O sexto ponto consiste em 18 práticas que fortalecerão nosso treinamento, e o sétimo contém 22 pontos para limpar e treinar nossas atitudes. Essas listas são longas, mas são diretrizes maravilhosas para nos tornarmos menos egoístas e termos mais consideração pelos outros. Detalharei um pouquinho cada ponto, pois as expressões tibetanas são um tanto obscuras e, se não forem bem explicadas, fica difícil entendermos seu significado.
A palavra sânscrita samaya (dam-tshig em tibetano) refere-se às práticas que criam vínculo, que nos conectam com o treinamento de atitudes. Algumas práticas dizem respeito a coisas que precisamos evitar e outras são ações que precisamos tomar.
(1-3) Treine sempre nos três pontos gerais.
O primeiro dos três pontos gerais é (1) Não contradiga o que prometeu. Uma forma de interpretarmos esse ponto éficarmos atentos para não ignorarmos certas coisas como, por exemplo, as dez ações construtivas. As pessoas podem pensar, “Estou praticando como um bodhisattva, então posso fazer o que quiser”, mas isso não é adequado.Éum ponto difícil, mas muito interessante. Um exemplo bem controverso pode ser o de evitar álcool, que é um dos votos de pratimoksha de um leigo. Podemos dizer, “Sou um bodhisattva e estou tentando ajudar os outros, se não beber com meus amigos eles não serão abertos e receptivos a mim. Então vou ignorar esse ensinamento sobre evitar álcool, porque quero ajudar”. Claro que pode haver circunstâncias em que é apropriado pensarmos assim, mas devemos cuidar a fim de não fazer disso uma desculpa para beber apenas porque estamos com vontade. Além disso, precisamos muita atenção para perceber se esse tipo de atitude não está, na verdade, encobrindo um sentimento de que esses ensinamentos do Buda sobre o alcool são idiotas e não concordamos com eles.
No geral, existem coisas que são naturalmente destrutivas, que todos devem evitar, e coisas que o Buda nos aconselhou a evitar apenas se tivermos um determinado objetivo. Matar é uma ação naturalmente destrutiva, portanto todos devem evitá-la. O álcool pode estar em ambas as categorias, mas se quisermos vencer a influência das emoções perturbadoras, como a raiva, a ganância, o apego, a ignorância (ingenuidade) e assim por diante, precisaremos evitá-lo.Por que? Simplesmente porque ele nos deixa mais suscetíveis à influência das emoções perturbadoras. É basicamente uma escolha! Vai depender do que queremos de nossas vidas. Se nosso objetivo for vencer as emoções perturbadoras, para conseguir ajudar melhor os demais, precisamos evitar o álcool. Mas se não estivermos preocupados com isso, então podemos fazer o que quisermos.
Precisamos ser sinceros e sempre examinar nossa motivação para beber socialmente. Será que de fato compreendemos o que o Buda disse a respeito do álcool e do motivo para não bebermos? Será que beber com nossos amigos é a melhor forma de ajudá-los? Será que existem outras formas de relaxar, sem efeitos colaterais? Se nossa motivação for ajudar os amigos a relaxar, existem outras formas de fazer isso, que não envolvem beber álcool. Se tivermos tomado votos de não beber, é importante não quebrá-los.
Quando treinamos com o objetivo de ajudar outras pessoas, esse treinamento deve ser no nível mental e físico. Muitos acham que basta fazer oferenda de água e imaginar-se doando coisas, que não precisamos fazer nada no nível físico. Acham que podemos fazer tudo no nível mental, e só meditar, que não precisam fazer práticas físicas como prostrações e oferecimento de mandala. Esse desequilíbrio também é abordado neste primeiro ponto. Precisamos entender como as prostrações e o oferecimento de mandala se relacionam com nossa vida diária. E a oferenda de mandala também não é suficiente; devemos realmente oferecer o que temos, e isso inclui coisas que nos interessam, nosso tempo e nossa energia. O mesmo se aplica às prostrações: nossa prática não será boa se mostramos respeito à estátua do Buda mas não aos nossos pais, amigos e outras pessoas. É necessário que tudo seja aplicado à vida diária.
O segundo dos três pontos é (2) Não se comporte de forma ultrajante. Comportar-se de forma ultrajante é fazer algo absurdamente ridículo, como ir ao ensinamento de um grande lama vestindo mini-saia, com tudo de fora. Além de ultrajante é inapropriado. Se estamos trabalhando na prática Mahayana de treinamento de atitude, não podemos achar que está certo sair por aí fazendo coisas ultrajantes, como cortar árvores e poluir o meio ambiente. Também não podemos achar que somos invulneráveis ao mal só porque conseguimos transformar situações negativas em positivas. Ou achar que podemos ser gentis com outras pessoas mas caçar mosquitos em casa com se estivéssemos em um safari na África. Tudo isso é ultrajante!
