Introdução
Muitos mitos estrangeiros cresceram em volta da legenda de Shambhala encontrada na literatura de Kalachakra. Alguns foram espalhados para ganhar apoio militar ou político, tal como a identificação da Rússia, da Mongólia ou do Japão como Shambhala. Outros apareceram dentro de movimentos ocultistas e misturaram idéias budistas com conceitos de outros sistemas de crenças. Vários até organizaram expedições para encontrar a terra legendária.
Dois círculos surgiram entre as versões ocultistas. Um deles considerava Shambhala como um paraíso utópico cujo povo virá salvar o mundo. O escritor britânico, James Hilton, encaixa-se neste círculo. O seu trabalho de 1933 Lost Horizon [Horizonte Perdido], descreve Shangrila como um paraíso espiritual situado num vale inacessível e secreto no Tibete. Shangrila é indubitavelmente uma corrupção romântica de Shambhala. O outro círculo descreveu Shambhala como uma terra de poderes malévolos. Vários relatos do pós-guerra sobre a ligação entre o nazismo e o ocultismo apresentam esta interpretação. É importante não se confundir qualquer uma destas distorções com o próprio budismo. Deixem-nos traçar o fenômeno.
Teosofia
A Madame Helena Blavatsky (1831-1891) nasceu na Ucrânia filha de aristocracia Russa. Dotada com poderes extrasensoriais, viajou pelo mundo em busca de ensinamentos ocultos e secretos, e passou muitos anos no subcontinente indiano. De 1867 a 1870, ela estudou budismo tibetano com mestres indianos, muito provavelmente das regiões culturais tibetanas dos Himalaias indianos, durante a sua suposta estadia no Mosteiro de Tashilhunpo no Tibete.
Blavatsky encontrou o budismo tibetano numa altura em que a erudição europeia oriental estava ainda na sua infância e em que poucas traduções ou narrativas estavam disponíveis. E mais, ela teve a oportunidade de aprender somente fragmentos desconjuntados dos seus vastos ensinamentos. Nas suas cartas privadas, escreveu que como o público ocidental tinha naquela altura pouca familiaridade com o budismo tibetano, ela decidiu traduzir e explicar os termos básicos com conceitos mais popularmente conhecidos do hinduísmo e do ocultismo. Por exemplo, ela traduziu três dos quatro mundos-ilhas (quatro continentes) em volta de Monte Meru como as ilhas perdidas desaparecidas de Hiperbórea, da Lemúria e da Atlântida. Do mesmo modo, apresentou as quatro raças humanóides mencionadas no Abhidharma e nos ensinamentos de Kalachakra (nascidos por meio de transformação, umidade e calor, ovos, e úteros) como as raças destes mundos-ilhas. A sua convicção de que os ensinamentos esotéricos de todas as religiões do mundo formam um corpo de conhecimento oculto reforçou a sua decisão de traduzir desse modo e ela tomou a iniciativa de demonstrar isso nas suas escritas.
Juntamente com o coronel americano espiritualista Henry Steel Olcott, Madame Blavatsky fundou a Sociedade Teosófica em 1875 em Nova Iorque. As suas sedes internacionais mudaram para Madras, na Índia, pouco depois. Quando o seu colega Alfred Percy Sinnett identificou a teosofia com o budismo esotérico em Esoteric Buddhism [Budismo Esotérico] (1883), Blavatsky refutou a sua alegação. De acordo com as suas Letters of H. P. Blavatsky to A. P. Sinnett [Cartas de H. P. Blavatsky a A. P. Sinnett], que foram publicadas postumamente, a posição de Blavatsky era que a teosofia transmitia “os ensinamentos ocultos secretos de trans-Himalaia”, e não os ensinamentos do budismo tibetano. Não obstante, através de suas escritas, o oeste veio primeiro a associar Shambhala com o ocultismo e muitos subsequentemente confundiram esta ligação com os verdadeiros ensinamentos do budismo.
Em 1888, Blavatsky mencionou Shambhala na sua obra principal, The Secret Doctrine [A Doutrina Secreta], os ensinamentos que ela disse ter recebido telepaticamente dos seus professores no Tibete. Ela escreveu numa carta que, embora os seus professores fossem “byang-tzyoobs” ou “tchang-chubs” (Tib: byang-chub, Sânsc: bodhisattva) reencarnados, ela tinha-os chamado “mahatmas” dado que esse termo era mais conhecido pelos ingleses na Índia.
A origem tibetana dos ensinamentos em The Secret Doctrine [A Doutrina Secreta], Blavatsky afirmou, é The Stanzas of Dzyan [As Estâncias de Dzyan], o primeiro volume dos comentários aos sete fólios secretos de Kiu-te. “Kiu-te” transcreve “rgyud-sde” tibetano, que significa “divisão tantra” que é o título da primeira seção do Kangyur, as traduções tibetanas das palavras de Buda. “Dzyan” transcreve o sânscrito “dhyana” (Jap. zen), significando estabilidade mental. Blavatsky estava ciente que The Kalachakra Tantra [O Tantra Kalachakra] era o primeiro artigo na divisão tantra doKangyur, uma vez que ela mencionou esse fato num dos seus apontamentos. No entanto, ela explicou que os sete fólios secretos não faziam realmente parte do Kiu-te publicado, e assim nós não encontramos qualquer coisa similar às Stanzas de Dzyan nessa coleção.
Não está claro até que ponto Blavatsky realmente estudou os textos de Kalachakra diretamente. O primeiro material ocidental sobre o tópico foi um artigo de 1833 entitulado “Note on the Origins of the Kalachakra and Adi-Buddha Systems” [Observações sobre as Origens dos Sistemas de Kalachakra e de Adi-Buddha] pelo pioneiro erudito húngaro Alexander Csomo de Körös (Körösi Csoma Sandor). De Körös compilou o primeiro dicionário e gramática tibetana numa língua ocidental, o inglês, em 1834.O Tibetan-Russian Dictionary and Grammar [Dicionário e Gramática Tibetano-Russa], de Jakov Schmidt depressa seguiu em 1839. A maioria do conhecimento de Blavatsky sobre o Kalachakra, contudo, veio do capítulo intitulado “The Kalachakra System” [O Sistema de Kalachakra] em Buddhism in Tibet [Budismo no Tibete] (1863), por Emil Schlagintweit, como evidenciado pelo empréstimo de muitas passagens desse livro nas suas obras. Seguindo o seu princípio de tradução, no entanto, ela rendeu Shambhala em termos de conceitos semelhantes ao hinduísmo e ocultismo.
A primeira tradução inglesa de The Vishnu Purana [O Vishnu Purana], por Horace Hayman Wallace, tinha aparecido em 1864, três anos antes da suposta visita de Blavatsky ao Tibete. De acordo com essa obra, ela explicou Shambhala em termos da apresentação hindu neste texto: é a vila onde o futuro messias, Avatar de Kalki, irá aparecer. Blavatsky escreveu que o Kalki é "Vishnu, o Messias no Cavalo Branco dos bramanes; o Buda Maitreya dos budistas; Sosiosh dos parsis; e Jesus dos cristãos”. Ela também afirmou que Shankaracharya, o fundador de Advaitya Vedanta do início do século IX, “ainda vive entre a Irmandade de Shamballa, do outro lado dos Himalaias”.
Noutro lugar, ela escreveu que quando Lemúria se afundou, parte do seu povo sobreviveu em Atlântida, enquanto que parte dos seus eleitos migrou para a ilha sagrada de “Shamballah” no deserto de Gobi. No entanto, nem a literatura de Kalachakra nem The Vishnu Purana, mencionam Atlântida, Lemúria, Maitreya ou Sosiosh. Contudo, a associação de Shambhala com eles continuou entre os seguidores de Blavatsky.
A localização de Blavatsky de Shambhala no deserto de Gobi não é surpreendente visto que os mongóis, incluindo a população buryat da Sibéria e os kalmyks da região mais baixa do Volga, eram fortes seguidores do budismo tibetano, particularmente dos seus ensinamentos de Kalachakra. Durante séculos, os mongóis em toda parte acreditaram que a Mongólia é o Reino Nórdico de Shambhala e Blavatsky tinha sem dúvida conhecimento das crenças dos buryat e dos kalmyk na Rússia
Blavatsky também poderia ter recebido confirmação da sua localização de Shambhala no deserto de Gobi [a partir] das escritas de Csoma de Körös. Numa carta de 1825, ele escreveu que Shambhala é como uma Jerusalém budista estendida entre 45 e 50 graus de longitude. Embora ele achasse que Shambhala seria provavelmente encontrada no deserto de Kizilkum no Cazaquistão, o deserto Gobi também caía dentro das duas longitudes. Mais tarde, outros também o situariam dentro destes parâmetros, porém ou no Turquistão Oriental (Xinjiang, Sinkiang) ou nas montanhas de Altai.
Embora a própria Blavatsky nunca afirmasse que Shambhala era a fonte de The Secret Doctrine [A Doutrina Secreta], mais tarde vários teosofistas fizeram esta ligação. Proeminentemente entre eles estava a Alice Bailey em Letters on Occult Meditation [Cartas sobre Medita ção Oculta] (1922). Helena Roerich, nas suas Collected Letters (1935-1936) [Cartas Coletados (1935-1936)], também escreveu que Blavatsky era uma mensageira da Irmandade Branca de Shambhala. Além disso, ela relatou que em 1934 o Regente de Shambhala tinha chamado de volta ao Tibete os mahatmas que tinham transmitido os ensinamentos secretos a Blavatsky.
