Revisão
Prostrações e Natureza Búdica
Discutimos anteriormente o primeiro verso da Guirlanda de Joias do Bodhisattva, que fala sobre como meditar e, mais especificamente, como meditar em bodhichitta.
Esse tópico foi introduzido pelos versos de prostração e homenagem — com prostrações à grande compaixão, aos professores sublimes (os gurus que corporificam essa grande compaixão) e às figuras búdica que são inseparáveis dos professores (as yidams que representam a natureza búdica dos professores). Quando nos prostramos, o fazemos acreditando na inseparabilidade da compaixão, dos professores espirituais e das figuras búdicas.
Quando nos prostramos, como no começo de uma aula, por exemplo, estamos oferecendo as prostrações aos budas e aos demais mestres que atingiram a iluminação, à nossa futura iluminação, que temos como meta alcançar, ao ideal de bodhichitta e aos aspectos de nossa natureza búdica, que nos permitirão alcançar a iluminação. Assim, nos prostramos não só à nossa futura iluminação mas também à futura iluminação de todos os demais seres e aos aspectos de sua natureza búdica.
Assim, a maneira como nos prostramos em uma aula é bastante similar ao que temos aqui neste verso de homenagem, no sentido de que também podemos pensar nas outras pessoas como as várias figuras búdicas (como se faz no tantra: ver todos seres como Avalokiteshvara ou outra figura búdica) que possuem, portanto, as qualidades da natureza búdica, que estão muito conectadas com a grande compaixão e bodhichitta. Quando lutamos pela iluminação, é muito importante estarmos convencidos de que é algo possível, e não apenas para nós, mas para todos os seres. Afinal, porque trabalharíamos para levá-los a iluminação se achássemos que não é possível?
Além disso, se conseguirmos, podemos nos prostrar e demonstrar nosso respeito ao bêbado caído na rua, homenageando sua futura iluminação e natureza búdica, ou ainda, podemos nos prostrar à futura iluminação e natureza búdica de uma barata.
Você pode se perguntar: bom, e quanto às amebas, elas também tem natureza búdica? Bom, quando pensamos em amebas e assim por diante, precisamos analisar: será que estamos falando de seres sencientes? É muito difícil saber onde fica a linha divisória entre o que é senciente e o que não é. É uma pergunta muito difícil pois, por um lado, consideramos que fantasmas e criaturas infernais são seres sencientes, e por outro, não consideramos que as plantas ou os fungos de nossos pés sejam sencientes. Não é fácil determinarmos quais formas de vida são realmente sencientes, no sentido de terem algum tipo de consciência e serem capazes de experimentar prazer e dor como resultados de suas ações kármicas de vidas passadas.
De qualquer forma, a questão é que se conseguirmos nos prostrar à iluminação e à natureza búdica de uma barata, confiando em sua capacidade de atingir a iluminação, por que duvidaríamos da com a nossa própria capacidade? Shantideva explica bem isso:
(VII.17) Nunca se desencoraje pensando: “Como pode haver iluminação para mim?” Aquele que Diz a Verdade, Aquele que Assim se Foi (o Buda), pronunciou esta verdade, assim:
(VII.18) “Até mesmo os que se tornaram pernilongos, mosquitos, vespas e vermes deverão atingirão a iluminação insuperável, tão difícil de ser alcançada, através do poder do esforço vigoroso.”
(VII.19) (O que dizer de) alguém como eu, que tem natureza (búdica) e nasceu como um ser humano capaz de perceber o que é benéfico e o que é maléfico! Porque eu não deveria atingir a iluminação, desde que não deixe de me comportar como um bodhisattva?
Se realmente tivermos bodhichitta, estaremos armados com o tipo mais forte de oponente (força opositora, antídoto), juntamente com a compreensão da vacuidade, é claro. Mesmo sozinha, bodhichitta é uma oponente muito poderosa para superamos coisas como a preguiça, que nos leva a pensar: “Não consigo fazer isso; sou muito idiota” ou “isso é demais para mim”. É muito importante superarmos esse tipo de pensamento. Caso contrário, não poderemos ter esperança de realmente trabalhar com bodhichitta. A vacuidade pode nos ajudar a superar esse obstáculo ensinando-nos que: “eu não sou inerentemente incapaz, essa não é a minha natureza intrínseca. Alcançar a iluminação é apenas uma questão de gerar as causas e ter as condições, as influências e a inspiração correta.”