O terceiro ponto é (3) Não seja parcial, isto é, não pratique apenas com amigos e familiares, ignorando as pessoas com quem tem dificuldades. Se é para mudar nossa atitude, também precisamos trabalhar com pessoas e situações difíceis. Um exemplo muito usado pelos tibetanos é aceitarmos que alguém em uma posição hierárquica superior nos chame a atenção, mas ficarmos aborrecidos e com raiva se sua posição for inferior a nossa. Normalmente praticamos paciência com o chefe, afinal, não queremos perder o emprego, mas não praticamos com alguém que esteja em uma posição inferior.
Os tibetanos costumam achar mais fácil praticar com amigos e familiares do que com estranhos. No entanto, muitos ocidentais acham o contrário. Em geral, achamos muito mais difícil praticar com parentes, porque eles nos irritam muito mais do que estranhos ou amigos. Mas não devemos ser parciais, temos que praticar igualmente com todos.
(4) Transforme suas intenções, mas permaneça normal.
Isso significa que devemos agir normalmente. Apesar de estarmos tentando desenvolver compaixão por todos os seres, se começarmos a chorar na frente de todo mundo, podemos parecer pretensiosos. Vai ficar ridículo se a pessoa que está sofrendo tiver que nos consolar ao invés de nós a consolarmos! O ponto aqui é não sermos complacentes com nossas emoções, mas também não demonstrá-las quando for inapropriado.
Acho que precisamos esclarecer isso no contexto ocidental. Quando alguém nos conta uma história triste, precisamos sinalizar que sentimos alguma coisa, não podemos simplesmente ficar parados sem expressão.E quando formos demonstrar empatia, colocando a mão no ombro de alguém, lógico que temos que avaliar se a pessoa se sentirá confortável com isso. Algumas pessoas podem querer um ombro para chorar, mas outras podem ficar na defensiva ao achar que estão com pena delas.Épor isso que a prática de tonglen deve ser feita em privacidade, sem que saibam o que estamos fazendo.
Muitas pessoas que se envolvem com o budismo começam a andar por aí com o rosário ( mala) envolto no pescoço ou pulso, como se fosse um acessório. Ao verem alguém com problemas dizem “Vamos nos reunir para recitar Om Mani Padme Hum!”. Isso pode irritar as pessoas, e elas podem achar que ficamos loucos. Portanto, é importante continuar a agir normalmente. Podemos recitar os mantras silenciosamente. E certamente não precisamos ter um rosário na mão.
E também tem a questão da cura, em que as pessoas fazem toda uma cena, impondo mãos,etc. Os tibetanos dizem que isso convida interferências porque, quando não funciona, o que é possível, terminamos passando por tolos. No budismo, a principal prática de cura é o tonglen, que, conforme mencionamos, ninguém precisa saber que estamos fazendo. Se funcionar, não dizemos “Oh, eu fiz isso pra você! Por favor me agradeça ou me pague!” e se não funcionar, não precisamos nos envergonhar.Aja normalmente, para que ninguém saiba o que está fazendo. Mesmo no que diz respeito às preces antes das refeições, é melhor fazê-las em silêncio, sem demonstrar coisa alguma. Se estivermos entre budistas, aí a história é outra, mas se começarmos a recitar “Om Ah Hum” quando estivermos com nossos familiares não budistas, pode ficar esquisito.
(5) Não comente as limitações ou o lado ruim [dos outros].
Os tibetanos costumam dizer, “Não chame um cego de cego na sua frente”. Se uma pessoa não for muito inteligente, não é preciso chamá-la de idiota. Ela provavelmente sabe que não é inteligente, você não precisa esfregar isso em sua cara. É interessante, entramos no tópico do humor e do sarcasmo. Podemos ser sarcásticos e achar muito engraçado, mas isso pode magoar. Alguns acham que ser sarcástico com os amigos é sinal de amizade, mas aqui temos que levar em conta a cultura e a intenção das pessoas.
Os americanos são muito sarcásticos, fazem graça dos narizes uns dos outros, de suas esposas feias, etc. Existe até um gênero de comédia baseado nisso, em que pessoas caem da escada ou têm tortas jogadas na sua cara e todo mundo ri. E têm também desenhos violentos, em que gatos são esmagados por martelos gigantescos e assim por diante. Isso é para crianças! Se pensarmos bem, é muito estranho!