Asserção de Dorjiev da Rússia como Shambhala
A primeira principal exploração da legenda de Shambhala para finalidades políticas também envolveu a Rússia. Agvan Dorjiev (1854-1938) era um monge mongol de Buryat que estudou em Lhasa e tornou-se Parceiro Mor de Debates (Tutor Assistente) do XIII Dalai Lama. Face às maquinações britânicas e chinesas para controle do Tibete, ele convenceu o Dalai Lama a virar-se para a Rússia para apoio militar. De acordo com a Ekai Kawaguchi em Three Years in Tibet [Três Anos no Tibet], fê-lo dizendo-lhe que a Rússia era Shambhala e que o Czar Nicholas II era a reencarnação de Tsongkhapa, o fundador da tradição Gelug. Dorjiev foi em diversas missões à Corte Imperial Russa, mas nunca conseguiu obter qualquer ajuda. No entanto, conseguiu convencer o Czar a construir um templo budista em São Petersburgo.
A primeira cerimônia pública no templo teve lugar em 1913. Foi um ritual para a longa vida da Dinastia dos Romanov no aniversário do seu tricentenário. De acordo com Albert Grünwedel, o explorador alemão da Ásia central, em Der Weg nach Shambhala [O Caminho para Shambala] (1915), Dorjiev falou da Dinastia dos Romanov como os descendentes dos regentes de Shambhala.
Mongólia, Japão e Shambhala
A exploração política seguinte da legenda de Shambhala ocorreu na Mongólia. O Barão von Ungern-Sternberg, um alemão que viveu na Rússia, era um fervoroso anti-Bolchevique. Durante a Guerra Civil que se seguiu à Revolução Russa de 1917, ele lutou na Sibéria com as forças brancas (czaristas) Russas. Ele invadiu a Mongólia Exterior em 1920 com sucesso para libertá-la dos chineses. Famoso pela sua crueldade, Ungern massacrou milhares de chineses, mongóis colaboradores, bolcheviques russos e judeus, ganhando o nome de “Barão Louco”. Ungern acreditava que todos os judeus eram bolcheviques.
Sukhe Batur estabeleceu o Governo Comunista Mongol Provisório em Buryatia e conduziu um exército mongol contra Ungern. Ele mobilizou as suas tropas dizendo-lhes que, lutando para libertar a Mongólia de opressão, eles iriam renascer no exército de Shambhala. Com a ajuda do Exército Vermelho Soviético, Sukhe Batur invadiu Urga (Ulaan Baatar), a capital Mongol, no fim de 1921. A República Popular da Mongólia foi fundada em 1924.
Depois da invasão japonesa da Mongólia Interior em 1937, o Japão também explorou a legenda de Shambhala para proveito político. Para tentar obter a lealdade dos mongóis, espalhou a propaganda que o Japão era Shambhala.
Ossendowski e Agharti
No livro de 1922 Beasts, Men and Gods [Bestas, Homens e Deuses ] , Ferdinand Ossendowski (1876-1945), um cientista polonês que passou a maior parte da sua vida na Rússia, escreveu sobre as suas viagens recentes à Mongólia Exterior durante as campanhas do Barão von Ungern-Sternberg. Ossendowski relatou que vários lamas mongóis lhe tinham falado de Agharti, um reino subterrâneo debaixo da Mongólia, governado pelo Rei do Mundo. No futuro, quando o materialismo arruinar o mundo, irá haver uma guerra terrível. Nessa altura, o povo de Agharti virá à superfície ajudar a terminar a violência. Ossendowski relatou que ele convenceu Ungern da sua história e que, subsequentemente, Ungern mandou missões em busca Agharti duas vezes, conduzidas pelo Príncipe Poulzig. As missões falharam e o Príncipe nunca retornou da segunda expedição.
Kamil Gizycky era um engenheiro do exército polonês que também lutou contra os Bolcheviques na Sibéria e depois se juntou às forças de Ungern na Mongólia. Não fez menção nenhuma de Agharti na sua narrativa dos eventos da altura, Poprzez Urjanchej i Mongolie [Através de Urankhai e da Mongólia] (1929). Interessantemente, relatou que Ossendowski ajudou o Barão Louco oferecendo-lhe a fórmula para fazer gás venenoso.
Embora os textos de Kalachakra nunca descrevam Shambhala como um reino subterrâneo, o relatório de Ossendowski paralela claramente a narrativa de Kalachakra do regente Kalki de Shambhala vindo ajudar o mundo terminar uma guerra apocalíptica. No entanto, o aparecimento de Agharti aqui é digno de atenção. O nome não aparece na literatura de Kalachakra nem nas obras da Madame Blavatsky.
O autor francês Joseph-Alexandre Saint-Yves d' Alveidre primeiro popularizou a legenda de Agharti (Agharta, Asgartha, Agarthi, Agardhi) no seu romance Mission de l’Inde en Europe [Missão da Índia na Europa ], escrita em 1886. Ele descreveu-a como um reino subterrâneo com uma universidade que é um repositório de conhecimento secreto. Localizado originalmente em Ayodhya Índia, foi mudada para um lugar secreto debaixo dos Himalaias 1800 anos antes de Cristo. O seu rei, um “mahatma”, guarda os seus segredos e não os revelou, dado que eles iriam permitir as forças do Anticristo de construir armas poderosas. Quando as forças malignas tiverem sido destruídas, os mahatmas irão revelar seus segredos para o benefício da humanidade.
Saint-Yves d' Alveidre pode ter, de fato, retirado vários elementos da sua história da discussão de Kalachakra sobre Shambhala. O número 1800 aparece repetidamente como um motivo na literatura de Kalachakra e os textos clássicos relatam que os líderes de Shambhala possuíam o conhecimento para construir armas para derrotar as forças do invasor. Não obstante, o autor francês claramente escreveu um trabalho de ficção.
Em Ossendowski und die Wahrheit [Ossendowski e a Verdade] (1925), Sven Hedin, o explorador sueco do Tibete, rejeitou as asserções de Ossendowski ter ouvido de Agharti através dos lamas mongóis. Ele escreveu que o cientista polonês tinha tirado o mito de Agharti de Saint-Yves d' Alveidre e o tinha moldado à sua história a fim de atrair a leitura de um público alemão já familiarizado, a um certo nível, com o oculto. Hedin admitiu, contudo, que o Tibete e o Dalai Lama eram os protetores do conhecimento secreto.
Uma explanação adicional, no entanto, poderia ser que Ossendowski usou o mito de Agharti para obter o favorecimento de Ungern. Ungern teria sem dúvida identificado as forças materialísticas do Anticristo, que Agharti iria ajudar a derrotar, como os bolcheviques, contra quem ele estava lutando. Visto que Sukhe Batur estava a mobilizar as suas tropas com a promessa de Shambhala, Ungern poderia igualmente usar a estória de Agharti para seu próprio proveito. Se este fosse o caso, poderíamos de aqui traçar a versão da legenda de Shambhala que descreveu Shambhala desfavoravelmente.
Roerich, Shambhala e Agni Yoga
Nikolai Roerich (1874 – 1947), pintor russo e estudante fervoroso de teosofia, tinha estado no comitê para a construção do templo budista em São Petersburgo e tinha feito o plano para as suas janelas de vidro colorido. A sua esposa, Helena, foi quem traduziu The Secret Doctrine [A D outrina Secreta] de Blavatsky para o russo. Entre 1925 e 1928, ele dirigiu uma expedição da Índia, através do Tibete, à Mongólia Exterior e à região da montanha de Altai na Sibéria, a norte do Turquistão Oriental. O suposto objetivo era estudar plantas, etnologia e línguas, e pintar. Contudo, o seu objetivo principal era descobrir Shambhala.
De acordo com diversos relatos teosóficos, a missão de Roerich era devolver a Shambhala uma chintamani (jóia que concede desejos), confiada nele pela Liga das Nações. O seu grupo afirmou ter localizado Shambhala na região de Altai. Mesmo hoje em dia, os seguidores de Roerich continuam sua convicção que as montanhas de Altai são um grande centro espiritual, associado de algum modo a Shambhala.
A busca de Roerich de Shambhala foi talvez parcialmente inspirada por Der Weg nach Shambhala [O Caminho para o Shambhala] de Grünwedel, que continha uma tradução de The Guidebook to Shambhala [O Guia para Shambhala] (Tib. Sham-bha-la’i lam-yig), escrito em meados do século XVIII pelo Sexto Panchen Lama (1738-1780). No entanto, o Panchen Lama explicou que a viagem física a Shambhala poderia levar-nos apenas até um certo ponto. Para alcançar o reino legendário, teríamos de fazer uma quantidade enorme de práticas espirituais. Ou seja, a viagem a Shambhala era na verdade uma viagem ao interior. Esta explanação, entretanto, não pareceu deter aventureiros intrépidos tal como os Roerichs de tentar alcançar Shambhala meramente caminhando até lá.
Em 1929, os Roerichs criaram o Agni Yoga, incorporando os ensinamentos teosóficos como sua base. Eles talvez tivessem também seguido o modelo de Blavatsky de traduzir terminologia budista com as imagens e expressões que eram mais familiares, vindas do hinduísmo e do ocultismo. Os Roerichs, afinal, afirmavam que Shambhala era a fonte de todos os ensinamentos indianos. Também chamaram os seus regentes “os Senhores do Fogo que irão lutar contra os Senhores da Escuridão”.
