22 Formas de Treinamento

Ponto 7

O sétimo ponto, o último, consiste em 22 formas de treinamento para limparmos nossas atitudes:

(1) Faça todos os yogas com apenas uma [intenção]

O que quer que façamos, nossa intenção sempre deve ser a de ajudar os outros. Na Índia, onde muitas pessoas têm vermes, costuma-se dizer: “Ao comer, que eu alimente todos os microorganismos de meu corpo”. Mesmo que não consigamos manter essa motivação durante toda a refeição, podemos pelo menos começar assim. O verso de dedicação de Nagarjuna, “Como esse alimento não por avidez ou apego, mas como remédio para poder ajudar os outros” é muito útil.

(2) Acabe com todas as distorções utilizando apenas uma [prática]

Isso pode ser explicado de várias formas. Uma delas é que devemos nos livrar de nossas emoções perturbadoras utilizando o tonglen — tomando para si as emoções perturbadoras e o sofrimento dos demais. Mas isso não quer dizer que devemos tomar a raiva dos outros e nos tornarmos ainda mais raivosos.Conforme especificado em todos os ensinamentos de tonglen, não guardamos o que tiramos dos outros, como se fosse algo sólido; usamos de nossa habilidade para transformar e superar esses sentimentos.

Quando nossas emoções perturbadoras aflorarem, pode ser útil enxergar isso como um bom sinal; afinal, se elas não aparecerem, como conseguiremos derrotá-las? Precisamos trazer toda nossa raiva e demais emoções perturbadoras à superfície, para que possamos nos livrar delas. É um pouco como praticar shamata. Quando somos iniciantes e tentamos acalmar a mente, temos a impressão de que ela fica ainda mais distraída e barulhenta. Na verdade, não é a nossa mente tenha ficado mais agitada que o normal, nós é que nunca havíamos prestado atenção nela antes. Quando estamos treinando nossa atitude e começamos a observar a mente, acontece a mesma coisa, percebemos um monte de raiva e apego que nunca tínhamos visto antes. Na verdade, isso é um bom sinal!

(3) No começo e no final, tome as duas ações

As duas ações são: começar com a intenção de ajudar os outros e terminar dedicando a força positiva. E, novamente, Geshe Ben Gung-gyel nos ajudará a ilustrar essa situação com suas pedrinhas brancas e pretas. Ao acordar, ou antes de fazer alguma coisas difícil, precisamos estabelecer nossa intenção de ajudar os outros e não sermos egoístas. E, no final do dia, dedicamos o potencial positivo de nossas ações construtivas e nos arrependemos e purificamos as ações negativas.

(4) Qualquer das duas coisas que aconteça, aja com paciência

Quer estejamos felizes ou infelizes, em boa ou má situação, devemos ser pacientes e consistentemente desejar a felicidade alheia, além de tomar para si os problemas dos outros. Quando as coisas vão bem, não devemos ficar orgulhosos ou arrogantes e quando vão mal é importante não nos sentirmos deprimidos ou impotentes. Se tivermos dinheiro, devemos usá-lo para ajudar os outros, mas se não tivermos, podemos fazer oferendas imaginárias. Em ambas as circunstâncias é possível praticar tonglen.

(5) Proteja os dois, mesmo que isso lhe custe a vida

Isto refere-se aos nossos compromissos, especialmente às práticas de estreitamento de vínculo. Precisamos protegê-las fortemente. Com mais força, segundo o texto, do que protegemos nossas próprias vidas.Por isso, precisamos conhecer muito bem os votos budistas antes de tomá-los. Muitas pessoas se jogam em práticas e iniciações avançadas porque todo mundo está fazendo ou porque querem ser praticantes “avançados”, sem uma ideia clara do quesignificam e nem dos comprometimentos que estarão assumindo. Ou mesmo se serão capazes de mantê-los.

Antes de pedirmos aos mestres que nos passem práticas avançadas, precisamos questionar nossa própria moral. Será que conseguiremos manter a autodisciplina? Será que conseguiremos manter os compromissos? Se a resposta for não, então não devemos pedir tais práticas. Algumas pessoas fazem o puja de Cherenzig uma vez por semana achando chato e desinteressante; mas mesmo assim, sempre que algum lama importante dá uma grande iniciação, ficam ansiosos por tomá-la, independente do tamanho da sadhana que terão que fazer. Se achamos chato nosso compromisso semanal, por que achar que podemos ter um compromisso diário?