O Estado Mental Necessário à Meditação em Bodhichitta
No que diz respeito a como meditar em bodhichitta, primeiro Atisha diz que precisamos nos livrar da dúvida aflitiva. Isso refere-se não apenas à nossa indecisão no que diz respeito ao significado de bodhichitta, como meditar em bodhichitta e quais métodos são válidos; refere-se também à nossa indecisão quanto à possibilidade de desenvolvermos bodhichitta e principalmente à possibilidade de nós, e todos os demais seres, atingirmos a iluminação. Se tivermos dúvidas sobre nossa capacidade de atingir esse objetivo, não conseguiremos nos dedicar de todo coração à concentração unifocada e focar em bodhichitta.
Durante o processo de escutar e pensar sobre os ensinamentos, trabalhamos para nos livrar de todas as nossas dúvidas aflitivas a respeito dessas questões. Então, diz Atisha, podemos ser realmente sinceros em nossa prática. Isso quer dizer que podemos nos dedicar de todo coração. Aqui, Atisha refere-se especificamente à meditação em bodhichitta. Compreendemos o que significa bodhichitta e nos convencemos de que podemos desenvolvê-la e alcançar a iluminação. Portanto, agora podemos colocar todo nosso foco nela e desenvolvê-la como um hábito benéfico ao coração e à mente — que é o significado da palavra “meditação”.
Um ponto que gostaria de acrescentar é que também não podemos ficar na dúvida quanto à maneira com que vamos ajudar os outros seres a alcançar a iluminação. Isso precisa estar claro. Nossa ajuda não será a de um Deus Todo Poderoso, que só precisa tocar a pessoa com seu dedo e ela se ilumina. Não podemos ter dúvidas quanto a isso. Precisamos ter uma ideia clara a respeito de como vamos ajudar os demais seres a atingirem a iluminação. E também precisamos estar convencidos de que essa forma de ajudar vai funcionar. Há uma brincadeira que diz: “Se você fosse um Deus Todo Poderoso, por que precisaria tocar uma pessoa com seu dedo para iluminá-la? Só para parecer convincente?”
A seguir, precisamos nos livrar dos obstáculos que surgem na meditação em si. No que diz respeito ao obstáculo do torpor, Atisha diz que precisamos nos livrar da sonolência, da mente nebulosa e da preguiça. Uma vez livres dos diferentes tipos de preguiça, poderemos nos esforçar com perseverança. Perseverança é a coragem heróica de nunca desistir, de colocar toda nossa energia em algo construtivo, diligentemente, e com orgulho e alegria. Essa energia é uma energia que emanamos para o universo.
Em muitos textos, a palavra “perseverança” é descrita como “alegria” e várias vezes é traduzida como “alegre perseverança”. A forma como esta palavra, “alegria”, foi traduzida do sânscrito para o tibetano é um pouco estranha. O significado que geralmente é enfatizado é “alegria” mas o outro significado, que é mais parecido com o significado da palavra sânscrita utsaha é “energia indo para fora”. É a mesma palavra que “emanar”. Portanto, a energia está indo para fora de uma maneira alegre — como um buda: a diversão da mente de um buda é irradiar emanações e influências iluminadoras sem esforço. Esse é o significado da palavra usada aqui. É o oposto da preguiça.
Portanto, quando vemos a tradução “alegre perseverança”, nos lembramos que não é só “trabalhar assobiando” ou um sentimento de “estou tão feliz”. “Estou tão feliz em ir ao pior dos infernos para te ajudar” — não é assim.
Verso 2: Fatores Mentais Necessários à Superação da Agitação Mental
Que eu sempre proteja os portões de meus sentidos com presença mental, atenção e cuidado. Portanto, que eu verifique repetidamente meu fluxo mental, três vezes ao dia e três vezes à noite.
Esse verso continua tratando de como devemos nos concentrar e como meditar em bodhichitta. Precisamos sempre proteger os portões de nossos sentidos. Isso significa lidar com a agitação mental. A mente fica agitada quando é atraída por coisas prazerosas, coisas que desejamos ou às quais nos apegamos. O verso anterior falou do torpor mental, este verso fala da agitação mental. Esses são os dois principais obstáculos ao atingimento da concentração unifocada.
Presença Mental, Atenção e Cuidado
Para superarmos a agitação, usamos os poderes da presença mental, da atenção e do cuidado. Isso também é algo que Shantideva enfatiza. Ele dedica dois capítulos a esse assunto. Lembre-se dos capítulos em que ele diz, referindo-se a quando percebemos que vamos fazer alguma coisas negativa ou que vai nos distrair, “permaneça como um bloco de madeira”. Lembre-se dos títulos dos capítulos quatro e cinco: “Cuidando (da Bodhichitta)” e “Protegendo com Atenção”. Ele usa as mesmas palavras [cuidado e atenção]. Esses são os dois capítulos que tratam da perfeição da disciplina ética, que precisamos aplicar primeiro ao nosso próprio comportamento. Uma vez que tenhamos aprendido a evitar falar ou agir de forma destrutiva, podemos aplicar essa autodisciplina ética à nossa mente durante a meditação.