Agni é a palavra sânscrita para fogo – especificamente, o fogo purificador sagrado dos Vedas. De acordo com isto, Roerich explicou que os mestres de Shambhala utilizam os seus poderes para a purificação. Os praticantes de Agni Yoga escolhem Buda, Jesus, ou Maomé como guia para a prática espiritual. Concentrando-se nos seus guias escolhidos, rezam para a paz fazendo simultaneamente simples visualizações de purificação de obstáculos.
Na prática tântrica budista, os meditadores concluem retiros intensivos com os chamados “pujas de fogo”. Nestes rituais, eles oferecem vários grãos e manteiga a um fogo para purificar e acalmar quaisquer obstáculos que possam surgir dos erros feitos durante a sua meditação. Nas chamas, eles visualizam a deidade-fogo Agni, uma figura claramente emprestada do hinduísmo. Roerich pode ter testemunhado tais pujas no Templo budista em São Petersburgo ou durante as suas viagens pelas regiões mongóis e ter daí derivado a sua idéia de Agni Yoga.
Assim, a principal associação que Roerich fez com Shambhala era como um lugar de paz. Em Shambhala: In Search of a New Era [Shambhala: Em Busca de Uma Nova Era] (1930), Roerich descreveu Shambhala como uma cidade sagrada a norte da Índia. O seu regente revela os ensinamentos do Buda Maitreya para a paz universal. Cada tradição descreve Shambhala de acordo com a sua própria compreensão e, assim, a lenda do Santo Gral, por exemplo, é uma versão da estória de Shambhala. Constantino o Grande, o Chinggis Khan (Genghis Khan) [Gêngis Khan], e Prester John encontram-se entre aqueles que receberam mensagens dos ensinamentos do “Misterioso Local Espiritual e Irmandade no coração da Ásia”.
Roerich até mesmo inventou a expressão “Guerreiros de Shambhala”, adotada mais tarde na década de 1980 por Chogyam Trungpa Rinpoche, um Lama Tibetano encarnado das linhagens Karma Kagyu e Nyingma que adaptou e expressou idéias budistas num americano vernacular moderno. Trungpa escreveu, no entanto, que a sua idéia do guerreiro de Shambhala não estava relacionada com os ensinamentos de Kalachakra ou com a própria Shambhala. Era uma metáfora para alguém se esforçando para o automelhoramento para o benefício dos outros. Roerich, por outro lado, usou a expressão para “os Irmãos da Humanidade” que, de Shambhala, virão trazer a paz ao mundo.
Depois de voltar da Ásia, Roerich viajou a Nova Iorque onde, em 1929, foi instrumental na promulgação do Pacto de Roerich, um tratado internacional para a proteção de monumentos culturais do mundo. A bandeira da paz que Roerich propôs tinha três círculos, que, ele explicou, são encontrados em todas as tradições espirituais, incluindo a dos “Rigden Jyelpos”, os Reis de Shambhala. Nada como isto, entretanto, é encontrado nos textos de Kalachakra. Numerosos países do mundo assinaram o pacto, incluindo os Estados Unidos em 1935. O símbolo dos três círculos foi mais tarde adotado como uma insígnia usada em numa banda nos braços de algumas pessoas fisicamente inválidas indicando a sua necessidade de tratamento delicado.
Em Shambhala: In Search of a New Era [Shambhala: Em Busca de uma Nova Era], Roerich também deu a entender uma similaridade entre Shambhala e Thule, o reino escondido no pólo norte, que, como veremos mais adiante, inspirou os alemães na sua busca por um reino secreto. Ele também mencionou a associação de Shambhala com a cidade subterrânea de Agharti (Agarthi), alcançada através de túneis sob os Himalaias. Os seus habitantes emergirão na “época da purificação”. Nas suas Collected Letters (1935 – 1936) [Cartas Coletados (1935-1936)], Helena Roerich observou que Saint-Yves d' Alveidre tinha identificado incorretamente Shambhala com Agharti, mas que não são o mesmo lugar.
Jocelyn Godwin, em Arktos, The Polar Myth in Science, Symbolism and Nazi Survival [Arktos, o Mito Polar na Ciência, no Simbolismo e na Sobrevivência Nazista] (1993), identificou o poder de Agni com vril. Vril é o poder psicocinético protegido pelos habitantes de Thule, que os nazistas tentaram obter para ajudar a fortalecer a sua super-raça ariana. Roerich, contudo, nunca fez esta associação.
Steiner, Antroposofia e Shambhala
Como um contrapeso às apresentações de Blavatsky e Roerich de Shambhala como um reino benevolente que irá ajudar a estabelecer a paz mundial, versões alternativas enfatizaram o aspecto apocalíptico da lenda. Elas associaram Shambhala principalmente com as forças destrutivas da regeneração que irão eliminar modos de pensar obsoletos e antiquados e estabelecer uma nova ordem mundial pacífica. Assim, a força destrutiva de Shambhala é, por fim, benevolente. Estas versões tiveram também as suas raízes na teosofia.
Em 1884, o Dr. Wilhelm Hübbe-Schleiden fundou a Sociedade Teosófica Alemã. Após um fiasco inicial, Annie Besant convidou Rudolf Steiner (1861-1925), um espiritualista austríaco, para a restabelecer em 1902. Steiner deixou a sociedade em 1909 principalmente porque não concordava com a declaração de Besant e de C.W. Leadbetter de que Krishnamurti, então com dezesseis anos de idade, era o messias. Numa série de palestras dadas em Berlim e em Munique em 1910 e em 1911, Steiner ensinou o que alguns chamaram “uma versão cristianizada da teosofia”. Steiner, entretanto, afirmou que os seus ensinamentos vinham da sua leitura clarividente “dos registros akáshicos”, não da teosofia.
Akasha é a palavra sânscrita para espaço, e estes registros ocultos contêm supostamente toda a sabedoria da humanidade. Os textos de Kalachakra referem-se ao nível mais sutil e completamente purificado de atividade mental que é a base para a consciência onisciente de um Buda como “o vajra espaço todo-abrangido com espaço” [“the space vajra pervasive with space.”]. Não a apresentam, contudo, como um registro de todo o conhecimento que possa ser explorado por meios psíquicos.
De acordo com Steiner, Cristo, o verdadeiro profeta, irá revelar o Reino de Shamballa (Shambhala) com a sua Segunda Vinda. Shambhala, que desapareceu há muito tempo, é o reino de Maitreya. Numa palestra intitulada “Maitreya – Christ oder Antichrist (Maitreya – Christ or Antichrist)” [Maitreya – Cristo ou Anticristo], Steiner explicou que “tudo que virá dos lábios de Maitreya virá através do poder de Cristo”.
Steiner enfatizou o conflito entre o bem e o mal, como personificado por Lúcifer e Ahriman. Blavatsky já tinha diferenciado Lúcifer de Satanás. De acordo com The Secret Doctrine [A Doutrina Secreta ], Lúcifer é o “Portador da Luz”, a “Luz Astral” dentro de cada uma das nossas mentes que tanto é o nosso sedutor como o liberador do nosso animalismo puro. Serve tanto para criar como para destruir, e manifesta-se na paixão sexual. Embora Lúcifer possa elevar a humanidade a um plano mais elevado, os eruditos latinos transformaram-no no completamente malévolo Satanás.
Blavatsky também escreveu sobre o dualismo zoroastriano e a luta entre Ahura Mazda e Ahriman, como as forças da luz e da escuridão. Steiner, contudo, foi mais além que Blavatsky e transformou o dualismo num antagonismo entre Lúcifer e Ahriman. Em Occult Science, An Outline [A Ciência Oculta, Um Esboço], Steiner caracterizou Lúcifer como um ser de luz, a ponte entre Homem e Deus, trazendo-nos para mais perto de Cristo. As “crianças de Lúcifer”, então, são todos aqueles que buscam o conhecimento e a sabedoria. Ahriman, por contraste, conduz a humanidade para baixo, para a sua natureza inferior, material, carnal, animalística.
Steiner chamou-se a si próprio um luciferiano e, pela sua lógica, Maitreya é o Anticristo. Dado que as pessoas perverteram os verdadeiros ensinamentos de Cristo, Maitreya, como o Anticristo, virá de Shambhala e irá purificar o mundo de sua mácula e ensinar a verdadeira mensagem de Cristo. Em 1913, os seguidores de Steiner fundaram a Sociedade Antroposófica, embora o próprio Steiner não se tivesse juntado a ela antes de tê-la restabelecido em 1923.
De acordo com o Tantra de Kalachakra, Raudrachakrin, o vigésimo quinto regente Kalki de Shambhala, irá derrotar os invasores não-indicos que irão tentar conquistar o mundo. Estes invasores irão seguir os ensinamentos de uma linha de oito profetas: Adão, Abraão, Noé, Moisés, Jesus, Mani, Maomé e Mahdi. A análise histórica sugere que o modelo para estes invasores eram as forças ismaili shiite de Multan (o atual Paquistão) dos finais do século X, um aliado do Império Fatímida no Egito. Os Fatímidas, com o seu messias Mahdi, tentaram conquistar o mundo islâmico antes do apocalipse predito e do fim do mundo quinhentos anos depois de Maomé. As pessoas por toda a região viviam com enorme medo de uma invasão, incluindo a região budista-hindu-muçulmana do Afeganistão, onde os ensinamentos históricos de Kalachakra provavelmente se desenvolveram. O predito conflito e derrota dos invasores, entretanto, era uma metáfora espiritual para a batalha interior contra o medo e a ignorância. Ofereceu um método eficaz para as pessoas aterrorizadas naquele tempo para superar suas ansiedades fortemente sentidas.
