Renascimento Humano Precioso
É muito importante apreciarmos o fato de termos um corpo humano precioso, que é uma base de trabalho, e também o fato de que com ele podemos aproveitar várias tréguas das situações difíceis onde não temos oportunidade de praticar. Com esse corpo, também temos todos os fatores enriquecedores, que são as várias oportunidades de nos melhorar. É com essa base que conseguimos praticar ética e sempre agir construtivamente. Se nascêssemos como um animal, não conseguiríamos seguir nenhum tipo de comportamento ético. Este corpo humano, que nós temos, não é algo que se possa comprar em uma loja, não é algo que podemos conseguir trabalhando todo dia, juntando dinheiro e então comprando. É algo extremamente difícil de se conseguir.
Para se renascer como ser humano e ter um corpo humano precioso é necessário que haja uma causa, e a causa é observar autodisciplina ética. O fato de termos um corpo humano precioso é uma indicação de que no passado agimos com muita ética. Encontrar as medidas preventivas do dharma agora, nesta vida, é extremamente importante para conseguirmos manter uma conduta ética pura. Além disso, precisamos continuar praticando generosidade, paciência, perseverança entusiástica e enérgica para o positivo, estabilidade mental ou concentração e consciência discriminativa. Essas coisas também são necessárias.
Se observarmos nosso comportamento, veremos que ao invés de sermos generosos, somos o oposto, somos avarentos; ao invés de termos paciência e tolerância, somos dados a raiva e temos pouca tolerância. Agindo assim, será difícil continuarmos a obter renascimentos humanos preciosos.
Além disso, precisamos ter feito preces puras para obter esse renascimento humano precioso. Mas se analisarmos, veremos que raramente fazemos orações e, mesmo quando oramos, oramos por coisas para esta vida apenas: que tenhamos boa saúde, que não fiquemos doente, que vivamos uma vida longa, etc. Novamente, isso indica como é difícil obter outro renascimento humano precioso.
É extremamente raro encontrar alguém que realmente seja voltado à espiritualidade, no sentido integral do que significa uma prática espiritual do dharma, alguém que esteja interessado em beneficiar suas vidas futuras. Se dermos uma olhada na área aqui em volta, quantas pessoas se interessam? Se contarmos, veremos que apenas umas quatorze ou quinze vieram para esses ensinamentos, de todas as pessoas que moram aqui perto.
Portanto, olhamos para o que já conseguimos e percebemos que temos um renascimento humano precioso. Ele é o resultado de muito esforço e trabalho em vidas anteriores. Se não fizermos nada, será muito difícil conseguirmos outro. Se trabalharmos bastante, iremos preparar todas as causas para continuar renascendo com um corpo humano precioso, com todas as oportunidades. Mas, se não fizermos nada, será extremamente difícil renascer com uma chance tão boa no futuro.
Além disso, podemos realizar muito mais coisas com esse corpo humano precioso, pois, com ele, podemos desenvolver uma mente totalmente clara, podemos nos desenvolver plenamente e alcançar todo o nosso potencial, tornando-nos budas iluminados. Você pode perguntar: “Bom, mas quem já conseguiu fazer isso?” Temos o exemplo do grande Milarepa, que se iluminou em uma única vida.
Não existe diferença entre a base de trabalho de Milarepa, um corpo humano, e a nossa. São exatamente a mesma base: as duas são um corpo humano. Mas Milarepa era uma pessoa que focava mais nas vidas futuras, ao invés de nesta vida; e, entre preocupar-se consigo ou com os outros, sempre priorizava trabalhar com os outros; e entre atividades mundanas e espirituais, sempre priorizava as espirituais. Priorizando assim as coisas, ele conseguiu atingir a iluminação em uma única vida.
Quando Milarepa encontrou seu professor, o tradutor Marpa, e começou a estudar e praticar, já estava com quarenta anos. Pensando nesse exemplo, veremos que todos podemos trabalhar duro. Não há desculpas. Todos podemos atingir a mesma coisa que Milarepa atingiu, todos podemos nos iluminar nesta vida. Tudo isso pode ser alcançado tendo-se como base um corpo humano precioso.
Vocês precisam pensar nisso, em abandonar ou abster-se de cometer as dez ações destrutivas, e sempre tentar agir construtivamente, cometer as dez ações construtivas. Mantenha essa moral rigorosa e aproveite ao máximo seu renascimento humano precioso. É trabalhando passo a passo, em estágios, que você conseguirá atingir a iluminação.
