Trabalhando com a Nossa Mente

Definindo a Motivação

Para nos diferenciar dos não-budistas, temos a tomada de refúgio, ou o direcionamento seguro, e para nos diferenciar do caminho do hinayana, há a tomada de refúgio do mahayana. Olhamos para o Buda Shakyamuni como nosso principal exemplo de uma fonte de direcionamento seguro. O guru Shakyamuni, imensamente gentil e compassivo, veio a este mundo 2500 anos atrás. Ele realizou os vários atos de uma pessoa iluminada e deu indicações plenas de todos os métodos do dharma. Muitos seguidores do Buda os compilaram e seguiram a prática dos três treinamentos mais elevados em disciplina ética, concentração e consciência discriminativa, ou sabedoria. Esses métodos se espalharam por toda a Índia e foram levados para o Tibete.  Lá, eles floresceram em um período inicial de tradução e em outro posterior, o que faz com que agora tenhamos os ensinamentos do Buda e dos seguidores de seus ensinamentos bem preservados.

Pode parecer que eu não tenho todas as qualificações; ainda assim, como um detentor de todos os ensinamentos do Buda e por causa do meu desejo de beneficiar as pessoas, a consciência de minha responsabilidade, por vezes, me dá uma grande coragem; ainda que, em outros momentos, eu sinta temor. No entanto, se posso beneficiar os outros, busco praticar esses ensinamentos da melhor maneira possível e oferecê-los aos outros.

É claro que tudo depende da motivação, das razões que nos levam a fazer algo. No meu caso, apesar de não ter todas as habilidades grandiosas, tento lidar com tudo isso de uma forma realista e prática. Tomemos o exemplo de um exército. Se ele for fraco, não pode perder uma oportunidade de atacar; por outro lado, se for muito forte, pode relaxar e esperar por outra oportunidade. Da mesma forma, quando temos muitas coisas caras e perdemos uma delas, não precisamos ficar muitos perturbados. Tomando esse exemplo, quando pensamos em nós mesmos, estamos tendo uma oportunidade. Temos que aproveitá-la.

Quando acumulamos muitos objetos materiais e não os usamos, só estamos apegados a eles. Achamos que são muito importantes, embora não sirvam para nada. Por exemplo, as coisas que herdamos de nossos pais. Quando não são úteis, precisamos nos livrar delas. Essa é a natureza das coisas. Como no exemplo dos cabelos ou das unhas, não nos apegamos a eles, simplesmente os cortamos. Da mesma forma, precisamos ser muito práticos e olhar para a situação em nosso mundo, e a nossa situação atual, e aplicar todas as práticas e ensinamentos à nossa realidade. Não temos que ficar presos a velhos costumes e formas ultrapassadas de pensar que não têm aplicação prática na situação atual. Isso não faz sentido. 

Voltando à tomada de um direcionamento seguro, quando fazemos as prostrações, recitar os versos é a prostração da fala, e lembrar do significado é a prostração da mente. Quando dobramos nossas mãos, é a prostração do corpo. Tento seguir a tradição de Kunu Lama Rinpoche e recitar versos de prostração e louvor ao Buda Shakyamuni no início dos ensinamentos.

Como o guru tem tremenda importância, especialmente no tantra, quando tomamos o direcionamento seguro (ou o refúgio), dizemos: “Estou tomando o direcionamento seguro dos gurus”, depois vem Buda, Dharma, Sangha. Não se trata de uma quarta fonte de direcionamento seguro. Os gurus incorporam todas as qualidades das Três Joias de Refúgio. 

Esse texto visa purificar e treinar as nossas atitudes (treinamento mental), e se chama: Treinamento da Atitude Como os Raios de Sol, escrito por um discípulo direto de Tsongkhapa: Namka Palzang, chamado às vezes simplesmente de Namkapel. Recebi esses ensinamentos de Kyabje Ling Rinpoche e também de um Lama de Amdo. Eu os recebi várias vezes. 

