Primeira Visita, Maio de 1985
Em abril de 1985, durante uma turnê de palestras pela Europa para preparar as pessoas para a iniciação Kalachakra, que Sua Santidade o Dalai Lama conferiria em julho, em Rikon, na Suíça, fui abordado na Inglaterra por uma mulher tcheca que me perguntou se eu poderia falar com algumas pessoas em Praga. Ela disse que havia muitas pessoas interessadas no budismo que não tinham acesso aos ensinamentos. A língua tibetana costumava ser ensinada na universidade de Praga, mas mesmo isso foi proibido após a invasão russa em 1968.
Meu principal professor, Tsenshap Serkong Rinpoche, para quem eu havia trabalhado como tradutor por nove anos, faleceu em agosto de 1983. Ele tinha o costume de viajar para ensinar em lugares remotos, onde ninguém mais estava disposto a ir. Querendo continuar sua tradição, eu concordei. Um mês depois, em maio, após obter um visto, fui para Praga por uma semana.
Durante minha viagem de trem, partindo da Alemanha, testemunhando as rigorosas inspeções realizadas por policiais com cães de grande porte ao cruzar a Cortina de Ferro, percebi que não sabia o que esperar. Eu estava entrando em um mundo que era praticamente desconhecido no Ocidente. Isso foi muito antes da Internet e todas as revistas ou jornais ocidentais que eu poderia ter trazido comigo foram confiscados ao entrar nesse mundo. Como resultado, durante todo o tempo que passei na Europa Oriental e, antes disso, na URSS, durante e depois da queda do comunismo, eu nada sabia dos dramáticos eventos políticos que se desenrolavam ao meu redor. Eu só percebia seus efeitos.
Quando cheguei a Praga e fui recebido por pessoas amigáveis e acolhedoras, fiquei muito comovido com o seu interesse sincero. Apesar das severas restrições, das políticas antirreligiosas e dos perigos que enfrentavam, fiquei impressionado com a sua coragem. Por exemplo, embora não fosse possível estudar a língua tibetana em nenhuma universidade, o Dr. Josef Kolmaš, do Instituto Oriental da Academia Checa de Ciências, ensinava-a em particular, de forma clandestina. Quanto às palestras que dei para um pequeno grupo, só podíamos nos reunir secretamente nos apartamentos das pessoas, mudando de local a cada vez. Como precaução contra a possibilidade de os vizinhos nos denunciarem, tínhamos garrafas de cerveja ao nosso lado e fingíamos estar jogando cartas, caso a polícia aparecesse. Minha própria experiência com a polícia só pode ser descrita como assustadoramente “kafkiana”.
Segunda Visita, de Julho a Outubro de 1986
Meus novos amigos tchecos logo espalharam a notícia de que eu estaria disposto a viajar para dar aulas em outros países do Leste Europeu e organizaram uma longa turnê para 1986, de julho a outubro. Ela abrangeu a Tchecoslováquia (Praga e Ostrava), Polônia (Cracóvia, Łódź, Varsóvia, Gdansk e Wrocław), Alemanha Oriental (Leipzig, Berlim Oriental), Hungria (Budapeste) e Iugoslávia (Zagreb, Croácia, Liubliana, Eslovênia, e Belgrado, Sérvia).
Para dar uma ideia de como era, eu tinha que atravessar a fronteira entre a República Tcheca e a Polônia a pé, puxando minha mala e esperando que alguém me encontrasse do outro lado. Meus amigos tchecos não podiam me levar de carro porque não podiam passar sem visto, e era quase impossível para eles encontrarem informações sobre como obtê-lo – que só era concedido mediante convite particular. Embora houvesse isenção de visto para os europeus do leste viajarem entre seus países, uma proibição havia sido imposta às viagens para a Polônia — oficialmente para os alemães do leste, mas, na prática, para os outros também. Isso foi uma resposta ao surgimento do movimento sindical polonês Solidariedade, em 1980. As autoridades queriam impedir a disseminação de qualquer ideia de protesto.
Como logo descobri, cada país da Europa Oriental era bastante diferente dos outros. A União Soviética ocupou a Hungria em 1956 e a Tchecoslováquia em 1969. Para evitar que o mesmo acontecesse com a Polônia, o governo local proibiu o Solidariedade e impôs a lei marcial de dezembro de 1981 a julho de 1983. Então, três anos depois, as pessoas que conheci me contaram que a maioria dos poloneses tinha pouco respeito pelas leis e as contornava principalmente subornando funcionários públicos.
O budismo era oficialmente apoiado pelo Ministério da Religião como uma alternativa ao catolicismo, para mostrar que não era a única religião na Polônia. Por isso, fui oficialmente convidado pela Associação Budista Kagyu da Polônia e, com base nisso, recebi o visto e fui autorizado a dar uma palestra na Universidade Jagiellonian, na Cracóvia. Nas várias outras cidades que visitei, havia grupos da Kagyu, do Caminho do Diamante, como também grupos coreanos e zen. Eu dei palestras que foram bem recebidas em todos esses centros. Apenas o grupo Zen tinha licença oficial do governo para imprimir livros budistas traduzidos, mas eles só imprimiam seus próprios livros. As traduções polonesas dos livros budistas tibetanos eram copiadas clandestinamente e distribuídas de maneira oculta.
A Alemanha Oriental, por outro lado, era ainda mais restritiva do que a Tchecoslováquia. No entanto, as pessoas que conheci eram extremamente calorosas. Elas pareciam ter desenvolvido a capacidade de perceber em quem podiam confiar para não denunciá-las à polícia. Embora eu tivesse obtido um visto para visitar Leipzig e ver a coleção mongol no museu local, só era possível obter passes diários para Berlim Oriental. Era preciso sair até à meia-noite e não era permitido deixar os limites da cidade. A inspeção ao atravessar a fronteira era extremamente severa e agressiva. Uma vez, obrigaram o meu tradutor a despir-se e revistaram-lhe o ânus.
Durante essa visita inicial a Berlim Oriental, a polícia parou o carro em que eu estava e verificou todos os nossos documentos. Foi muito tenso, pois tínhamos cruzado os limites da cidade. Mas como tínhamos conosco um soldado da Alemanha Oriental uniformizado que arriscou vir à nossa reunião, ele nos livrou da detenção. Assim como na Tchecoslováquia, nos reuníamos em pequenos grupos e em um apartamento diferente a cada dia. A maioria das pessoas era de um clube de artes marciais. O clube era permitido, pois a Alemanha Oriental promovia fortemente os esportes, e as artes marciais eram oficialmente permitidas. As pessoas que vinham queriam aprender quais eram os ensinamentos espirituais por trás do que praticavam.
A Hungria também era muito diferente. As pessoas lá tinham muito orgulho de sua identidade cultural. Alexander Csoma de Körös, que compilou o primeiro dicionário tibetano-inglês no início do século XIX, é um herói cultural, pois se propôs a encontrar as raízes centro-asiáticas da língua húngara. Por causa disso, os húngaros em geral eram muito favoráveis à cultura tibetana. Havia interesse acadêmico pela tibetologia nas universidades. O Dr. József Terjék, por exemplo, ensinava língua tibetana na Universidade Eötvös Loránd (ELTE) e acabara de publicar um dicionário tibetano-húngaro. Eu dei palestras na Missão Budista, o único grupo budista da época. Eles eram seguidores do Lama Govinda, um pioneiro alemão do budismo tibetano no Ocidente no início do século XX, que ensinava uma versão híbrida e esotérica da religião. O Dr. Ernő Hetényi, líder idoso desse grupo, tinha ligações estreitas com o governo comunista e mantinha o monopólio do budismo na Hungria.
A Iugoslávia foi a última parada desta viagem. Muitas das repúblicas iugoslavas têm religiões diferentes. Historicamente, houve muitas lutas entre elas. Como resultado, havia muita desconfiança em relação à religião e o budismo era abordado de uma maneira completamente acadêmica. Com base no meu doutorado em Línguas do Extremo Oriente e Estudos Sânscritos e Indianos pela Universidade de Harvard, fui convidado para dar palestras em universidades de três das repúblicas e na Academia Iugoslava de Artes e Ciências, em Zagreb. A Croácia foi a mais acadêmica e formal das três. O principal interesse era a filologia sânscrita. A Eslovênia era mais descontraída e um pouco mais parecida com a Europa Ocidental, com mais interesse pela filosofia. Na Sérvia, um grande grupo de estudantes assistiu à minha palestra, que eu orientei para a prática da meditação. O professor, que era mais sensacionalista, ficou descontente por não ser sobre tantra e sexo.
Como resultado das minhas experiências nesta viagem, percebi que talvez pudesse fazer mais por Sua Santidade o Dalai Lama, além de ocasionalmente servir como seu intérprete para ensinamentos budistas avançados. Os tibetanos tinham apenas documentos de viagem de refugiados indianos e não podiam visitar nenhum país, a menos que recebessem um convite oficial. Naquela época, eles tinham muito pouco ou nenhum contato ou mesmo informação sobre outros países em várias partes do mundo. Achei muito importante que eles estabelecessem relações com o maior número possível de países, a fim de divulgar a mensagem de não-violência de Sua Santidade e obter apoio para o Tibete nas Nações Unidas. Com minhas credenciais acadêmicas, eu poderia ser facilmente convidado para dar palestras em universidades. Como os acadêmicos estavam em melhor posição para fazer tais convites oficiais, decidi fazer isso como uma oferta a Sua Santidade. Comecei mais uma vez pelo mundo comunista, especialmente porque a Índia tinha boas relações com a URSS. Acabei expandindo esse movimento para incluir quase toda a América Latina, os países do sul e leste da África, partes do Oriente Médio e, após o colapso da União Soviética, muitas de suas ex-repúblicas.
Terceira Visita, de Novembro de 1987 a Fevereiro de 1988
Minha próxima turnê de palestras pela Europa Oriental começou cerca de um ano depois. Ela durou de novembro de 1987 a fevereiro de 1988 e incluiu não apenas a Iugoslávia (Zagreb, Croácia, e Liubliana, Eslovênia), Hungria (Budapeste e Szeged), Tchecoslováquia (Praga e Kašava), Alemanha Oriental (Berlim Oriental) e Polônia (Poznań, Katowice, Cracóvia, Varsóvia, Drobin e Łódź), mas também, pela primeira vez, a URSS (Moscou e Leningrado) e a Bulgária (Sófia).
Tudo começou na Iugoslávia, onde dei mais uma vez palestras nas universidades de Zagreb e Liubliana. Na Hungria, também comecei a dar mais palestras acadêmicas – no Seminário Teológico Católico em Budapeste e na Universidade József Attila em Szeged. De lá, voltei para a Tchecoslováquia, onde um grupo de dez de nós se escondeu em uma pequena casa em um vilarejo rural para um retiro de uma semana. Mantivemos todas as cortinas fechadas, comemos apenas grãos macrobióticos e lentilhas, e nenhum de nós saiu de casa. Por precaução, também chegamos e saímos da vila em horários diferentes e apenas um ou dois de cada vez. Depois disso, em Berlim Oriental, também fomos igualmente cautelosos. Ainda não era possível fazer contatos mais oficiais em nenhum dos dois países.
A partir daí, fiz minha primeira visita à União Soviética (URSS), de 29 de novembro a 5 de dezembro de 1987. Sua Santidade já havia visitado o país em 1979 e 1986. No verão anterior à minha chegada, as reformas sob as políticas de glasnost e perestroika anunciadas em 1985 por Mikhail Gorbachev, secretário-geral do Partido Comunista, haviam acabado de começar a ser implementadas. A União Soviética incluía três repúblicas budistas tibetanas tradicionais – duas mongóis (Buriácia e Calmúquia) e uma turca (Tuva) – e tinha uma longa história de interesse acadêmico pelo budismo. Mesmo durante o período czarista, sânscrito, mongol e tibetano eram ensinados em várias universidades.
Fui convidado pelo Dr. Andrey Terentyev, curador da seção budista do Museu Estatal de História da Religião e do Ateísmo, em Leningrado. Terentyev era bem conhecido por Gyatsho Tshering, diretor da Biblioteca de Obras e Arquivos Tibetanos (LTWA) em Dharamsala, onde eu também trabalhava. Havia uma enorme coleção tibetana, ainda não catalogada, mantida na Biblioteca do Instituto de Estudos Orientais da Filial de Leningrado da Academia de Ciências da URSS, e Terentyev já trocava livros dessa coleção com a LTWA. Terentyev me deu alguns textos raros microfilmados da coleção de Leningrado para levar de volta como uma oferta a Sua Santidade.
Minha visita ocorreu poucas semanas após a realização da segunda Conferência de Estudos Budistas de Toda a União, em Moscou, da qual participaram 130 estudiosos de universidades e bibliotecas de toda a União Soviética. Por meio de Terentyev, conheci alguns desses estudiosos, vindos da Biblioteca de Leningrado, bem como de outras divisões do Instituto de Estudos Orientais e da Universidade de Leningrado.
