O Que é a Morte?
Quando falamos em impermanência, automaticamente surge o assunto da morte. Por que se morre? Qual é a definição de morte? Alguém se voluntaria?
O fim da vida.
OK.
Quando esta experiência corporificada termina.
OK.
Quando a consciência deixa o corpo.
OK. Excelente. Com certeza, todos vocês tiraram 10! Claro, quando a consciência deixa o corpo, podemos dizer que a pessoa morreu. Aqui há uma dificuldade, porque a gente tem que acreditar na consciência, e que essa consciência é capaz de sair. O que você disse?
O fim da vida.
Ok, mas isso é um pouco como a dissolução da “alma”, a dissolução dos elementos grosseiros. Para mim, a morte é quando não há mais a capacidade de se aproveitar ou experimentar as aparências desta vida. Sua família não é mais sua família. Algo que era seu, agora não é mais. Costumamos dizer: “Eu tenho esse direito”. Agora, não temos mais direitos. Isso é algo que toda pessoa pode aceitar. Não há mais direitos.
Talvez você tenha lido ou ouvido ensinamentos sobre os Três Aspectos Principais do Caminho, de Lama Tsongkhapa. Deixe-me parafrasear. Lama Tsongkhapa disse: “As liberdades e oportunidades desta vida são raras e não temos tempo a perder. Reflita sobre isso repetidamente para dissipar o apego a esta vida, para dissipar o apego às vidas futuras. Contemple repetidamente os efeitos infalíveis do carma e os sofrimentos do samsara.”
Resumindo, precisamos superar o apego a esta vida e às próximas também. Não sei, talvez vocês sejam os especialistas em inglês, mas quando falamos de apego em um sentido mais geral, é sempre algo negativo. Ou será que pode ser positivo? Geralmente negativo? É discutível. Em tibetano, quando dizemos döpa, desejo, não é algo negativo por si só. Precisamos de chag, tibetano para “apego”, que nos dá esse apego no qual queremos ficar agarrados ao objeto. Então (o desejo) fica negativo. Você concorda? Mais ou menos?
É por isso que, o que quer que tenha nesta vida, aproveite! Você pode ter essas coisas – a não ser que tenha apego a elas! Sua Santidade o Dalai Lama adora relógios. Alguns dos meus amigos mais próximos, Rinpoches, adoram aparelhos eletrônicos. E esses grandes mestres falam sobre as desvantagens do apego e tudo mais, ao mesmo tempo que precisam de tantas coisas! Às vezes é confuso. Precisamos tentar perceber se eles têm esse apego ou não. Será que eles têm tristeza ou expectativas em relação às coisas? E quando têm alguma coisa, será ficam loucos por elas? Quando perdem ou não o têm mais as coisas, será que ficam tristes? Esses são comportamentos que podemos tentar perceber para saber se alguém tem ou não apego. Se não tem, estamos seguros.
Superando o Pensamento “Eu Não Vou Morrer”
(7) Amigos do passado, semelhantes a nós em idade e força, foram levados, de repente, pelo Senhor da Morte. Então, com que confiança podemos afirmar que não teremos medo quando a hora da morte chegar?
Uma das consequências mais negativas de acreditar que não vamos morrer é o excesso de confiança. Com isso, fazemos muitas coisas negativas. Às vezes, quando grandes mestres ouvem ou descobrem que seus amigos íntimos ou mestres faleceram, ficam preocupados. Isso torna-se um sinal de que devem fortalecer sua prática. E nós, nós fazemos orações de ajuda quando as pessoas falecem. Coloco uma pequena oferenda no altar e rezo. Não tem muito efeito para mim, e talvez para vocês também nãos.
Talvez vocês tenham a mesma experiência. Você liga a TV, vê um ataque terrorista em que pessoas inocentes morreram e pensa: “Oh, que triste”. É triste “lá fora”, mas não é triste “por dentro”. Não pensamos: “Talvez algo terrível aconteça comigo também. Não com esta explosão, mas quando eu estiver viajando.” Esse pensamento nunca vem, pois somos excessivamente confiantes.