(6) Treine nas três coisas difíceis

Quando as emoções perturbadoras surgem, temos três coisas difíceis a fazer. A primeira é reconhecer a emoção e lembrar da força opositora. A segunda é aplicar a força opositora e a terceira é mantê-la em mente, para que a emoção perturbadora não volte. Em outras palavras, precisamos interromper a continuidade de emoções como raiva e ganância, e atitudes como o egoísmo.

(7) Obtenha as três principais causas

As três principais causas são as causas para podermos treinar nossas atitudes. A primeira é encontrar um professor espiritual que nos ensine e inspire; a segunda é a própria prática dos ensinamentos e a terceira é ter condições favoráveis para a prática. Essas condições são, basicamente, ter comida suficiente, uma casa modesta, roupas modestas e assim por diante, e não se preocupar muito em agradar o eu. Por exemplo, se ganhamos dinheiro suficiente, devemos ficar satisfeitos ao invés de querer cada vez mais. Assim, podemos focar nossa energia em cuidar dos outros.

(8) Medite nas três coisas que não declinam

A primeira coisa que não declina é nossa convicção nas boas qualidades do professor e apreciação de sua gentileza. Se tivermos essa atitude com o professor, ela se transferirá para as demais pessoas. Seremos capazes de reconhecer as boas qualidades dos outros e, portanto, respeitá-los. Também apreciaremos sua gentileza, mesmo que não estejam fazendo algo que nos afete diretamente. Eles nos ajudam simplesmente por estarem disponíveis para que nós os ajudemos.

Um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento de bodhichitta é olhar para demais com desdém, pois só conseguiremos ver seus defeitos e sentir que somos melhores que eles. Por exemplo, se um grande erudito e professor souber muitas coisas porém for arrogante, seu conhecimento não será de muito benefício aos outros, nem mesmo a ele próprio, pois seu orgulho será tão insuportável que ninguém irá querer ouvir o que tem a dizer. Quando rejeitamos os pensamentos e opiniões dos demais, por conta de nosso orgulho ou arrogância, não nos damos a oportunidade de aprender com eles. Tentamos impor nossas ideias mesmo quando estamos errados e rejeitamos qualquer conselho. Se formos humildes e abertos aos conhecimento dos outros, podemos aprender até com pessoas pouco estudadas, como crianças. Olhar as boas qualidades e apreciar a gentileza alheia nos abre para podermos aprender com todas as pessoas. O oposto disso é ignorar e rejeitar o que os outros dizem simplesmente para protejer e defender nossas posições.

A segunda coisa que não declina é nossa vontade de praticar,portanto, é muito importante, desde o começo, não sentir que estamos sendo forçados a treinar.Não devemos pensar, “tenho que fazer isso para ser bom, pra não ser mau”. Quando as pessoas são forçadas a fazer alguma coisa, geralmente se rebelam e fazem o contrário. Se realmente refletirmos sobre as vantagens de nos preocuparmos e cuidarmos do outros, e as desvantagens do auto-apreço, nos entusiasmaremos com a prática e vamos querer fazê-la.

(9) Possua os três inseparáveis

Isso significa estar consciente e dedicado, de corpo, fala e mente, a praticar o cuidado com os outros. O exemplo usado para o corpo é não ficar se mexendo o tempo todo, sentar-se quieto e atento. Nossa fala não deve ser um constante blá, blá, blá, precisa estar direcionada a ajudar os outros. A mente também deve ser preenchida com pensamentos de ajuda, ao invés de todo tipo de loucura e coisas bobas. Independente do que estejamos fazendo, quer envolva o corpo, a fala ou a mente, é necessário que esteja conectado a algo construtivo.

Os tibetanos dizem que, quando dormimos, não devemos fazer como um boi, que simplesmente deita e pronto. Antes de nos deitarmos, devemos fazer três prostrações para reafirmar o ideal bodhichitta e a direção segura que tomamos na vida. Se dormirmos com a aspiração de “Que eu durma para descansar e continuar nesta direção”, até mesmo uma noite de sono torna-se um ato extraordinário.

(10) Aja com pureza, seja imparcial em relação aos objetos

Isto significa que devemos treinar com todos os seres, e não apenas com nossos amigos e parentes. Este ponto é parecido com o ponto seis. E isso aplica-se também aos animais. Algumas pessoas são muito gentis com gatos e cachorros, mas nem tanto com insetos e roedores. Isso é ser parcial. Somos gentis com os animais que gostamos, mas tratamos com desdém e hostilidade os que não gostamos.

