Verso 1: Todos os Seres São Superiores a Joias Realizadoras de Desejos
Que eu sempre valorize os seres limitados, por considerá-los muito superiores à joias realizadoras de desejos no que diz respeito à conquista do objetivo supremo.
Nós, e todos os outros seres, queremos ser felizes e completamente livres de sofrimento. Nisso, somos exatamente iguais. Entretanto, cada um de nós é apenas uma pessoa enquanto os outros seres são infinitos em número.
Agora, existem duas atitudes a serem consideradas: cuidarmos egoisticamente apenas de nós mesmos ou cuidarmos dos outros. Cuidarmos apenas de nós mesmos nos deixa muito fechados. Achamos que somos extremamente importantes e passamos a desejar basicamente nossa própria felicidade e que as coisas deem certo para nós, apesar de não sabemos como fazer para que seja assim. O fato é que nunca conseguiremos ser felizes se agirmos pensando apenas em nós mesmos. Por outro lado, aqueles que preocupam-se com os outros consideram todos os demais seres como mais importantes que eles próprios e valorizam, acima de tudo, ajudar os outros. Agindo assim, eles acabam ficando felizes.
Por exemplo, políticos que se interessam genuinamente em ajudar ou servir as pessoas são lembrados com respeito na história, enquanto os que só exploram e fazem mal viram exemplos de pessoas execráveis. Agora, deixando de lado, por um momento, religião, vidas futuras e nirvana, mesmo na vida [material], as pessoas egoístas acabam criando repercussões negativas para si por conta de suas ações autocentradas. Por outro lado, pessoas como Madre Teresa, que dedicaram suas vidas e energia para ajudar altruisticamente os outros, os pobres e necessitados, são sempre lembradas com respeito por seu trabalho. As pessoas não têm nada de negativo para falar delas.
Este é o resultado de nos preocuparmos com os outros: queiramos ou não, até mesmo aqueles que não são nossos parentes hão de gostar de nós, ficarão felizes com nossa presença e terão sentimentos calorosos para conosco. No entanto, se formos o tipo de pessoa que só fala coisas boas na frente mas pelas costas fala mal, é claro que ninguém vai gostar da gente. Assim, até mesmo nesta vida, se tentarmos ajudar ao máximo e tivermos o mínimo possível de pensamentos egoístas, sentiremos muita felicidade.
Nossa vida não é muito longa; no máximo 100 anos. Se, durante a vida, tentamos ser gentis, tivermos um coração afetuoso e nos preocuparmos com o bem estar dos outros, além de sermos menos egoístas e raivosos, será maravilhoso, excelente. Isso é realmente a causa da felicidade. Se formos egoístas, sempre nos colocando em primeiro lugar, o resultado é que chegaremos por último. Mentalmente nos colocando por último, e os outros em primeiro, é a forma de chegarmos na frente. Portanto, não se preocupe com a próxima vida ou com o nirvana; essas coisas virão gradualmente. Se nesta vida permanecermos bons, afetuosos e não egoístas, seremos bons cidadãos do mundo.
Quer sejamos budistas, cristãos ou comunistas, é irrelevante; o importante é que enquanto formos seres humanos, precisamos ser bons seres humanos. Este é o ensinamento do budismo. Esta é a mensagem de todas as religiões do mundo, mas os ensinamentos budistas contém todos os métodos para erradicarmos o egoísmo e efetivarmos uma atitude de apreço aos demais. O maravilhoso texto de Shantideva, Engajando-se no Comportamento do Bodhisattva (O Caminho do Bodhisattva, Skt. Bodhicharyavatara), por exemplo, é muito útil para isso. Eu pratico de acordo com esse livro; é extremamente útil. Nossa mente é muito astuta, muito difícil de controlar. Mas, se nos esforçarmos constantemente e trabalharmos sem parar com lógica e análise cuidadosa, seremos capazes de controlar nossa mente e mudar para melhor.
Alguns psicólogos ocidentais dizem que não devemos reprimir a raiva, e sim expressá-la. Dizem, de fato, que devemos praticar raiva! Contudo, precisamos fazer uma importante distinção entre problemas mentais que precisam ser expressados e os que é melhor não expressarmos. Algumas vezes, podemos ser realmente injustiçados e está certo expressarmos nossos ressentimentos ao invés de deixá-los apodrecerem dentro de nós. Mas nunca é útil os expressarmos com raiva. Se alimentarmos emoções negativas perturbadoras, como a raiva, elas se tornarão parte de nossa personalidade. Cada vez que expressamos raiva, torna-se mais fácil expressarmos raiva. Fazemos isso cada vez mais, até nos tornarmos pessoas furiosas totalmente fora do controle. Assim, no que diz respeito a problemas mentais, é certamente apropriado expressarmos alguns, mas outros não.
No início, quando tentamos controlar as emoções perturbadoras, é difícil. No primeiro dia, na primeira semana, no primeiro mês, não conseguimos controlá-las. Mas, com esforço constante conseguimos gradualmente diminuir nossas negatividades. Não conseguimos progredir mentalmente tomando remédio ou outras substâncias químicas, o progresso mental depende de controlarmos nossa mente. Assim, vemos que se quisermos realizar nossos desejos, sejam eles provisórios ou definitivos, precisamos controlar a mente para não termos auto-apreço. Para isso, precisamos contar com as outras pessoas muito mais do que contamos com joias realizadoras de desejos. Ou seja, precisamos sempre apreciar os outros acima de tudo, porque esta atitude é o que realmente vai realizar nossos desejos.
Melhorar nossa mente e, de fato, fazer algo para ajudar os outros é muito importante. Se não tivermos uma motivação pura, não importa o que façamos, nada nos garantirá satisfação.
Portanto, a primeira coisa que precisamos fazer é cultivar uma motivação pura. Mas não precisamos esperar até a motivação se desenvolver completamente para ajudar os outros. Lógico, para ajudarmos da maneira mais eficiente possível, precisamos atingir a iluminação total de um buda. E mesmo para sermos capazes de ajudar de forma vasta e extensiva, precisamos ter atingir um dos níveis mentais (bhumi) de um arya bodhisattva — e precisamos ter cognição não conceitual da vacuidade e percepção extrassensorial. Todavia, são muitos os níveis de ajuda que podemos oferecer. Mesmo antes de atingirmos essas qualificações, podemos tentar agir como bodhisattvas. Mas, naturalmente, nossas ações serão menos eficazes que as deles.
Então, sem esperar até que estejamos totalmente qualificados, podemos gerar uma boa motivação e com isso tentar ajudar os outros da melhor forma que conseguirmos. Esta é uma abordagem mais equilibrada, e melhor do que simplesmente permanecer isolado em algum lugar meditando um pouco e fazendo algumas recitações. Claro, isso depende muito de cada pessoa. Se estivermos confiantes de que ficando em um lugar remoto podemos obter realizações depois de um certo período, aí é diferente. Talvez seja melhor passarmos metade do nosso tempo trabalhando ativamente e a outra metade praticando meditação.