É por isso que Konchog Tenpe Dronme deu este exemplo muito bom: esta comparação com pessoas semelhantes em idade, e talvez mais fortes em saúde do que nós, e que já morreram. Talvez estejamos mentalmente muito tranquilos e, de repente, alguém falece. Ficamos chocados ao ouvir a notícia. O que aconteceu? Ele era mais saudável do que eu. Tudo isso vem à cabeça, não é? As pessoas dizem que a vacuidade é muito profunda, mas os grandes mestres Kadampa dizem que a impermanência é muito profunda. Pessoas comuns, como nós, quando ouvem falar de pessoas fortes e saudáveis, mais jovens ou da mesma idade, e que faleceram repentinamente, reagem automaticamente: “Isso não pode estar certo. Isso é inacreditável."
Automaticamente surge essa reação interior. É por isso que se diz que a impermanência é profunda. Você concorda? Há uma grande diferença quanto ao motivo pelo qual a vacuidade e a impermanência são profundas. Podemos discutir amanhã por que a vacuidade é profunda. É muito importante que, quando ouvirmos notícias de coisas horríveis acontecendo ao redor do mundo, não as vejamos como algo distante. A maneira de praticar dos grandes mestres Kadampa é inspiradora. Quando ouvem esse tipo de notícia, sua reação não é comum. Eles olham para o próprio corpo feito de carne e ossos e dizem: “Claro que isso vai acontecer, pois somos feitos dessa coisa grosseira sem sentido. Eu me sinto desconfortável e doente, bem, é claro. Esta casa de hóspedes, este corpo que tenho, é a fonte de todo o sofrimento. Eu vou sofrer com certeza.” Essa forma de aceitar a realidade é forte! Para seres comuns como eu, posso apenas imitar essa reação, mas quando chegar a hora, esqueça!
Um dos meus amigos no Canadá estava na casa dos noventa. Ele era um ex-monge e recebeu muitos ensinamentos de grandes mestres como Sua Santidade Dalai Lama, Kyabje Ling Rinpoche, Trijang Rinpoche e todos esses grandes mestres. E ele tinha muito orgulho de ser tibetano. Fazia todos os seus compromissos (de prática) sem muito conhecimento. Certa vez, quando falávamos sobre budismo, eu queria arrancar algo dele. Ele parecia um verdadeiro praticante e estava muito orgulhoso. Fiz-lhe muitas perguntas. E chegou um ponto em que disse: “Não tenho respostas detalhadas, mas sinto-me muito confiante de que, quando morrer, morrerei com orgulho, com as bênçãos de Sua Santidade Dalai Lama e outros. Sou uma pessoa de muita sorte. Mesmo se morrer nesta noite, morrerei com um sorriso.” Eu pensei: “Ok, bem, essa é uma boa maneira de morrer”. Sem mais preocupações, sem mais apegos, vá sem problemas.
Dois anos depois, recebi notícias de alguns de seus parentes. Disseram que ele estava no hospital em estado crítico e não conseguia falar. Quem quer que se aproximasse, ele começava a chorar. Não sei se era de felicidade. Talvez não. Às vezes, somos confiantes demais.
É por isso que, no dia-a-dia, sempre que você ouvir alguma notícia ou se deparar com algo na sua família sobre alguém que está morrendo, lembre-se desse exemplo. É uma bênção para a sua prática. Precisamos desse tipo de exemplo. É por isso que Konchog Tenpe Dronme está dando este exemplo aqui.
Usando a Morte para Gerar um Senso de Urgência em Praticar o Dharma
(8) Mesmo as ovelhas, que estão entre as criaturas mais tolas, ficam alarmadas ao ver seus companheiros massacrados. Então, se falharmos em aplicar o exemplo delas, será que não seremos mais insensíveis que essas bestas?
Por que ovelhas? Fazem alguma ideia? Por que as ovelhas são consideradas aqui como as mais tolas de todas as criaturas?
Porque elas seguem cegamente?
Ok, elas seguem cegamente.
Porque mesmo que outras ovelhas sejam mortas, a ovelha ainda... Ela sabe, mas...
Não teme? Não, não é isso. Esse é um exemplo onde até mesmo ovelhas têm medo. Às vezes, não tenho certeza se esses exemplos fazem sentido para os não tibetanos. Eu vejo as ovelhas como muito tolas por causa de como elas lutam. Durante a luta, dão cabeçadas umas nas outras, se afastam e batem novamente. Esta é a maneira delas lutarem. Para nós, parece muito tolo. Não sei se isso faz sentido para vocês, mas é assim que as ovelhas são usadas como exemplo.