Mantendo em Mente a Certeza da Morte
Se essa excelente base de trabalho, que é o corpo humano, durasse muito tempo, poderíamos sentar tranquilamente; mas como esse não é o caso, precisamos trabalhar duro para aproveitá-la. Além disso, se esse corpo não estivesse sujeito à morte, não precisaríamos tomar as medidas preventivas do dharma para o futuro, não precisaríamos praticar o dharma ou poderíamos praticar só quando tivéssemos vontade. Entretanto, conforme disse, até mesmo o Buda demonstrou morrer. Se olharmos para todos os grandes mestres do passado, todos os eruditos, os panditas, os mahasidas, os mestres indianos altamente realizados, os grandes mestres do Tibete, de todas as tradições – Kagyu, Nyingma, Gelug e Sakya – houveram tantos mestres quanto estrelas no céu. No entanto, não se ouve falar de nenhum que não tenha morrido. Mesmo entre os seres comuns, houve milhares de grandes figuras históricas, reis e assim por diante, mas não houve nenhum que não tenha morrido. Se nasceu, certamente irá morrer. Nunca se ouviu falar de alguém que tenha nascido e não tenha morrido.
Precisamos considerar essas coisas, pensar nelas. Quando quiser meditar sobre alguma coisa, medite sobre isto. Você precisa gerar hábitos mentais benéficos, pensando repetidamente que nada permanece estático, tudo é impermanente, especialmente nossas vidas.
Para que serve meditar e desenvolver o hábito mental de estar sempre atento à impermanência? Se você pensar em todos os potenciais negativos que gerou e aplicar as várias forças opositoras para purificar-se de suas desastrosas consequências, você não terá medo. Quando chegar sua hora, quando for sua hora de morrer, não importa quantos bons hospitais haja, de nada adiantarão. Se você estiver na Índia e quiser voltar para o ocidente para se tratar, se quiser ir para um hospital ocidental lá, procurar um médico tibetano, nada disso importará, pois sua hora chegou, então nenhum hospital vai adiantar. Não importa quantos amigos ou parentes você tenha, mesmo se fosse um rei e tivesse uma enorme quantidade de súditos e um um enorme exército, nada disso faria diferença. Quando chegar a hora da morte, você não conseguirá levar nem uma única pessoa com você.
Se a conclusão que você chegar quando pensar nisso for: “Agora devo realmente tomar algumas medidas preventivas e praticar o dharma; pois não há nenhuma outra maneira para lidar com minha morte iminente”, isso é muito bom, significa que você fez algum progresso. Mas se você pensar em adiar as medidas preventivas até amanhã, ou até a próxima semana ou o próximo ano, você não estará adiando, pois você não sabe a hora exata em que vai morrer.
Não há como ter certeza de quando morreremos. Você pode facilmente morrer em um acidente de motocicleta na flor de sua juventude. A morte pode chegar inesperadamente a qualquer hora. Por exemplo, pessoas que estavam vivas ontem morreram hoje; pessoas que estavam vivas esta manhã morreram esta tarde. É muito fácil morrer, e não há como saber a hora exata em que morreremos.
Se você pensar que enquanto ainda é jovem e está na flor de sua juventude não precisa tomar medidas preventivas para o futuro, que você pode deixar isso para depois, estará cometendo um grande erro. Você não só pode morrer jovem como também pode enlouquecer e ser internado em uma instituição mental ou pegar alguma doença terrível e ir parar no hospital. Nessas situações, você não conseguirá praticar. Portanto, quando pensar em tomar as medidas preventivas do dharma, é preciso tomá-las imediatamente, começar já.
Se nosso corpo fosse forte com um diamante ou duro como uma pedra, seria outra coisa. Mas, pensando bem, nosso corpo é feito de carne, ossos e sangue; a parte interna de nosso corpo é como um relógio muito delicado, qualquer coisinha faz com que quebre. Pense que nossos órgãos internos, nosso coração, pulmões, fígado, veias e artérias, o sistema nervoso e assim por diante são como um delicado relógio, é muito, mas muito fácil quebrar.
Além disso, você precisa levar em consideração todas as muitas circunstâncias que podem causar nossa morte, enquanto as condições que nos mantém vivos são muito escassas. Se você ficar doente e for para o hospital, os remédios podem até lhe manter vivo, mas o processo de cura de uma doença é muito longo. Já se você pensar no que pode causar sua morte, até mesmo a comida pode lhe matar, e você acha que é para lhe manter vivo – comer uma quantidade mínima da coisa errada já é o suficiente para lhe matar. Um fazendeiro de batatas que conhecia na Índia colocou um pouco de óleo na frigideira para fritar um pedaço de pão e, enquanto o pão fritava, ele saiu de casa por um momento e caiu morto.
