Bodhichitta de 7 partes: Gerando Bodhichitta

Análise

Em nossa conversa sobre a meditação de causa e efeito em sete partes para gerar bodhichitta, percorremos toda uma sequência até o estágio final, o resultado do que construímos. 

Falamos sobre a base, que é a equanimidade, livre de apego, repulsa e indiferença, e da consciência de que todos foram nossas mães, lembrando-nos da bondade (envolvida) no amor maternal, apreciando esse amor e sentindo gratidão por ele, e então tendo este amor afetuoso - que naturalmente vem desse sentimento de gratidão e apreço – e dirigindo-o aos outros, nos preocupando com seu bem-estar, ficaríamos tristes se algo terrível acontecesse com eles, sentimos alegria ao encontrá-los e automaticamente temos uma sensação de proximidade com eles. Nesse estado emocional, temos o amor, o desejo de que os outros sejam felizes e tenham as causas da felicidade. 

Falamos sobre como - embora isso não esteja exatamente delineado nos ensinamentos, mas faz sentido em termos da sequência - olhar para o desejo de que os outros tenham a felicidade mundana, ou seja, que se livrem do sofrimento da infelicidade grosseira, ou sofrimento do sofrimento. Então, com compaixão, desejamos que eles sejam livres do sofrimento e das causas do sofrimento, que seria o desejo de que sejam livres não apenas do sofrimento do sofrimento, mas também do sofrimento da felicidade mundana samsárica, o sofrimento da mudança, (felicidade esta) que talvez, com o amor, tenhamos desejado que tivessem. E podemos querer ou não incluir aqui o desejo de que eles sejam livres do sofrimento que tudo permeia do samsara; isso pode ser incluído ou deixado para a próxima etapa.                

As causas da felicidade em termos de amor seriam - conforme descrito no lam-rim, nos estágios graduais do caminho - elas pararem de agir destrutivamente e acumularem força positiva agindo construtivamente. Para se superar não apenas o sofrimento do sofrimento, mas também o sofrimento da mudança, as causas seriam, por exemplo - se quisermos separar isso do sofrimento que tudo permeia - ter uma compreensão da impermanência, da não-estaticidade, para perceber que essa felicidade mundana não vai durar, e então não ficar muito apegado a ela. Apesar de que (não ter apego) não nos livra necessariamente desse tipo de sofrimento. O que realmente precisamos é a compreensão da vacuidade.  

Enquanto estou explicando, é claro que outras coisas me vêm à mente. Estou em um debate interno, e agora encontrei uma objeção a isso, que poderíamos superar o sofrimento da felicidade mundana comum com um método mundano, que seria obter os estados mais elevados de concentração, nos quais iríamos para níveis mais elevados de absorção nos reinos da forma e sem forma, nos quais não mais experimentaríamos a felicidade mundana.          

Seja como for, existem oponentes (antídotos) mundanos ao sofrimento da mudança, mas o oponente mais profundo é a compreensão da vacuidade, que é o que nos livra do sofrimento que tudo permeia, conforme conversamos, pois você não ativa mais o carma. O sofrimento do sofrimento, lembre-se, é o que amadurece a partir do comportamento destrutivo e da força negativa do comportamento destrutivo, e a felicidade mundana é o que amadurece a partir da força positiva do comportamento construtivo. Mas ela é misturada, contaminada, misturada com confusão; portanto apenas perpetua o samsara. Então, o que queremos fazer, claro, é nos livrar do carma.                  

E isso significa livrar-se das condições e das causas que tornariam possível o amadurecimento de nossas tendências e forças cármicas. Se você não tem as condições, não pode dizer que ainda tem a tendência; ou, para ser mais preciso, quando falamos da tendência, ou do hábito, de algo acontecer, de um resultado, isso é uma imputação baseada nas causas, e na possibilidade de um resultado. Portanto, se há uma causa, que já aconteceu, e um resultado, que pode acontecer, poderíamos também dizer que existe uma tendência, com base nessa causa, do resultado acontecer. (Mas), se for impossível o resultado acontecer, por não haver condições que permitam que essa tendência amadureça, você não pode mais dizer que existe uma tendência.          

Uma tendência é imputada na base da possibilidade de um resultado. Se não há possibilidade de o resultado acontecer, essa tendência não existe mais. É assim que você purifica o carma, a força cármica, o potencial cármico - você elimina as causas ou as condições para o amadurecimento das tendências, e o faz com a compreensão da vacuidade, pois o que amadurece as tendências cármicas é se agarrar ao sofrimento, “eu quero que isso vá embora”, e se agarrar à felicidade mundana, “eu não quero que isso vá embora”, e isso se baseia na forte identificação do “eu” com o que estamos vivenciando.            

Livre-se disso e essas tendências não terão como amadurecer, pois não haverá condições para tanto, especialmente se você conseguir manter-se focado na compreensão da vacuidade o tempo todo, aí você terá se purificado dessas tendências cármicas - é assim que você sai disso. É por isso que Vajrasattva e coisas do gênero são apenas remédios temporários; não são o remédio mais profundo e definitivo para nos livrarmos do carma e do vir a ser. Na compaixão, desejamos que os seres tenham as causas para se livrarem do sofrimento, o mais profundo, pois para o sofrimento da mudança, temos uma forma convencional de nos livrar, indo para uma absorção mais profunda.          

E a impermanência ajudaria, claro –absorção mais profunda nos leva lá, mas é algo temporário. E algo temporário não serve para nos libertarmos do sofrimento do sofrimento e da felicidade mundana. Interromper o comportamento destrutivo é algo apenas temporário, pois as forças são tão fortes, os hábitos e tendências são tão fortes, que com certeza voltariam. Portanto, temos que querer atingir o total entendimento da vacuidade.        

E depois temos a determinação excepcional. Como vimos, assumimos a responsabilidade, até certo ponto, de ajudá-los a obter a felicidade mundana. Com amor e compaixão assumimos a responsabilidade de ajudá-los a superar não apenas o sofrimento, mas também a felicidade mundana comum. Com a determinação excepcional, assumimos total responsabilidade de ajudá-los a alcançar a iluminação. Também vimos como é importante não ter o sentimento de orgulho, não tratar os outros com desprezo, ou “Vou salvar o universo”, o complexo do salvador; e também não ter ciúme de outras pessoas que estão ajudando, achando que somos os únicos que podem salvar o mundo.              

Também precisamos estar muito cientes das limitações de ser um buda, e a limitação é que não somos onipotentes. O poder da influência iluminadora de um buda e o poder do carma são o mesmo, uma espécie de conservação da energia ou algo parecido. Quer dizer, há apenas uma determinada quantidade de energia no universo, de acordo coma a física, e o poder de um buda não consegue superar o poder do carma; caso contrário, chegaríamos à conclusão absurda de que se um buda pode libertar todos os seres e levá-los à iluminação, por que ainda não fez isso?     

Não queremos entrar no dilema de Jó da Bíblia. O budismo evita essa contradição dizendo que o buda não consegue fazer isso; ninguém consegue salvar a todos apenas por seu próprio poder. A liberação de uma pessoa acontece como um fenômeno que surge de forma dependente, dependente de seu próprio esforço, das instruções de um buda e da inspiração de um buda, mas requer muitas causas e condições.         

Top