Com certeza os animais sabem quando outros estão sendo massacrados. Eu experimentei isso uma vez em Manali, quando estava visitando minha família. Eu queria comer frango, mas meus pais e meu irmão estavam ocupados com alguma coisa, então eu disse: “Quero comer frango, então vou comprar”. Fui ao açougue e foi a primeira vez que estive em um lugar tão horrível. Havia talvez quatro ou cinco ovelhas sem cabeça, com sangue pingando. Ao lado delas havia uma gaiola cheia de galinhas. Elas foram congeladas no local, pensei que já tivessem sido mortas. Quando me aproximei, vi que seus olhos estavam piscando. Agora eu não poderia sair de mãos vazias. Fiquei cheio de compaixão, mas queria comer! O que eu disse ao açougueiro foi: “Você tem carne que não é fresca?” “Temos, sim.” Ele foi até a geladeira e pegou um frango. Peguei o frango e fugi! Eu estava olhando para a carne pensando: “Agora ela já está morta, então está tudo bem, eu posso comer”. Mas ainda assim o piscar daquelas pobres galinhas estava em meu cérebro. Foi um choque para mim.
Minha mãe cozinhou o frango e perguntou: “Onde você encontrou esse frango?” Ela notou enquanto cozinhava que era uma fêmea. Ela tinha um ovo dentro. Foi realmente uma experiência forte, mas ainda como frango! Continuo vendo os olhos piscando da galinha. Sempre que falo em frango, é isso que surge dentro de mim. A mesma coisa se aplica aqui. Quando as ovelhas são abatidas uma a uma, elas não têm nenhuma sabedoria para pedir ajuda por estarem com tanto medo. São animais, não são tão inteligentes quanto nós. Vamos ao funeral de amigos e familiares e dizemos: “Descanse em paz”. No Ocidente usamos ternos, na Índia a vestimenta para mostrar respeito é branca. Depois de deixar o funeral, a família do falecido carrega o fardo da tristeza, mas nós, nem tanto.
O autor quer que comparemos: quem é mais sensato? Os animais mudos ou nós? Se formos feitos reféns por um terrorista, com certeza teremos um senso de urgência! A menos que sintamos que nosso tempo acabou, sempre temos coisas mais importantes para fazer.
Certa vez, na Aldeia das Crianças do Alto Tibete, Sua Santidade estava dando uma introdução ao budismo para jovens tibetanos. Um aluno fez-lhe uma pergunta: “Sua Santidade, sinto-me muito feliz. Não tenho muitos problemas na vida, será que preciso praticar?” Eu estava pensando que Sua Santidade diria: “Sim, claro!” Mas, em vez disso, ele disse: “Não, não precisa. Se quer estudar ou se quer praticar, o que quer que faça, faça com seriedade.” Esse foi o conselho de Sua Santidade. Isso foi profundo para mim. Um praticante é alguém que leva as coisas muito a sério. Os iniciantes podem ir devagar, mas as pessoas que já estudaram muito o budismo devem levar isso de uma forma mais séria. Tomei isso como um conselho direto de Sua Santidade para mim enquanto assistia ao vivo no Canadá na época. Através do medo da morte, ganhamos muitas qualidades. Sem esse medo, não praticaremos mais. Essa é a vantagem de ter medo da morte.
A Natureza do Corpo é Morrer
(9) Que a natureza deste corpo é morrer em um tempo incerto é algo que pode ser entendido sem referências ou citações. Mas se com os seus sentidos você ainda não percebe, certamente sua designação pode ser “idiota”!
Quando falamos de vacuidade, precisamos de muita lógica e raciocínio. Com bodhichitta, também precisamos de muita lógica e raciocínio. Para desenvolver shamatha, precisamos de muita pesquisa e trabalho duro. Mas aqui, o autor está mostrando que esta é uma prática que não precisa do raciocínio baseado em fatos ou do racional que vem das escrituras. Não precisamos disso como uma ajuda para entender que todos vamos morrer e que a hora da morte é incerta. Se a sua atitude ainda é “não sei e não me importo”, aqui diz que você provavelmente é um idiota. Em tibetano, dizem que você é uma pessoa que fica cega após nascer. Há pessoas que nascem cegas, então seus olhos parecem que podem ver, mas não veem. Parece que você está olhando para os objetos, mas não vê nada. Esta deve ser a tradução correta.