É difícil, mas quando falamos em levar todos os seres à iluminação, é importante percebermos que nenhum ser tem em sua atual forma de renascimento uma identidade inerente e permanente. Ninguém é inerentemente humano, ou barata, ou homem ou mulher. Todos temos um continuum mental sem começo, e todos já renascemos de inúmeras formas diferentes, dependendo de nosso karma. É claro que, no nível convencional, temos que nos relacionar com os outros em sua forma atual — como humano, cachorro ou barata — mas, em um nível mais profundo, vemos que todos têm uma natureza búdica. Todos podem ter sido nossa mãe na última vida, e talvez na próxima também serão. Assim, podemos começar a estender nossa prática para todos os seres.

O desejo de cuidar e beneficiar os outros precisa estar acoplado à compreensão da mente sem começo e da natureza búdica. É por isso que a prática de preocupar-se com os outros e superar o egoísmo começa com a equanimidade, vendo todos os seres como nossas mães. Isso nos remete à mente sem começo e a sermos todos iguais sob esta perspectiva.

(11) Aprecie [aplicar] o treinamento amplo e profundo a tudo

Treinar a mente significa treiná-la em relação a tudo — inclusive a objetos inanimados. Não devemos ficar com raiva de pessoas, mas também não devemos ter raiva do carro quando não pega, ou do ônibus quando se atrasa. Precisamos evitar nos apegarmos a pessoas, mas também a sorvete e dinheiro. E precisamos fazer isso de coração, não apenas superficialmente.

(12) Sempre medite naqueles que considera [próximos]

Precisamos aplicar essas práticas ao nosso relacionamento com os pais e as pessoas com quem vivemos. Em geral, as pessoas meditam gerando amor por todos os seres, mas não conseguem suportar nem mesmo seus pais! Por isso, este ponto é muito importante e precisamos nos esforçar em treiná-lo. Precisamos treinar com as pessoas com quem temos uma conexão forte e também com as que sentimos forte atração ou aversão à primeira vista, pois isso indica uma forte conexão kármica.

(13) Não dependa de outras condições

O que quer que aconteça, precisamos sempre trabalhar nossa atitude. Se esperarmos até encontrarmos as condições perfeitas para praticar, esperaremos para sempre. Um dos grandes mestres tibetanos disse que quando as coisas vão bem mostramos nossa face espiritual, e quando vão mal mostramos nossa verdadeira face.

Tudo vai muito bem quando está bem, mas quando a situação complica, muitas pessoas ficam deprimidas e começam a beber, ao invés de recorrerem às suas práticas. Independente de como as coisas estiverem, precisamos nos manter firmes na prática.

Nagarjuna disse que não podemos simplesmente ser pescados do samsara por um pescador e colocados para fora.Os grandes budas e lamas não conseguem simplesmenteextrair-nos das situações difíceis, mas conseguem nos ajudar e inspirar.Não podem, com um estalar de dedos,livrar-nos do egoísmo e dos problemas. Precisamos nos esforçar e caminhar com nossos próprios pés. Se esperarmos que nosso guru resolva tudo e não fizermos coisa alguma, nada vai acontecer.

(14) Pratique, principalmente agora

Certa vez, um lama disse que não devemos agir como turistas nos samsara, achando que temos muito tempo e que podemos passear e experimentar tudo. Não podemos! Precisamos trabalhar em nossas atitudes agora, nos esforçar, desenvolver bodhichitta e atingir a iluminação.

Ajuda imaginar que estamos apenas tirando umas férias dos reinos inferiores. Estamos em um pequeno intervalo da nossa existência como barata ou cachorro. Portanto, temos que usar bem este tempo. Ao invés de nos envolvermos em assuntos mundanos, que aumentam nosso egoísmo, nosso interesse principal deve ser o dharma e a superação do egoísmo.

Também precisamos ter em mente nossas vidas futuras. A maioria de nós não pensa sobre isso ou sequer acredita em renascimento. Quando praticamos, mas não sentimos que estamos progredindo, nos desencorajamos. Então, ouvimos falar do tantra e de que podemos atingir a iluminação nesta mesma vida. Isso parece muito tentador! No entanto, a maioria dos praticantes do tantra não atingirão a iluminação nesta vida. Isso é muito raro. Podemos tentar mas, se não conseguirmos, não devemos achar que perdemos para sempre nossa chance. Temos que pensar em termos de continuar nossa prática vida após vida. Não é tudo ou nada. Precisamos entender muito bem o que o termo “vida futura” significa no budismo, e isso não é nada simples.