Proteger tem a conotação de proteger contra o tipo de divagação mental causado pela mente distraída por objetos sensoriais desejáveis. Protegemos a mente; a protegemos de todos os perigos, no sentido de “salvar”, resgatamos nossa atenção quando ela se perde e a trazemos de volta. Todos esses significados estão na palavra “proteger”.
Tsenshap Serkong Rinpoche costumava dizer que cada palavra de um texto é cheia de significados. Assim, temos que ordenhá-la como a uma vaca, para extrair todo o seu significado — a “vaca realizadora de desejos”, que é o que diríamos na forma de pensar indiana.
Aqui, estamos lidando com a atenção. Atenção é aquilo que colocamos em um objeto a fim de permanecermos focados nele. Precisamos de presença mental, que é como se fosse uma cola mental, que prende a atenção no objeto, fixando-o. É a mesma palavra que traduzimos como “lembrar”. A atenção é o que vigia. Ela vigia o controle de qualidade da presença mental, a cola mental, para garantir que não está muito forte ou muito fraca ou que tenha descolado do objeto.
Tudo isso se baseia em uma atitude cuidadosa — nós cuidamos. Nos importamos se estamos nos concentrando e como estamos meditando, porque realmente queremos desenvolver bodhichitta: realmente queremos atingir a iluminação e ajudar os outros seres. Portanto, tudo isso se baseia em uma atitude de cuidado.
Precisamos usar a atenção, e não apenas durante a prática da meditação mas durante todo o dia e toda a noite. Precisamos da atenção para verificar o que se passa com nosso estado mental. Será que estamos sendo egoístas? Será que estamos agindo sob influência de emoções destrutivas?
Mesmo quando estamos dormindo podemos estar conscientes. Às vezes, as pessoas têm sono leve e têm consciência de seus sonhos. Se acordarmos no meio da noite, podemos lembrar do que estávamos sonhando, podemos verificar. Se for um sonho negativo, podemos estabelecer uma intenção positiva ao invés de ficarmos perturbados. Tentamos voltar a dormir pensando em nosso professor ou em algo positivo.
A Necessidade de Introspecção
O principal é termos consciência e atenção para verificarmos o que se passa em nossa mente. Se for alguma coisa negativa, precisamos corrigir ou “permanecer como um bloco de madeira”, ou seja, não agir com base no que estamos pensando. Se estivermos começando a ficar com raiva ou ganância, ou começando a agir de forma egoísta ou falar idiotices, tentamos logo perceber e parar. Da mesma forma, se percebermos que estamos começando a ficar deprimidos ou desencorajados, também paramos. Isso é o que significa ter consciência do que se passa em nossa mente.
Três vezes não significa “Ah, são três horas, agora vou verificar o que se passa em minha mente durante trinta segundos”, e quatro horas depois toca um outro alarme e verifico novamente. Não é isso. A principal prática do dharma é checar constantemente, mas não de uma forma paranóica, ou como uma atitude de polícia, pois ficaríamos travados e poderíamos ter muitos problemas — principalmente se ainda por cima acrescentássemos o complexo de culpa dos ocidentais, o que não faria sentido nesse caso.
O ponto é estarmos conscientes de como agimos, ter essa introspeção e nos resguardar, ou nos proteger, de agir baseados em estados mentais negativos. Isso é o que significa a palavra “dharma”. É uma “medida preventiva”, algo que nos previne de criar mais sofrimento para nós mesmos. É uma medida preventiva, algo que fazemos para prevenir o sofrimento. Essa é a etimologia da palavra “dharma”. Vem da palavra sânscrita dhr, “segurar-se”. Se queremos ter esperança de progredir no dharma, precisamos ser capazes de aplicá-lo no dia a dia. Para tanto, precisamos estar conscientes do que se passa em nossa mente e, obviamente, do que estamos fazendo com nosso corpo e fala, pois eles são afetados pelo que se passa na mente. Mas, novamente, fazemos isso sem a atitude de policial, de punição e julgamento, que vem da mitologia ocidental.