Pense desta maneira, pense que você pode cair morto a qualquer momento, enquanto faz qualquer coisa. Você precisa tomar a firme decisão, agora, começando a qualquer momento, de tomar as medidas preventivas do dharma, de começar a praticar. Praticar, nesse caso, significa que de agora em diante você será uma pessoa extremamente ética. Você irá parar de agir destrutivamente, você tentará ser muito construtivo e positivo em tudo o que fizer, disser ou pensar, e tentará ter um coração muito bondoso e amoroso. Praticar e tomar medidas preventivas não significa sentar em uma posição pomposa e fingir que está meditando, mas mudar o tipo de pessoa que você é, ter pensamentos bondosos e um coração amoroso.
Por exemplo, todos temos medo dos perigos de uma grande guerra, mas, se pensarmos bem, veremos que não há como saber se a próxima guerra mundial acontecerá ou não. No entanto, você não pode dizer o mesmo a respeito de sua morte. Sua morte é certa; não é uma possibilidade, não é uma especulação como: “Será que o mundo vai acabar na próxima guerra mundial, ou não”? Não há como pagar propina para o Senhor da Morte. Você vai morrer, independente de qualquer coisa. Portanto, é apenas uma questão de tomar medidas preventivas para que você morra de maneira apropriada, sem confusão, sem medo. Então, tome a firme decisão de começar imediatamente, de não perder mais tempo; você vai começar a tomar medidas preventivas e praticar o dharma neste momento.
Quando a morte chegar, você terá que deixar seu corpo para trás. Você terá que deixar para trás todas as suas posses, todo o seu dinheiro e riqueza. Você terá que deixar para trás todos os seus amigos e parentes. Mesmo se tiver centenas de milhares de dólares, não conseguirá levar nem uma nota com você. A única coisa que conseguirá levar são os potenciais positivos que gerou com suas ações construtivas e os potenciais negativas que gerou ao agir destrutivamente. Essas são as únicas coisas que levará, os potenciais que gerou. Considerando-se que o dharma, as medidas preventivas, é a forma de gerar potenciais positivos, você precisa tomar a firme decisão de devotar todo o seu tempo e energia às práticas espirituais que geram potenciais positivos, e de não perder tempo buscando meros objetivos materiais da vida mundana.
Vocês podem decidir devotar toda a sua vida a metas espirituais, mas pode ser que alguns de vocês tenham muito dinheiro, resultado de terem gerado potenciais positivos em vidas passadas. Se você é uma pessoa muito rica, pode pensar que para seguir metas espirituais, tem de jogar fora todas as suas posses e dinheiro em um rio, mas isso não é preciso. Isso não é nem adequado. O que você tem de fazer com seu dinheiro, que é resultado de potenciais positivos, de mérito que você gerou em vidas passadas, é não o desperdiçar, usá-lo adequadamente. Use-o para ajudar os pobres e necessitados, ou use-o para fazer oferendas às Três Jóias, e, principalmente, não seja avarento. Aproveite com sabedoria a riqueza e as posses que tem para aprofundar-se no caminho espiritual.
Pensando bem, sua riqueza e posses materiais não são coisas que realmente podem ajudá-lo, pelo contrário, elas podem lhe trazer muitos problemas. Por exemplo, uma vez que ganhe muito dinheiro e posses, tudo o que conseguirá será muitas preocupações e problemas que virão da quantidade de riqueza que acumulou. Considere o exemplo de Buda Shakyamuni. Ele nasceu como um príncipe, mas renunciou ao trono e à vida na realeza e devotou-se inteiramente à busca espiritual.
Apesar de Milarepa ter todas as realizações que lhe permitiam voar e ter todo tipo de poderes milagrosos, ele nunca as usou para fazer dinheiro. Ele passava o tempo todo fazendo práticas intensivas em cavernas de retiro. Como se pode ver em suas imagens, seu corpo ficou verde azulado, pois ele alimentava-se exclusivamente de sopa de urtiga. Ele não tinha sal, carne, qualquer tipo de gordura ou outras iguarias, ele fazia práticas intensivas vivendo apenas de sopa de urtiga. Para meditar e aprender sobre a morte e a impermanência, não precisamos de livros. A experiência e o entendimento sobre a morte não vêm dos textos. Olhe à sua volta. Quando passar por um cemitério, pense que é apenas uma questão de tempo até que cada um de nós vá para lá também.
