará-la. Durante nove meses, ela nos carregou sem hesitação. E depois que nascemos, ela cuidou de nós quando não sabíamos andar ou falar e nos educou. É claro que os pais também ajudam nisso. Porém, em geral, estamos mais ligados fisicamente à mãe nessa idade. E também podemos dizer que, geralmente, a mãe sente mais afeto e amor pela criança. 

Se meditarmos sobre isso, não haverá dúvidas sobre a bondade de nossa mãe. Depois que nascemos, nossas mães se preocupam incessantemente conosco. Até o momento de sua morte, a preocupação da mãe não é apenas conosco, mas com qualquer coisa relacionada a nós. Até de nossos parceiros e filhos ela também quer cuidar. Nossas mães querem cuidar deles como se fossem seus próprios filhos. Se você consegue imaginar esse tipo de bondade de sua mãe, pode imaginar sentir essa bondade em relação a todos os seres sencientes? De jeito nenhum! Algumas pessoas que conheci no ocidente parecem ter problemas com suas mães. Isso é uma questão individual. No entanto, de modo geral, podemos dizer que realmente nossas mães foram incrivelmente gentis conosco.

Hoje em dia, costumo dizer aos jovens que tomar refúgio no Buda, no Dharma e na Sangha pode ser secundário.  A maioria deles simplesmente não estão muito interessados em vidas futuras. Só querem viver uma vida normal e agradável. Portanto, às vezes parece uma perda de tempo falar sobre o Buda, o Dharma e a Sangha, porque eles não têm interesse algum. 

É por isso que o Buda disse: “Não ensine aqueles que não têm fé”. Então, em vez disso, sempre digo a eles que, se quiserem ter uma vida perfeita no samsara, não devem se esquecer da bondade que receberam nesta vida, que é o amor de suas mães. Eles devem se concentrar nisso e começar todos os dias pensando nisso. Para nós, budistas, aqueles que tomaram refúgio, a mãe e o pai são apenas para esta vida. O guru e o Buda, o Dharma e a Sangha estão lá até atingirmos a iluminação. Essa é a nossa prioridade. 

Agora, pensando na bondade da nossa mãe nesta vida, tentem sentir que todos os seres sencientes foram nossas mães em vidas passadas. E pensem que eles podem ser nossas mães em uma vida futura. Embora não sejam nesta vida, tentem sentir o mesmo em relação aos outros seres sencientes, como se eles fossem nossa mãe. 

As pessoas que se lembram de suas vidas passadas têm pais nesta vida, mas também se lembram da mãe e do pai de suas vidas passadas. Se você conversar com elas, elas sentirão que os pais da vida atual e os pais da vida passada são iguais. Biologicamente, eles não são os pais desta vida, mas há a sensação de “eu os conheço”, e não lhes parece difícil dizer “mamãe” para a mãe da vida anterior, porque têm essa memória. 

Mas não é importante se nos lembramos ou não. Às vezes é melhor não lembrar de tudo! Fizemos tantas coisas ruins que é melhor não lembrar. Não obstante, todos esses seres sencientes nos deram tanto e agora temos muito a retribuir. Não apenas dinheiro, roupas e educação. Até mesmo um sorriso e a demonstração de paciência é um presente melhor do que essas coisas materiais. Precisamos realmente começar a trabalhar para libertá-los da existência incontrolavelmente recorrente.

O Buda disse que quando temos uma forte aversão a alguém, todas as boas conexões que fizemos com essa pessoa em muitas vidas anteriores são automaticamente destruídas. Não tenho certeza disso, pois não consigo ver se é verdade. Mas há uma lógica por trás disso. Sinto-a intensamente. Uma briga pode arruinar toda uma vida de amizade. Depois da briga, é preciso muito esforço, até mesmo para sorrir para a pessoa. Mesmo sorrindo por fora, o que está acontecendo por dentro é indescritível. Podemos ver como as conexões podem ser totalmente cortadas nesta vida. Nosso amigo, que antes amávamos, agora é uma pessoa desprezível e desperta em nós um ódio incontrolável. Gostaríamos de nunca tê-lo conhecido. Todas essas coisas ruins brotam, não apenas de nossas bocas, mas também de nossas mentes. Dá para ver como esse tipo de emoções fortes e negativas podem cortar conexões não apenas nesta vida, mas também nas próximas vidas. O que construímos se perde totalmente. Esse é o ponto em que o Buda diz que emoções fortes e negativas, como a raiva, destroem as conexões que construímos juntos. Elas destroem o mérito de 100 eras.    

Trocando de Lugar com os Outros

(11) A prática de um bodhisattva é trocar, com pureza, sua felicidade pessoal pelo sofrimento alheio, porque [todo] o sofrimento, sem exceção, vem de desejarmos nossa própria felicidade, enquanto um Buda totalmente iluminado nasce da atitude de desejar o bem-estar dos outros.