Conforme estudamos e aprendemos mais e mais dharma, aprendemos mais e mais forças opositoras (antídotos)— métodos para lidarmos com os estados mentais negativos ou inúteis. É muito útil termos um grande repertório de métodos, pois às vezes um método é mais eficiente ou mais conveniente que outro. Na vida em geral, é muito bom podermos contar com mais de uma solução. Se uma não funcionar, podemos tentar outra. Esse é o caso específico da prática do dharma.
Verso 3: Causas para Evitar a Divagação Mental
Que eu deixe que meus defeitos sejam conhecidos e não procure defeitos nos outros. Assim, que eu esconda minhas boas qualidades e divulgue as boas qualidades alheias.
Evitando Divagação Mental a Respeito de Nossas Próprias Falhas e dos Defeitos dos Outros
Esse verso também trata das causas da divagação mental durante a meditação — apesar da divagação também poder nos afetar nos períodos em que não estamos meditando. Quando escondemos nossos defeitos, ou imperfeições, geralmente nos sentimos culpados. Isso nos corrói por dentro. No entanto, se deixarmos que nossos erros sejam conhecidos, pediremos desculpas ou faremos o que for necessário; assim, nosso coração ficará muito mais leve e não nos sentiremos culpados. No português dizemos que “tiramos um peso das nossas costas”. Isso nos ajuda a diminuir a divagação mental causada por estarmos escondendo nossas imperfeições.
E não procure defeitos nos outros. Isso também é uma grande causa de divagação mental. Sentamos pensando: “Ah, ele(a) não é uma boa pessoa” ou “Olha o que ele(a) fez”, criticando e assim por diante. Isso pode gerar uma enorme quantidade de divagação mental.
Além disso, frequentemente, vemos nossos próprios defeitos refletidos nos outros. Por exemplo, digamos que tenha sobrado um último pedaço de bolo no prato e alguém o pega. Então acusamos a pessoa de ser gulosa: “Seu porco guloso, você pegou o último pedaço do bolo!” O único motivo pelo qual isso nos incomodou é porque somos gulosos; queríamos o último pedaço. Se não quiséssemos, que diferença faria quem o pegou? Normalmente, quando focamos nos erros e defeitos dos outros, estamos vendo nossos próprios erros refletidos neles. Assim, é melhor usarmos essa energia para trabalharmos em nós mesmos.
O que geralmente também acontece, é que quando estamos sempre criticando os outros, as pessoas ficam com uma má impressão a nosso respeito. Se estamos sempre achando defeitos nos outros e achamos que ninguém mais é bom o suficiente e assim por diante, as pessoas começam a suspeitar das nossas qualidades. Por isso o primeiro voto do bodhisattva é abster-se de diminuir os outros e de se engrandecer. Infelizmente, é o que os candidatos normalmente fazem em uma eleição no ocidente, porque eles querem ganhar alguma vantagem ou uma posição de poder. Isso faz com que pessoas mais sensatas suspeitem de suas intenções. Mas aqui, especificamente na meditação, isso pode ser um grande obstáculo.
Dromtonpa, o principal discípulo de Atisha no Tibete, disse: “Se você consegue ver seus próprios defeitos e não procura defeitos nos outros, é sábio, mesmo que não tenha qualquer outra qualidade.” Isso nos dá muito o que pensar. Às vezes pensamos que a sabedoria é algo inalcançável e que requer muita inteligência. Mas isso não é ser sábio. Pessoas podem não ter qualquer tipo de educação formal mas serem sábias, mesmo quando não são super inteligentes e não conseguem aprender dez idiomas. Ser “sábio(a)” significa ter consciência discriminativa, que, por sua vez, significa ser capaz de discriminar entre o que é útil e o que é prejudicial, o que é benéfico e o que não é benéfico. Se conseguimos fazer isso, somos sábios.
Evitando Pensamentos de Querer Vangloriar-se e Aparecer
Atisha continua esse verso dizendo: que eu esconda minhas boas qualidades. Isso porque podemos ficar orgulhosos, arrogantes e querer nos vangloriar de nossas qualidades. E isso pode criar obstáculos à nossa meditação. Podemos ficar pensando: “Nossa, como sou maravilhoso. Estou meditando tão bem!” ou “Tenho essa qualidade, e também aquela.” Além disso, podemos ficar nos vangloriando de nossas conquistas e boas qualidades mas, ficar falando delas para todo mundo pode deixar os outros com inveja.
Podemos, todavia, mencionar nossas boas qualidade se servirem de inspiração aos outros. Porém, precisamos de muita sensibilidade para sabermos se vai lhes inspirar ou acabar lhes desencorajando ou os deixando com inveja ou o que for. No geral, é melhor permanecermos totalmente humildes. Tsoghkhapa disse: “Mantenha a luz da chama da lamparina de manteiga dentro do vaso; ela ilumina o interior mas não aparece do lado de fora”. Portanto, mantenha a chama de suas boas qualidades para dentro, “dentro do vaso”; não fique anunciando suas boas qualidades para o mundo.