(15) Não inverta a compreensão

Existem seis tipos de compreensão invertida que precisamos evitar:

Compaixão invertida. É quando, ao invés de termos compaixão pelas pessoas bem vestidas que agem destrutivamente, temos compaixão por praticantes mal vestidos e engajados em ações construtivas.

Pensamos, “Pobres meditadores nas cavernas. Não têm nada pra comer!” É bom dar-lhes comida se estiverem com fome, mas as pessoas que realmente estão em dificuldades são os homens de negócios que passam o dia ludibriando os outros.Sua forma de agir lhes trará cada vez mais sofrimento, já o meditador está criando felicidade futura e no fim liberação. Certa vez, três irmãs ricas viram Milarepa e disseram “Oh, sentimos muito por você!”, e ele respondeu, “Eu é que sinto por vocês; vocês é que são dignas de compaixão, não eu!”

Paciência invertida. É sermos pacientes e tolerantes com as emoções perturbadoras e o egoísmo, ao invés de com as pessoas que ficam com raiva da gente. Ou, não temos paciência para ficarmos sentados durante uma aula de dharma ou uma sessão de meditação, mas termos paciência para ficar em uma fila durante horas, no frio, só para comprar ingressos para um show de rock. Isto sim é paciência invertida!

Intenção invertida. É quando nossa principal intenção é ganhar coisas como dinheiro, prazer e assim por diante, ao invés de querer ganhar felicidade interior.

Gosto invertido. É querer visitar países distantes ou provar drogas exóticas ou um sexo diferente, ao invés de querer as experiências espirituais decorrentes de ouvir, pensar e meditar sobre os ensinamentos.

Interesse invertido. É encorajar as pessoas a ganharem dinheiro nos negócios e outras coisas materiais, ao invés de encorajá-las a se interessarem por práticas espirituais.

Alegria invertida. Alegrar-se quando um inimigo ou alguém de quem não gostamos tem problemas ou dificuldades, ao invés de alegrar-se com suas ações positivas.

(16) Não seja intermitente

Não pratique um dia e no outro não. Precisamos ser consistentes! E se não formos fortes em uma prática, não devemos pulá-la e ir para outra, devemosmanter-nos estáveis como um grande rio.

(17) Treine resolutamente

Se vamos tentar vencer o egoísmo, que o façamos de uma só vez. Minha mãe costumava dizer,“Faça de uma vez, não fique enrolando.” Não devemos permanecer em um estado mental em que parte de nós quer praticar e parte não quer incomodar-se. Precisamos ir direto ao assunto e não enrolar.

(18) Liberte-se através da investigação e escrutínio

Temos de checar cuidadosamente, tanto no nível superficial quanto no profundo, se realmente estamos mudando nossa atitude. Será que estamos apenas reprimindo o egoísmo, ou conseguimos cortar o mal pela raiz?

Essa frase também significa que devemos investigar os ensinamentos em profundidade Se os estudarmos cuidadosamente, saberemos o que precisamos fazer. Então, poderemos simplesmente fazer, sem hesitar.

(19) Não medite com uma sensação de perda

Em geral, em nossas práticas, doamos mentalmente tudo o que temos, mas na vida real não conseguimos doar. Isso é o que chamamos praticar com uma sensação de perda.Se doamos as coisas, elas passam a ser das outras pessoas, e não nossas. Quando eu morava na Índia, tinha um lindo jardim de flores e as oferecia a todos os seres durante minha meditação. Mas quando as crianças as colhiam para levar para casa, eu percebia que isso me irritava. Isso é “sensação de perda”.

Da mesma forma, não devemos lembrar os outros da ajuda que lhes demos, ou o quanto nos sacrificamos por eles. E o que é mais importante, nunca devemos falar de nossas práticas, dizendo que fizemos 100.000 prostrações ou o que quer que seja. A força positiva é gerada ao fazermos a prática, e não ao contarmos aos outros.Se fizermos um retiro e sairmos nos achando superiores aos nossos amigos “criaturas samsáricas dignas de pena”, alguma coisa deu errado! Devemos apenas praticar com sinceridade, sem autocomiseração ou complexo de superioridade.