Os budistas que conheci em Leningrado e Moscou eram os grupos mais sérios e eruditos que já tinha visto no bloco oriental. Tinham uma orientação acadêmica, mas também se interessavam pela prática. Ao contrário dos países comunistas mais restritivos, mantinham abertamente objetos religiosos budistas nas suas casas. Muitos deles haviam estudado mongol e tibetano e estavam traduzindo alguns textos. Alguns visitavam os lamas buriatos idosos nos dois mosteiros simbólicos que haviam sido mantidos abertos na Sibéria – Ivolginsky, em Ulan Ude, e Aginsky, no distrito de Chita –, mas não conseguiam receber nenhum ensinamento ou instrução.
Tanto em Leningrado como em Moscovo, dei palestras para cerca de dez pessoas em apartamentos particulares. Depois, elas me bombardearam com perguntas o dia todo, fazendo fila para passar alguns minutos comigo, uma de cada vez. Parecia que temiam a presença de possíveis informantes, caso outras pessoas soubessem das suas reuniões secretas com os velhos lamas buriatos.
Depois disso, Berlim Oriental parecia ter ficado ainda mais repressiva do que antes, mas a Polônia me ofereceu mais oportunidades de visitar centros budistas em todo o país e dar palestras não apenas na Universidade Jagiellonian, na Cracóvia, mas também na Universidade de Varsóvia e no Palácio da Cultura, em Poznań.
A última parada desta viagem foi Sofia, na Bulgária. A Bulgária era um país extremamente repressivo. Todos pareciam paranóicos e desconfiados uns dos outros. A polícia e as pessoas comuns costumavam espionar uns aos outros. Fiz os primeiros contatos e me encontrei com algumas pessoas interessadas. A principal delas foi o Dr. Georgi Svechnikov, da Academia Búlgara de Ciências, Instituto de Traciologia (Estudos da Bulgária Antiga). Ele também já tinha contato com Gyatsho Tshering, da LTWA.
Quando voltei a Dharamsala, informei Sua Santidade sobre minhas viagens. Como ele demonstrou grande interesse, passei a apresentar relatórios detalhados. Os relatórios não apenas descreviam o que havia sido realizado durante cada viagem, mas também forneciam informações básicas sobre cada país, especialmente sua história, sua religião dominante e sua relação atual com a China. Naquela época, os tibetanos no exílio tinham pouco conhecimento sobre o mundo e apreciavam esses relatórios por ajudá-los a estabelecer relações internacionais bem informadas. Também descrevi o histórico dos principais líderes políticos e religiosos de cada país para ajudar Sua Santidade e seus funcionários a se prepararem para futuras reuniões com eles.
Quarta Visita, de Abril a Maio de 1989
Minha próxima turnê pela Europa Oriental e União Soviética foi do início de abril até o final de maio de 1989. A viagem incluiu a Iugoslávia (Zagreb, Croácia; Liubliana, Eslovênia; e Novi Sad, Sérvia), Bulgária (Sófia), Hungria (Budapeste e Debrecen), Tchecoslováquia (Ostrava), Polônia (Cracóvia, Kuchary e Varsóvia), União Soviética (Leningrado, Moscou e Tartu, Estônia) e Alemanha Oriental (Berlim Oriental).
A Iugoslávia havia se tornado muito instável, especialmente a Sérvia. Havia uma inflação de 1000% e muita agitação civil. Embora muitos dos países do Bloco Oriental estivessem começando a se tornar mais liberais, a Iugoslávia estava ficando mais fechada, principalmente devido ao nacionalismo sérvio. A Iugoslávia estava sob forte influência chinesa. Na Sociedade de Amizade Iugoslavo-Indiana em Belgrado, por exemplo, foi explicitamente declarado: “Não é permitido o lamaísmo”. Como antes, dei palestras em várias universidades. Fiquei muito animado ao saber que, como resultado da minha palestra no ano anterior, o professor de sânscrito da Universidade de Zagreb havia decidido ensinar o texto Engajando-se no Comportamento do Bodhisattva, de Shantideva, no ano seguinte, o primeiro texto budista a ser ensinado no país.
Desta vez, na Bulgária, a pedido de Svechnikov, fui oficialmente convidado pela Divisão Nômade do Instituto de Traciologia e pela Terra Antiqua Balcanica, em associação com a Universidade de Sofia. Dos países da Europa Oriental, a Bulgária era o que mantinha relações mais estreitas com a União Soviética naquela época. Os pesquisadores do budismo soviéticos não tinham possibilidade de publicar seus artigos e livros em inglês, nem de fazer traduções em russo das publicações da LTWA e publicá-las e distribuí-las na URSS. O Dr. Alexander Fol, diretor da Divisão Nômade e da Terra Antiqua Balcanica, estava interessado em publicar esses trabalhos dos acadêmicos russos e formar uma associação com a LTWA para facilitar tal projeto. Ele já estava negociando a formação de uma associação com várias instituições acadêmicas soviéticas e me pediu para ser o contato para negociar esse projeto com a LTWA. Svechnikov manifestou interesse em possivelmente convidar Sua Santidade para a Bulgária no futuro.
Os serviços secretos búlgaros tinham um relatório completo da minha primeira visita. Eles estavam interessados no budismo tibetano para aprender como controlar os outros através da percepção extra-sensorial. Alguns dos seus agentes encontraram-se comigo e perguntaram-me como aprender essas coisas. Para me impressionar, um deles aparentemente enrolou uma nota de banco num tubo apenas segurando-a na palma da mão.
Da Bulgária, fui para a Hungria, onde as condições e as leis mudavam quase todas as semanas e havia a possibilidade de mais liberdade. As pessoas aguardavam para ver em que direção as coisas iriam evoluir. Havia muito apoio aos direitos humanos da minoria húngara na Transilvânia, Romênia. A Romênia era talvez o mais repressivo de todos os países da Europa Oriental, com exceção, talvez, da Albânia. Meus anfitriões húngaros tinham organizado uma visita à Transilvânia, mas quando isso vazou e eles souberam que os serviços secretos romenos estariam à minha espera para me prender assim que chegássemos, cancelamos a visita no último momento.
Em Budapeste, dei palestras na Universidade ELTE, na Sociedade Nacional de Orientalistas da Universidade de Economia Karl Marx e também na Universidade de Debrecen. Alguns anos antes disso, Sua Santidade havia passado pela Hungria e ficou intrigado com o interesse especial que havia por lá pela cultura tibetana. Ele me disse que talvez estivesse interessado em visitar a Hungria, então fiz algumas pesquisas em seu nome. Encontrei-me com os principais estudiosos tibetanos e concluí que o Dr. Terjék, que não só ensinava tibetano na Universidade ELTE, mas também era consultor para assuntos asiáticos do Ministério das Relações Exteriores da Hungria, seria a melhor pessoa de contato. Terjék me aconselhou em relação ao melhor procedimento a seguir, que eu comuniquei ao Gabinete Privado de Sua Santidade. Esse foi o início do meu envolvimento em ajudar a organizar algumas das visitas iniciais de Sua Santidade ao antigo mundo comunista.
Em seguida, passei rapidamente pela Tchecoslováquia. Embora a glasnost e a perestroika estivessem lentamente surtindo efeito na Hungria e na Polônia e, de certa forma, na Bulgária, havia um grande receio em relação a isso na Tchecoslováquia. As pessoas temiam que, se implementassem quaisquer reformas liberais, elas seriam novamente reprimidas pelos soviéticos no futuro, como em 1968. Os serviços secretos tchecos haviam começado a investigar minhas visitas anteriores e, embora as pessoas tivessem sido interrogadas, ninguém havia tido problemas — ainda. Portanto, para não passar a noite e ter que me registrar na polícia, apenas passei rapidamente pela Polônia, parando apenas por algumas horas para me encontrar com pessoas em particular em Ostrava.
Desta vez, passei doze dias na Polônia e, enquanto estava lá, em 2 de maio de 1989, a Hungria abriu a fronteira com a Áustria, marcando a primeira abertura da Cortina de Ferro. Embora muitos alemães orientais em férias na Hungria tenham fugido para a Áustria, nenhum dos poloneses que conheci durante essa visita estava ciente desse evento monumental. Mais uma vez, dei palestras na Universidade Jagellônica, na Cracóvia, e na Universidade de Varsóvia, bem como em centros budistas, incluindo a realização de um retiro de meditação em Kuchary. Embora o entusiasmo pelo budismo estivesse um pouco menor entre os praticantes do que antes, o interesse havia crescido nas universidades. Por exemplo, a Universidade Jagellônica me convidou para ministrar um curso de seis dias lá na minha próxima visita.
Havia um interesse e uma simpatia crescentes pela causa tibetana entre o povo polonês, com programas sobre o Tibete na televisão polonesa e na seção polonesa da Rádio Europa Livre. Havia também interesse em publicar artigos e livros sobre o Tibete em polonês. A editora clandestina da Associação Budista Kagyu da Polônia já havia impresso quatro livros com minhas palestras na Polônia. Dado esse interesse pelo Tibete e pelo budismo, além da situação política instável, discuti a estratégia para uma possível visita futura de Sua Santidade à Polônia com várias pessoas importantes interessadas em organizá-la.
Em seguida, voltei à União Soviética por uma semana, de 10 a 16 de maio de 1989, novamente organizado por Terentyev. Tudo estava mudando muito rapidamente, e havia muito mais liberdade e possibilidades do que nunca. Por exemplo, a comunidade budista local de Buryat estava pressionando muito o Conselho Municipal de Leningrado para que lhes devolvesse o Templo de Leningrado, popularmente chamado de “Templo Kalachakra”. Ele havia sido construído pouco antes da Revolução de Outubro e, naquela época, abrigava um instituto de estudos sobre insetos.
Em Leningrado, além de trabalhar com indivíduos nos textos que estavam traduzindo, dei palestras para um grupo de 40 pessoas no apartamento de uma delas e, depois, para um grupo de mais de 60 pessoas em um salão. Essa foi a primeira vez que uma palestra pública sobre budismo foi ministrada na União Soviética. As pessoas que compareceram não sabiam se seriam punidas por participar, mas ninguém teve nenhum problema. Terentyev descreveu isso como um grande ponto de virada na história do budismo na URSS.
Enquanto estava em Leningrado, continuei estabelecendo contatos com acadêmicos da Biblioteca do Instituto de Estudos Orientais, assim como com o curador da vasta coleção tibetana do Museu Hermitage. Durante minha estadia em Leningrado, também fiz uma visita paralela para ver as três estupas que haviam sido construídas na Estônia. Entre todas as repúblicas soviéticas, a Estônia estava liderando a tendência rumo à independência. No ano anterior, em 20 de agosto de 1988, a Estônia havia fundado o primeiro partido político não-comunista da União Soviética, o Partido da Independência Nacional da Estônia. Depois, em 16 de novembro de 1988, a Estônia declarou a primazia da lei estoniana sobre a lei soviética – sendo a primeira república soviética a fazê-lo.
Encontrei-me com o Professor Linnart Mäll, da Universidade de Tartu, presidente da Sociedade Oriental da Estônia. Ele se ofereceu para me convidar oficialmente em minha próxima visita à União Soviética, para dar palestras durante uma semana em sua universidade, onde lecionava tibetano. Explicou que havia um enorme interesse pelo Tibete e pelo budismo na Estônia. Ele havia traduzido para o estoniano a obra Engajando-se na Conduta do Bodhisattva (sPyod-‘jug, sct.Bodhisattvacaryāvatāra), de Shantideva, e havia impresso 20.000 cópias. Elas se esgotaram completamente no primeiro dia.
Em Moscou, voltei a dar aulas particulares e encontrei-me com acadêmicos do Instituto de Estudos Orientais da Academia de Ciências da URSS. Também dei uma palestra pública na sede moscovita do Conselho Espiritual Central dos Budistas da URSS, estabelecido pelo Conselho de Assuntos Religiosos do Soviete de Ministros, que é um braço da KGB. Terentyev mantinha relações com eles desde 1978. O Conselho, composto por nove membros, estava localizado em Ulan Ude, na Buriátia, e seu representante em Moscou era Tom Rabdonov. Rabdonov organizava os assuntos relacionados ao budismo junto ao governo central, bem como as visitas de estrangeiros a Ulan Ude.
No passado, o Conselho havia registrado apenas o Ivolginski Datsan, em Ulan Ude, como grupo budista oficial. No entanto, no ano anterior, em 1988, o Aginsky Datsan, em Chita, e os budistas calmucos em Elista também haviam conseguido o registro. Um datsan é uma divisão dentro de um mosteiro. Neste caso, o termo era aplicado ao templo principal remanescente. Os grupos budistas buriatos em Leningrado e Moscou agora iriam solicitar registro oficial. Encontrei-me com os líderes de ambos os grupos. Além disso, discuti com Rabdonov uma possível visita futura de Sua Santidade. Ele se ofereceu para me convidar oficialmente à União Soviética da próxima vez, para novas discussões e cooperação.