Pensando assim, pode surgir um forte medo de morrer. Isso é muito positivo, pois lhe levará a tomar as medidas preventivas e praticar o dharma. Se olhar a imagem de Milarepa, verá que em uma de suas mãos ele segura uma tigela feita de crânio. Era nela que ele comia. Ele fazia isso para manter sempre em mente a morte e a impermanência. Manter em mente a morte e a impermanência, o fato de que você pode morrer a qualquer hora e de que possui um renascimento humano precioso, mas que pode perdê-lo, é muito importante, pois isso lhe levará a realmente fazer alguma coisa, a realmente praticar o dharma.
Quem, e o Que, Pode Nos Proporcionar uma Direção Segura ou Refúgio?
Se vivermos nossa vida sem nunca gerar potenciais negativos, não haverá perigo de termos um renascimento horrível. Portanto, não haverá motivos para ter medo de morrer. Mas, se durante nossa vida geramos principalmente potenciais negativos, por termos sido muito destrutivos e negativos, o que nos espera depois da morte é um renascimento em um dos estados piores, nos reinos inferiores. Quando caímos em uma situação dessas, fica extremamente difícil adquirir novamente um corpo humano precioso como o que temos agora. O renascimento em um dos estados piores não é algo muito distante de nossa realidade. Você pode simplesmente expirar e não inspirar mais; e você morreu, e lá está, nos reinos inferiores. Não é uma realidade muito distante; você está na beira do abismo.
Apesar de não conseguirmos ver ou entender os tipos de sofrimento e horrores aos quais estão sujeitas as criaturas dos infernos e os espíritos famintos, conseguimos ver todo o sofrimento, problemas e dificuldades dos animais. Isso está muito visível e evidente para nós. Vemos como seria horrível experimentar todos os problemas e dificuldades de quando se renasce como um animal. Portanto, temos que buscar algo ou alguém que nos proporcione uma direção segura, ou refúgio, para não termos esse tipo de experiência. Nada há nada além das Três Joias que possa nos mostrar uma direção segura para que não caiamos nisso; não há nada além do Buda, das medidas preventivas (o dharma que ele ensinou) e da comunidade engajada à sua volta (a sangha).
Pense nos shravakas, os ouvintes dos ensinamentos, que se livraram de suas atitudes perturbadoras ou confusões e ganharam muitos poderes extra-sensoriais, como o poder de emanação e assim por diante. Apesar de terem todos esses poderes, eles não conseguem nos livrar de nossa situação. A mãe do grande ouvinte, do altamente realizado Maudgalyayana, renasceu em um inferno embaixo de um sistema de mundos muito distante. Como ele ainda era um ser limitado com uma mente limitada, como ele não era totalmente iluminado como o Buda, seus poderes eram limitados. Apesar de ter percepção extra-sensorial, ele não conseguia ver esse sistema de mundos extremamente remoto onde sua mãe havia renascido. No entanto, o Buda, como seus poderes extra-sensoriais ilimitados conseguia.
Maudgalyayana, que não conseguia ver onde sua mãe havia renascido, perguntou ao Buda, que respondeu: “Sua mãe renasceu em um inferno embaixo daquele sistema de mundos muito distante”. Nesse inferno, ela estava dentro de uma casa que estava dentro de outra casa que, por sua vez, estava dentro de outra casa, e nenhuma dessas casas tinha portas ou janelas, e elas eram feitas de ferro quente, vermelho e flamejante. Maudgalyayana usou seus poderes para voar até lá e ver o local, mas ele não conseguiu encontrar um meio de ajudar ou libertar sua mãe. Então ele voltou e perguntou ao Buda o que fazer. O Buda apontou para seu cajado de monge e disse: “Se você voltar para lá, levar esse cajado e bater com ele no chão três vezes, você conseguirá solucionar a situação”. Então Maudgalyayana voltou, bateu três vezes com o cajado do Buda no chão e a casa onde sua mãe estava presa desmoronou. Isso mostra que um buda possui habilidades fantásticas para lidar com todas situações e ver todas as coisas. Portanto, só um buda pode nos proporcionar uma direção segura na vida, só um buda totalmente iluminado pode nos dar refúgio. Mas nós também podemos nos iluminar totalmente e nos tornarmos budas. Os budas que nos tornaremos também nos proporcionam uma direção segura a seguir.