A Natureza da União é a Separação
(10) Esta reunião de entes queridos, servos e dependentes, é como um monte de folhas caídas de uma árvore – uma rajada de vento as espalha pelos vales e colinas e, uma vez dispersas, nunca mais se encontram.
Sempre que Sua Santidade dá ensinamentos para um grande público, diz que uma vez que estamos reunidos, naquele momento já está implícita a separação. Vocês estão todos aqui, e eu também. Alguns já tinham o plano de vir, outros vieram como folhas ao vento se juntando, certo? Então, outro vento vem, você segue seu caminho e eu sigo o meu. Nossos familiares e ancestrais deixaram este mundo e deixaram a família. Eles se uniram e depois se dispersaram. Podemos dizer: “Espero que possamos nos encontrar novamente”, mas não há garantia. Isso pode ajudar as pessoas a serem amigáveis com seus familiares.
Se você aceitar isso, quando tiver a oportunidade de estar com sua família, estará mais em paz. Mas você tem esse medo de um dia perder sua família. Você não sabe para onde pode estar indo, e não sabe para onde suas irmãs, irmãos e pais podem estar indo, e não apenas em relação à morte. No ocidente é muito comum, não é? Uma família geralmente não fica toda junta. Principalmente quando os filhos conseguem um emprego, eles vão morar em seu próprio apartamento. No Tibete, as famílias ficam juntas. Na Índia, ficam todos juntos. É muito doloroso separar. Mas no Ocidente, não acho que seja algo tão doloroso, certo? Para o povo tibetano é especialmente triste se separar da família.
A Transitoriedade da Vida Cotidiana
O próximo versículo contém conselhos muito fortes. Acho que precisamos deles, especialmente no Ocidente.
(11) Pessoas de diferentes lugares amontoadas em um mercado lotado são como as abelhas reunidas no final do outono, dispersam-se logo depois de se reunirem: um ensinamento sobre transitoriedade para os que entendem.
Fiz essa prática na Times Square, em Nova York. Fui à Times Square em 2005. Havia muita gente. Muita agitação. Esse tipo de energia também o faz se sentir forte e energizado, mesmo que seja à noite. Parei em uma esquina e tentei me lembrar dessa citação. Não fiquei muito tempo. Fui para a praça principal, enquanto alguns Punjabis vinham curtir música e fazer coisas malucas. Depois das 2 da manhã, a sensação boa se foi, e tudo o que restou foi lixo, copos e garrafas. Toda a bela energia se foi.
O mesmo acontece em uma boate, não é? Eu fui lá uma vez. Este é um segredo obscuro que tenho! Um dos meus amigos me convidou. Ele disse: “Serkong, você tem que vir a uma festa”. Concordei, pensando que era uma festa em casa. Estávamos com nossos colegas, em algum lugar de Calgary. Era um prédio grande com dois grandes homens fortes na frente. Eu não estava esperando por isso. Eu estava com meus amigos e duas meninas coreanas, minhas colegas de classe. As meninas entram de graça e puderam entrar direto. Os meninos tiveram que ficar do lado de fora, onde estava muito frio – 20 graus abaixo de zero. Meu amigo e eu estávamos tremendo! Esperamos por mais de 30 minutos. Finalmente, nos permitiram entrar. Pensei: “Conseguimos!” Era tão bom lá dentro, porque estava muito frio lá fora.
E havia outro homem grande na frente de uma porta enorme. Ele abriu a porta e o que eu vi foi a coisa mais louca que eu já tinha visto. Eu não conseguia ouvir meus amigos conversando. Mesmo se eu falasse bem perto de seus ouvidos, eles não conseguiriam ouvir. A música estava muito alta. E as pessoas de lá não pareciam se conhecer muito bem, mas eram muito amigáveis. Isso é incrível! As pessoas me diziam que eu tinha que beber cerveja. E respondi: “Não, eu não bebo cerveja. Desculpa." Mandei uma mensagem para meu anfitrião para que fosse me buscar. Agora já posso dizer que fui ao inferno! Fugi rapidamente da festa.