Terminei essa viagem em Berlim Oriental, em 21 de maio de 1989. Como antes, ainda era uma cidade muito restritiva. Novamente, encontrei-me às escondidas com pessoas interessadas da comunidade das artes marciais.
Período Intermediário entre as Visitas – de Maio de 1989 a Janeiro de 1990
Em julho de 1989, tanto o Solidariedade, na Polônia, quanto o governo da Hungria haviam aceitado visitas de Sua Santidade. Poucas semanas antes, o Solidariedade havia conquistado 99% das cadeiras nas eleições para o recém-criado Senado polonês. Lech Wałęsa, fundador em 1980 do Solidariedade como sindicato dos trabalhadores em Gdansk, era agora o líder mais influente da Polônia, servindo de exemplo para os movimentos de liberdade não-violenta em toda a Europa Oriental. Além disso, na Bulgária, o Dr. Fol, diretor da Divisão Nômade do Instituto de Tracologia, foi nomeado Ministro da Cultura, Educação e Ciência. Embora Sua Santidade tivesse demonstrado interesse em visitar a Europa Oriental o mais rápido possível, decidiu-se esperar, já que as situações em toda a região mudavam diariamente, e ainda havia grande caos na tentativa de se ajustar à nova situação política.
Em 23 de agosto de 1989, cerca de dois milhões de pessoas formaram uma corrente humana ligando as três repúblicas bálticas, demonstrando sua unidade na busca pela independência. Em 12 de setembro, foi estabelecido o primeiro governo não comunista na Polônia. O fim dramático do comunismo na Europa Oriental acelerou-se com a queda do Muro de Berlim em 9 de novembro. No dia seguinte, o Partido Comunista renunciou ao seu monopólio na Bulgária. A Revolução de Veludo na Tchecoslováquia começou em 17 de novembro, e Nicolae Ceaușescu, presidente da Romênia, foi preso e executado em 25 de dezembro.
Como havia percebido em minhas visitas anteriores à região, já havia um grande interesse de vários países em receber uma visita de Sua Santidade. Uma das razões, talvez, fosse buscar seus conselhos e orientações nesses tempos incertos. O colapso do comunismo coincidiu com o fato de Sua Santidade ter recebido o Prêmio Nobel da Paz de 1989 em 10 de dezembro e o interesse em uma visita tornou-se ainda maior. Em minha análise, sugeri que um dos principais problemas nos países comunistas onde o controle era mais rígido era que tudo havia sido tão centralizado e planejado que as pessoas haviam perdido a experiência de organizar qualquer coisa ou de tomar decisões. Embora tivessem fortes desejos de criar novos programas e muitas ideias excelentes, enfrentavam dificuldades para saber como colocá-las em prática. Acostumadas a não confiar uns nos outros, a maioria das pessoas não cooperava nem trabalhava bem em conjunto. Pareceu-me que talvez as pessoas estivessem ansiando por alguma autoridade benevolente, de preferência vinda de fora do sistema, uma figura de respeito em quem confiar para obter orientação e conselhos. Essa era, a meu ver, a razão do grande interesse em todo o antigo mundo comunista em convidar Sua Santidade.
Menos de três semanas após Sua Santidade receber o Prêmio Nobel da Paz, Václav Havel foi nomeado presidente da Tchecoslováquia, em 29 de dezembro de 1989. Admirador de longa data de Sua Santidade, embora soubesse pouco sobre ele ou sobre o Tibete, o presidente Havel, logo após assumir o cargo, convidou Sua Santidade para visitá-lo como seu convidado pessoal. Soube depois que ele desejava que Sua Santidade lhe ensinasse meditação, para ajudá-lo a lidar com as responsabilidades desafiadoras de sua nova função.
Quinta Visita - de Janeiro a Maio de 1990
Retornei a Praga no fim de janeiro de 1990 para me reunir com o secretário do presidente Havel, Sasha Neumann, que havia participado de minhas conversas secretas lá em 1987. Organizamos a agenda da visita e escolhemos possíveis temas de interesse mútuo. Enviei um relatório com nossas recomendações de volta a Dharamsala, para aprovação e para informar Sua Santidade antes de Sua chegada.
Isso deu início à minha próxima e extensa viagem pela Europa Oriental e União Soviética, que me levou à Hungria (Budapeste), de volta à Tchecoslováquia (Praga), Bulgária (Sófia), Polônia (Varsóvia, Gdansk e Cracóvia), União Soviética (Moscou, Vilnius e Kaunas na Lituânia, Riga na Letônia, Tartu na Estônia, Leningrado, Ulã-Udé na Buriátia, Elista na Calmúquia e Kyzyl em Tuva), Mongólia (Ulan Bator), novamente à Hungria (Budapeste), Tchecoslováquia (Praga), mais uma vez à Hungria (Budapeste), Bulgária (Sófia) e Iugoslávia (Belgrado, na Sérvia, e Zagreb, na Croácia).
Após finalizar os preparativos para a visita de Sua Santidade a Praga, fui a Budapeste por alguns dias para discutir com o Dr. Terjék, professor de tibetano na Universidade ELTE e assessor do Ministério das Relações Exteriores, os preparativos para uma futura visita de Sua Santidade à Hungria. Lodi Gyari Rinpoche, ministro do Departamento de Informação e Relações Internacionais do Governo Tibetano no Exílio, havia visitado recentemente Budapeste para iniciar as negociações. As eleições para o novo Parlamento estavam marcadas para 26 de março e havia muita incerteza quanto ao resultado. Nessa situação, Terjék aconselhou que seria melhor que grupos budistas e uma Sociedade Tibetana de Acadêmicos que ele estava formando, com a eventual participação de sua universidade, patrocinassem o convite e a visita.
Uma nova lei havia sido aprovada algumas semanas antes, concedendo liberdade religiosa, direitos independentes e apoio financeiro às organizações religiosas. Três grupos budistas húngaros se qualificaram. Fiz uma reunião com o chefe do Departamento de Assuntos Religiosos do Ministério da Cultura, que me assegurou total apoio à visita. Várias pessoas com quem conversei mostraram interesse em iniciar um Grupo de Apoio ao Tibete. Além disso, enquanto estive em Budapeste, dei uma palestra na Universidade de Horticultura.
Em seguida, voltei a Praga, onde atuei como intérprete e intermediário durante a visita de Sua Santidade, de 2 a 6 de fevereiro de 1990. A visita começou com uma reunião privada com o Cardeal Tomášek e um pequeno grupo de líderes religiosos. Eles discutiram o significado da compaixão em cada uma de suas tradições, o tipo de encontro ecumênico que Sua Santidade mais apreciava. Nessa reunião, Sua Santidade soube que a mais antiga sinagoga judaica da Europa ficava em Praga. Embora não estivesse na agenda já lotada, Sua Santidade expressou o desejo de visitá-la. Ele nunca havia estado em uma sinagoga antes e decidimos ir brevemente na manhã seguinte. Os serviços da manhã de sábado estavam em andamento. A pedido de Sua Santidade, expliquei-lhe o que estava acontecendo. Antes de partirmos, o rabino homenageou Sua Santidade chamando-o até a arca sagrada.
Mais tarde no mesmo dia, após uma visita a uma exposição fotográfica tibetana, um almoço na residência do embaixador da Índia e uma palestra sobre meditação no Instituto de Regulações Psico-físicas, Sua Santidade e a comitiva foram ao Castelo de Lány para se encontrar com o presidente Havel e membros de sua equipe próxima. Embora Sua Santidade tenha o costume de nunca se alimentar à noite, em um gesto especial de respeito e amizade, compartilhou um jantar formal com o presidente. Havel era um fumante inveterado e, à mesa, Sua Santidade o advertiu de que precisava parar de fumar – isso prejudicaria sua saúde.
O presidente Havel contou a Sua Santidade como sua nova posição e responsabilidades eram desafiadoras e pediu que Ele lhe ensinasse alguns métodos de meditação que pudessem ajudá-lo. Sua Santidade concordou e, na manhã seguinte, sentado sobre uma almofada no chão, com o presidente Havel e sua equipe diante dele, vestidos com roupas esportivas, ensinou alguns métodos básicos de meditação, que praticaram juntos. Após a sessão, Sua Santidade e o presidente conversaram em particular enquanto caminhavam pelo jardim e, em seguida, participaram de uma missa privada na capela.
De volta a Praga, a palestra pública planejada para aquela tarde na Praça Venceslau foi cancelada por motivos de segurança e Sua Santidade ficou descansando no hotel. O dia seguinte estava repleto de compromissos: uma palestra pública, uma entrevista para a TV, uma oração com velas na Praça Venceslau, uma palestra budista e uma recepção oferecida pelo prefeito no Fórum Cívico. Sua Santidade deixou Praga na manhã seguinte.
De Praga, segui para Sófia, na Bulgária, onde me encontrei com o Dr. Fol e o Dr. Blagovest Sendov, presidente da Academia Búlgara de Ciências, onde ministrei uma palestra. Discutimos planos para uma futura visita de Sua Santidade e esclarecemos vários pontos de um acordo que estávamos negociando entre o Instituto de Tracologia e o LTWA em Dharamsala. A comunidade budista de Leningrado havia agora recebido status oficial do governo dentro do Conselho Espiritual Central dos Budistas da URSS. Terentyev tornara-se o chefe da Divisão de Tradução e Publicações e eles também demonstraram interesse em se associar ao LTWA; assim, Fol, Sendov e eu discutimos formas de cooperar em publicações e programas conjuntos.
Em seguida, fui para a Polônia. Em Gdansk, encontrei-me com o diretor da Comissão de Assuntos Internacionais do Solidarność, que confirmou um convite de Lech Wałęsa e do movimento Solidarność para que Sua Santidade visitasse a Polônia. Elaboramos um cronograma preliminar para a visita que seria em abril, dois meses depois. Em Varsóvia, tive também uma reunião com o arcebispo Bronisław Dąbrowski, que se mostrou entusiasmado com a visita de Sua Santidade e ofereceu a total colaboração da Igreja na organização do evento. Durante minha estadia na Polônia, dei palestras em vários centros budistas e novamente ministrei uma conferência na Universidade Jaguelônica, em Cracóvia.
Naquela época, a Polônia enfrentava grandes dificuldades econômicas. A inflação e o desemprego eram muito altos, o que havia sido diferente durante o período comunista . Mesmo assim, as pessoas estavam dispostas a suportar essas dificuldades em nome do sucesso da nova democracia. Havia visivelmente bem menos carros nas ruas do que antes. O sistema telefônico era o mais primitivo de toda a Europa Oriental e isso representava um grande obstáculo ao desenvolvimento.
Em 6 de março de 1990, retornei a Moscou por convite oficial do Conselho Budista Central. Quando cheguei, os grupos budistas de Leningrado, Moscou, Buriátia, Chita, Calmúquia e Tuva já estavam oficialmente registrados e tornaram-se membros. Reuni-me com Tom Rabdonov e com o vice-secretário-geral buriato da Conferência Budista Asiática pela Paz (ABCP) para discutir planos de desenvolvimento do budismo na União Soviética e uma possível próxima visita de Sua Santidade.
Dois dias antes da minha chegada, Boris Yeltsin havia sido eleito para o Congresso dos Deputados do Povo da Federação Russa. A Federação Russa era a maior de todas as repúblicas que compunham a União Soviética e, assim como na URSS em geral, o Congresso dos Deputados do Povo de cada república elegia os membros do Soviete Supremo (o Parlamento) de cada uma. Gorbachev, naquele momento, era o presidente do Soviete Supremo da URSS. Já havia tensão entre a Federação Russa e o governo central. Yeltsin e Gorbachev tornaram-se rivais políticos. A inimizade entre eles se agravou quando, dez dias depois, em 14 de março, Gorbachev foi escolhido para ser o presidente da URSS.
No intervalo entre esses dois eventos, fiz uma viagem pelas três repúblicas bálticas. A primeira parada foi na Lituânia, onde dei palestras particulares em Vilnius para um pequeno grupo de interessados — foram as primeiras palestras budistas que eles receberam. Também fui a Kaunas para encontrar o homem que estava traduzindo para o russo a obra A Grande Exposição dos Estágios Graduais do Caminho (Lam-rim chen-mo), de Tsongkhapa. Em 11 de março, dois dias após minha partida, o Conselho Supremo da Lituânia, liderado por seu presidente Vytautas Landsbergis, declarou independência da União Soviética — a primeira república a fazê-lo. Sua Santidade enviou-lhe suas saudações. Os lituanos, que haviam tido um vasto império há vários séculos, eram o mais autoconfiante e obstinado dos países bálticos. Não se importavam com as consequências da sua declaração. O governo central soviético não reconheceu o ato e, como era de costume para manter a população na ignorância e sob controle, não fez qualquer anúncio público sobre o acontecimento.