É importante pensar sobre a morte e a impermanência e sobre a possibilidade de renascer em todas essas situações, e desenvolver um verdadeiro pavor disso acontecer. É muito importante desenvolver esse sentimento de pavor, pois é por causa dele que você irá buscar o refúgio, ou a direção segura, que lhe salvará de ter que vivenciar essas coisas horríveis. Então você irá olhar à sua volta e examinar, e descobrirá que só os budas, as medidas preventivas do dharma que eles ensinaram e a comunidade engajada da sangha possuem a habilidade e o poder de realmente proporcionar uma direção segura, um refúgio. Refletindo sobre como eles conseguem fazer isso, você desenvolve uma grande sensação de confiança, de que ao voltar-se para eles [as Três Joias], eles poderão realmente lhe proporcionar uma direção segura.
Além disso, você precisa pensar não só em si, mas que todo munda precisa de uma direção segura na vida, todos precisam de um refúgio. Nesse sentido, quando você tem tudo isso como causa, que são as causas para tomarmos uma direção segura dentro do Mahayana, ou seja, com uma mente vasta, você realmente irá direcionar sua mente totalmente na direção que as Três Joias indicam. É a isso que chamamos tomar refúgio ou tomar uma direção segura na vida.
As Qualidades e Características do Buda
As boas qualidades e características de um Buda (um ser totalmente evoluído e com uma mente completamente clara) incluem, no que diz respeito ao corpo, trinta e dois excelentes sinais e oitenta características exemplares, como, por exemplo, a grande protrusão que apresenta no topo da cabeça. Ele possui um cabelo encaracolado que cresce no meio de sua testa e que, quando puxado, estende-se por um comprimento infinito. Possui impressões de rodas nas palmas de suas mãos e solas dos pés; possui muitas características físicas extraordinárias.
No que diz respeito às boas qualidades da fala de um buda, são sessenta as características da fala iluminada. Por exemplo, não importa se você está perto ou longe do buda; quando ele fala, todos conseguem ouvir, no mesmo volume, e todos conseguem entender, todos ouvem o buda falando em sua própria língua: um buda possui a habilidade de falar todas as línguas.
No que diz respeito à mente iluminada de um buda, um buda possui onisciência, ele é capaz de saber de todo e qualquer fenômeno. Portanto, um buda consegue ver tudo com a mesma clareza que conseguimos ver um pequeno objeto na palma de nossa mão.
Todas essas qualidades do corpo, fala e mente iluminadas de um buda vêm de causas. O Buda, através de todas as histórias que descrevem as quinhentas vidas em corpos impuros e quinhentas vidas em corpos puros que teve enquanto no caminho, disse como praticou e gerou um tremendo potencial positivo nessas vidas. Por exemplo, falamos sobre a vida em que o Buda era um grande primata e que usou seu corpo como ponte para que animais pudessem atravessar um rio. Também há várias histórias em que o Buda doou diversas partes de seu corpo praticando generosidade. Ele doou sua cabeça, cortou sua garganta, doou seus olhos e assim por diante, e tudo no intuito de ajudar os seres limitados. O resultado disso tudo foi que ele desenvolveu uma mente totalmente clara e tornou-se um ser completamente iluminado.
Ele praticou a fim de beneficiar os outro, sem nenhum interesse próprio. Ele não estava praticando por apego aos amigos ou parentes ou hostilidade e raiva aos inimigos ou mesmo por indiferença a estranhos. Ele trabalhou com total generosidade, doando igualmente a todos e seguindo uma prática completa de doar e de disciplina ética. Como resultado, ele abandonou, ou livrou-se, de todos os problemas, adquiriu todas as boas qualidades e tornou-se completamente iluminado, superando todo o medo de colocar em risco sua própria vida. É esse tipo de pessoa que temos de seguir para obter uma direção segura na vida. Esse é o tipo de pessoa que pode nos dar essa direção segura.
Além disso, o Buda não só está livre de todo medo de colocar em risco sua própria vida como também possui todos os métodos para ajudar os outros seres a também livrarem-se de seus medos. Qualquer um a quem recorramos ou a quem possamos recorrer precisa ter essa característica. Certa vez, o Buda estava em uma densa floresta e viu uma pessoa em situação muito difícil, pois tinha caído de um penhasco em um lugar onde não havia ninguém que pudesse socorrê-la e nem alguma forma de escalar de volta. O Buda, que era uma fera selvagem nessa sua vida anterior, ficou profunda e amorosamente preocupado com a pessoa, então pulou no penhasco para salvá-la. Porém, esse leão não tinha a força para carregar o homem, então primeiro ele treinou seus músculos carregando pedras nas costas. Ele começou carregando pedras pequenas e depois pedras cada vez maiores, até que ganhou força e a capacidade de carregar o homem em suas costas. Portanto, ele se treinou para resgatar o homem. Ele pulou no penhasco com grande compaixão e preocupação por essa pessoa e o escalou de volta carregando-a nas costas. Após terminar o resgate, o leão disse ao homem: “não conte a ninguém sobre mim, sobre eu estar aqui na floresta”.