(20) Não se deixe limitar pela hipersensibilidade

Não devemos nos irritar com pequenas provocações. Precisamos ser capazes de aguentar abusos, mesmo em público.Shantideva nos aconselha a permanecermos quietos como uma tora de madeira, mesmo quando alguém estiver gritando conosco. Uma hora a pessoa vai acabar o arsenal de coisas ruins que tem a dizer, ou perderá o interesse e vai parar. Mas temos que fazer isso com uma motivação pura, e não pensando em como nos vingaremos mais tarde.

(21) Não aja apenas por um instante

Não seja volúvel, mudando de ideia a toda hora. Se ficarmos alegres com qualquer elogio e deprimidos com qualquer cara feia, pareceremos instáveis e desequilibrados. Se as pessoas nos perceberem assim, nossa capacidade de ajudá-las ficará prejudicada.Shantideva nos dá o melhor conselho: seja sempre gentil com as pessoas; não passe o dia inteiro fofocando ou falando bobagem, mas também não fique em completo silêncio.Não falar com as pessoas com quem moramos pode ser mais perturbador do que tocar música alta. É bom sermos flexíveis, assim poderemos praticar durante toda a vida e não apenas por um curto período.

(22) Não deseje que lhe agradeçam

Mencionamos isso quando falamos em não esperar reconhecimento ou mesmo um obrigado por ajudar os outros. E este ponto inclui evitar os oito dharmas mundanos, que são os quatro pares de opostos:

• Ficar entusiasmado com ganhos e deprimido com perdas

• Ficar entusiasmado quando as coisas vão bem edeprimido quando as coisas vão mal

• Ficar entusiasmado com elogios e deprimido com críticas

• Ficar entusiasmado com boas notícias e deprimido com más notícias.

Isso conclui o sétimo ponto.

Versos de Conclusão

[Assim,] transforme em um caminho para a iluminação esse [tempo] em que as cinco degenerescências se alastram.

Diz-se que vivemos na época das cinco degenerescências.

1. Deterioração do tempo de vida — o tempo de vida das pessoas está cada vez menor. Muitas pessoas morrem cedo e existem doenças como AIDS e problemas com drogas e acidentes. As crianças parecem não ter mais infância e, ao chegarem à adolescência, muitas já experimentaram drogas e sexo. Desse modo,a vida parece estar encurtando.

2. Deterioração das emoções — mesmo os monges e monjas sofrem de fortes emoções como raiva, desejo, apego, ingenuidade e assim por diante.

3. Deterioração da visão — Pessoas leigas não respeitam mais os monges e monjas. Aliás, parece que as pessoas não respeitam coisa alguma hoje em dia. E os que ocupam os altos cargos políticos e religiosos estão envolvidas em todo tipo de escândalo.

4. Deterioração dos seres — somos menos capazes de nos cuidar do que antes. Dependemos tanto da eletricidade, internet, máquinas, computadores, etc, que temos dificuldade em sobreviver sem essas coisas. Há cinquenta anos atrás, todos viviam perfeitamente sem computador, mas agora ficamos apavorados se a internet cai por alguns minutos. Vemos um declínio na saúde, intelecto, forma física, etc.

5. Deterioração do tempo — Temos cada vez mais desastres naturais. Temos problemas de mudanças climáticas, furacões, terremotos e tantos mais. Esta é a hora em que realmente precisamos desse tipo de prática, para transformar tais situações difíceis em situações conducentes à iluminação.

O texto continua:

A essência de néctar da quintessência dos ensinamentos é a linhagem de Serlingpa.

Os ensinamentos quintessenciais são os ensinamentos em bodhichitta e assim por diante, que são como um néctar da imortalidade, por nos conduzirem ao estado búdico.Os ensinamentos vêm de Serlingpa, o professor de Atisha em Sumatra.

O autor conclui:

Devido ao despertar das reminiscências kármicas de ter treinado anteriormente, minha admiração [por esta prática] é imensa. Por isso, ignorando sofrimentos e insultos, solicitei as diretrizes para domar meu auto-apego. Agora, mesmo que eu morra, morrerei sem arrependimentos.

Se realmente treinarmos nossa mente e atitude, e nos livrarmos do egoísmo e da preocupação autocentrada, morreremos felizes. Teremos gerado as causas para continuar ajudando os outros em vidas futuras. No curto prazo, morreremos em um estado mental de relaxamento, ou ao menos sem arrependimentos.