Em seguida, fui a Riga, na Letônia, onde também ensinei em particular. Os letões estavam em uma posição fraca, já que os russos compunham mais da metade da população. Tradicionalmente conservadores e cautelosos, esperavam para ver como o governo soviético reagiria às medidas que as outras repúblicas bálticas estavam tomando em direção à independência. Os colonos russos ali e nas outras repúblicas bálticas apoiavam os movimentos de independência. O padrão de vida era mais alto do que no restante da União Soviética e eles viam vantagem econômica na independência. A única objeção significativa dizia respeito à questão do idioma.
De Riga, segui para Tartu, na Estônia, onde dei uma palestra na Universidade Estadual de Tartu e na Sociedade Oriental da Estônia, a convite do Dr. Linnart Mäll, que eu havia conhecido em minha primeira visita ao país. O Congresso da Estônia, um parlamento de base popular, havia sido estabelecido no final do ano anterior, e Mäll era o chefe de sua comissão de relações exteriores. Em 10 de março, três dias antes da minha chegada, o comitê havia realizado sua primeira reunião e, em nome deles, Mäll pediu-me que transmitisse suas saudações a Sua Santidade. Disse-me também para informar Sua Santidade de que os estonianos estavam muito interessados em tornar-se futuramente o primeiro governo a reconhecer o Governo Tibetano no Exílio.
Depois de passar por Tallinn, onde concedi uma entrevista de rádio, cheguei a Leningrado em 14 de março. Foi o dia em que Gorbachev se tornou presidente da URSS. À sombra da crescente instabilidade política, muitas restrições anteriores estavam sendo ignoradas. Como resultado, fui oficialmente convidado a dar palestras na Escola de Medicina de Leningrado e no Instituto Oriental da Academia de Ciências de Leningrado. Além disso, realizei conversas privadas com budistas locais e visitei o Templo de Leningrado, que havia sido recentemente devolvido aos buriatos.
Enquanto isso, o Conselho Budista Central em Ulan Ude, Buriátia, declarou-se independente do Conselho para Assuntos Religiosos, afiliado à KGB. Eles demitiram Erdem, o vice Khambo Lama do Conselho, a quem acusavam de ter laços próximos com a KGB. O Khambo Lama era o chefe religioso do budismo na Buriátia. O Conselho Budista enviou-o para ser o abade do Templo de Leningrado e organizar sua restauração. Ele foi escolhido como membro do Congresso dos Deputados do Povo da URSS. Fui informado de que o Conselho Budista gostaria de aprender com Sua Santidade sobre rituais de purificação a serem realizados no templo e sobre os detalhes de sua restauração. Eles também gostariam de convidar Sua Santidade para consagrar o templo quando a restauração fosse concluída.
Não estava claro quão efetiva seria a declaração de independência do Conselho Budista em relação à KGB. Ao retornar a Moscou em 18 de março, Rabdonov testou essa independência ao me convidar para dar uma palestra pública sobre budismo em seus escritórios. Nada de ruim aconteceu. Esse foi o dia em que ocorreram eleições livres na Alemanha Oriental, nas quais o povo votou pela reunificação com a Alemanha Ocidental. As coisas estavam mudando rapidamente.
Natália Lukyanova, diretora do Centro de Medicina Tradicional do Soyuzmedinform, vinculado ao Ministério da Saúde da URSS, veio me encontrar no Conselho Budista. Ela explicou que o Ministério da Saúde estava interessado em explorar a medicina tibetana como possível tratamento e cura para a síndrome da radiação e o câncer de tireoide entre as 600 mil e 1 milhão de vítimas do desastre nuclear de Chernobyl, ocorrido em 26 de abril de 1986. Nada do que haviam tentado antes havia ajudado. Eles também queriam nossa ajuda com o crescente problema da AIDS. O governo soviético já havia concedido a ela um grande edifício em Moscou e permissão para estabelecer um instituto de medicina tibetana e convidar médicos tibetanos de Dharamsala para tratar pacientes nos hospitais soviéticos. O governo forneceria todo o financiamento e as instalações, não apenas para isso, mas também para a fabricação de medicamentos tibetanos e o treinamento de médicos. Ela pediu que eu servisse de elo de ligação com Dharamsala e com o Instituto Tibetano de Medicina e Astrologia (TMAI).
Lukyanova organizou para que eu desse uma série de cinco palestras públicas sobre história e ciência budista, medicina tibetana e astrologia, na Biblioteca Médica do Ministério da Saúde Soviético, o que fiz nos dias seguintes. Em conjunto com o Conselho Budista, ela ofereceu publicar 100 mil cópias das traduções em russo das minhas palestras. Com Rabdonov, me encontrei com o Dr. Evgeny Velikhov, vice-presidente da Academia de Ciências da URSS, que também apoiava o projeto. Imediatamente após o desastre nuclear, Velikhov, como físico nuclear, desempenhara um papel crucial nos esforços de limpeza, fornecendo orientação científica e liderança durante a crise.
Rabdonov rapidamente organizou para que Terentyev e eu fôssemos a Ulan Ude discutir os planos desse projeto médico com os especialistas locais. No dia seguinte, 23 de março, voamos para lá e fomos calorosamente recebidos. No Instituto Buriato de Estudos Sociais da Academia de Ciências de Ulan Ude, encontramos um grupo de pesquisadores que trabalhava com medicina tradicional tibeto-mongol. Fiquei extremamente impressionado com o trabalho deles. Haviam traduzido para o russo os principais textos médicos tibetanos e desenvolvido programas educacionais baseados em computador para estudá-los. Também criaram um programa computacional para diagnosticar doenças com base em informações coletadas por um sensor especial que detecta e digitaliza os seis tipos de pulsos em cada pulso descritos na medicina tibetana. Um associado na Lituânia havia compilado uma enciclopédia em russo identificando todas as plantas usadas na preparação dos medicamentos tibetanos, incluindo as variantes siberianas e mongóis usadas como substitutas.
Os pesquisadores e médicos buriatos estavam entusiasmados com o projeto médico, mas insistiram em ter suas próprias instalações, separadas dos russos europeus em Moscou. Os buriatos são um povo muito orgulhoso e, em geral, não querem ser controlados por ninguém. Mesmo entre eles, havia muitas facções que não se entendiam. Para complicar ainda mais, eles mantinham conexões estreitas com duas instituições médicas mongóis na Mongólia Interior, e médicos de lá também queriam estabelecer empreendimentos com os buriatos.
Para completar minha impressão sobre o estado do budismo na Buriátia, visitamos o datsan de Ivolginsky, nos arredores de Ulan Ude. Também voamos em um pequeno avião de transporte militar até o distrito de Chita para visitar o datsan de Aginsky, bem como o datsan de Tsugulsky, que estava sendo restaurado. Ivolginsky e Aginsky haviam sido os únicos dois datsans que não foram destruídos durante o período stalinista. Eles permaneceram abertos como símbolos de propaganda. Porém, à luz da perestroika, os buriatos estavam extremamente empenhados em restaurar suas instituições budistas.
Depois fui de trem para Ulaanbaatar, na Mongólia, onde Sua Santidade havia estado em 1979. Cheguei em 28 de março de 1990. Sem que eu soubesse, a revolução democrática pacífica que começara em dezembro havia chegado a um final bem-sucedido na semana anterior. O Politburo mongol havia sido dissolvido em 15 de março e o presidente Jambyn Batmönkh havia renunciado em 21 de março. Punsalmaagiin Ochirbat fora escolhido para governar interinamente até as primeiras eleições multipartidárias, marcadas para 29 de junho. O Partido Revolucionário do Povo Mongol, o antigo partido comunista, havia adotado uma agenda socialista democrática e acabou vencendo a maioria das cadeiras.
A Mongólia era muito mais tradicional do que a Buriátia, com muito mais de sua cultura preservada. O processo de russificação não havia sido tão intenso e, naquela época, a maioria das pessoas ainda vivia em iurtas ou cabanas de madeira simples, mesmo em Ulaan Baatar. Muitas mulheres usavam roupas tradicionais coloridas e algumas pessoas ainda cavalgavam pelas ruas da capital. Embora houvesse abundância em carneiros, outros alimentos eram difíceis de encontrar, ainda mais do que na Buriátia. As prateleiras das lojas de alimentos estavam quase vazias, com apenas farinha, um tipo de doce cozido, um tipo de biscoito e de geleia, e quase nenhum vegetal disponível. Havia um grande nível de poluição do ar devido à queima de carvão de baixa qualidade para geração de eletricidade. Muitas pessoas da capital deixavam a cidade e iam para as estepes durante o verão.
A Mongólia possuía um pouco mais de liberdade religiosa do que a URSS e vários mosteiros que haviam sido transformados em museus estavam sendo devolvidos aos budistas. Apenas o Mosteiro Gandan, em Ulaan Baatar, havia permanecido aberto. Ele mantinha um programa de formação de cinco anos, que incluía doutrinação política, e monges da Buriátia iam até lá para estudar. Pelo menos metade dos chamados monges eram casados e apenas iam ao templo durante o dia, vestindo as vestes monásticas. Dagpa Dorji havia sido recentemente nomeado o novo Khambo Lama.
Assim como na Buriátia, havia grande interesse em restaurar os mosteiros destruídos. Em cerca de 25 lugares, antigos monges que haviam abandonado as vestes estavam montando iurtas e reavivando a realização de rituais. Os leigos não sabiam quase nada sobre o budismo, embora se identificassem com ele. Seu principal interesse espiritual era a astrologia. Havia um Instituto de Medicina Tradicional Mongol, mas não consegui visitá-lo desta vez. Entretanto, enquanto estava na Mongólia pude visitar o antigo mosteiro de Erdene Zuu, que foi reaberto para rituais poucos dias após minha partida. Não havia estrada para chegar lá — viajei em um jipe pela estepe. Enquanto estava lá, fiquei preso por alguns dias em uma nevasca. Também preso estava Choiji Jamtso, que mais tarde se tornou o lama chefe do Mosteiro Ganden, em Ulaan Baatar. Ele falava tibetano, então tive boa companhia.
Tive reuniões em Ulaan Baatar com o Dr. G. Lubsantseren, Secretário-Geral da Conferência Budista Asiática pela Paz (CBAP), e outros funcionários da organização, para discutir o renascimento do budismo na Mongólia. Todos estavam claramente ligados aos serviços secretos mongóis. Também tive discussões semelhantes com Bakula Rinpoche, que havia se tornado embaixador da Índia na Mongólia alguns meses antes, em janeiro. Bakula Rinpoche havia sido o primeiro monge budista a visitar a URSS, em 1968, como chefe de uma delegação religiosa da Índia para discutir a criação da CBAP, a qual ajudou a fundar o ano seguinte em Ulaan Baatar. Muitos acreditavam que a CBAP havia sido criada como uma rival, dentro da esfera soviética, da Federação Mundial de Budistas (FMB), fundada em Colombo, no Sri Lanka, em 1950, e com sede em Bangkok, na Tailândia.
Durante essa visita de 1968 à URSS, Bakula Rinpoche havia visitado não apenas Ulan-Ude, mas também Leningrado. Posteriormente, retornou a ambas e à Mongólia várias vezes para ministrar ensinamentos e iniciações budistas. Em 1989, ele foi o primeiro mestre budista a visitar a Calmúquia em cinquenta anos.
Bakula Rinpoche explicou-me que os mongóis são muito orgulhosos e, como há tantos monges idosos que ainda se lembram de suas tradições, são menos receptivos a conselhos e ajuda externa do que os da URSS. Eles queriam primeiro tentar fazer as coisas à sua própria maneira.
Voei de volta de Ulaan Baatar para Moscou em 3 de abril de 1990 para mais discussões com Rabdonov, no Conselho Central Budista. Lá, assinei um contrato concedendo ao Conselho os direitos de publicação das traduções russas das minhas palestras no Ministério da Saúde. No dia seguinte, Terentyev e eu voamos para Elista, na Calmúquia, uma viagem organizada novamente por Rabdonov. Diferentemente da Buriátia e da Mongólia, não havia sobrado mais nenhuma tradição budista na Calmúquia. Toda a população havia sido enviada à Sibéria por Stalin e só retornara à Calmúquia sob Khrushchev. Tendo perdido todas as suas tradições, o povo estava extremamente entusiasmado em reviver o budismo e sua cultura.
Como o primeiro estudioso budista a visitar a Calmúquia, fiz uma palestra sobre a situação atual do budismo no Instituto Calmúquio de Estudos Sociais da Academia de Ciências da URSS. Cento e vinte pessoas compareceram, ávidas por informações sobre sua cultura e sobre o mundo exterior. Reuni-me com o diretor do Instituto e com vários estudiosos locais. Parecia haver uma cooperação mais estreita entre os acadêmicos e os budistas do que na Buriátia no que dizia respeito aos planos de reviver as tradições — sem dúvida porque o budismo não estava estabelecido ali.