Algumas pessoas têm uma atitude muito grosseira e rude, fazendo com que até mesmo seus pais e amigos queiram se distanciar delas. Mas é possível desenvolver um coração bondoso e gentil, e ver as nossas boas qualidades aumentarem pouco a pouco, e também a nossa habilidade de trazer felicidade aos outros, o que, é claro, nos faz mais felizes. Quando somos pessoas boas e gentis, todas as coisas de que precisamos vêm a nós. Somos capazes de conquistar todas as boas qualidades e coisas de que precisamos, tanto no nível absoluto quanto no relativo. Quando somos pessoas muito grosseiras e rudes, e sempre agimos de forma cruel, nunca alcançamos as coisas que desejamos.

Como acontece com o treinamento físico, para sermos capazes de desenvolver atitudes novas e diferentes, precisamos fazer vários exercícios, para treinar nossas mentes e nossos corações, dia a dia, mês a mês, em um longo período de tempo, com um esforço contínuo. Não basta só desejar um bom coração e uma boa mente para obtê-los, é preciso treiná-los e desenvolvê-los para que se tornem bons. Os ensinamentos do Buda não aceitam um criador. Eles dizem que tudo que surge depende de outros fatores. Tudo que acontece é fruto de causas e circunstâncias. Quando tentamos identificar as causas, dizemos que as coisas vêm do carma. Carma, por sua vez, é gerado pelas mentes de várias pessoas, e as muitas coisas que elas fazem, especialmente como beneficiam ou prejudicam os outros.

A raiz de tudo isso está no fato de nossas mentes serem domadas ou indomadas. Quando a mente é indomada, cometemos várias ações destrutivas, e quando damos continuidade a essas ações destrutivas, ocorrem desastres, infelicidade, e assim por diante. Quando domamos bem as nossas mentes, essas coisas não ocorrem. Portanto, quando há infortúnios, não podemos culpar o Buda nem ninguém por isso. Da mesma forma, não podemos dizer que nossa felicidade vem de outra pessoa. Tudo depende de termos a mente domada ou indomada. Quando nossas mentes são domadas, realizamos ações construtivas, acumulamos força positiva (méritos), e a felicidade é um resultado disso. Se quisermos nos livrar de nossos problemas, nossos sofrimentos, temos que trabalhar em nossas atitudes e domar bem nossas mentes.

Da mesma forma, a felicidade e a ausência de problemas e sofrimentos não virá só de orar para o Buda. Ela vem de nossos próprios esforços em purificar nossa mente de atitudes negativas e treiná-la a ter atitudes positivas. Em outras palavras, tudo depende de termos ou não a mente domada. Quando queremos felicidade, temos que domar a nossa mente; quando queremos nos livrar de problemas, temos que domar a nossa mente. O ponto principal que devemos considerar, quando desejamos conquistar a felicidade e nos livrar de problemas e sofrimento, é se estamos ou não treinando e purificando nossa mente.

Não dizemos que há um deus que nos dará felicidade através de suas bênçãos e suas graças, mas que o poder de cada indivíduo e o poder do Buda são iguais. Embora os budas possam nos inspirar, nosso dever fundamental é domar a nossa mente. Por isso, temos esse tipo de ensinamento, de treinamento da atitude (lojong). Todos têm que trabalhar em suas próprias mentes, em seus próprios corações, em suas próprias atitudes. É isso que gerará felicidade.


Não importa qual é a situação, o que estamos fazendo, é muito importante ter a motivação apropriada. Com a motivação correta, qualquer coisa que fizermos pode se tornar uma atividade construtiva. Pensar que estamos fazendo algo positivo, como escutar esses ensinamentos, só para nos livrarmos de doenças e desse tipo de coisas relativamente pequenas – isso é um grande erro. Temos que evitar pensar em propósitos pequenos, desejando apenas beneficiar esta vida ou nos livrar de doenças, ou obter mais felicidade para nós mesmos no futuro. Até mesmo escutar esses ensinamentos só para conquistar a libertação do samsara é um grande erro. Ao invés disso, precisamos desenvolver um ideal de bodhichitta, pensando: “Estou escutando isso para me aproximar da iluminação e poder ajudar a todos da melhor maneira possível” – esse é o tipo de motivação que precisamos ter.

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