Então, apesar de podermos achar que falar mal dos outros, ser sarcástico, e coisas do gênero é engraçado e inocente, a verdade é que pode magoar as pessoas.
(6) Não pense nada sobre as [falhas] alheias.
Isso significa que não devemos procurar defeitos nos outros, e, se encontrarmos, não devemos criticar. Por exemplo, nosso relacionamento com o professor espiritual deve estar baseado em suas boas qualidades, pois são elas que nos inspirarão. Não precisamos negar suas qualidades negativas, mas também não nos fixamos nelas, caso contrário, podemos ficar deprimidos. Se percebermos um defeito no professor, somos instruídos a tratá-lo como uma projeção nossa. Por exemplo, se nossos pais não nos deram atenção quando éramos crianças, podemos achar que o professor também não dá, mesmo que isso seja apenas porque ele é muito ocupado e viaja muito. Se excluirmos a possibilidade de estarmos projetando as falhas no professor, e mesmo assim ainda as notarmos, simplesmente focamos nas boas qualidades.
Geralmente, esse tipo de abordagem serve para todos os relacionamentos. Se estivermos tentando ajudar uma pessoa, podemos até focar em seus defeitos para auxiliá-la a superá-los, mas irritar-se com eles é outra coisa. Se focarmos em suas boas qualidades, nos motivaremos a pensar positivamente sobre ela. Queremos desenvolver uma atitude de apreciação pelos outros, portanto, reclamar de seus defeitos não ajuda.
Costumamos ser mais críticos em relação àqueles que nos são mais próximos. Muitas pessoas esperam que seus filhos ou pais sejam perfeitos, e se não forem ficam criticando. Já que ninguém é perfeito, é muito mais vantajoso focar em suas boas qualidades. Tudo o que precisamos é ter uma visão realista da outra pessoa.
(7) Livre-se primeiro de sua maior emoção perturbadora.
Seja raiva, apego ou inveja, primeiro devemos tentar superar o problema que mais nos aflige. Nossas várias emoções perturbadoras nos impedem de ajudar os outros, portanto precisamos olhar com honestidade para nós mesmos e ver qual é nosso maior problema. Ao invés de temer encará-lo, devemos olhá-lo nos olhos, conforme as instruções do tonglen. Para isso, devemos aprender vários métodos, pois cada um funciona para determinadas situações e não para outras, o importante é dispormos de uma variedade deles aos quais possamos recorrer.
Ouvimos repetidamente que devemos ser nossa principal testemunha, pois nos conhecemos melhor do que ninguém. Isso significa que temos que ser bastante introspectivos, o que muita gente, logicamente, não é. Grande parte das pessoas precisa de alguém para dizer-lhes que estão agindo de forma egoísta ou idiota, pois eles mesmos não percebem. No entanto, receber esse tipo de feedback é muito difícil, requer muita confiança na outra pessoa. Se pedirmos a alguém para nos ajudar a ter mais sensibilidade em relação ao que acontece dentro de nós, não podemos ficar na defensiva ou com raiva quando ela nos disser algo que não gostaríamos de ouvir. Mesmo que essa pessoa seja nosso melhor amigo, ainda assim ela não é a principal testemunha. Os amigos podem nos dar uma pista, mas precisamos nós mesmos verificar se é verdade ou não.
(8) Abandone a esperança de ser recompensado.
É muito difícil não esperarmos recompensa, pois frequentemente estamos sob influência de emoções perturbadoras muito sutis. Em geral não são tão grosseiras como, “Estou te ajudando por que quero que você me ajude depois”, mas com frequência queremos ser reconhecidos, agradecidos ou amados como recompensa. Algumas vezes, só queremos nos sentir necessários e úteis, isso acontece muito com pais que têm filhos adultos. Precisamos verificar se nossa motivação não está misturada à preocupação autocentrada. Pois, se estiver, e a outra pessoa nos disser que não precisa ou não quer nossa ajuda, ficaremos chateados.
Algumas analogias podem ajudar-nos. Por exemplo, é interessante perceber que às vezes agimos como cachorros. Quando chegamos em casa, nosso cachorro costuma estar na porta esperando para ganhar carinho. Será que não agimos da mesma forma quando ajudamos alguém? Esperamos que a pessoa diga “Nossa, foi muito bom o que fez por mim, muito obrigada!” Mesmo que ela nos agradeça, o que isso muda? Se nos pegarmos esperando receber um agradecimento, podemos trazer à mente a imagem de um cachorro esperando carinho, para ver como isso é ridículo. Se formos ajudar, realmente devemos fazê-lo apenas para o benefício da outra pessoa.