De volta a Moscou, encontrei Lodi Gyari Rinpoche e seu assistente de língua russa, Ngawang Rabgyal, quando chegavam de Dharamsala. Juntos, fomos a Leningrado visitar o templo falando sobre a ajuda que queriam para sua restauração, e no dia seguinte seguimos para Tallinn. Linnart Mäll havia organizado para que Lodi Gyari Rinpoche discursasse no Congresso da Estônia sobre o desejo deles de convidar Sua Santidade. Landsbergis, profundamente tocado pela saudação de Sua Santidade, quis nos convidar para Vilnius, já que também desejava convidá-lo, mas não houve tempo para ir à Lituânia. Retornamos imediatamente a Moscou no dia 10 de abril.
Em Moscou, realizamos reuniões com Rabdonov, no Conselho Budista. Lá, discutimos propostas sobre a cooperação de Dharamsala na restauração do Templo de Leningrado e nos reunimos com Lukyanova para discutir o projeto médico. Após redigir as cartas de intenção para ambos os projetos, fiz outra palestra na Biblioteca Médica do Ministério da Saúde.
Após encontrar-me com Velikhov, da Academia de Ciências — que agora havia se tornado conselheiro científico do presidente Gorbachev — reunimo-nos com o presidente da Academia Popular de Cultura e Valores Humanos Comuns, com quem assinamos um acordo preliminar para a publicação das minhas palestras de Moscou e outros materiais sobre budismo. Também encontrei o chefe do Departamento Central de Literatura Oriental da editora Nauka para discutir a possibilidade de publicarem traduções russas a serem preparadas pelo Instituto de Tracologia, na Bulgária, como parte de seu acordo com a LTWA, em Dharamsala.
Lubsantseren, da CBAP, e seus associados chegaram da Mongólia. Com Rabdonov, discutimos possíveis áreas de cooperação relacionadas à restauração do budismo na Mongólia. Lodi Gyari Rinpoche e Ngawang Rabgyal partiram para Buriátia e Mongólia no dia seguinte, 15 de abril, e Terentyev e eu seguimos de trem para Kyzyl, na Tuva. Em muitos aspectos, a Tuva estava anos atrás em relação ao restante da União Soviética. Glasnost e perestroika estavam apenas começando a chegar lá. Este foi o único lugar em que Terentyev e eu tivemos nossa visita organizada pelo Conselho KGB de Assuntos Religiosos e onde fomos constantemente acompanhados por um de seus representantes. O budismo também havia desaparecido completamente da Tuva. Embora todos afirmassem ser ateus diante de nosso agente da KGB, podíamos perceber que estavam extremamente interessados em reviver o budismo e suas tradições.
Fomos para o interior visitar um dos últimos monges sobreviventes do período pré-soviético, para saber mais a respeito de Chadansky, o antigo mosteiro principal da Tuva, que agora estava em ruínas. O modo de vida no campo ainda era muito tradicional. A família do velho monge trouxe um cordeiro inteiro para o almoço e nos deu grandes facas para nos deleitarmos. Quando partimos, nos acompanharam até a passagem da montanha e compartilhamos iogurte antes de seguir viagem. Em Kyzyl, também nos encontramos com um médico da tradição xamânica da medicina tuvanesa, que explicou alguns de seus métodos diagnósticos, como examinar o padrão deixado na neve quando um paciente urina sobre ela.
Em fevereiro, a Sociedade Budista da Tuva havia sido oficialmente registrada, mas não tinham ideia do que realmente poderiam fazer ou como se organizar. Não lhes era permitido pelo jornal local divulgar a sociedade e poucos tuvaneses sabiam de sua existência. Precisavam de ajuda desde o início para reviver o budismo e sua cultura, mas os buriatos não cooperaram e o Conselho Budista carecia de recursos. Fomos informados de que as pessoas das aldeias tinham muito medo até de falar sobre reconstruir os mosteiros e templos. Lecionei sobre a história e os princípios básicos do budismo no Instituto de Pesquisa da Tuva de Língua, Literatura e História para um grupo de cerca de 40 pessoas. Nenhum mestre budista havia visitado a Tuva antes da era moderna e esta foi a primeira vez que receberam ensinamentos budistas.
Retornamos a Moscou e, após outra reunião no Conselho Budista, voei para Budapeste, Hungria, em 20 de abril, no dia em que o governo soviético iniciou um bloqueio econômico de 74 dias à Lituânia. Desde minha última visita à Hungria, no final de janeiro, eleições livres para o Parlamento Húngaro haviam sido realizadas duas semanas antes da minha chegada, com o Fórum Democrático Húngaro emergindo como o maior partido. Eu não estava ciente disso. Em Budapeste, lecionei na Universidade de Economia Karl Marx. No dia seguinte, Lodi Gyari Rinpoche e Ngawang Rabgyal chegaram e fizemos todos os preparativos finais para a visita de Sua Santidade.
Nós três então fomos a Praga por um dia, onde lecionei na Universidade Charles. Depois, retornamos a Budapeste para a visita de Sua Santidade, de 27 a 29 de abril de 1990, na qual servi como seu intérprete. Sua Santidade se encontrou com o Vice-Presidente do Fórum Democrático Húngaro, Sándor Keresztes, e depois com um grupo de líderes religiosos na Basílica de Budapeste. No dia seguinte, deu uma palestra na Academia de Ciências pela manhã, seguida de almoço na Embaixada da Índia. Depois, concedeu uma entrevista de TV e uma coletiva de imprensa, fez uma palestra pública na Universidade de Economia Karl Marx e, em seguida, falou aos grupos budistas locais. Partiu na manhã seguinte. Um mês depois, em 23 de maio de 1990, foi formado o primeiro governo de coalizão pós-comunista da Hungria. Da mesma forma, em 4 e 18 de junho, ocorreram as primeiras eleições parcialmente livres na Polônia, e em 8 e 9 de junho, as primeiras eleições parlamentares livres na Tchecoslováquia.
Após a partida de Sua Santidade da Hungria, voei para Sofia, na Bulgária. No dia seguinte, no Instituto de Tracologia, assinei o contrato de cooperação em nome da LTWA e ministrei uma palestra. Após várias entrevistas à mídia e discussões sobre a visita prevista de Sua Santidade, parei brevemente em Belgrado, na Sérvia, onde ministrei uma palestra para um grupo privado, e depois fui para Zagreb, na Croácia. Tive conversas com o Bispo Đuro Kokša sobre Sua Santidade e lecionei na Academia de Ciências antes de retornar à Índia no dia seguinte, 4 de maio de 1990. Esse foi o dia em que a Letônia declarou sua independência, embora a União Soviética não a tenha reconhecido.
Período Interino entre Visitas: de Maio a Agosto de 1990
Depois disso, as mudanças começaram a ocorrer rapidamente na União Soviética. Em 29 de maio, Yeltsin tornou-se Presidente do Soviete Supremo da Rússia, com seu associado Ruslan Khasbulatov como Primeiro Vice-Presidente. Havia agora dois grupos políticos em conflito. Como líder da facção liberal, Yeltsin queria mudanças mais rápidas e profundas, em contraste com as políticas do governo central soviético liderado pelo Presidente Gorbachev. Yeltsin prevaleceu e, em 12 de junho de 1990, sob sua direção, foi adotada a Declaração de Soberania do Estado da Federação Russa. Ela foi seguida pela renúncia de Yeltsin ao Partido Comunista em 12 de julho.
De acordo com essa Declaração, a Rússia passaria a ter um governo democrático sob a liderança de Yeltsin e teria o direito de se separar da União Soviética. Nesse ponto, ainda não estava claro se um tipo semelhante de reestruturação satisfaria os desejos de independência dos países bálticos. Era difícil imaginar que eles recuariam desse curso, mas pelo menos o Presidente Gorbachev e Landsbergis estavam agora dialogando, e o embargo à Lituânia estava sendo levantado.
A questão era se as outras repúblicas também se separariam. Pensavam que o problema seria que as várias regiões dentro da Federação Russa também iriam querer sua independência. Esperava-se que a própria Rússia, sem dúvida, passasse ao menos por uma reestruturação. De qualquer forma, todas essas mudanças tornavam o Presidente Gorbachev cada vez mais irrelevante.
De modo geral, os ânimos estavam tensos. Como todos podiam criticar abertamente, as pessoas finalmente expressavam sua raiva e frustração. Mas ainda assim isso provocava poucas mudanças. A comida estava escassa nas lojas. Quando o Presidente Gorbachev anunciou que os preços dos alimentos dobrariam em 1º de janeiro de 1991, as pessoas entraram em pânico e começaram a estocar. Após o Soviete Supremo da URSS votar contra esse aumento de preços, a posição do governo central ficou ainda mais enfraquecida.
Em toda a União Soviética, a coletivização havia sido desfeita. As pessoas tinham a opção de ser agricultores coletivos ou independentes. A terra poderia ser devolvida aos seus proprietários originais, aos seus descendentes ou aos camponeses que viviam nela e até então não possuíam nada. Mas ainda não estava decidido se teriam de comprar ou alugar a terra, ou como isso seria feito. Havia mercados livres para vegetais, frutas, roupas e assim por diante, mas os preços eram muito mais altos do que nas lojas. Havia o risco de conflitos entre grupos étnicos e algumas pessoas temiam uma tomada militar do poder. Ainda assim, havia um grande grupo comprometido com as forças democráticas, paciente diante das dificuldades e que apoiava o presidente Gorbachev. Mas havia críticas a ele por ter dobrado os salários dos funcionários do partido. Também havia medo de violência caso as diversas repúblicas islâmicas, especialmente no Cáucaso, buscassem independência
Enquanto isso, Rabdonov foi destituído de seu cargo como representante do Conselho Budista em Moscou devido à influência de um recém-formado Grupo de Jovens Lamas Buriatos. Ele foi acusado de não consultar os membros do Conselho em Ulan Ude ao tomar decisões. O Grupo de Jovens Lamas Buriatos, liderado por Sherab Jamtso, era fortemente nacionalista buriato, anti-europeu e contrário ao nosso projeto. Lodi Gyari Rinpoche decidiu que nosso projeto médico não seria mais uma iniciativa conjunta que incluísse o Conselho Budista Central. Nosso Instituto Médico e de Astrologia Tibetana passaria a estar associado exclusivamente ao Centro de Medicina Tradicional do Ministério da Saúde da URSS.
Embora a posição de Lukyanova fosse apoiada pelo Ministério da Saúde da URSS, o projeto tinha total respaldo e apoio de Yeltsin. Lukyanova havia sido colega da assistente pessoal de Yeltsin e a filha de Yeltsin, uma enfermeira, demonstrava grande interesse pela medicina tibetana. Lukyanova alertou que a única possível interferência em nosso projeto poderia vir do ciúme entre os governos soviético e russo. A tendência era de maior autonomia russa e enfraquecimento progressivo do governo central soviético e do controle da KGB.
Como sua segunda posição, Lukyanova era presidente da Fundação Colaboração, sob a qual estava o Centro Médico Budista. Embora não fosse uma agência governamental, a orientação dessa Fundação era mais russa do que soviética. Após ser destituído do Conselho Budista, Rabdonov havia sido nomeado Diretor Executivo da Fundação.
Tudo no país estava sendo reestruturado. A maioria das organizações se orientavam mais pela Rússia do que pela URSS e eram mais privadas do que governamentais. No futuro, estava planejado que o Centro de Medicina Tradicional, em parceria com nosso projeto, se tornasse parte da Fundação Colaboração. O Conselho de Diretores incluía, entre outros, o prefeito de Moscou, o diretor do Fundação Cultural Russa — de quem obteríamos todos os prédios para nosso projeto — e o chefe de um dos ramos da Fundação Roerich, que era amigo pessoal da esposa do presidente Gorbachev, Raisa. No entanto, as mudanças ocorriam quase diariamente. Ao estilo soviético, a situação nunca estava completamente clara. Ninguém nos fornecia informações.
Sexta Visita – Agosto de 1990
Nesse contexto, retornei a Moscou em 7 de agosto de 1990, acompanhado pelo médico pessoal de Sua Santidade, Dr. Tenzin Choedrak, e seu assistente, Dr. Namgyal Qusar. Como parte de nossa bagagem, trouxemos duas grandes malas cheias de uma farmacopéia de medicamentos tibetanos. Nossa autorização de visto havia sido aprovada pessoalmente por Yeltsin, indicando a seriedade com que nosso projeto estava sendo tratado.
Lukyanova e Rabdonov tinham muitos planos para nós. Começamos no dia seguinte com uma reunião no Instituto de Pesquisa Científica de Plantas Medicinais da União Soviética para discutir quais ingredientes vegetais para a fabricação de medicamentos tibetanos poderiam estar disponíveis, cultivados na URSS e na Mongólia. Esta era a principal preocupação do Dr. Choedrak — essas plantas precisavam crescer em altitudes específicas e sob condições climáticas específicas. Não poderiam ser cultivadas em estufas em Moscou e nunca teríamos ingredientes suficientes cultivados na Índia, já que os médicos ayurvédicos indianos tinham prioridade na escolha.