Steiner provavelmente não estava consciente do contexto histórico e do significado metafórico da lenda de Shambhala. Assim, ele e vários outros nas décadas seguintes consideraram Shambhala como sendo o reino do poder espiritual do qual irá surgir a reforma da cristianidade. A ênfase de Steiner em Maitreya e Shambhala como as verdadeiras fontes da reforma cristã no futuro provavelmente também refletem o seu desânimo com a promoção teosofista de Krishnamurti como o novo salvador.
Os textos de Kalachakra nem sequer mencionam os ensinamentos do cristianismo. Contudo, indicam métodos para que os hindus e os muçulmanos possam descobrir significados alternativos das doutrinas das suas próprias religiões, que os permitiriam formar uma fronte espiritual unida com budistas para enfrentarem os terrores de uma invasão. Eles até salientam ensinamentos dados pelo Buda que paralelizam algumas das asserções muçulmanas e hindus. Se os seguidores daquelas religiões estivessem interessados, eles poderiam usar as suas próprias crenças como passos para alcançar o caminho budista. Todavia, os textos de Kalachakra não afirmam que os ensinamentos budistas contêm o verdadeiro significado do hinduísmo ou do islão. Nem afirmam de modo nenhum que Shambhala será a fonte da reforma que irá trazer as pessoas de volta às verdadeiras doutrinas dos fundadores dessas duas religiões, muito menos do retorno aos ensinamentos puros de Cristo.
Alice Bailey e a “Força de Shambhala”
A teosofista britânica Alice Bailey (1880-1949) era uma médium que afirmou que canalizava e recebia cartas ocultistas de um mestre tibetano. Em 1920, depois de ter perdido a sua batalha contra Annie Besant para a liderança do movimento teosófico, fundou a Lucifer Trust nos Estados Unidos. Chamando originalmente a sua Trust de Tibetan Lodge, mudou o seu nome uma vez mais em 1922 para Lucis Trust. A suas palestras e escritas geraram o movimento Nova Era. Ela chamou a Nova Era tanto a Era de Aquário como a Era de Maitreya.
Em Initiations, Human and Solar [Iniciação Humana e Solar] (1922), Letters on Occult Meditation [Cartas sobre Meditação Oculta] (1922), A Treatise on Cosmic Fire [Um Tratado sobre o Fogo Cósmico] (1925), e A Treatise on White Magic [Um Tratado sobre Magia Branca] (1934), Bailey escreveu extensivamente sobre a “Força de Shambhalla”. Como Roerich, ela partiu do princípio que Shambhala era o “assento do Fogo Cósmico”, que é uma força purificadora. Contudo, em vez de conceber esta força como um agni benevolente, seguiu a direção de Steiner e associou-a com Lúcifer. Assim, falou dele como uma fonte de poder destrutivo para expulsar formas degeneradas dos ensinamentos e estabelecer a pureza de uma Nova Era.
A força de Shambhala, Bailey explicou, é a energia extremamente volátil da vontade do eu. Em si, é extremamente destrutiva e pode ser a origem do “Mal”. No entanto, quando vista como a Vontade Divina, os iniciados podem utilizá-la para o “Bem” último. Uma “Hierarquia” em Shambhala, dirigida por Maitreya, protege a Força e, na altura certa, irá iniciar os que estiverem prontos nos “Mistérios das Eras”, no “Plano”. Ficamos curiosos de saber se as suas idéias inspiraram a visão da “Força” na Guerra nas Estrelas, como um poder que pode ser utilizado para o bem ou para o mal, e que é protegido por uma irmandade de Cavaleiros de Jedi.
Como Steiner, Bailey adaptou o conceito não só de Lúcifer, mas também do Anticristo, e desta vez associou-o com a Força de Shambhala. Apropriando conceitos teosóficos, disse que a Força de Shambhala tinha tornado a sua presença conhecida duas vezes antes na história. A primeira vez foi durante a Era lemuriana, anunciando a individualização da humanidade. A Segunda foi “durante a época atlântica de conflito entre os Senhores da Luz e os Senhores da Forma Material, as Forças da Escuridão”. Hoje em dia, ela continuou, – referindo-se ao período entre as duas guerras mundiais – , está-se a manifestar como a força para destruir o que é indesejável e obstrutivo nas formas de governo, religião e sociedade no mundo.
Doreal e a Irmandade do Templo Branco
Os ensinamentos de Bailey produziram vários movimentos ocultistas adicionais que associaram Shambhala com idéias ainda mais esotéricas. Um exemplo é o da Irmandade do Templo Branco, fundada em 1930 pelo espiritualista americano Morris Doreal (1902-1963). Em Maitreya, Lord of the World [Maitreya, Senhor do Mundo], Doreal escreveu que Shamballa (Shambhala) é o Grande Templo Branco do Tibete, situado 75 milhas debaixo dos Himalaias. A sua entrada é subterrânea, com espaço em redor dela curvado em uma deformação que conduz a outro universo. Descreveu Shambhala como tendo duas metades. A metade do sul é a seção onde os aptos e os grandes gurus vivem. A metade do norte é o reino onde Maitreya, o avatar ou o professor do mundo, vive. No futuro, Maitreya virá com os guerreiros de Shambhala, que são os “portadores de luz da Era de Aquário”, conquistar as forças escuras do mal no mundo.
O trabalho principal de Doreal foi The Emerald Tablets of Thoth the Atlantean [Tábuas das Esmeraldas de Thoth, o Atlante], que afirmou ter descoberto em baixo da Grande Pirâmide no Egito e ter traduzido da língua Atlante. Afirmou também ter recebido iniciações secretas dos monges tibetanos.
Haushofer, a Sociedade de Thule e a Alemanha Nazista
Após a Segunda Guerra Mundial, Bailey explicou a política nazista afirmando que Hitler tinha apropriado a Força de Shambhala e, como um “instrumento das forças da escuridão”, tinha abusado dela para combater a “Energia da Luz”.
Semelhante às asserções de Bailey da ligação entre Hitler e a Força de Shambhala, diversos estudos do pós-guerra sobre o nazismo e o ocultismo asseveraram que os nazistas enviaram expedições ao Tibete para procurar a ajuda das forças de Shambhala e de Agharti para executar o seu Plano Mestre. Bailey, todavia, apenas mencionou Shambhala neste contexto e não disse nada sobre Agharti. Estes relatos, por outro lado, alegam que os mestres de Shambhala recusaram-se a ajudar as expedições nazistas, mas que os seguidores de Agharti concordaram e voltaram para a Alemanha com eles.
Além disso, atribuem a busca nazista de apoio ocultista no Tibete às convicções de Karl Haushofer e da Sociedade de Thule. Haushofer foi o fundador da Sociedade de Vril em associação com a Sociedade de Thule e teve uma enorme influência nos pensamentos ocultistas de Hitler. As sociedades de Thule e de Vril combinaram crenças de várias fontes. Vamos traçar concisamente algumas destas crenças, em ordem cronológica, antes de examinarmos estes estudos do pós-guerra.
Os gregos da antiguidade escreveram não só sobre as desaparecidas ilhas Atlântidas, mas também de Hiperbórea, uma terra nórdica cujo povo migrou para o sul antes do gelo a ter destruído. Olaf Rudbeck, o autor sueco dos finais do século XVII situou-a no Pólo Norte e vários outros relatos explicaram que antes da sua destruição, quebrou-se nas ilhas de Thule e de Ultima Thule.
O astrôónomo britânico Sir Edmund Halley, também nos finais do século XVII, promoveu a teoria de que a terra é oca. O escritor francês Júlio Verne popularizou a idéia em Voyage to the Center of the Earth [Viagem ao Centro da Terra ] (1864). Em 1871, o escritor britânico Edward Bulwer-Lytton, em The Coming Race [A Raça Futura], descreveu uma raça superior, os Vril-ya, que viveu debaixo da terra e planeou conquistar o mundo com vril, uma energia psicocinética. Em Les Fils de Dieu [Os Filhos de Deus] (1873), o autor francês Louis Jacolliot ligou o vril com o povo subterrâneo de Thule. O defensor da liberdade indiano, Bal Gangadhar Tilak, em The Arctic Home of the Vedas [O Lar Árctico dos Vedas] (1903), identificou a migração ao sul do povo de Thule com a origem da raça ariana. Em 1908, o autor americano Willis George Emerson publicou o seu livro The Smokey God, or A Voyage to the Inner World [O Deus Esfumaçado, Viagem ao Mundo Interior], que descreve a viagem de um marinheiro norueguês através de uma abertura no Pólo Norte a um mundo escondido dentro da Terra.
A Sociedade de Thule foi fundada em 1910 por Felix Niedner, o tradutor alemão dos nórdicos Eddas. Identificou o povo germânico com a raça ariana, os descendentes de Thule, e procurou a sua transformação em uma super-raça através da utilização do poder do vril. Como parte do seu emblema, tinha a suástica, um símbolo tradicional para Thor, o nórdico Deus dos Relâmpagos. Ao fazê-lo, a sociedade de Thule seguiu o precedente de Guido von List que, nos finais do século XIX, fez da suástica um emblema para o movimento neo-pagão na Alemanha.