Naquela época, eu não conseguia praticar esse versículo. Talvez, quando forem para casa, possam ir a uma boate. Precisam ir, mas tentem pensar dessa maneira. Talvez depois da ressaca, meditem sobre isso. Este é um ensinamento muito poderoso.
Exemplos de Impermanência
(12) Tome como exemplo o mundo exterior dos elementos – não se deixe enganar pelos rótulos “verão” e “inverno” – eles também não duram, e a cada dez dias, as montanhas e os vales mudam suas cores.
Para nós, isso não é realmente um ensinamento. A maioria de nós pensa: “Sim, vamos aproveitar.” O verão chegou. O outono é a época em que as folhas caem. No Canadá, é muito bonito. Mas mesmo os elementos e as estações mostram a impermanência. Este também é um grande ensinamento.
(13) A água azul da nascente ondula como uma dançarina e faz uma música agradável com seu fluxo, mas quando agarrada pelo frio gelado do inverno, pode apenas sussurrar, como se estivesse chorando de tristeza.
Esta é outra bela maneira de mostrar a impermanência. Não preciso explicar nada aqui.
(14) Como é agradável o campo com suas flores dançando ao som das abelhas, mas tudo se transforma em lamento e desolação quando o outono traz a forte geada e o granizo.
Com este também, não tenho mais nada a dizer.
(15) O cordão da vida é tão frágil quanto uma corda de palha que dois ratos – dia e noite – roem; e a cada momento que passa, nosso encontro com a morte, o inimigo, se aproxima.
Novamente, nada de especial a dizer sobre isso. É um poema, certo? É muito útil. Se tentarem recitar junto, obterão uma bela energia. É assim que funciona, eu acho.
Jovens e Velhos, Ricos e Pobres: Todos Podem Ter Que Enfrentar a Morte a Qualquer Momento
(16) Se um filho, jovem e brilhante, pode adoecer e morrer, enquanto os pais com cabelos brancos como uma concha e corcundas, curvados como um arco, se lamentam, quem ousaria dizer que são os velhos que vão primeiro?
Não podemos garantir nada. Quando compramos algo, queremos uma garantia. Mas para a nossa vida, não temos garantia. É por isso que precisamos de um seguro de vida! Talvez algo aconteça comigo, e então eu consigo deixar um dinheiro para a minha família. Esta é a maneira como as pessoas pensam. Mas isso não ajuda a prolongar a vida. Isso todos sabem.
A maioria das pessoas tem como certo que, uma vez que a pessoa fique muita velha, morrerá em breve, e que as pessoas que são bebês ou adolescentes, e estão na faixa dos 30 ou 40 anos, sentem muita energia. Pensamos: “Agora tenho muitas coisas para fazer. Ainda não estou pronto para morrer.” A maioria das pessoas pensa assim, certo? Isso é excesso de confiança. É por isso que precisamos ter esse tipo de consciência. Sua Santidade dá conselhos, dizendo: “Espere pelo melhor e prepare-se para o pior”. Ele sempre diz isso.
(17) Atingido pela adversidade, como uma colheita atingida pelo granizo, o homem rico pode lamentar sua perda e sua situação lastimável, mas seus gritos de socorro provavelmente ficarão sem resposta, até mesmo dos servos pobres de quem cuidou.
Pessoas superconfiantes que têm dinheiro, amigos e uma boa reputação, se sua reputação declinar e forem à falência, ou se surgir uma situação inesperada e a forma como as pessoas as veem mudar, para pessoas que têm muito ego, isso é um grande problema. Quando essas coisas acontecem, elas não suportam. Sentiam-se muito confiantes com seu nome, fama e riqueza. Mas quando não são mais ricas e respeitadas, as outras pessoas agem como se nem soubessem mais quem são.
Estaremos preparados para esse tipo de situação se entendermos que reputação e dinheiro são impermanentes e temporários. Para nos preparar, podemos recitar repetidamente a palavra “temporário, temporário”. Então, no futuro, poderemos enfrentar a realidade. Devemos sempre lembrar de não nos apegarmos à permanência. Este é um ensinamento forte, eu acho.
(18) O aliado de hoje pode se transformar no inimigo de amanhã, pois palavras descuidadas são muitas vezes mal interpretadas; no entanto, isso pode nos dar um ensinamento que acabará com as falsas noções de inimigo distante e amigo próximo.