No dia seguinte, após uma reunião com o chefe de radiologia da Gestão Central dos Sanatórios da União, que prestava reabilitação às vítimas da radiação de Chernobil, fomos a um dos principais hospitais de Moscou. Dr. Choedrak examinou 23 pacientes que apresentavam diversos sintomas graves devido à exposição à radiação.
Naquela tarde, tivemos uma reunião formal com Ruslan Khasbulatov, Primeiro Vice-Presidente do Soviete Supremo da Rússia e braço direito de Yeltsin. Khasbulatov nos assegurou que nosso projeto tinha total apoio de Yeltsin. Ele nos informou que Yeltsin e os membros do Soviete Supremo russo estavam sob extrema pressão e solicitou tratamento médico de nossos médicos para ajudá-los a enfrentar os desafios da situação. Concordamos e, mais tarde, durante essa visita, o Dr. Choedrak atendeu pessoalmente às necessidades deles. Após nosso retorno a Dharamsala, enviamos o Dr. Dawa Dolma para cumprir o pedido.
Um dia depois, voamos para Ulan Ude. No Instituto Buriato de Estudos Sociais da Academia de Ciências de Ulan Ude, nos encontramos com sua equipe de especialistas em medicina tradicional buriata e aprendemos sobre os remédios tradicionais que eram preparados ali. Em seguida, fizemos uma curta expedição com eles ao interior da Sibéria para examinar as plantas medicinais que cresciam selvagens naquela região. No dia seguinte, o Dr. Choedrak tratou diversos pacientes nos hospitais locais e examinamos o trabalho na clínica do Instituto.
No próximo dia, pegamos o trem para Ulaan Baatar, onde nos encontramos com vários médicos e pesquisadores do Centro de Medicina Tradicional da Mongólia para discutir as plantas medicinais disponíveis. Um pequeno grupo nos levou ao campo para examinar algumas dessas plantas pessoalmente. Fomos então convidados a acompanhar o presidente da Mongólia, Ochirbat, em seu avião para os jogos tradicionais mongóis que aconteciam nas estepes, em comemoração aos 750 anos da História Secreta dos Mongóis. Chinggis Khan havia se tornado um herói cultural e até foi reconhecido como Protetor do Dharma. Durante a visita, tivemos discussões informais com o presidente e seu primeiro-ministro, Gambolt. Após nosso retorno a Ulaan Baatar, voamos de volta para Moscou.
Na semana e meia que seguiu, o Dr. Choedrak continuou tratando os pacientes do grupo-piloto, bem como um grupo de pacientes afetados por poluição química. O sistema de medicina tibetana é holístico. Assim, além da medicação para a doença causada por radiação, o Dr. Choedrak prescrevia diferentes remédios para cada pessoa de acordo com o conjunto completo de seus problemas médicos. As melhorias que os pacientes experimentaram num curto período foram dramáticas. Isso confirmou que não poderíamos usar um único medicamento que atendesse às necessidades de todos, mas que precisaríamos da farmacopeia tibetana completa, de uma fábrica para produzi-la e de uma vasta fonte de ingredientes. Também precisaríamos treinar uma grande equipe de médicos. Portanto, durante essa semana e meia, Lukyanova organizou uma agenda completa de reuniões com uma ampla variedade de institutos.
No Ministério de Construções do Setor Oriental da URSS, soubemos que o Conselho Municipal de Moscou e a Fundação Cultural Russa nos dariam quatro prédios para residência funcional, escritórios e formação em línguas, um palácio antigo para uma escola de medicina e centro de pesquisa, e um terreno para construir uma clínica, um centro de reabilitação e uma fábrica para produzir os remédios. Também ofereceram terreno para um templo budista e um centro de Dharma em Moscou. A URSS era um dos últimos lugares em que o governo podia simplesmente nos ceder quantos prédios e quanto terreno em sua capital quisesse. Contudo, embora prometido, o financiamento ainda estava em processo de ser liberado.
Após essa notícia, começamos a mobilizar o apoio e os recursos para nosso projeto. No Instituto de Transmissão de Informação de Problemas, providenciamos equipamentos de informática e programas; no Instituto de Pesquisa de Plantas Medicinais de Toda a União, mapas indicando onde as plantas medicinais cresciam ao ar livre; na Fundação Roerich, financiamento; na Empresa Científica e de Produção Altai Pharmatsiya, helicópteros para as expedições planejadas às Montanhas Altai, na Sibéria, para coleta de plantas; no Instituto de Gestão de Moscou, mais cooperação de informática; na Universidade da Amizade entre os Povos Lumbini, um laboratório analítico; no Centro de Pesquisa de Diagnósticos Moleculares, apoio diagnóstico; no Instituto de Roentgenologia e Radiologia, o apoio deles; na Comissão de Saúde do Conselho Municipal de Moscou, o apoio deles; e na União dos Gestores, licenças de exportação e transferências bancárias.
O projeto seria gigantesco, coordenado por Lukyanova, Rabdonov e por mim. Lukyanova e Rabdonov queriam que tudo fosse organizado por nós e que eles fossem os principais patrocinadores do budismo na Rússia. Eles se recusavam a cooperar com o Conselho Budista Central, com os cientistas e acadêmicos em Ulan Ude, com Velikhov (o vice-presidente da Academia de Ciência da URSS e assessor científico de Gorbachev) e com a Fundação para a Promoção da Cultura Budista sob a Academia Popular de Cultura e Valores (editora do Alcorão Russo). Como era típico da época, pessoas e organizações não confiavam umas nas outras e nenhuma queria cooperar com as demais. Deixamos toda essa intriga para trás e retornamos à Índia em 28 de agosto de 1990, após termos perdido nosso voo no dia anterior por insistência de nossos anfitriões em seguir um protocolo oficial rígido para nossa despedida.
Período Interino entre Visitas – agosto de 1990 a agosto de 1991
Não retornei à URSS ou à Europa Oriental durante o resto de 1990, mas vários eventos importantes ocorreram ainda naquele ano. Em 11 de setembro, em Haia, Países Baixos, Lodi Gyari Rinpoche, Michale van Walt e Linnart Mäll estavam entre os membros fundadores da Organização de Nações e Povos Não Representados, a chamada “Nações Unidas Alternativa”. Em 3 de outubro, a Alemanha Oriental foi dissolvida e ocorreu a reunificação alemã. Nas votações de 25 de novembro e 9 de dezembro, Lech Wałęsa foi eleito presidente da Polônia.
Terentyev passou o outono e o inverno de 1990 em Dharamsala. Enquanto esteve lá, fundou a editora Narthang Publications para publicar obras budistas, especialmente de Sua Santidade, em russo. Ninguém na União Soviética ousaria publicar um livro sobre budismo naquela época. Linnart Mäll, uma delegação de abades da Buriátia, incluindo Sherab Jamtso, e uma grande delegação da Mongólia vieram à Índia para participar da iniciação Kalachakra que Sua Santidade conferiu em Sarnath na última semana de dezembro. Eu os encontrei informalmente, pois era o tradutor da iniciação. Enquanto estava na Índia, Mäll manteve conversas com Sua Santidade e seu escritório para planejar a visita de Sua Santidade à Estônia em julho de 1991. Mäll também se reuniu com muitos outros oficiais tibetanos para discutir novos laços entre a Estônia e o Governo Tibetano no Exílio.
Quanto aos abades buriatos e Sherab Jamtso, soubemos de todos os conflitos de poder e intrigas entre eles e dentro do Conselho Budista Central. Apesar do caos e das lutas internas, o Conselho de Ministros da Buriátia convidou Sua Santidade para a Buriátia em julho de 1991. A viagem foi apenas para fins de visto. Ainda existia o perigo de que cada datsang e templo buriato competisse e pressionasse para que Sua Santidade fizesse uma visita, como ocorreu com Denmo Locho Rinpoche e Kamtrul Rinpoche em setembro de 1990, e os datsangs não cooperavam entre si. Também havia muito caos em relação a quem era o responsável pelo Templo de Leningrado. Havia duas facções rivais que discordavam sobre os procedimentos de restauração. A visita proposta de Sua Santidade a Leningrado para consagrar o templo, uma vez que fosse restaurado, teria de ser adiada.
Soubemos que também havia muita disputa entre as várias facções budistas na Mongólia. Embora houvesse planos para que Sua Santidade conferisse a iniciação Kalachakra em Ulan Baatar como parte de sua visita à Buriátia em julho, essa viagem igualmente teve de ser adiada. Não ocorreu até agosto de 1995.
Participei de conversas detalhadas sobre planos para restaurar o mosteiro médico, o Menba Datsang, em Ulan Baatar, sob a liderança do Dr. Natsodorji, onde futuros médicos seriam formados. Decidiu-se recorrer à UNESCO para que a restauração da medicina tibeto-mongol fosse colocada sob sua responsabilidade, o que poderia então incluir nosso projeto com Lukyanova. Sua Santidade recomendou que em nossa proposta de projeto enfatizássemos que a Mongólia tinha uma reivindicação muito mais credível do que os russos de preservar a cultura mongol/tibetana. Entretanto, o Dr. Choedrak apontou que, uma vez estabelecida a conexão com a UNESCO, a medicina tibetana ganharia credibilidade mundial não a partir de seu uso na Mongólia, mas a partir de sua aplicação mais imediata no tratamento bem-sucedido de pacientes de Chernobil nos imensos hospitais do governo soviético.
Giani Borasi, um empresário italiano bem conectado, ofereceu-se para entrar em contato com a embaixada italiana a fim de tentar obter apoio financeiro para este projeto. Sua Santidade pediu ao Dr. Natsodorji e a mim que coordenássemos todo o projeto na Mongólia. Redigi um relatório e uma proposta para Borasi apresentar à embaixada. No entanto, nada resultou do plano de obter apoio nem da UNESCO nem da Itália.
Lukyanova e Rabdonov visitaram Dharamsala em fevereiro de 1991 para participar de extensas reuniões no Instituto de Medicina e Astrologia Tibetanas com Shewo Lobsang Dhargye, o diretor, e para a assinatura dos contratos que eu havia redigido. Também tive várias reuniões com Tenzin Tethong, o primeiro-ministro do Governo Tibetano no Exílio, sobre os planos futuros para nossos projetos na URSS e na Mongólia. Contudo, muito pouco se concretizou, pois as condições estavam se tornando cada vez mais instáveis em todo o antigo e o então atual mundo comunista.
Em 21 de março de 1991, sob iniciativa de Gorbachev, foi realizado um referendo nacional sobre a preservação da União Soviética como uma União de Estados Soberanos. Embora seis repúblicas tenham boicotado a votação, os linha-dura nas demais votaram a favor de sua adoção. O plano, entretanto, nunca foi implementado devido à tentativa de golpe que ocorreu em agosto, dois dias antes da assinatura oficial do tratado para criar essa união.
Antes disso, em 9 de abril de 1991, a Geórgia declarou independência da URSS, sendo a segunda a fazê-lo após a Lituânia. Em 25 de junho de 1991, Eslovênia e Croácia declararam separação da Iugoslávia. Uma sucessão de guerras começou imediatamente depois, à medida que mais estados também se separavam. Em 10 de julho, Yeltsin tornou-se presidente da Federação Russa e Khasbulatov tornou-se presidente do Soviete Supremo da Rússia.
Nesse mesmo dia, 10 de julho, Sua Santidade iniciou uma visita de 20 dias à URSS, acompanhado pelo Dr. Choedrak. Ele começou em Ulan Ude, nas celebrações do 250º aniversário do reconhecimento oficial do budismo pela Rússia czarista na Buriátia, e incluiu uma visita ao mosteiro Ivolginsky Datsan. No distrito de Chita, visitou o sagrado Monte Alkhanai e o mosteiro Aginsky Datsan. Em Moscou, Sua Santidade fez uma palestra pública no Palácio da Cultura. No entanto, o maior público foi em Elista, Calmúquia, onde Sua Santidade ministrou extensos ensinamentos.
De 18 a 22 de agosto, apoiadores da linha-dura do Partido Comunista organizaram um golpe em protesto contra as reformas do presidente Gorbachev. Eles detiveram Gorbachev, mas não conseguiram deter o presidente Yeltsin. Embora crítico de Gorbachev, Yeltsin derrotou o golpe e, em 23 de agosto, suspendeu o Partido Comunista na Rússia. Gorbachev reassumiu sua posição como presidente da URSS, mas agora Yeltsin havia se tornado o líder dominante, enquanto a União Soviética continuava a se desintegrar.
Em meio a esse breve e fracassado golpe, a Estônia declarou independência no dia 20 de agosto. No dia seguinte, foi a vez da Letônia declarar sua independência, seguida pela Ucrânia em 24 de agosto e pela Bielorrússia em 25 de agosto.
Sétima Visita — Agosto a Outubro de 1991
Também durante o auge desse golpe, iniciei minha próxima turnê pelo Leste Europeu em 21 de agosto de 1991, que incluiu a Tchecoslováquia (Praga), Polônia (Gdansk, Cracóvia e Kuhary), Hungria (Budapeste e Miskolc), Romênia (Oradea e Cluj) e Bulgária (Sofia).