Juntamente com Jorg Lanz von Liebenfels e Phillip Stauff, von List tinha sido proeminente na fundação do movimento ariosofista, popular antes e durante a Primeira Guerra Mundial. A ariosofia combinou o conceito de raças da teosofia com o nacionalismo alemão para asseverar a superioridade da raça ariana como justificação para a Alemanha conquistar os impérios coloniais globais dos ingleses e franceses como o justo regente das raças inferiores. A Sociedade de Thule abraçou as convicções da ariosofia. No entanto, deve-se notar que o movimento teosófico nunca pretendeu que os seus ensinamentos sobre raças fossem usados como uma justificação para afirmar a superioridade de uma raça sobre outra, ou o direito destinado de uma raça para governar as outras.
Quando Rudolf Freiherr von Sebottendorf estabeleceu a filial da Sociedade de Thule em Munique em 1918, adicionou o anti-semitismo e o uso sancionado do assassinato aos credos da sociedade. Tinha aprendido estes elementos durante os seus anos na Turquia através do seu contato lá com a Ordem dos Assassinos. Esta ordem secreta pode ser traçada à seita Nazari de Ismaili Islam [dos muçulmanos ismaili] contra quem as Cruzadas tinham lutado.
Mais tarde em 1918, depois da Revolução Comunista bavariana, o anti-comunismo juntou-se também ao conjunto de objetivos da Sociedade de Thule. Em 1919, a Sociedade de Thule de Munique fundou o Partido Alemão dos Trabalhadores. Hitler juntou-se a ele nesse mesmo ano e, tornando-se seu líder em 1920, deu-lhe o novo nome de Partido Nazista e adotou a suástica para a sua bandeira.
Karl Haushofer era um conselheiro militar alemão ao Japão após a Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905. Ficou extremamente impressionado pela cultura japonesa, estudou a língua, e tornou-se mais tarde instrumental no estabelecimento da aliança entre a Alemanha Nazista e o Japão Imperial. Ele também aprendeu sânscrito e supostamente estudou no Tibete durante um ano. Fundou a Sociedade de Vril em Berlim em 1918, que além aos credos da Sociedade de Thule, também promovia a procura do vril entre seres sobrenaturais debaixo da terra. O local mais provável seria o Tibete, que ele via como a terra natal dos emigrantes arianos de Thule.
Haushofer também desenvolveu a geopolítica, de acordo com a qual uma raça obtém o poder expandindo seu espaço vital (Alemão: Lebensraum) através da conquista das suas terras vizinhas. Nos finais da década de 1920, Haushofer dirigiu o Instituto de Geopolítica em Munique e a partir de 1923 começou a ensinar as suas perspectivas a Hitler. Haushofer foi instrumental em convencer Hitler a estabelecer o Ahnenerbe (Departamento para o Estudo da Herança Ancestral) em 1935. A sua tarefa principal era situar as origens da raça ariana, especialmente na Ásia central. Em 1937, Himmler incorporou este departamento nos SS (Alemão: Schutzstaffel, Equipe de Proteção).
Em 1938-1939, o Ahnenerbe patrocinou a terceira expedição de Ernst Schäffer ao Tibete. Durante a sua breve estadia, o antropólogo Bruno Beger mediu os crânios de numerosos tibetanos e concluiu que eram uma raça intermediária entre os arianos e os mongóis e podiam servir como um elo para a aliança Alemã-Japonêsa.
A Busca Nazista de Shambhala e Agharti de Acordo com Pauwels, Bergier e Frére
Um número de eruditos questionou a exatidão dos estudos pós-guerra sobre o nazismo e o ocultismo. Seja que representem exatamente ou não o pensamento nazista durante o Terceiro Reich, ainda assim representam mais uma distorção popularizada da lenda de Shambhala. Deixem-nos examinar duas versões ligeiramente diferentes.
De acordo com a versão encontrada em Le Matin des Magiciens [A Manhã dos Mágicos] (1962) pelos investigadores franceses Louis Pauwels e Jacques Bergier e em Nazisme et Sociétiés Secretès [Nazismo e Sociedades Secretas] (1974) por Jean-Claude Frére, Haushofer acreditava que dois grupos de arianos migraram de Hiperbórea-Thule para o sul. Um foi para Atlântida, onde se mesclaram com os lemurianos que tinham também para lá migrado. Recordem que Blavatsky tinha associado os lemurianos com Atlântida e Shambhala, e Bailey tinha associado os lemurianos e os atlantes com a Força de Shambhala. Os descendentes destes arianos impuros voltaram-se para a magia negra e conquista. O outro ramo dos arianos migrou para o sul, passando através da America do Norte e Eurásia setentrional, alcançando finalmente o Deserto de Gobi. Lá, fundaram Agharti, cujo mito tinha-se tornado popular através das escritas de Saint-Yves d' Alveidre.
De acordo com Frére, a Sociedade de Thule igualou/comparou Agharti com seu cognado Asgaard, o domicílio dos deuses na mitologia nórdica. Outros afirmam, menos convincentemente, que Agharti está relacionado com Ariana, um antigo nome persa conhecido pelos gregos da antiguidade para a região que se estende do Irão Oriental através do Afeganistão a Uzbequistão – a terra natal dos arianos.
Depois de um cataclismo mundial, Agharti afundou-se debaixo da terra. Isto concorda com o relato de Ossendowski. Os arianos dividiram-se então em dois grupos. Um foi para o sul e fundou um centro secreto de aprendizagem sob os Himalaias, também chamado Agharti. Lá, eles preservaram os ensinamentos da virtude e do vril. O outro grupo ariano tentou retornar a Hiperbórea-Thule, mas em vez disso fundou Shambhala, uma cidade de violência, de maldade e de materialismo. Agharti era possessor do Caminho da Direita e do vril positivo, enquanto que Shambhala era custódio do pervertido Caminho da Esquerda e da energia negativa.
A divisão entre os caminhos da direita e da esquerda já tinha aparecido em A Doutrina Secreta de Blavatsky. Lá, ela escreveu que na época dos atlantes, a humanidade ramificou em caminhos de conhecimento da direita e da esquerda, que se tornaram as origens da magia branca e negra. Contudo, não associou os dois caminhos a Agharti e Shambhala. De fato, nunca mencionou Agharti nas suas escritas. As expressões caminhos da direita e da esquerda derivam de uma divisão dentro do tantra hindu. Os primeiros escritores ocidentais caracterizaram frequentemente o tantra da esquerda como uma forma degenerada e identificaram-no incorretamente com o budismo tibetano e seus ensinamentos do anuttarayoga tantra.
De acordo com Pauwels e Bergier, a Sociedade de Thule procurou contatar e fazer um pacto com Shambhala, mas somente Agharti concordou oferecer ajuda. Por 1926, estes autores franceses explicaram, já haviam colonias de hindus e de tibetanos em Munique e em Berlim, chamadas a Sociedade de Homens Verdes, ligados astralmente com a Sociedade do Dragão Verde no Japão. Pertencer a esta última requeria o ritual de suicidio japonês (Jap: hara-kiri, seppuku) se a pessoa perdesse a honra. Supostamente Haushofer tinha-se juntado à sociedade durante os seus primeiros anos no Japão. O líder da Sociedade de Homens Verdes era um monge tibetano, conhecido como “o homem com luvas verdes”, que supostamente visitava Hitler frequentemente e possuía as chaves de Agharti. Expedições ao Tibete seguiram-se anualmente, de 1926 a 1943. Quando os russos entraram em Berlim no fim da guerra, encontraram quase mil cadáveres de soldados da raça himalaia, vestidos em uniformes nazistas mas sem papéis de identificação, que tinham cometido suicídio. O próprio Haushofer cometeu hara-kiri antes que pudesse ser julgado em Nürenberg em 1946.
A Busca Nazista de Shambhala e Agharti de Acordo com Ravenscroft
Um relato ligeiramente diferente da busca nazista de Shambhala e Agharti apareceu em The Spear of Destiny [A Lança do Destino] (1973) pelo investigador britânico Trevor Ravenscroft. De acordo com esta versão, a Sociedade de Thule acreditava que duas seções dos arianos voltaram-se para a adoração de duas forças malévolas. A sua volta para o mal causou o declínio de Atlântida e, subsequentemente, os dois grupos estabeleceram comunidades em cavernas nas montanhas submersas debaixo do Oceano Atlântico perto da Islândia. A lenda de Thule surgiu deles. Um grupo de arianos seguiu o Oráculo Luciférico, chamado Agarthi (Agharti), e praticou o caminho da esquerda. O outro grupo seguiu o Oráculo Arimânico, chamado Schamballah (Shambhla), e praticou o caminho da direita. Notem que Ravenscroft relatou o oposto das asserções de Pauwels, Bergier e Frére que Agharti seguiu o caminho da direita e Shambhala o da esquerda.
Ravenscroft também explicou que de acordo com a “doutrina secreta” – fazendo alusão ao livro de Blavatsky pelo mesmo nome – que apareceu no Tibete há dez mil anos, Lúcifer e Ahriman são as duas forças do Mal, os dois grandes adversários da evolução humana. Lucifer leva as pessoas a verem-se como deuses e está associado à fome pelo poder. Seguir Lúcifer pode conduzir ao egoísmo, ao falso orgulho e ao abuso dos poderes mágicos. Ahriman empenha-se em estabelecer um reino puramente material na terra e usa o desejo sexual perverso das pessoas em ritos de magia negra.