Aconteceu que o soberano de um reino próximo sonhou que havia um animal fantástico na selva e ordenou que os caçadores do reino capturassem a fera. Os caçadores, porém, não conseguiram capturar o leão. Então o rei colocou cartazes em todo o reino oferecendo uma grande recompensa para quem capturasse o animal. Logicamente, a pessoa que foi resgatada o tinha visto e, desejando a recompensa, contou ao rei. Então os caçadores seguiram suas instruções, mataram o leão e levaram-no para o rei. Foi assim que o Buda trabalhou durante muitas vidas, ajudando muitos seres, mesmo os que nunca lhe foram gratos.
Essas são histórias sobre o Buda antes dele se iluminar. Após ele se iluminar, ele ajudou ainda mais, independente do que os seres haviam feito para ele! Certa vez, uma família muito rica teve um filho muito feio e totalmente deformado. Quando ele cresceu um pouco, a família o levou para a floresta e abandonou. O menino ficou completamente deprimido, pois nem sua família e nem qualquer outra pessoa o queria, pois ele era feio e deformado. Apesar de ser um ser humano, todo o seu corpo era deformado e feio. Então ele ficou morando na floresta até que, um certo dia, enquanto caminhava, encontrou alguém que era ainda mais feio. O menino alegrou-se um pouco, feliz por saber que não era a criatura mais deformada do mundo. Então ele começou a intimidar essa pessoa de forma a fazer dela seu servo. Mas essa pessoa era o Buda, fazendo isso para ajudar o menino. Com o passar do tempo, o Buda foi mostrando-se de uma forma cada vez mais perfeita e instruindo o garoto a como se transformar também, até que o garoto deixou de ser feio e deformado.
Essa história nos mostra como o Buda é habilidoso em seus métodos para ajudar os outros a superar seus medos e problemas. Existem muitos exemplos e histórias que ilustram isso. O Buda ajuda a todos, independente da outra pessoa tê-lo ajudado. O Buda não ajuda só que o ajudou e ignora os que não fizeram nada por ele. O Buda não tem favoritos ou partidários, ele não tem pessoas que considera próximas e ajuda, como amigos e parentes, e outras que considera distantes e esquece. Não é assim. O Buda não tem favoritos, ele é o mesmo com todos.
Por exemplo, considere seu primo, Devadatta, que o invejava, que estava sempre competindo com ele e pretendia ser seu rival, ensinando e tendo seus próprios seguidores. Havia também um rei chamado Ajatashatru, que assassinou seu próprio pai para tomar o reino. Ambos, Ajatashatru e Devadatta, sempre planejavam juntos contra o Buda. Por exemplo, eles tentaram jogar pedras e rochedos no Buda usando catapultas e todo tipo de parafernália, assim como hoje em dia temos canhões ou coisas do gênero para jogar objetos pesados. Eles tentavam usar tudo que é método para prejudicar o Buda; mas claro, sendo um ser iluminado, o Buda não era afetado por esses métodos. O Buda trabalhou igualmente para todos, até para esses seres hostis.
O corpo de um buda é muito forte; ele consegue, por exemplo, derrubar um elefante apenas com um peteleco. Havia no reino um enorme elefante, e quando ele morreu, ninguém conseguia remover seu corpo, não havia naquela época máquinas ou veículos que conseguissem rebocá-lo. A carcaça do elefante começou a apodrecer e cheirar mal, causando várias epidemias na área. Então o Buda foi até lá e com um pequeno pontapé, jogou a carcaça para uma área remota.
Havia grandes médicos no tempo do Buda e eles o presenteavam com remédios, mas como o Buda tinha muita força física, eles ofereciam remédios muito potentes. Devadatta, que estava sempre competindo com o Buda, insistiu que esses médicos lhe dessem uma dose de remédio com a mesma potência que davam para o Buda, ele queria um remédio tão forte quanto o do Buda. Os médicos disseram a Devadatta que o Buda podia tomar doses extremamente fortes e grandes por causa de sua incrível força física, mas “você não possui, de forma alguma, a mesma força”.