Eu tenho essa experiência, e talvez a maioria de vocês também tenha, com certeza. Você não precisa acenar com a cabeça, mas, ainda assim, eu sei que tem. Temos aqueles que chamamos de amigos mas, intencionalmente ou não, podemos fazer uma piada boba que pode acabar prejudicando nossa amizade.
Nossas amizades são como um gelo muito fino. Não há garantia, mesmo que tenhamos certeza de quem são nossos amigos e inimigos. Em geral faço piadas muito bobas. Às vezes não sei por que meus amigos as levam tão a sério. Talvez porque seja muito perturbador para eles. Posso dizer pelo jeito que me olham. Isso pode se tornar uma condição para perder amizades. Estou tentando ser muito cuidadoso. Os mestres Kadampa aconselham: “Quando sair com as pessoas, coloque a consciência em sua boca. Quando estiver sozinho em casa, coloque a consciência em sua maneira de pensar.” Esta é uma mensagem muito poderosa.
Nós amamos uma fofoca, não é mesmo? Muita fofoca. Você conta a seu amigo um segredo e pede que ele não conte a ninguém: “Você é meu amigo íntimo e vou lhe contar isso. Eu confio em você." E então seu amigo vai até outra pessoa, repete o que você disse e conta a mesma coisa. E em algum momento, seu segredo é contado de volta para você. E começa tudo de novo!
É melhor estarmos atentos ao que vamos dizer, se quisermos manter a amizade pura. Claro, até mesmo isso ainda não é uma garantia, pois com ou sem motivação ou intenção, podemos perder amigos. Para as pessoas que realmente praticam a impermanência, quando tais situações acontecem, elas conseguem aceitar a realidade com muita facilidade. Não há um grande choque. Também podemos brigar e nos tornar inimigos. Alguns de meus amigos dizem: “Depois de uma grande briga com alguém, se vocês se tornarem amigos, essa amizade será muito forte”. Mas não há garantia.
Fama e Fortuna não Ajudam na Hora da Morte
(19) As riquezas samsáricas são consideradas uma grande fortuna; mas assim como uma lâmpada acesa é como um palácio para uma mariposa, sua aparência sedutora serve apenas para nos enganar e nos desviar da verdadeira felicidade duradoura.
Existem muitas citações úteis em todos os lugares, mas esta é especialmente útil. Esta eu consigo recitar de memória. É muito útil para mim. Steve Jobs, antes de morrer, percebeu isso. Ele disse que esteve ocupado fazendo muitas coisas durante toda a sua vida, sempre se mantendo ocupado. Achava que um dia conseguiria aproveitar sua vida. Mas, no final, percebeu que a morte estava chegando antes que tivesse tido tempo de aproveitar o que havia feito.
Acontece a mesma coisa com a maioria de nós. Estamos muito ocupados ganhando dinheiro e construindo uma reputação, mas não vamos conseguir usar todo o dinheiro que ganhamos. A reputação que tanto trabalhamos para construir, não usamos de uma boa maneira. Desperdiçamos muitas oportunidades. Passamos a vida ganhando dinheiro e conquistando uma reputação, e depois morremos.
É como os insetos e mariposas. Eles pulam brincando na frente de uma lamparina de manteiga, amam como isso os engana. E morrem por isso. Morremos com nossa riqueza. Morremos com nossa reputação. Nós as desenvolvemos e pronto. Mesmo que construa uma reputação como a de Madre Teresa ou Martin Luther King Jr., essas grandes pessoas, elas também morreram. Tudo o que resta no mundo é um bom exemplo.
Mao Zedong disse em uma de suas palestras em uma universidade: “Você tem que estudar muito e ter muito sucesso. Não digo sucesso necessariamente no sentido positivo. Pode ser negativo também. Você tem que entrar nos livros de história para que as pessoas saibam que existiu. Caso contrário, você apenas nasce e depois morre.” Concordo com metade de sua colocação, devemos ter sucesso, mas devemos dar um bom exemplo para os outros. Caso contrário, viveremos, comeremos e depois morreremos. É isso. Um inseto morre e uma pessoa morre – mais ou menos a mesma coisa. Não quero dizer que precisamos ter sucesso com nosso exemplo aos olhos do mundo inteiro – talvez apenas em Nova York ou apenas dentro de nossa família ou mesmo de um ou dois amigos que sintam o valor que temos. Isso é bom o suficiente. Isso nos diferencia da mariposa.