Isso pode ser um tanto delicado. Pais que fazem tudo por seus filhos — dão roupas, casa, comida, etc — e depois o que acontece? Em geral o filho nem nota ou demonstra qualquer tipo de apreciação, apenas aproveita, especialmente quando é adolescente. Como pais, o que queremos? Queremos que nossos filhos agradeçam todas as vezes que lavamos suas roupas? Isso seria irrealista! Se algum dia eles assumirem uma responsabilidade e agirem com maturidade e consideração, este sim será um sinal de que apreciaram o que fizemos. Apesar de querermos ajudar, não devemos fazê-lo de forma a que a outra pessoa fique dependente ou se aproveite da gente. Se nossa ajuda a deixar dependente, não será muito benéfica.
(9) Não coma comida venenosa.
Isso está se referindo a contaminarmos a prática comautoapreço. Mesmo que tenhamos pensamentos construtivos ou estejamos envolvidos em ações construtivas, se nossa motivação estiver contaminada com autoapreço, o conselho é parar, corrigir a motivação e recomeçar. Mesmo que ajamos positivamente, se o que quisermos for sentir-nos necessários e reconhecidos, a ação estará contaminada com autoapreço, pois o que estaremos buscando é nos reafirmarmos através de nossa ação. Portanto, seria bom parar e corrigir a motivação — novamente, precisamos ser totalmente honestos.
O próprio termo “emoção perturbadora” já indica ao que devemos estar atentos. É uma emoção que causa desconforto (por isso, “perturbadora”), nos faz perder o controle e a paz mental. E também pode incomodar os que estão próximos, além de nos fazer perder o controle.
A sensação de desconforto ou aborrecimento pode ser muito sutil, portanto “aborrecimento” pode ser uma palavra um pouco forte. Shantideva disse que quando a mão tira um espinho do pé, não esperamos que o pé agradeça, afinal, estão conectados. Assim, quando ajudamos alguém, não há porque fazer disso uma grande coisa ou reclamar. Se temos que lavar a louça, simplesmente lavamos. Podemos lavar em paz. Se lavarmos pensando “Você é muito bagunceiro! Por que eu tenho que ficar arrumando sua bagunça? Mas como estou treinando para ser um bodhisattva, é melhor eu arrumar”, isso é ressentimento, e é uma atitude venenosa.
Alguns textos de lojong nos aconselham a não ter esperança ou expectativas de que alguém a quem ajudamos nos retribua com gentileza. Se tivermos sensibilidade o suficiente para perceber o que se passa na mente, veremos que sentimos um ligeiro desconforto quando estamos sob a influência do auto-apreço, ou de qualquer outra emoção perturbadora. O auto-apreço é o que nos faz querer anunciar “Eu lavei a louça!” Mas por que fazer isso? Novamente, se tivermos sensibilidade, perceberemos um ligeiro nervosismo antes de falar. Pode ser que seja bem sutil, mas com a prática conseguiremos perceber. Esse nervosismo vem do auto-apreço inconsciente, porque ele está lá. Não é uma prática fácil, mas é essencial.
Existem dois tipos de comportamento construtivo: o misturado com confusão (nomeadamente auto-apreço) e o não misturado com confusão. O comportamento construtivo misturado com autoapreço é causa para um renascimento afortunado mas, ainda perpetua o samsara. Por outro lado, ações construtivas que não são misturadas com confusão geram potencial positivo para alcançarmos a liberação e a iluminação. Todos nós possuímos redes de potenciais positivos, que são o resultado de comportamentos construtivos, mas precisamos fortalecê-las. Potenciais positivos amadurecem na forma de felicidade, mas se estiverem misturados à confusão, nos levam ao sofrimento da mudança — a felicidade que não dura e leva à frustração. Nosso objetivo é fortalecer a rede de potenciais positivos livres de confusão.
(10) Não considere (seus pensamentos negativos) um bom lugar para ficar.
Isso significa que não devemos dedicar as vias principais de nossa mente aos pensamentos perturbadores. Devemos dedicá-las aos pensamentos positivos e à preocupação e cuidado com os outros. Assim que a raiva, o apego e o autoapreço surgirem, não brinque com eles — dissolva-os imediatamente. Se pensarmos “Bom, vamos com calma, não é tão ruim assim ficar com raiva”, isso quer dizer que estamos permitindo que emoções perturbadoras trafeguem na via principal. Elas se tornarão cada vez mais fortes, até que uma hora perdemos o controle. Temos que ser gentis com os outros, mas não com nossas emoções perturbadoras.