Recordem que embora Blavatsky tivesse escrito sobre Lúcifer e Ahriman, ela não fez dos dois um par e não associou nenhum dos dois com Shambhala ou Agharti. Além disso, Blavatsky explicou que embora a erudição latina tenha transformado Lúcifer num Satanás puramente maléfico, Lúcifer tinha o poder de destruir e de criar. Ele representava a presença portadora de luz na mente de todos que podia elevar as pessoas do animalismo e causar uma transformação positiva para um plano mais elevado de existência.
Foi Steiner que tinha enfatizado Lúcifer e Ahriman como representando os dois pólos do poder destrutivo. Todavia, Steiner descreveu Lúcifer como a força destrutiva fundamentalmente benevolente para a regeneração, e Ahriman como totalmente malévolo. Além disso, Steiner associou Lúcifer com Shambhala e não com Agharti e, de fato, como Blavatsky e Bailey, nunca mencionou Agharti. E mais, nenhum dos três autores ocultistas descreveu Shambhala como situado no subterrâneo. Somente os Roerichs tinham associado Shambhala com a cidade subterrânea de Agharti, mas tinham esclarecido que os dois eram diferentes e nunca afirmaram que Shambhala era subterrânea.
Ravenscroft, como Pauwels, Bergier e Frére, também afirmou que através da iniciativa de Haushofer e de outros membros da Sociedade de Thule, equipes exploratórias foram enviadas ao Tibete anualmente de 1926 a 1942 para estabelecer contato com comunidades das cavernas subterrâneas. Deveriamconvencer os mestres de lá a alistar a ajuda dos poderes luciféricos e arimânicos a promover a causa nazista, especialmente para a criação de uma super-raça ariana. Os aptos de Shambhala recusaram-se a ajudar. Como seguidores do Oráculo Arimânico, estavam apenas interessados em promover o materialismo. Além disso, Shambhala já se tinha afiliado a certos grupos na Grã Bretanha e nos Estados Unidos. Isto era talvez uma referência a Doreal, cuja Irmandade do Templo Branco na América tinha sido o primeiro movimento ocultista de importância a afirmar que Shambhala era uma cidade subterrânea. Além disso, este relato também se encaixa bem com o desdém de Haushofer pela ciência materialística ocidental, à qual chamava “Ciência Judaica-Marxista-Liberal” a favor da “Ciência Nórdica-Nacionalística”.
Ravenscroft prosseguiu dizendo que os mestres de Agharti concordaram ajudar a causa nazista e, a partir de 1929, grupos de tibetanos vieram à Alemanha, onde se tornaram conhecidos como a Sociedade de Homens Verdes. Juntamente com membros da Sociedade do Dragão Verde do Japão, estabeleceram escolas ocultistas em Berlim e em outros lugares. Notem que Pauwels e Bergier afirmaram que colonias não só de tibetanos, mas também de hindus estavam presentes em Berlim e em Munique desde 1926, e não só desde 1929.
Himmler foi atraído a estes grupos de mestres tibetanos-agharti e, de sua influência, estabeleceu o Ahnenerbe em 1935. Recordem que Himmler não estabeleceu o Ahnenerbe, mas que o incorporou nos SS em 1937.
Uma Teoria para Explicar o Sentimento Anti-Shambhala e a Inclinação Pró-Agharti dos Movimentos Ocultistas Alemães
É difícil verificar se Haushofer e a Sociedade de Thule afirmaram realmente quaisquer dos pontos acima , que misturam descrições ocultistas de Shambhala com a descrição de Ossendowski a respeito de Agharti e com as lendas de Thule e vril. É também difícil verificar se Haushofer tentou e teve sucesso em influenciar Hitler e instituições nazistas oficiais, tais como o Ahnenerbe, para enviar expedições ao Tibete para obter ajuda das duas supostas terras subterrâneas – ou mesmo se a própria Sociedade de Thule enviou tais expedições. A única missão ao Tibete sancionada oficialmente pelo Ahnenerbe – a Terceira Expedição Tibetana (1938-1939) de Ernst Schäffer – teve sem dúvida um propósito diferente, embora igualmente ocultista. Seu objetivo principal era medir os crânios dos tibetanos para determinar se eram a origem dos arianos, e se eram uma raça intermediária entre os arianos e os japonêses.
Com exceção de certos erros e contradições factuais entre os dois relatos de Haushofer acima e o credo da Sociedade de Thule, dois pontos de consenso parecem significativos. Primeiro, Steiner e Bailey associaram com Shambhala o poder regenerativo de destruir ordens obsoletas e de estabelecer novas ordens reformadas. Eles representaram este poder fundamentalmente benevolente com Lúcifer. Haushofer e a Sociedade de Thule, por outro lado, supostamente associaram Lúcifer e este poder benevolente com Agharti. Para eles, Shambhala tornou-se uma terra de poder destrutivo completamente malévolo, representada por Ahriman e pelo materialismo descontrolado. Segundo, embora a Sociedade de Thule e os nazistas tivessem primeiro procurado a ajuda de Shambhala, representando o caminho malévolo do materialismo, foram recusados. Em vez disso, receberam o apoio de Agharti, representando o caminho fundamentalmente positivo de destruição dos fracos e da criação da Raça Mestra como o próximo passo em frente na evolução humana.
Vamos deixar de lado, por um momento, a pergunta se a Sociedade de Thule e o Ahnenerbe realmente enviaram missões ao Tibete procurando a ajuda de Shambhala e de Agharti. No entanto, deixem-nos supor, também por um momento, que Haushofer tenha realmente misturado as lendas de Shambhala e Agharti com as convicções da Sociedade de Thule e que a mistura resultante representava a posição ocultista nazista. Se esse fosse o caso, então a seguinte teoria para explicar a asserção que Shambhala rejeitou a abordagem nazista, enquanto que Agharti a aceitou faria sentido .
Com Dorjiev, Shambhala foi associada com a Rússia e mais tarde também com o comunismo, enquanto que com Ossendowski, Agharti foi associada com as forças anti-semíticas e anticomunistas do Barão alemão von Ungern-Sternberg. Desde a Revolução Comunista bavariana de 1918, a Sociedade de Thule e o Hitler eram fervorosamente anticomunistas. Antes disto, ambos já eram antisemíticos. Assim, em seus olhos, Shambhala era uma força escura e negativa que suportava a “ciência Judaica-Marxista-Liberal” totalmente materialística. Com esta forte atitude anticomunista, Hitler assinou o Pacto Anti-Commintern com o Japão em Novembro de 1936, em que ambos os países declararam a sua hostilidade mútua em relação à propagação internacional do comunismo. Ambos concordaram que não iriam assinar quaisquer tratados políticos com a União Soviética. Não obstante, para evitar uma guerra européia em duas frontes, Hitler assinou o Pacto Nazi-Soviético com Stalin em Agosto de 1939. Contudo, ele quebrou este pacto em Junho de 1941, quando as forças nazistas invadiram a União Soviética.
Uma explanação e justificação ocultista da reviravolta de Hitler pode ser feita através de uma alegoria. Shambhala (a União Soviética, o comunismo e os judeus) era fundamentalmente malévola (reconhecido pelo Pacto Anti-Commintern). Apesar disso, Hitler procurou primeiro uma aliança com ele (o Pacto Soviético-Nazista). Shambhala recusou (Hitler culpou a União Soviética por ter quebrado o pacto). Hitler virou-se então para Agharti, de onde recebeu apoio. (Ungern, um alemão antisemítico e antibolchevique, tinha também previamente procurado ajuda de Agharti, mas não tinha conseguido situar o legendário reino. Assim, Ungern tinha falhado na sua missão. Dado que as expedições de Hitler tinham encontrado Agharti-Asgaard e tinham recebido sua ajuda, os nazistas iriam certamente suceder).
Evidência Que Suporta a Teoria
Os fatos seguintes suportariam a teoria acima , que explica a descrição ocultista alemã de Shambhala como sendo uma terra de forças malévolas. Em Der Weg nach Shambhala [O Caminho a Shambhala] (1915), o explorador alemão da Ásia central, Albert Grünwedel, relatou que Dorjiev tinha identificado a Dinastia dos Romanov como os descendentes dos regentes de Shambhala.
Em Sturm über Asien [Tempestade sobre Ásia] (1924), o espião alemão Wilhelm Filchner ligou a causa soviética da conquista da Ásia central com o interesse dos Romanov pelo Tibete desde o começo do século. Em 1926, os Roerichs entregaram terra, supostamente dos mahatmas do Tibete, a Chicherin, o Ministro do Estrangeiro soviético, para colocar na sepultura de Lenin. Helena Roerich referiu tanto a Marx como a Lenin como sendo mahatmas e afirmou que os emissários dos mahatmas dos Himalaias se tinham até encontrado com Marx na Inglaterra e Lenin na Suíça. Os mahatmas suportavam os ideais comunistas de irmandade universal.
Em Aus den letzten Jahrzehnten des Lamaismus in Russland [A Respeito das Últimas Décadas de Lamaísmo na Rússia] (1926), o erudito alemão W.A.Unkrig citou o livro de Filchner e repetiu o relatório de Grünwedel a respeito de Dorjiev, dos Romanovs e de Shambhala. Relatou também a cerimónia no templo budista em São Petersburgo para comemorar o aniversário do tricentenário do Império Romanov. Advertindo contra a influência deste templo e contra uma aliança da União Soviética, Mongólia e Tibete, Unkrig terminou o seu artigo com a citação em latim, “Domine, libera nos a Tartaris (Deus, salva-nos dos Tártaros)”. Isto encaixa bem com a geopolítica de Haushofer e a sua recomendação de quea Alemanha conquiste espaço vital na Ásia central, a terra natal da raça ariana.