Na Hora da Morte, Não Podemos Levar Nada Conosco
(20) Resumindo, o Senhor da Morte chegará em breve – com certeza – mesmo que a hora seja desconhecida. E quando ele vier, você não terá escapatória: pois estando preso em suas terríveis presas,
(21) Até o corpo que há tanto tempo você conhece deverá permanecer na cama enquanto você segue sozinho, e lhe será negado até mesmo olhar para trás para sua riqueza, amigos ou servos.
Parece uma história de terror, não? Mas é a verdade, independente de a colocarmos de uma maneira bonita ou assustadora. Na hora da morte, dinheiro e amigos não poderão ajudá-lo. Se você for preso, talvez possa ligar para o seu chefe e ser libertado sob fiança. Mas quando as pessoas têm que enfrentar a realidade da morte, todas aquelas que parecem tão confiantes ficam pálidas e conseguem falar. É um grande desafio: eu chamo de teste final. Na hora da morte, um verdadeiro praticante deve estar muito calmo e aceitá-la como parte da vida. É o que Sua Santidade diz. A morte faz parte da vida. Se a negarmos, se tornará um problema.
(22) Toda a ajuda que deu aos aliados, tudo o que fez para superar inimizades, incansavelmente ao longo desta vida, deve agora ser abandonado para a jornada final. A única bagagem? – suas virtudes, seus defeitos.
(23) Então, no caminho desconhecido do estágio intermediário, enfrentará o exército do temido Senhor da Morte; e, enganado pelas fortunas do samsara, estará perdido, pois mesmo que perceba seus erros, o arrependimento será inútil.
Deixe-me compartilhar uma história. Isso aconteceu com o pai de um dos meus amigos no Nepal. Ele adora jogar. Os tibetanos geralmente não dormem na sala do altar, eles têm uma sala especial para todos os seus objetos sagrados. Mas este velho não tinha devoção, e dizia: “Você fez este altar tão bonito, vou morar aqui.”
Isso não é bom, mas ele ficou na sala do altar de qualquer maneira e fez muitas coisas lá que não deveria. Sua família não podia dizer nada por causa de sua atitude mandona. Um dia, sua respiração ficou difícil e ele desmaiou. Não era certo se ele estava morto ou não. Sua família se reuniu, junto parentes visitantes, e começou a chorar.
Depois de alguns momentos, ele acordou. Eles ficaram assustados e não sabiam o que fazer. Perguntaram-lhe: “O que aconteceu?” E ele respondeu: “Acho que fiquei morto por um minuto”. Simplesmente ninguém conseguia acreditar. Ele lentamente compartilhou sua experiência: “Uau, a experiência da minha morte foi notável. Eu continuei tossindo com algo preso na minha garganta. Eu não queria desistir, mas de repente eu queria desistir facilmente. E então eu apaguei. Não havia nada. Depois parecia que eu estava correndo e buscando ajuda, mas estava muito escuro e de repente percebi que meu corpo físico não estava comigo. Mas ainda sentia vontade de buscar ajuda. Eu podia ouvir alguns gritos e alguém me perseguindo. Não ousei olhar para trás. Senti que a única coisa que devia fazer era correr. Senti como se em algum lugar devia haver um pequeno buraco de rato. Se eu conseguisse encontrar um pequeno buraco, poderia me esconder. Senti-me muito cansado e apenas disse: 'Oh, Dalai Lama!' Então uma luz apareceu, ficando cada vez mais brilhante, e eu despertei.”
A partir desse momento, o pobre coitado continuou a dormir na sala do santuário, mas de uma maneira diferente. Ele não jogava mais lá e, em vez disso, passava o tempo lendo, praticando e ouvindo os ensinamentos dos grandes mestres em preparação para a morte. Essa foi uma experiência a ser compartilhada.
Hoje paramos por aqui. Isso acaba com as duas categorias de preguiça: ficar se ocupando com coisas mundanas e a preguiça de não querer fazer nada. Cabe a você discernir se essas citações estão na categoria correta. Para mim, terminei de explicar essas duas categorias. Amanhã falaremos sobre a preguiça do desânimo ou de nos sentirmos indignos. Amanhã podemos terminar este texto.