Quando você se sentir muito feliz, não se esqueça do que o Buda nos ensinou sobre felicidade e a lei da causalidade. A felicidade que sentimos ao sair com nossos amigos, com quem podemos compartilhar qualquer coisa, com quem fofocamos, bebemos e dançamos, e que nos dão tanto prazer, é a verdadeira felicidade? Não estou dizendo que tudo isso não faz parte da felicidade. Pode até fazer. Mas cabe parar para pensar e nos perguntar por que gostamos de nossos amigos. Dizemos que eles são importantes para nós, mas não é bem assim. Dizemos que eles são importantes, mas só porque nos fazem felizes. Portanto, enquanto eles nos fazem felizes, nós os consideramos amigos. 

Então, podemos parar para refletir um pouco mais e perguntar: “Por que sou importante? Por que sempre quero ser feliz?” Porque nos sentimos importantes. No fim das contas, tudo se resume a “eu, eu, eu”. Não dizemos isso em voz alta, mas, no fundo, é assim. Claro, somos importantes. Ainda assim, tudo, todas as decisões que tomamos, as pessoas que amamos, só giram em torno do “eu”. 

Seria ótimo se nossas vidas sempre corressem bem e fôssemos sempre felizes. Mas não é assim. Mesmo se pensarmos apenas em nós mesmos e em nossa felicidade, sempre vivenciaremos algum tipo de sofrimento. É por isso que Gyalse Togme Zangpo diz que todos os nossos sofrimentos vêm de só buscarmos a nossa própria felicidade. Essa é a chave. 

O oposto disso são os bodhisattvas. Em vez de pensar apenas em si, eles só pensam no bem-estar de todos os seres sencientes. Em uma eleição, todos os candidatos dizem: “Sou um simples servo de vocês, do povo”. É assim que eles ganham a eleição! No entanto, quando ganham, agem de forma muito diferente. Não são sinceros. Os bodhisattvas sempre praticam com sinceridade. Eles perceberam que o sofrimento vem do fato de alguém pensar apenas em si. Os bodhisattvas colocam os outros primeiro lugar e a si em segundo lugar.

Há alguns dias, vi uma briga na rua. Não era um confronto físico, mas tinha muitos gritos e palavras duras. Eu fiquei ouvindo e me senti entediado porque parecia que eles nunca iriam começar a lutar. Haha, estou brincando, é claro! Então, eu estava escutando e um deles disse: “Peça desculpas e o problema estará resolvido”. A outra pessoa era muito teimosa e disse: “Não. Eu não vou pedir desculpas”. Na verdade, eles estavam brigando pela palavra “desculpa”. Isso é ego. O simples fato de dizer “me desculpe” poderia ter resolvido tudo, mas um dos rapazes não estava disposto a desistir. 

Se alguém ficar chateado com um bodhisattva, ele automaticamente pedirá desculpas, não importa o que tiver acontecido. Se você colocar os outros em primeiro e a si em segundo lugar, automaticamente pensará: “Talvez eu tenha feito algo errado” e pedirá desculpas. Por outro lado, se você se colocar em primeiro e os outros em segundo lugar, quando alguém estiver com raiva de você, você não se importará, ou só vai querer revidar. É hora de mudar esse pensamento. 

Colocar o outro em primeiro lugar não significa que ele será nosso chefe e nós seremos um coitadinho disposto a ser pisoteado. Não é nada disso. De fato, pensar como um bodhisattva exige força e coragem incríveis. Sua Santidade o Dalai Lama sempre diz que os bodhisattvas são muito inteligentes porque sabem amar a si mesmos. Nós dependemos dos outros. Se pudermos fazer os outros felizes, também seremos felizes. O “eu” está incluído em todos “nós”. É por isso que é muito importante trocarmos de lugar com os outros. 

O Comportamento do Bodhisattva: Lidando com Ofensas

(12) A prática de um bodhisattva é: se alguém, sob domínio de um desejo muito forte, nos roubar ou faça com que alguém roube toda a nossa riqueza, dedicar a essa pessoa seu [próprio] corpo, recursos e ações construtivas dos três tempos. 

Esqueça todos os outros versículos por um momento e imagine alguém que não acredita no budismo vendo esse versículo. Essa pessoa pensará que é a coisa mais maluca do mundo! Ela dirá que há limites para tudo e não devemos tolerar esse tipo de comportamento. A pessoa me roubou, disse coisas ruins para mim, me bateu. É por isso que temos que processar essas pessoas. Precisamos nos vingar delas! É assim que as pessoas normais pensam. Mas os bodhisattvas cedem prontamente em tudo. Por quê? Para eles, é fácil e natural; não é um despropósito, de modo algum. Para nós, seria uma loucura. Não estamos prontos para fazer isso. Eu não estou pronto para fazer isso. 