Devadatta ficou muito aborrecido e continuou insistindo que poderia tomar uma dose tão forte quanto a do Buda. Como Devadatta não os ouvia, os médicos finalmente deram-lhe uma dose maior do que davam às pessoas normais. Claro, a força e o poder do remédio deixaram Devadatta à beira da morte. Ele deitou e rolou gemendo e gritando, severamente doente. Então, o Buda foi vê-lo e disse: “Meus sentimentos por você e pelo meu próprio filho Rahula não são diferentes. Você está sempre tentando me prejudicar e competir comigo, é uma peste; mas como não tenho uma atitude diferente com você da que tenho com meu filho, que você seja curado”. Então, o Buda colocou sua mão na cabeça dele e o curou. Devadatta se recuperou, olhou para o Buda e as únicas palavras que pronunciou foram: “Tire suas mãos imundas de minha cabeça”.
Portanto, vemos que o Buda não possui favoritos e dispõe-se a ajudar os outros independente do que fizeram a ele. Apenas esse tipo de pessoa, um Buda totalmente iluminado, pode nos proporcionar refúgio, uma direção segura na vida. O Buda possui todas essas incríveis qualidades do corpo, fala e mente iluminadas. Podemos conhecê-las estudando os textos. Quanto mais as conhecermos, mais confiança, fé e respeito teremos pelo Buda, como sendo alguém que pode nos proporcionar uma direção segura e um refúgio.
No que diz respeito aos diferentes Kayas, ou corpos, de um buda, já falamos do Dharmakaya, um corpo que a tudo permeia, e dos diferentes Corpos de Forma, o Sambhogakaya, que é um corpo de uso completo, e também dos Nirmanakayas, os vários tipos de corpos de emanação. Não precisamos falar disso novamente. Você pode saber e reconhecer o que é um Buda olhando alguém como Sua Santidade o Dalai Lama, por exemplo.
Além disso, é importante olhar para as diferentes formas de representar um buda, como pinturas e estátuas, com grande respeito. Até mesmo a mais minúscula estátua, do tamanho de uma unha, olhe para ela e sinta que é realmente um buda, pois quando você desenvolver os verdadeiros caminhos mentais, elas falarão com você. Existem cinco caminhos mentais. O primeiro é conhecido como o caminho do colecionar ou o caminho da acumulação, e é dividido em três partes: o pequeno, o médio e o grande caminho mental da acumulação. Quando você alcançar o estágio do grande caminho mental da acumulação, você conseguirá receber ensinamentos de todas as várias representações que você viu e reconheceu como sendo um buda; elas realmente irão falar com você. Portanto, é importante estabelecer agora esse reconhecimento de todas essas representações com sendo realmente budas. Dizem que nos beneficiamos mais reconhecendo essas várias representações como sendo um buda do que realmente vendo um buda.
As Joias do Dharma e da Sangha
No que diz respeito à Rara e Preciosa Pedra ou Joia do Dharma, as qualidades presentes no contínuo mental de um buda são dispostas como o refúgio do dharma ou a Joia do Dharma. Quando você estiver praticando, você pode olhar para os textos, que surgem a partir dessas qualidades mentais, como sendo a Joia do Dharma.
A Joia da Sangha, a comunidade engajada, refere-se, na verdade, à comunidade de aryas, de seres altamente realizados, seres que já contemplaram a realidade. Mesmo que a pessoa que tenha contemplado a realidade não conceitualmente for um chefe de família, ele ou ela ainda assim é um membro da Joia da Sangha, já que faz parte da comunidade engajada de seres aryas.
A Joia da Sangha, representada pelos seres arya, refere-se a uma comunidade de no mínimo quatro monges que trabalham juntos rumo a um objetivo positivo. Se houver apenas um ou dois monges, isso não pode ser considerado uma sangha ou uma comunidade engajada, isso é considerado apenas um ou dois monges.
O Papel Individual de Cada uma das Três Joias
Os budas são os que ensinam e demonstram a direção segura na qual devemos nos refugiar. Eles fazem isso nos ensinando, por exemplo, a abandonar as dez ações destrutivas e praticar as dez ações construtivas. A direção segura a tomarmos seria, por exemplo, o dharma de seguir a autodisciplina ética de abandonar ações destrutivas e praticar as dez ações construtivas. Isso foi o que o Buda ensinou, e o desenvolvimento da autodisciplina ética em seu contínuo mental seria a direção segura ou refúgio. A sangha, ou comunidade engajada, são os amigos que lhe ajudarão nessa busca de uma direção segura.