Já em 1910, Steiner estava ensinando em Berlim e em Munique acerca de Shambhala como sendo o reinado de Maitreya, o Anticristo que virá livrar o mundo de ensinamentos espirituais pervertidos. Tiere, Menschen und Götter (Bestas, Homens e Deuses), a popular tradução alemã do livro de Ossendowski, apareceu em 1923. Introduziu Agharti como uma fonte de poder que o Barão von Ungern-Sternberg procurou para apoio na sua batalha contra o líder comunista mongol Sukhe Batur, que estava mobilizando as suas tropas com estórias de Shambhala. Recordem que a Sociedade de Thule identificou Agharti com Asgaard, a casa dos deuses nórdicos arianos.
Durante a primeira metade da década de 1920, uma suposta “guerra ocultista” ocorreu entre as Sociedades Ocultistas e os Grupos Secretos na Alemanha. Por exemplo, num artigo do jornal Völkischer Beobachter [Observador Nacionalista] Hitler acusou Steiner de ser um judeu; e outros da extrema direita exigiram uma “guerra contra Steiner”. Muitos suspeitavam que a Sociedade Thule fosse responsável por estes ataques. Anos depois, Hitler continuou a perseguição dos antroposofistas, teosofistas, maçons livres e rosa cruzes. Vários eruditos atribuem esta política ao desejo que Hitler tinha de eliminar quaisquer rivais ocultistas ao seu governo. Steiner, por exemplo, tinha patrocinado a tradução alemã do livro de Bulwer-Lytton sobre vril, The Coming Race [A Raça Futura], sob o título alemão mais explícito Vril, oder einer Menschheit der Zukunft [Vril, ou A Raça do Futuro]. Além disso, dado que Steiner e a antroposofia falavam de Shambhala como a terra do futuro messias e de benevolência, faz sentido que a Sociedade de Thule e Hitler o descreveriam da maneira oposta, como uma terra de malevolência.
Entre 1929 e 1935, cinco livros pela aventureira francesa Alexandra David-Neel apareceram em tradução alemã, tal como Heilige und Hexe (Mystiques et Magiciens du Thibet) [Com Místicos e Magos no Tibete]. David-Neel tinha passado muitos anos estudando e viajando no Tibete, e relatou que os mestres de lá tinham poderes extrafísicos que lhes permitiam desafiar a gravidade e correr numa velocidade sobre-humana. Consequentemente, a fantasia sobre o Tibete como a terra dos misteriosos poderes mágicos cresceu descontroladamente.
Em 1936, Theodor Illion, um explorador alemão que viajou ao Tibete nos inícios da década de 1930, publicou Rätselhaftes Tibet [No Tibete Secreto] sob o pseudônimo Theodor Burang. Nele, descreveu também os poderes sobrenaturais que os mestres tibetanos possuíam. No seu segundo livro,Finsternis über Tibet [Escuridão sobre o Tibete] (1937), descreveu ter sido conduzido a uma cidade subterrânea no “Vale do Mistério”, onde “uma Fraternidade Oculta” canalizou energia espiritual para obter poder. O seu regente era o Príncipe Mani Rimpotsche. Embora este “Príncipe da Luz” fingisse ser um regente benevolente, era na verdade o líder de um culto malévolo, um “Príncipe da Escuridão”. Illion nunca mencionou Shambhala, mas as suas obras populares também teriam adicionado peso à asserção ocultista nazista de Shambhala como uma terra de mágica malévola.
Evidência contra a Asserção do Apoio Nazista Oficial dos Credos Ocultistas Alemães acerca de Shambhala
Suponhamos que o movimento ocultista Nazi, como representado pela Sociedade de Thule, usou a alegoria de Shambhala-Agharti para justificar a mudança de política de Hitler em relação à União Soviética. Porém, parece muitíssimo improvável que as instituições nazistas oficiais, tais como o Ahnenerbe, tivessem Shambhala e Agharti nas suas agendas, mesmo nas suas agendas secretas. Vamos examinar a evidência que suportaria essa conclusão.
Hitler tornou-se Chanceler da Alemanha em 1933. No mesmo ano, Sebottendorff, o fundador da filial de Munique da Sociedade de Thule, publicou Bevor Hitler Kam [Antes da Vinda de Hitler], onde esboçou a dívida de Hitler ao “Thulismo”. Hitler depressa proibiu o livro e forçou Sebottendorff a aposentar-se. Embora Hitler promovesse claramente os credos da Sociedade de Thule, ele negava qualquer conexão com movimentos ocultistas. Não queria deixar em aberto a possibilidade do surgimento de rivalidades de quaisquer partes.
Contudo, Haushofer e a Sociedade de Thule não eram as únicas influências atrás-das-cenas no Ahnenerbe. Sven Hedin, o explorador do Tibete sueco e favorito dos nazistas, também desempenhou um papel significativo. Entre 1922 e 1944, escreveu vários livros populares em alemão sobre as suas viagens ao Tibete, tal como Tsangpo Lamas Wallfahrt [A Peregrinação dos Lamas Tsangpo] (1922). Diversos outros foram traduzidos do inglês para o alemão, tal como My Life as an Explorer (1926) (Alemão: Mein Leben als Entdecker, 1928) [Minha Vida como um Explorador] e A Conquest of Tibet (1934) (Alemão: Eroberungszüge in Tibet, 1941) [Uma Conquista do Tibete]. Além disso, em Ossendowski und die Wahrheit [Ossendowski e a Verdade] (1925), Hedin desacreditou a asserção de Ossendowski que os lamas mongóis lhe tinham falado de Agharti. Nele, expôs Agharti como uma fantasia extraída da novela de Saint-Yves d' Alveidre de 1886.
Frederick Hielscher, a quem Hitler deu autorização para estabelecer o Ahnenerbe em 1935, era um amigo de Sven Hedin. Além disso, Hitler convidou Hedin a fazer o discurso de abertura dos Jogos Olímpicos em 1936 em Berlim e, em 1937, Hedin publicou Germany and World Peace [Alemanha e Paz Mundial]. De 1939 a 1943, Hedin fez várias missões diplomáticas à Alemanha e continuou as suas atividades publicitárias pró-nazistas. A evidência mais clara da sua influência no Ahnenerbe é o fato que, em 1943, o seu Tibet Institut (Instituto do Tibete) foi rebatizado com o nome de Sven Hedin Institut für Innerasien und Expeditione [Instituto de Sven Hedin para Ásia Interior e Expedições].
Haushofer foi de fato instrumental no estabelecimento do Ahnenerbe, e em sua agenda ser baseada em muitas das crenças da Sociedade de Thule. Porém, por causa de Hedin, é improvável que o Ahnenerbe tivesse procurado e recebido apoio de Agharti no Tibete. Hedin admitiu que o Tibete fosse um repositório de conhecimento secreto antigo, mas não lhe atribuiu significado ocultista. Nem associou esse conhecimento com Shambhala ou Agharti.
Além disso, parece altamente improvável que grupos de tibetanos estivessem presentes em Berlim e em Munique a partir de 1926 ou de 1929, sob o auspício da Sociedade de Thule. Se esse fosse o caso, então, visto que o Ahnenerbe estava não-oficialmente associado com a Sociedade de Thule, não teria havido necessidade para enviar uma expedição ao Tibete para medir os crânios dos tibetanos. Poderiam ter feito estas medições na Alemanha. Assim, a asserção que a Sociedade de Thule patrocinava viagens anuais ao Tibete entre 1926 e 1942 também parece altamente questionável.
A Conexão Calmuque
O relatório por Pauwels e Berger que no fim da guerra, os russos encontraram em Berlim um grande número de cadáveres de soldados de raça Himalaia, vestidos em uniformes nazistas, que tinham cometido suicídio, também precisa ser posto à prova. A implicação não-falada é que os russos encontraram os cadáveres dos adeptos Tibetanos-Agharti que estavam ajudando a causa nazista e que, como Haushofer, cometeram o suicídio ritual.
Primeiro, o hara-kiri era um costume japonês dos samurais, que muitos soldados japoneses na Segunda Guerra Mundial seguiram para evitar a captura. Os seguidores do budismo tibetano, contudo, consideram o suicídio um ato extremamente negativo com consequências terríveis em vidas futuras. Nunca é justificável. O relatório atribui incorretamente costumes japoneses aos tibetanos. Segundo, quaisquer soldados de origem Himalaia encontrados em uniforme nazista seriam muito provavelmente mongóis da Cálmúquia, e não tibetanos. E mais, os calmuques lutarem no exército alemão não prova que apoiavam a ideologia nazista; e ademais também não prova que apoiava suas crenças no budismo tibetano. Deixem-nos examinar os fatos históricos, suplementando-os com informação obtida de entrevistas com calmuques vivendo em Munique, Alemanha, que tinham participado em muitos dos eventos descritos abaixo.
Os mongóis da Calmúquia são praticantes da forma tibetana de budismo e têm uma longa história de associação com alemães. Um grande grupo deles migrou para o oeste da região Dzungaria do Turquistão Oriental entre 1609 e 1632. Estabeleceram-se na Rússia ao longo do Baixo Volga, onde (este rio) desemboca no mar Cáspio. Lá, continuaram o seu modo de vida nomade seguindo a gado.