Humildade
A ênfase na humildade é muito forte nesta tradição Kadam. O ponto é usar nossas boas qualidades para ajudar os outros. Para isso, não precisamos nos vangloriar, dizendo que temos esse ou aquele título ou colocando nossos diplomas na parede e coisas do gênero.
Ser humilde significa avaliar nossa própria importância como modesta ou baixa, ter poucas necessidades e assim por diante. Se lermos a biografia de Kunu Lama Rinpoche, podemos ver o que significa ser muito simples, muito humilde. Ele é o melhor exemplo disso.
Os mestres da tradição Kadam são normalmente chamados de Geshes Kadampa e eram conhecidos por serem muito humildes. Primeiro, “geshe” é só a tradução da palavra sânscrita para “amigo espiritual” (kalyana-mitra). Os Geshes Kadam eram grandes e humildes mestres, e eram verdadeiros amigos espirituais. Como amigos espirituais, ajudavam os outros a serem construtivos, agindo como uma influência construtiva. Mas faziam isso sem os grandes tronos, os brocados e todas essas coisas.
No entanto, alguns Lamas realmente vestem-se de brocados e falam abertamente sobre suas realizações. Se perguntarmos qual a motivação desses Lamas, que falam sobre suas realizações, podemos encontrar dois tipos de motivação. Uma é a motivação negativa de querer se colocar em uma posição de superioridade. A outra pode ser a necessidade de se fazer respeitado para que as pessoas o escutem. Se estivermos em uma sociedade mais primitiva — como era a antiga sociedade tibetana e mongólica — precisamos de uma forma de fazer com que as pessoas parem de falar e sejam respeitosas. Pessoas de sociedades violentas e desse tipo de cultura se impressionam muito ao ouvirem essas coisas; elas sentariam e ouviriam. O próprio Buda tocou a terra e disse: “que a terra seja testemunha de que alcancei minha realização”.
Conforme eu disse, existem casos em que, para inspirar as pessoas a acreditarem que é possível atingirmos a iluminação, precisamos dizer que obtivemos essa ou aquela realização. Mas precisamos ser muito cuidados e sensíveis em relação à nossa audiência, pois as pessoas podem pensar: “Ah, isso é impossível. Ele(a) está inventando tudo isso”. O Buda não estava se vangloriando quando falou aquilo ao tocar a terra. Ele não estava dizendo: “Eu sou maravilhoso”.
Às vezes, Sua Santidade o Dalai Lama também fala um pouquinho sobre suas realizações. Na maior parte do tempo ele diz: “Sou apenas um simples monge”, mas algumas vezes ele diz: “Bom, eu já senti um pouquinho o que é bodhichitta e a vacuidade”. Ele não diz: “Eu tenho total realização” mas ele diz que já sentiu um pouquinho dessas coisas.
Falsa Humildade
Existem dois tipo de orgulho. Existe o orgulho de pensar “Sou o melhor”; e também o orgulho às avessas de pensar “sou o pior”. Existem pessoas que fazem questão de se mostrar humildes — “Oh, eu não sou bom”, e coisas do gênero. Essa atitude é tão perturbadora quanto ficar vangloriando-se por ser maravilhoso. Portanto, a humildade precisa ser sincera. Pessoas que têm um pouquinho de sensibilidade conseguem saber quando a humildade é falsa e quando é sincera. É tudo uma questão de apego ao ego, de quanto nos identificamos com a humildade.
Vocês conhecem o exemplo de Atisha? Ninguém sabia que ele praticava o tantra. Só souberam depois que ele morreu. Quando olharam suas vestes, viram que ele tinha um sino e um vajra escondido em seu bolso. Ninguém jamais os tinha visto ou o visto praticando. Ele sempre praticou em privacidade e manteve-se humilde. Ele não ficava se exibindo com o tamborzinho e o sino para que todos pudessem ver.
Evitando Pensamentos de Inveja
A última linha desse verso é: divulgue as boas qualidades alheias, porque pensar sobre as boas qualidade dos outros e ficar com inveja pode ser um grande obstáculo à meditação e uma grande causa de divagação mental. Se, ao invés de ficarmos com inveja, formos capazes de nos alegrar com as qualidades alheias e os elogiar os outros de coração, não nos incomodaremos com nossos próprios erros e defeitos ou os dos outros, e nem com as nossas boas qualidades ou as dos outros.