Se tivermos votos tântricos ou de bodhisattva, pode ser bom repassá-los diariamente. Assim, mantemos em mente essa diretriz que nos foi dada. Mas não devemos apenas lê-los, podemos dedicar um tempo a contemplar alguns deles e verificar se os estamos seguindo. Não precisamos ter pressa. Podemos fazer isso de manhã e à noite. De manhã, podemos estabelecer uma forte intenção de seguí-los. À noite, revemos nosso dia e verificamos se fomos bem sucedidos. Conta-se que Geshe Ben Kungyal costumava manter consigo pedrinhas brancas e pedrinhas pretas. Toda vez que agia conforme seus preceitos, colocava uma pedra branca em umapilha e, toda vez que não seguia, colocava uma pedra preta. Assim, ao final do dia, podia ver como havia se comportado.
O ponto é não sentir orgulho pela quantidade de pedrinhas brancas que colocamos na pilha e culpa pelas pedrinhas pretas; devemos apenas nos alegrar se estivermos indo bem. Não precisamos exagerar na auto-avaliação, mas se percebermos que agimos negativamente, podemos nos arrepender e tomar a decisão de melhorar. Lembre-se, o progresso não é linear — alguns dias são melhores que outros. Mesmo assim, podemos tentar agir da forma mais positiva e menos egoísta possível, todos os dias.
(11) Não busque retaliação.
Não revide quando alguém lhe xingar, bater ou agir de forma desagradável. Se nos agridem com palavras maldosas, não devemos tentar dizer coisas ainda mais maldosas, apenas deixamos passar. Existem diversas maneiras de fazermos isso. Se alguém nos diz algo muito maldoso, podemos perceber que as palavras são apenas sons, vibrações no ar. Ouvir palavras é apenas mais uma experiência da mente. O surgimento dos sons e o ato de ouvir não têm nada de mais.É apenas quando sobrepomos a noção dualista de você, pessoa horrível, disse isso pra mim, que nos aborrecemos e nos sentimos ofendidos, porque estamos pensando apenas em nós mesmos.
Em situações como esta, os votos de bodhisattva são muito claros. A motivação para não revidarmos quando alguém nos insulta é evitar prejudicar a pessoa e tentar ajudá-la. Quanto mais pudermos usar métodos pacíficos, melhor. Mas se não funcionarem, mesmo depois de tentarmos bastante, podemos tentar combater a violência com métodos mais enérgicos. Isso não seria uma violação aos votos de bodhisattva. Precisamos ser realistas.
As pessoas sempre perguntam a Sua Santidade o Dalai Lama sobre o uso da violência no Tibete, e ele diz que mesmo que os métodos pacíficos pareçam não estar funcionando, usar de violência e terrorismo não os levaria a lugar algum. Se eles matassem cem soldados chineses, a China mandaria mais duzentos.Estamos falando de um país que tem uma população de 1.3 bilhão de pessoas, portanto, qualquer violência que os tibetanos pudessem produzir, não ajudaria em nada. Precisamos ser inteligentes, não devemos retaliar só para não parecermos fracos.
(12) Não arme emboscadas.
Se armamos uma emboscada é um sinal de que queremos nos vingar. Esperamos a pessoa ficar vulnerável e tentamos machucá-la de alguma maneira. Ou seja, se estivermos em uma situação desfavorável e alguém nos machucar, não faremos nada, mas guardaremos rancor e esperaremos a pessoa ficar vulnerável para nos vingarmos. Este ponto também trata a questão de não revidar. Sua Santidade diz muito bem: quando não revidamos, ficamos com medo da outra pessoa achar que isso é um sinal de fraqueza, mas na verdade é um sinal de muita força. Fraqueza é nos rendermos à raiva, como uma criancinha ou um animal.Usar nossa compaixão, inteligência e paciência requer muita força!
(13) Não constranja [os outros] apontando seus defeitos em público.