Fazendo a primeira parada em Praga, bem no meio do golpe em Moscou, encontrei uma atmosfera de grande tensão, com as pessoas bastante assustadas, temendo que aquilo pudesse significar o retorno do comunismo. No dia seguinte, houve um grande alívio na cidade quando chegou a notícia do fracasso do golpe em Moscou.
Nos seis meses desde minha última visita, Praga havia passado por uma mudança bastante perceptível. Agora havia muito comércio com a China, e muitos produtos chineses podiam ser encontrados nas lojas. Publicidade ocidental já era visível na cidade, grande parte em alemão, o que deixava algumas pessoas desconfortáveis. O movimento separatista eslovaco ainda não era muito popular, embora alguns políticos em Bratislava o estivessem promovendo. O presidente Havel havia dito que, se a Eslováquia quisesse independência, ele não poderia forçá-la a permanecer unida à parte tcheca do país.
A ligação entre o presidente Havel e os tibetanos continuava a crescer. No início daquele ano, o Dr. Dorjee Wangyal, do Instituto Tibetano de Medicina e Astrologia em Dharamsala, havia visitado Praga para tratar o presidente Havel, e Lodi Gyari Rinpoche havia visitado a cidade duas vezes. Também naquele ano foi fundada a associação Amigos do Tibete. Desta vez, em Praga, dei uma série de palestras na Universidade Charles e na Escola de Jovens Técnicos.
Em seguida, fui à Polônia, onde soube das complicações políticas que antecediam as eleições de dezembro. Lech Wałęsa era excelente como líder sindical, mas como presidente era difícil resolver todos os problemas que o país enfrentava. Havia grande agitação e incerteza econômica e os programas de bem-estar para aposentados estavam ameaçados. O orçamento para educação e ciência havia sido reduzido em 30%, e as escolas tiveram de eliminar quatro horas semanais de aulas, embora tivessem acrescentado duas horas semanais de ensino religioso católico obrigatório.
As eleições para o novo parlamento estavam marcadas para 27 de outubro. Encontrei-me com Jacek Kuron, considerado o “padrinho da oposição polonesa”, que concorreria a deputado. Embora estivesse interessado em uma visita de Sua Santidade à Polônia, aconselhou que seria melhor esperar até depois das eleições para discutir planos futuros. Ainda assim, havia grande interesse popular por tal visita. Nos meses anteriores, havia sido fundada uma Associação de Amizade Polônia-Tibete. Enquanto estive lá, dei palestras em Centros do Dharma em Gdansk, Cracóvia e Kuhary.
Em seguida, fui para a Hungria cuja economia estava melhor do que em qualquer outro país ex-comunista que eu havia visitado. Muitas pessoas haviam iniciado negócios e já havia muitas pessoas endinheiradas. Contudo, os aposentados e os pobres estavam enfrentando dificuldades. Além disso, havia cerca de 40.000 refugiados húngaros vindos da Romênia. Os chineses não precisavam de visto para entrar na Hungria e havia cerca de 40.000 chineses no país fazendo negócios. Entretanto, havia interesse em criar um Grupo Húngaro de Apoio ao Tibete.
Agora já existiam vários grupos budistas na Hungria e um deles, com apoio coreano, planejava construir uma grande stupa. Eles esperavam convidar Sua Santidade para consagrá-la quando estivesse pronta. Hetenye havia sido expulso da Missão Budista devido a seus laços comunistas e o centro foi renomeado como Arya Maitreya Mandala. Dei uma série de palestras lá, bem como para estudantes do Ensino Médio em Miskolc.
Enquanto estava na Hungria, fiz uma viagem paralela à região da Transilvânia, na Romênia. A Transilvânia havia sido uma região autônoma da Hungria por mil anos, mas passou a fazer parte da Romênia após a Primeira Guerra Mundial. Desde a Segunda Guerra Mundial, houve um grande influxo de colonos romenos, que agora superavam numericamente os húngaros. Antes da queda do presidente Nicolae Ceaușescu, todos eram contra os comunistas. Agora, romenos e húngaros brigavam entre si. Havia muito ódio e violência étnica, às vezes extremamente brutais. A polícia secreta Securitate apenas mudou de nome e passou a fazer parte do exército. Embora continuassem existindo, não faziam nada para deter essa violência. As pessoas tinham mais liberdade do que antes — mesmo que fosse apenas a liberdade de lutar umas contra as outras.
Dei palestras públicas para grupos mistos de húngaros e romenos em Oradea e Cluj. Oradea era uma das cidades mais poluídas que eu já havia visitado. O governo havia construído uma grande fábrica química bem no centro da cidade, que expelia gases tóxicos amarelados dia e noite. A infraestrutura era extremamente precária. Por exemplo, a casa em que fiquei durante minha estadia não tinha água. Ainda assim, as pessoas que conheci foram muito acolhedoras e estavam extremamente gratas pela minha visita e pelas palestras.
Após retornar a Budapeste, voei para Sófia, na Bulgária, em 15 de setembro, onde, nos três dias seguintes, tive reuniões com o general Stoyan Andreev (assessor de segurança nacional do presidente Zhelyu Zhelev), com Solomon Passy (parlamentar e presidente do Clube Atlântico da Bulgária, que estava fazendo o convite formal a Sua Santidade como líder religioso) e com o Dr. Svechnikov (agora presidente da Sociedade Búlgara de Amizade com o Tibete) para discutir os planos e a programação da próxima visita de Sua Santidade. O general Andreev explicou que as pessoas estavam desconfiadas das novas reformas, especialmente porque o principal partido no Parlamento (os socialistas) não havia condenado o golpe russo de agosto, embora o presidente Zhelev e seu governo (do Partido Verde) o tivessem condenado. No entanto, depois do fracasso do golpe as pessoas ficaram um pouco mais convencidas de que a Bulgária não voltaria ao comunismo.
A visita de Sua Santidade estava sendo amplamente divulgada e o general Andreev esperava que ela pudesse ajudar a acalmar o país, demonstrar que havia uma verdadeira reforma e um renovado respeito pelos direitos humanos e pela religião. A Bulgária tinha um histórico de respeito aos direitos humanos antes do período comunista. Um exemplo disso foi que a Bulgária não havia enviado seus judeus para campos de concentração, embora tivesse sido aliada da Alemanha nazista.
Tradicionalmente, a Bulgária era o país do Leste Europeu mais próximo da Rússia, já que foi a Rússia que a libertou do domínio otomano em 1878. Mesmo assim, informou-me o general, a Bulgária foi o primeiro país a reconhecer os três estados bálticos. Enquanto eu estava na Bulgária, os três foram admitidos na ONU, em 17 de setembro. Ele acrescentou que a Bulgária gostaria de ser líder em ajudar outros países a se tornarem totalmente independentes de seus antigos regimes comunistas.
A Bulgária era muito pobre. Nunca havia passado por uma revolução industrial. Desde a queda do comunismo, no ano anterior, o preço do pão e da maioria dos alimentos havia aumentado dez vezes, devido à escassez de comida e combustível, enquanto os salários haviam subido apenas duas ou três vezes. Assim como na Romênia, as fazendas coletivas possuíam os tratores e outros equipamentos agrícolas. Agora que a terra era de propriedade privada, os agricultores comuns não tinham máquinas. Muitos dependiam de burros e cavalos para o trabalho nos campos, como nos tempos pré-modernos.
Encontrei o professor Fol, do Instituto de Tracologia, que tinha um acordo de cooperação com o LTWA. No entanto, o instituto não tinha dinheiro e havia o risco de ser fechado pela Academia de Ciências da Bulgária. Por essa razão, eles não haviam conseguido implementar nenhum dos programas que haviam negociado com o LTWA. Enquanto estive em Sófia, dei ensinamentos particulares em casas de pessoas.
Durante as duas semanas que antecederam a visita de Sua Santidade à Bulgária, enquanto eu dava palestras na Suíça, Itália e Espanha, a Armênia declarou independência em 21 de setembro. Entre 29 de setembro e 2 de outubro, Sua Santidade fez uma visita de Estado à Lituânia, onde se encontrou com Vytauts Landsbergis (presidente do Conselho Supremo), Gediminas Vagnorius (primeiro-ministro da Lituânia) e Anatolijs Gorbunovs (presidente interino da Letônia). Enquanto esteve na Estônia, de 3 a 4 de outubro, Sua Santidade encontrou-se com Ülo Nugis (presidente do Conselho Supremo) e proferiu palestras públicas para grandes multidões em Tartu e Tallinn, além de um seminário privado para estudantes do Instituto Mahayana da Universidade de Tartu, organizado por Linnart Mäll.
Retornei a Sófia no 1º de outubro e verifiquei os preparativos finais para a breve visita de Sua Santidade, de 4 a 5 de outubro. Sua Santidade chegou com uma grande comitiva e todos ficamos hospedados na residência oficial para Chefes de Estado estrangeiros. Era um enorme edifício moderno e totalmente vazio, exceto por nosso grupo. Durante a visita, Sua Santidade teve uma reunião formal, porém muito cordial, com o presidente Zhelev e seus ministros, discursou no Clube Atlântico e na Sociedade Búlgara de Amizade com o Tibete, concedeu uma coletiva de imprensa e deu uma palestra na Universidade de Sófia “São Clemente de Ohrid”. Após a visita de Sua Santidade, parti para os Estados Unidos e uma turnê pela América do Sul.
Período Intermediário entre as Visitas — Outubro de 1991 a Março de 1992
Muitos eventos dramáticos se desenrolaram na União Soviética durante o restante do ano. A partir do fim de agosto e até o final do ano, as repúblicas restantes, uma a uma, declararam independência da URSS. Em 8 de dezembro de 1991, foi fundada a Comunidade dos Estados Independentes (CEI) como uma zona de livre comércio entre a Federação Russa, a Ucrânia e a Bielorrússia. Em 21 de dezembro, o restante das repúblicas aderiu à CEI, exceto os Bálticos e a Geórgia. O presidente Gorbachev então dissolveu a União Soviética em 26 de dezembro. Yeltsin continuou como presidente da Federação Russa.
Oitava Visita — Março a Abril de 1992
Retornei à Europa Oriental em 6 de março de 1992, depois de ter viajado e dado palestras sem interrupção pelos Estados Unidos, América do Sul e Europa Ocidental desde que deixei a Bulgária. Desta vez, a visita incluiu Alemanha (Berlim), Polônia (Varsóvia), Federação Russa (Leningrado), Letônia (Riga), Estônia (Tartu, Tallinn), novamente a Federação Russa (Moscou), Ucrânia (Donetsk e Kiev), Bielorrússia (Minsk) e Lituânia (Vilnius).
Comecei em Berlim, onde os berlinenses do leste agora podiam participar das minhas palestras em uma Sociedade Budista no oeste da cidade. Embora a reunificação tivesse ocorrido quase um ano e meio antes, ainda havia uma enorme diferença entre o oeste e o leste. Os soviéticos praticamente não haviam feito reconstrução enquanto controlavam a Alemanha Oriental e muito trabalho ainda era necessário. Os alemães do oeste precisavam pagar um imposto extra de “solidariedade” para custear a reconstrução, o que gerava grande ressentimento. Os alemães do leste eram tratados como cidadãos de segunda classe e, após a euforia inicial, ficaram desapontados com a forma como eram tratados. Quando havia duplicação de escritórios e empregos em Berlim Ocidental e Oriental, por exemplo, como foi o caso com o escritório de tratamento de água, um dos escritórios era fechado e muitos funcionários eram demitidos.
Em seguida, fui à Polônia. Eleições para o Parlamento haviam sido realizadas em outubro de 1991. Antes da eleição, Lech Wałęsa havia declarado que todos os comunistas deveriam ser processados por seus crimes. Isso levou todos os ex-comunistas a votar no Partido Social-Democrata (o antigo Partido Comunista) para se protegerem. O partido de Wałęsa ficou em quarto lugar. O verdadeiro poder parecia estar nas mãos da União Nacional Cristã, que tentava transformar a Polônia em um estado católico fundamentalista. O Parlamento se recusava a aprovar o último orçamento. As pessoas estavam desgostosas com o governo e a coalizão mudava constantemente.
Enquanto estive na Polônia, ministrei palestras na Universidade de Varsóvia e em um centro budista. Encontrei-me com o professor Bronislaw Geremek, presidente do Comitê Parlamentar de Relações Exteriores, que havia se manifestado sobre os direitos humanos tibetanos durante uma visita a Pequim no ano anterior. Ele e alguns parlamentares demonstraram grande interesse em organizar uma visita de Sua Santidade à Polônia. Sugeriram que a filial polonesa do Comitê de Helsinque, o mais prestigiado grupo de direitos humanos do Leste Europeu, fizesse o convite. Essa visita se concretizou no ano seguinte, em maio de 1993, quando Sua Santidade finalmente se encontrou com Lech Wałęsa.