Esses são os ensinamentos dos Sete Pontos para o Treinamento de Atitude, que recebi muitas vezes de vários professores: de Sua Santidade o Dalai Lama, de seu professor Serkong Rinpoche e de Geshe Ngawang Dhargyey. Espero que beneficie todos os seres.

Perguntas

O que fazer se tivermos medo de praticar esses ensinamentos?

Conforme mencionei, esses ensinamentos são muito avançados, não foram feitos para principiantes. Antes de começarmos, precisamos de um ego saudável, para conseguirmos vencer a baixa auto-estima. A Joia do Ornamento da Liberação, de Gampopa, começa com a natureza búdica, o que significa que precisamos estar convictos de que temos todas as qualidades que nos permitem atingir o estado búdico. Esse é primeiro ponto, e realmente nos ajuda a vencer a baixa auto-estima. Sem isso, não é aconselhável seguirmos para práticas mais avançadas.

O que é um ego saudável? Bom, no budismo tentamos nos livrar do ego inflado, e não do ego saudável. É com base em um ego saudável que desenvolvemos o interesse por nossa vida e nossa prática, e nos levantamos de manhã, meditamos e vamos trabalhar. Precisamos de um ego saudável, caso contrário, não conseguiremos funcionar no mundo, nem praticar dharma, pois não conseguiremos acreditar que podemos obter algum resultado.Um ego inflado é uma distorção em que projetamos no ego saudável um sentimento de que “Sou a pessoa mais importante do mundo e as coisas devem estar sempre do meu jeito”. Precisamos nos livrar disso.

O budismo é sempre o caminho do meio; o lema mais famoso do budismo é o caminho do meio. No que diz respeito ao ego, significa termos um ego saudável. Nem inflado, onde nos sentimos o centro do universo, nem murcho, onde achamos que não conseguimos fazer nada sozinhos e somos completamente dependentes. Este último é tão perigoso e extremo quanto o ego inflado. Sempre falamos em evitar os extremos de achar que as coisas são sólidas e eternas ou que não existem, o nos levaria ao niilismo.

Como saber se temos um ego saudável?

Primeiro precisamos nos examinar um pouco, para saber se realmente nos importamos conosco. Não de forma egoísta, mas se realmente nos importamos com o que vivenciamos e sentimos, ou se nossa autoestima é tão baixa que simplesmente não ligamos. Se não ligamos, achamos que não tem problema agirmos de forma destrutiva. É uma atitude de “tanto faz”, mas que é muito diferente da equanimidade. Começamos a desenvolver um ego saudável quando assumimos a responsabilidade por nossas vidas e nos levamos a sério, bem como nossas ações e sentimentos.

Não precisamos superar completamente a baixa autoestima para praticar dharma, o que seria um processo muito longo e difícil. Mas precisamos ao menos reconhecer que essa atitude perturbadora é uma fonte de sofrimento, e querermos superá-la. E precisamos chegar à conclusão de que é algo que pode ser superado. Assim, nos envolvemos com as práticas budistas para superá-la.

Um dos fundadores da tradição Sakya, Sonam Tsemo, escreveu um importante texto chamado Adentrando o Portão do Dharma. Sonam Tsemo foi contemporâneo de Gampopa, e ensinou que precisamos de três coisas para realmente nos engajarmos na prática do dharma:

  • Primeiro, precisamos reconhecer os problemas e o sofrimento em nossa vida.
  • Depois, precisamos estar determinados a nos livrar deles.
  • E, finalmente, precisamos um conhecimento básico de dharma.

Tendo isso como base, nos engajamos na prática do dharma porque reconhecemos que temos problemas, estamos motivados a superá-los e conhecemos os métodos. Caso contrário, por que nos engajaríamos na prática?

Reconhecer o sofrimento e querer livra-se dele também exige um ego saudável. Caso contrário, não nos importaremos, ou não procuraremos métodos para melhorarmos nossa situação. Se tivermos esses três pré-requisitos é porque nosso ego é saudável o suficiente para engajar-se na prática do dharma. É claro que queremos melhorar nossa situação. Os textos dizem, “Pratique sem expectativa”, mas isso é para evitarmos os extremos do ego inflado ou da baixa auto-estima. Precisamos sentir que não vamos ficar aborrecidos com os altos e baixos da prática, e também que nos importamos o suficiente para continuar, pois nosso objetivo é a iluminação. Sem um ego saudável, não conseguimos ter objetivo algum, muito menos o de nos iluminarmos.

Leia e escute o texto original "Treinamento da Mente em Sete Pontos" de Geshe Chekawa.

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