Em 1763, a Czarina Catarina II a Grande convidou quase trinta mil alemães a estabelecerem-se na região do Volga ao norte dos calmuques. Queria que eles cultivassem a terra fértil e a protegessem dos “tártaros”. Tentou forçar o cristianismo e a agricultura aos calmuques, fazendo com que muitos fugissem de volta a Dzungaria em 1771. Por fim, porém, aqueles que permaneceram na Rússia foram aceitos, especialmente porque que eram soldados excelentes. Durante as Guerras napoleonicas (1812-1815), por exemplo, o exército russo teve um regimento calmuque. Durante o século seguinte, os soldados calmuques estiveram em destaque em divisões por todo o Exército Czarista.
Embora os estilos de vida e os costumes dos alemães agrários do Volga e dos calmuques nomades seguidores de gado fossem bastante diferentes, estes vizinhos chegaram gradualmente a respeitar uns aos outros. Os alemães, de fato, mostrarram interesse nos calmuques. Já em 1804, Benjamin Bergmann publicou um trabalho de quatro volumes sobre a sua língua e religião, intitulado Nomadische Streifereien unter der Kalmüken in den Jahre 1802 und 1804 [Migrações Nómades entre os Calmuques no ano 1802 e 1804]. Sven Hedin passou pela Calmúquia numa das suas primeiras expedições a Dzungaria e expressou grande admiração pelo seu povo.
Depois da Revolução Comunista em 1917, muitos calmuques permaneceram leais às forças Czaristas e continuaram a lutar no lado Russo Branco, especialmente sob os generais Vrangel e Deniken. Antes de o Exército Vermelho ter chegado à península da Criméia no final de 1920, cerca de vinte famílias calmuques fugiram através do Mar Negro com Vrangel e estabelecendo-se em Varsóvia na Polônia e em Praga, na Tchecoslováquia. Um número muito maior saiu com o Deniken, com a maioria estabelecendo-se em Belgrado, na Sérvia, e números menores em Sofia na Bulgária e em Paris e Lyon na França. Os refugiados calmuques em Belgrado construíram lá um templo budista em 1929. Os comunistas puniram severamente os calmuques que ficaramatrás, decapitando dez mil.
Em 1931, Stalin coletivizou os calmuques, fechou os mosteiros budistas e queimou os textos religiosos. Deportou para a Sibéria todos os monges e todos os seguidores de gado que possuíam mais de quinhentos carneiros. Em parte devido à política de coletivização de Stalin, rompeu-se uma grande fome de 1932 a 1933. Aproximadamente sessenta mil calmuques morreram.
Depois de Hitler ter invadido a União Soviética em Setembro de 1941, Goebbels convidou vários calmuques proeminentes de Belgrado, Paris e Praga a Berlim para ajudarem com uma campanha de propaganda. Os nazistas desejavam obter o apoio dos calmuques para o lado alemão contra os Russos e nunca mandaram nenhuns dos que estavam sob o seu domínio para os campos de concentração. Assim, Goebbels organizou este núcleo em um comitê para livrar os calmuques do regime comunista. Nesta conexão, ajudou-lhes a imprimir um jornal na língua calmuque e usou-os para transmitir notícias no rádio em calmuque dirigidas a Calmúquia.
Quando a 16a Divisão Panzer nazista sob Field Marshal Mannstein conquistou a Calmúquia nos inícios de 1942, foram acompanhados por três membros deste comitê. Varios calmuques de Belgrado também participaram na invasão, tendo-se juntado ao exército alemão após a ocupação nazista da Sérvia em Abril de 1941. O povo da Calmúquia saudou o exército alemão com manteiga e leite, a oferta tradicional para dar as boas-vindas a convidados, como libertadores do regime opressivo de Stalin. Os alemães disseram que iriam desmontar as coletivas e que iriam dividir e privatizar a terra. Permitiram que os calmuques praticassem o budismo uma vez mais. Em resposta, os calmuques exumaram os textos religiosos que tinham enterrado para sua preservação e construíram um templo provisório. Em Novembro e em Dezembro de 1942, contudo, o exército vermelho retomou a Calmúquia e destruiu tudo que as pessoas tinham reconstruído.
As tropas alemãs convidaram os calmuques a recuarem e a continuarem a luta com eles. Cerca de cinco mil juntaram-se às forças armadas nazistas, formando o Corpo de Cavalaria Voluntário Cálmuco. Somente algumas mulheres e crianças os acompanharam. As tropas calmuques lutaram com o exército nazista atrás das linhas, especialmente em torno do mar de Azov. A maioria da população calmuque, no entanto, permaneceu em Calmúquia. Em Dezembro de 1943, Stalin declarou-os todos colaboradores dos alemães e deportou a todos para a Sibéria. Só regressaram durante a era de Khruschev, entre 1957 e 1960.
No início do outono de 1944, face à iminente invasão russa da Sérvia, muitos calmuques de Belgrado fugiram para Munique, na Alemanha, para evitar a perseguição comunista. Foram acompanhados por vários monges e um professor budista erudito. No final de 1944, as tropas da cavalaria calmuque que sobreviveram na Rússia, juntamente com as suas famílias, retraíram com o exército alemão. Cerca de dois mil foram para Silésia, na Polónia e quinhentos para Zagrebe, na Croácia, onde foram re-organizados para lutar contra os adversários.
Assim, embora vários calmuques estivessem na Alemanha e nos territórios conquistados pelos nazistas nos meses finais da guerra, apenas alguns estavam na área de Berlim, ainda engajados em trabalho propagandista. Os soldados calmuques em uniformes nazistas estavam na Polônia e na Croácia, e não na Alemanha. Embora vários monges calmuques fizessem rituais budistas nas barracas e casas calmuques no território dominado pelos nazistas, eles rezavam pela paz e pelo bem-estar de todos os seres. Não havia nenhun tibetano entre eles, e eles não conduziram ceremonias “ocultas” para uma vitória nazista, como alguns relatos ocultistas pós-guerra relatam.
Após a guerra, os calmuques que estavam em países da Europa Ocidental foram enterrados em acampamentos para pessoas desalojadas na Áustria e na Alemanha, especialmente na área de Munique. Liberados em 1951, estabeleceram-se primeiro em Munique. Mais tarde nesse ano, a Fundação de Anna Tolstoy realojou a maioria deles em New-Jersey, EUA. Tito entregou os que estavam na Sérvia aos soviéticos, que prontamente os deportaram para a Sibéria.
Asserções Pós-guerra sobre Shambhala e Discos Voadores
Interpretações ocultistas de outras atividades nazistas, associando-as com Shambhala, também apareceram após a guerra. Por exemplo, uma expedição alemã de 1939 a Antártica, conduzida pelo capitão Alfred Ritscher, mapeou um quinto do continente, reivindicou-o para a Alemanha e nomeou-o Neu-Schwabenland. Outras expedições nazistas a Antártica e a atividade naval no Atlântico Sul continuaram até ao fim da guerra.
Nos finais da década de 1950, separadamente, Henrique Jose de Souza, o presidente da Sociedade Teosófica Brasileira naquela época, propôs uma nova teoria da terra oca. Dentro da terra encontra-se Agharti, com a sua capital Shambhala, que seria a origem dos discos voadores que emergeriam à superfície através de túneis no pólo norte e no pólo sul. Assim, a Sociedade Teosófica Brasileira construiu como sua sede, em São Lourenço, Minas Gerais, um templo de estilo grego dedicado a Agharti. O.C. Hugenin, um estudante de de Souza, popularizou a teoria do seu mentor em From the Subterranean World to the Sky: Flying Saucers [Do Mundo Subterrâneo ao Céu: Discos Voadores] (1957). R.W. Bernard, no seu livro de 1964 The Hollow Earth [A Terra Oca], disse que os discos voadores de Shambhala em Agharti estavam sob a terra, saindo através de túneis secretos sob os Himalaias no Tibete.
Com base nas expedições nazistas à Antártica Nazi e nos relatos acima, o ocultista alemão Ernst Zündel escreveu vários livros na década de 1970, incluindo UFO’s: Nazi Secret Weapons? [OVNIs: Armas Secretas Nazistas?], afirmando que os nazistas mantinham uma base secreta numa área de lagos de água morna que haviam encontrado na Antártica. Lá, eles teriam escondido a sua arma secreta, OVNIs. Zündel é também conhecido como o proponente mais ardoroso sobre a teoria de que o holocausto na realidade nunca teria acontecido.
A associação de discos voadores com Shambhala deriva do relato da futura guerra apocalíptica alegórica encontrada no comentário The Stainless Light [Luz Imaculada] ao The Abbreviated Kalachakra Tantra [Tantra de Kalachakra Abreviado]. Neste relato, Raudrachakrin, o 25o regente Kalki de Shambhala, virá da sua terra montado num cavalo de pedra com o poder do vento e irá derrotar Mahdi, líder das tropas não-indicas. Embora Raudrachakrin represente a profunda percepção da vacuidade com o nível mais sutil de atividade mental, e o cavalo de pedra represente o nível mais sutil do vento-energia em que esta percepção cavalga, algumas pessoas interpretaram a imagem como um disco voador vindo de Shambhala.
Conclusão
A história de Kalachakra sobre Shambhala tem ativado as imaginações de muitas figuras políticas estrangeiras e autores ocultistas. Distorcendo a lenda original e interpolando idéias permeadas de fantasia, incorporaram o mito nos artigos que escreveram para servir aos seus próprios propósitos. Atribuir estas distorções à intenção original dos ensinamentos de Kalachakra seria fazer uma injustiça ao budismo. Futuras pesquisas poderão revelar mais sobre estes assuntos.