Depois fui a Leningrado, que agora havia retomado seu nome original, São Petersburgo. Sherab Jamtso, agora chamado Gelong Samayev, havia se desvinculado completamente do Conselho Budista. Embora ainda envolto em muitos escândalos, continuava como abade auto-nomeado do Templo de Leningrado. A reforma do templo ainda não estava concluída e, ainda que Sua Santidade tivesse concordado em fornecer os materiais para preencher a estátua principal do Buda e enviar monges para esse fim, eles ainda não estavam prontos. Mesmo assim, ministrei uma série de palestras no templo, bem como no Centro Budista Doméstico.
Havia inúmeros centros budistas e outros centros espirituais em São Petersburgo. O grande problema lá e em toda a antiga União Soviética era que muitos professores falsos e alguns deles até insanos — por exemplo, um que afirmava ser o Rei de Shambhala — estavam abrindo centros, e as pessoas não tinham conhecimento suficiente para diferenciar professores qualificados de falsos.
De São Petersburgo, fui a Riga, na Letônia. O governo letão na época era liderado por antigos comunistas que apenas haviam mudado o nome de seu partido. Esses antigos comunistas detinham todo o poder econômico e a corrupção estava em níveis recordes. Conheci Guido Trepsha, que publicava os livros de Sua Santidade com Terentyev na Narthang Publications. Ele desejava criar um Grupo de Apoio Letônia-Tibete. Enquanto estive em Riga, dei palestras na Academia de Artes da Letônia.
Em seguida, fui à Estônia, onde soube que o primeiro-ministro e a maior parte do gabinete na época da visita de Sua Santidade haviam sido derrubados, e agora a maioria dos líderes políticos eram ex-comunistas e pró-China. Em geral, o governo estava caótico, já que ainda não havia sido adotada uma constituição. Planos para Centros Culturais Tibetanos em Tallinn e Riga foram desencorajados. Na Estônia, ministrei palestras no Instituto Mahayana da Universidade de Tartu e na Sociedade Budista da Estônia, em Tallinn.
Depois fui a Moscou, em 26 de março. Na época, parecia que a Federação Russa se fragmentaria em várias partes. Já haviam declarado independência a Chechênia, Tartaristão e Cabárdia-Balcária, e esperava-se que logo Daguestão e Bashkortostão seguissem o mesmo caminho. Todas essas regiões eram de maioria muçulmana. A República Cossaca do Don queria se unir à Calmíquia. Houve até manifestações na Buriátia. A situação econômica na Federação Russa era pior do que em qualquer outro país da CEI. Embora houvesse mais alimentos nas lojas do que no passado, os preços eram proibitivos para a maioria das pessoas. O salário médio era de US$ 10 por mês (1000 rublos), e um quilo de manteiga custava, por exemplo, 170 rublos. Havia poucos carros nas ruas, já que a gasolina era cara demais.
Quando Sua Santidade esteve em Moscou, em julho de 1991, Ele havia concordado com a proposta de abrir um Centro Cultural Tibetano na cidade. Em outubro, durante minha estadia em Moscou, Ngawang Rabgyal, que seria o responsável pelo centro, e Terentyev redigiram um esboço da constituição do Centro. A Fundação Internacional para a Sobrevivência da Humanidade, que seria parceira do centro com uma parceria empresarial, havia perdido prestígio devido à sua associação com Gorbachev. Uma nova lei eliminou a exigência de parcerias empresariais, e Lukyanova ofereceu espaço de escritório em seu Instituto Russo de Medicina Tradicional. No entanto, o esboço da constituição ainda precisava ser finalizado em Dharamsala.
Lukyanova estava agora recebendo total apoio financeiro para nosso projeto médico do presidente Yeltsin e do Ministério da Saúde russo. Eles lhe forneceram um escritório de seis salas e três hectares e meio de terreno para construção. As propriedades e prédios maiores oferecidos durante o período soviético não estavam mais disponíveis. Lukyanova e o governo russo estavam restringindo o programa à Federação Russa, tratando apenas pacientes russos, apesar das necessidades de inúmeros pacientes de Chernobyl na Ucrânia e na Bielorrússia. Os ucranianos e bielorrussos sentiam o mesmo e queriam programas separados e completos para seus países.
Embora nem todas as plantas medicinais necessárias para fabricar os remédios em Moscou tenham sido encontradas na Sibéria durante a visita do Dr. Choedrak em julho de 1991, Lukyanova estava determinada a prosseguir. No momento, ela contava apenas com um médico buriato atendendo pacientes, mas algumas pessoas questionavam sua capacidade. O Dr. Dawa Dolma, enviado pelo Instituto Tibetano de Medicina e Astrologia no final de 1990 para tratar altos funcionários do governo que solicitaram nossa ajuda [nomes omitidos para proteger a confidencialidade], viria novamente em maio de 1992 para uma estadia de seis meses.
O projeto continuou em uma escala muito menor até que Lukyanova morreu em um acidente de avião, em 23 de março de 1994. Os resultados haviam sido muito positivos para os pacientes tratados. Contudo, como os três países afetados não cooperariam entre si, não havia mais ninguém para coordenar em Moscou e ninguém na Rússia estava pagando as passagens dos médicos tibetanos vindos de Dharamsala, o projeto foi infelizmente abandonado.
Na época da minha visita, em março de 1992, Lukyanova havia demitido Rabdonov. Ele era agora o diretor executivo do Instituto Budista que havia sido estabelecido no ano anterior por Junsei Tarasawa, um rico sacerdote budista Nichiren do Japão. Era principalmente um instituto educacional e utilizava salas na Universidade Técnica de Moscou, onde ministrava cursos de língua tibetana lecionados por Rabdonov.
Enquanto isso, o Conselho Budista teria que desocupar seu prédio em Moscou em 1º de maio de 1992. Se o governo não lhes desse outro prédio, teriam que parar de ter um representante em Moscou. O Conselho Budista ainda estava incerto sobre seu papel na nova Rússia. Gostavam de se ver como uma burocracia centralizada ao estilo comunista, em que eram os únicos representantes do budismo na Rússia. Na realidade, representavam apenas os buriatos e talvez também os tuvanos, pois ainda eram muito fracos para se organizarem por conta própria. Os calmucos eram completamente independentes.
Em 29 de março, voei para Donetsk, Ucrânia, pela Ukrainian Airlines. Ainda não havia infraestrutura nos aeroportos para essa companhia aérea. Nós, passageiros, tivemos que carregar nossa bagagem até o avião e colocá-la no compartimento de carga. O voo estava com excesso de passageiros e vários ficaram em pé no corredor durante toda a viagem. Ao chegar a Donetsk, o controle de passaporte foi feito no avião e tivemos que descarregar nossa bagagem sozinhos.
Donetsk, onde estavam localizadas as maiores minas de carvão da antiga URSS, tinha uma população internacional composta por muitos russos, mas também outros grupos étnicos. Na Ucrânia, as pessoas se identificavam menos pela língua que falavam e mais pela igreja a que pertenciam – principalmente a Igreja Greco-Católica no oeste da Ucrânia e a Igreja Ortodoxa Russa ou Ucraniana no restante do país. Desde a dissolução da União Soviética, o interesse pela religião ressurgiu, incluindo o interesse pelo budismo. No entanto, como em Moscou, surgiram diversos professores charlatães afirmando representar o budismo tibetano. Encontrei-me com o chefe do Conselho Religioso da região de Donetsk, que compartilhou sua preocupação comigo.
Em Donetsk, ministrei aulas na Donetsk Open University, onde seis docentes ensinavam sobre budismo e outras religiões asiáticas com apenas conhecimento mínimo sobre o assunto, mas com vontade de aprender mais. O reitor, com quem me encontrei, havia enviado um pedido a Dharamsala para incluir sua universidade em uma futura viagem de Geshes que seriam enviados à Rússia.
Também fui a Kiev, onde lecionei na Casa dos Acadêmicos e me encontrei com o professor Nikolai Kulinich, vice-diretor do Instituto Ucraniano de Relações Internacionais e consultor do Comitê Parlamentar Ucraniano de Relações Exteriores. Ele explicou que o presidente Leonid Kravchuk havia sido chefe do Departamento de Ideologia do Comitê Central do Partido Comunista Ucraniano. A maioria das pessoas não perdoava seu passado comunista, mas não havia partidos fortes de oposição. O professor Kulinich previu que a CEI se desintegraria até o final do ano. Todos os seus membros odiavam a Rússia e qualquer tentativa de autoridade central vinda de Moscou. Embora eu não tenha levantado a questão de precisarmos trabalhar junto com Moscou em nosso projeto médico, ficou claro que a Ucrânia não aceitaria qualquer forma de cooperação com pessoas envolvidas em nosso projeto em Moscou.
De Kiev, fui para Minsk, Belarus, talvez a cidade mais cinzenta que já visitei na antiga União Soviética. Quase totalmente destruída na Segunda Guerra Mundial, havia sido reconstruída quase exclusivamente com blocos de apartamentos soviéticos idênticos e sem cor. O Parlamento e, dentro dele, o Conselho Supremo de Belarus, foram eleitos entre antigos funcionários do Partido Comunista. O presidente, Stanislav Shushkevich, havia sido professor de física nuclear e era a única alternativa aos comunistas, mas era considerado fraco e ineficaz, e o povo estava insatisfeito. Havia grande necessidade de reformas, mas as mudanças aconteciam muito lentamente. Além disso, os habitantes de Minsk ressentiam o peso econômico de sua cidade ser a capital da CEI, e a maioria queria a dissolução da CEI.
Encontrei o ministro das Relações Exteriores, Piotr Krafchenko, que me explicou que a prioridade era manter boas relações econômicas com a China embora a política externa de Belarus ainda não estivesse totalmente formulada. O principal problema em Belarus, disse ele, era Chernobyl, mas quando mencionei nosso projeto médico baseado em Moscou, ele indicou que Belarus nunca cooperaria com algo oficialmente apoiado pela Rússia. Se quiséssemos qualquer associação com o governo bielorrusso, deveríamos apresentar propostas concretas para um programa separado com eles. Obviamente, isso não era possível. Enquanto estive em Minsk, ministrei uma palestra pública para um grande público no Instituto de Cultura.
Em 5 de abril, peguei o trem para Vilnius, Lituânia, minha última parada dessa turnê. Enquanto eu estava em Minsk, uma resolução havia sido aprovada no Congresso dos Deputados do Povo da Rússia para retirar de Yeltsin os poderes executivos concedidos a ele no final de 1991 para gerenciar a economia. Ele conseguiu convencê-los a abandonar a resolução e ter paciência com as reformas. No entanto, isso indicava o nível de instabilidade e incerteza que predominava na época.
Na Lituânia, fui convidado oficial do Grupo Parlamentar de Apoio ao Tibete, e tive uma reunião com dez de seus membros proeminentes. Essa reunião foi a primeira notícia do telejornal daquela noite. Na época, a Lituânia não tinha presidente e Landsbergis, como chefe do Parlamento e antigo apoiador de Sua Santidade e da questão do Tibete, era a pessoa mais poderosa do país.
Com o apoio de Landsbergis, o Grupo Parlamentar propôs a abertura de um Escritório de Sua Santidade em Vilnius. Ele poderia ter jurisdição não apenas sobre os Bálticos, mas também sobre Ucrânia, Belarus, Polônia, Tchecoslováquia e Hungria, já que estes nunca aceitariam estar subordinados a um escritório em Moscou. Também discutimos possíveis passos preliminares para o reconhecimento lituano do Governo Tibetano no Exílio em Dharamsala. Enquanto estava em Vilnius, lecionei na Universidade de Vilnius, patrocinado pelo Instituto Lituano de Estudos Budistas. Isso encerrou minha viagem em 8 de abril de 1992.
Período de abril a dezembro de 1992
A proposta de estabelecer um escritório de Sua Santidade em Vilnius nunca se concretizou. Em setembro de 1992, um Escritório do Tibete foi estabelecido em Budapeste para representar Sua Santidade em toda a Europa Oriental. Os Bálticos ficariam sob a jurisdição do Escritório do Tibete em Londres, junto com os países escandinavos. Em 24 de abril de 1993, foi estabelecido um Escritório do Tibete em Moscou para representar Sua Santidade na Rússia, no restante da CEI e na Mongólia.
Também em setembro de 1992, Sua Santidade visitou Tuva e Kalmykia, onde consagrou os terrenos nos quais os novos mosteiros seriam construídos. Enquanto estava na Kalmykia, Sua Santidade nomeou o jovem Kalmyk-Americano Telo Rinpoche como Shadjin Lama, chefe espiritual dos budistas kalmyks.
Mais tarde naquele ano, em 9 de dezembro de 1992, Yeltsin sobreviveu a uma moção de desconfiança no Congresso dos Deputados do Povo da Rússia. Em contraste com a turbulência política na maior parte da antiga União Soviética, a Tchecoslováquia se dividiu pacificamente em República Tcheca e Eslováquia em 31 de dezembro de 1992.