Com certeza, gostaríamos de seguir os passos dos bodhisattvas e os admiramos profundamente. Mas sentimos que não estamos prontos para fazer isso - não podemos abrir mão de tudo tão facilmente. Então, precisamos nos perguntar por que não estamos prontos. O motivo é bem simples. É porque não vemos todos os seres sencientes como preciosos, como fazem os bodhisattvas. É como o que Geshe Langri Tangpa escreve nos Oito Versos do Treinamento da Mente: “Os seres sencientes são muito especiais para mim, como um tesouro. Por meio deles, eu me ilumino completamente. Eles são como um tesouro muito precioso”.

Os bodisatvas veem imensas qualidades em todos os seres sencientes. O anterior Serkong Rinpoche disse, em um de seus ensinamentos, que a bondade do Buda, dos bodhisattvas, de nossos gurus e dos seres sencientes são todas iguais. A bondade de todos os seres sencientes é igual à dos budas e bodhisattvas. A bondade dos seres sencientes é incomensurável. Se não enxergarmos a bondade de todos os seres sencientes, será muito difícil ver as qualidades positivas de todos eles. 

Para nos habituarmos à ideia de doar tudo, também é bom pensar na impermanência. Podemos ter bilhões de dólares em nossa conta, mas quando chegar a nossa hora de deixar este mundo, nem um pouco desse dinheiro virá conosco. Ele irá para os nossos filhos, para a caridade, para aqui e acolá. E os filhos podem vir nos visitar quando estivermos no hospital, talvez com um pouco de tristeza, mas provavelmente com outros objetivos. Eles tentarão obter todo o dinheiro para eles! Talvez o testamento já esteja assinado. Querendo ou não, teremos que doar tudo. Não podemos dizer aos nossos filhos: “Por favor, mande tudo para mim no céu”. 

Portanto, o que quer que os bodhisattvas tenham, eles estão prontos a doar a quem precisar. Há um geshe, um amigo meu, que é um grande praticante e foi meu aluno na minha vida passada. Quando meu professor atual era jovem, ele foi falar com esse geshe e pediu dicas para meditar sobre a impermanência. O geshe disse: “Não sei”. Muito humilde. Meu professor insistiu muitas vezes, mas o geshe só disse: “Não há nenhuma resposta surgindo em meu cérebro”. Então, meu professor pensou em ir embora e pediu ao geshe permissão para partir. Mas este pediu que ele ficasse e acabou lhe dando chá, almoço e jantar. Por fim, meu professor disse: “É melhor eu ir embora, está escurecendo e ficando tarde”. Esse geshe morava em uma caverna no alto de uma colina. Então, ele disse: “OK, é bom você ir embora agora”. Logo, ele puxou algo de debaixo da cama para dar ao meu professor. Eram 200 rúpias, o que era uma quantia enorme naquela época. E também lhe deu um par de meias. O geshe disse: “Pense em como, querendo ou não, você terá que deixar tudo para trás. O que você pode fazer antes disso acontecer? Você pode se preparar.” Para meu professor, esse foi um ensinamento incrível. 

Quando morremos, temos que abrir mão de tudo. Não temos escolha. Então, de certa forma, não é melhor começar a doar tudo agora? Vocês podem formar uma fila aqui e eu darei algo a cada um de vocês! Assim, verei sua felicidade com meus próprios olhos. Isso seria muito heroico, não é? Da mesma forma, podemos desejar que todos os potenciais positivos que temos sejam oferecidos aos outros. É como abrir uma conta bancária em nome de todos, na qual eu lhes dou 1.000 dólares nesta vida. Mas, na próxima vida, receberei 3.000 dólares de vocês! Haha! Estou só brincando, não é bem assim não. 

Dedicação

Meu principal objetivo aqui é compartilhar a minha maneira de pensar com vocês e mostrar como essa prática é importante. Se eu conseguir transmitir pelo menos um pouco do que aprendi com meus professores e expressar as grandes qualidades que vi em meus gurus, ótimo. Se isso ajudar vocês, melhor ainda. Porém, mesmo que isso não aconteça, tenho a sensação maravilhosa de estar servindo meus professores. O que eles compartilharam comigo não será desperdiçado. Minha própria prática é apenas 1% de 100%, mas se eu puder compartilhar esses lindos ensinamentos com vocês, sinto que estou fazendo um grande serviço para eles. Sinto-me muito grato. 

Por favor, dediquem todos os potenciais positivos que criamos hoje à vida longa e à boa saúde de Sua Santidade o Dalai Lama. Não devemos perder tempo, porque Sua Santidade está envelhecendo. Ele veio na forma de um ser humano. Ele está com mais de 80 anos agora e logo estará com 90. Não podemos ignorar a realidade. Ele não conseguirá ensinar por muito mais tempo. Costumávamos ter duas sessões de ensinamentos por dia, mas agora só temos uma sessão. Portanto, não podemos ser preguiçosos. Quando ouvirmos Sua Santidade, com certeza nos sentiremos muito mais inspirados. 

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