Nunca devemos apontar os erros dos outros em público com o propósito de constrangê-los.Existem muitas formas de ensinar sem ter que constranger as pessoas.Certa vez, eu estava em Bodh Gaya traduzindo os comentários de Sua Santidade sobre o texto Engajando-se no Comportamento do Bodhisattva, de Shantideva.Naquela época, Serkong Rinpoche estava no Nepal e havia vários meses que eu não o via.Quando nos encontramos, ele abriu o texto e apontou para três palavras, para ver se eu sabia o significado. Eram palavras realmente difíceis e eu não sabia muito bem seu significado, então ele me explicou. As três palavras referiam-se exatamente às atitudes perturbadoras com as quais eu estava tendo dificuldade. Essa forma indireta de chamar minha atenção foi muito eficaz. Alguns comentários também nos dizem que esse ponto significa que devemos usar poderes extra-sensoriais, como magia, se os possuirmos.
(14) Não transfira a carga de um dzo para um boi.
Existe um animal no Tibete chamado dzo, que é o resultado do cruzamento de um yak com uma vaca. É muito grande e forte, muito mais forte que um boi. Esse dizer significa que não devemos dar o trabalho de uma pessoa forte para uma mais fraca, que é incapaz de fazê-lo.
Isso tem muitos significados. Um é que precisamos aceitar a culpa por nossos erros ao invés de culpar os outros. Outro é não deixar nossa “roupa suja” para os outros lavarem. Ou, quando pudermos escolher um assento, não darmos o pior para os outros e ficarmos com o melhor.
(15) Não transforme tudo em competição.
Não corra para pegar o melhor lugar ou o melhor pedaço de comida. Sempre queremos pegar o melhor para nós e não queremos que os outros peguem. É muito melhor dar a frente para os outros, então podemos pegar o último ou o pior pedaço, mas sem que isso soe pretensioso. Certamente não devemos dizer, “Pode pegar o melhor pedaço, eu pego o pior, nem ligo” Há de ser feito de forma natural, como os pais que deixam a melhor comida para os filhos, sem se importar nem um pouco em ficar com a parte queimada ou o que sobrar.
Existe uma outra história com Geshe Ben Kungyal, que é muito boa. Certa vez, ele foi jantar com uns monges na casa de um patrono. O patrono começou a servir e Geshe Ben estava sentado atrás de todo mundo. À medida que o dono da casa ia servindo o iogurte, uma de suas comidas favoritas, Geshe Ben ficava cada vez mais preocupado e aborrecido pensando “Ele está servindo porções muito grandes, não vai sobrar nada pra mim”. Então percebeu sua atitude e, quando finalmente chegou sua vez, emborcou sua tijela e disse “já tomei a minha parte”. Isso exemplifica bem o ponto.Ao invés de ficarmos preocupados se vai ter o suficiente para nós, devemos nos preocupar com os outros.
(16) Não inverta o amuleto.
Amuletos são usados para espantar maus espíritos, uma metáfora para o treinamento mental de nos preocupar e cuidar dos outros. Fazer essas práticas pensando apenas em si é como usar o amuleto invertido.
Por exemplo, se aceitarmos uma perda só para impressionar os outro e levar vantagem, estaremos invertendo os ensinamentos. Agir com humildade e consideração só para impressionar, na esperança de tirar algum proveito, também é inverter os ensinamentos. Outro exemplo é fazer as práticas só porque queremos que as pessoas gostem de nós. No final, só o que conseguiremos é fortalecer nosso autoapreço.
(17) Não transforme um deus em um demônio.
Isso também se refere a contaminar a prática com autoapreço, e ter o intuito hipócrita e arrogante de sentir-se “melhor” que os outros.É como fazer um retiro e colocar uma placa na porta dizendo “Não perturbe! Grande meditador!”
Os tibetanos usam o exemplo de fazer um retiro de três anos para ser considerado um lama e ganhar discípulos, fama e doações. É muito importante ser humilde. Conforme disse um praticante, “Quando leio nos textos sobre as várias imperfeições e defeitos, reconheço-me neles, e quando leio sobre as boas qualidades, reconheço os outros.” Isto certamente é seguir as práticas de treinamento de atitude.
(18) Não faça do sofrimento [alheio] um degrau para sua felicidade.
Exemplos disso incluem esperar que nossos competidores nos negócios errem para passarmos a sua frente, ou que as pessoas na empresa se aposentem só para sermos promovidos, ou que nossos parentes ricos morram logo para que possamos herdar seu dinheiro e propriedades. Nunca devemos desejar mal aos outros com o objetivo de nos beneficiarmos. Ao invés disso, devemos nos alegrar e desejar que as outras pessoas vivam muito e aproveitem seu dinheiro e posição.
Isso conclui as 18 práticas para estreitar o vínculo, que são o sexto ponto.