Há uma história sobre um filho dos deuses, Stiramati, que pode nos ajudar a entender e distinguir as Três Joias. Certa vez, no Reino Celestial dos Trinta e Três Deuses, havia um filho dos deuses chamado Stiramati, que significa “aquele que tem uma mente firme”. Nesse reino de deuses, a terra e tudo mais é absolutamente linda e deslumbrante, coberta com todo tipo de pedras preciosas. Portanto, para esse filho dos deuses, tudo a sua volta sempre foi lindo e agradável, e ele era totalmente feliz, sem nenhuma preocupação.
No entanto, no reino dos deuses, quando sua morte se aproxima, você recebe vários sinais de que vai morrer, e quando recebe esses sinais, você sofre tremendamente. Como esses sinais aparecem? Bom, por exemplo, todos os deuses usam guirlandas de flores no pescoço, que sempre estão frescas, mas sete dias antes de morrerem, essas guirlandas começam a murchar e cheirar mal. O próprio deus que vai morrer, que sempre cheirou bem, começa a cheirar mal e, a essa altura, nenhum dos deuses que sempre conviviam e jogavam com esse deus querem chegar perto dele. Entre os deuses, há alguns que são amigos um pouco mais fiéis que os outros, mas mesmo os fiéis no máximo lhe olham de longe e vão embora; é como se não tivessem nenhum tipo de relacionamento com você.
Além disso, quando você está prestes a morrer em um dos reinos dos deuses, todo o potencial positivo que tenha gerado se exaure, e você consegue ver o que lhe espera em seu próximo renascimento, o lugar onde vai cair. Essa visão que os deuses têm é similar à percepção extra-sensorial. Então, esse filho dos deuses, Stiramati, recebeu os sinais de que sua morte estava próxima e viu que iria renascer primeiro em um inferno e depois como um porco. A tormenta mental que isso lhe gerou foi inimaginável. A dor e o sofrimento físico que se experimenta nos infernos são os maiores sofrimentos físicos que se pode experimentar, mas no que diz respeito à angústia e ao sofrimento mental, ninguém sofre mais do que os deuses quando têm essas visões antes de morrer.
Stiramati simplesmente não aguentava mais, então foi ver o rei dos deuses, Indra, e disse: “Sou tão infeliz. Me angustia esse conjunto de renascimentos que me aguarda, por favor, você pode me ajudar? Você conhece algum método para eu me livrar disso?” E Indra respondeu: “Não, sinto muito, não posso lhe ajudar, não conheço nenhum método, mas lhe levarei até o Buda e você pode perguntar a ele”. Então eles foram até o Buda e este lhes disse que o deus deveria fazer as práticas de uma deidade pessoal de meditação chamada Ushnisha Vijaya, ou Namgyelma em tibetano.
Ushnisha Vijaya é uma deidade feminina. Ela possui três faces e oito braços, sua face central é branca, a da direita amarela e a da esquerda azul. No primeiro par de braços ela está segurando um vajra em cruz em uma mão e um laço na outra. Nos outros três pares de mãos, ela segura, à direita, um pequeno Buda Amitaba na primeira mão, depois uma flecha na outra e a última das mãos da direita está no mudra, ou gesto, supremo de doar. A primeira das mãos da esquerda está no gesto de ameaça ou fascínio à frente do coração e segurando um laço, e a próxima mão está segurando um arco, no supremo gesto de doar e a última mão está repousando no colo no gesto de total absorção e segurando um vaso cheio de néctar. O Buda disse a esse filho dos deuses para meditar e fazer todas as práticas ritualísticas dessa deidade pessoal feminina.
Na thangka dessa prática, à direita da deidade central tem um disco de lua onde está sentado Tchenrezig, ou Avalokiteshvara, branco e segurando um leque feito de cauda de iaque branco em sua mão direita e um lótus branco em sua mão esquerda. À esquerda da deidade central, em um disco de sol, está Vajrapani, sentado e segurando em sua mão direita um leque feito de cauda de iaque branco e em sua mão esquerda uma flor de utpala marcada com um vajra. À leste, na frente, está uma deidade irada azul chamada Achala, que está segurando um vajra. E à direita, para o sul, está Takkirakja, que também é irado e segura uma joia. Atrás, está outra deidade irada chamada Niladanda, segurando um cajado azul e ao norte, à esquerda, está a deidade irada Mahakala, segurando um tridente. Acima há dois deuses segurando vasos cravejados de pedras preciosas e cheios de néctar, que estão derramando em uma oferenda de ablução. Esse é o conjunto de nove deidades.
O filho dos deuses fez todas as práticas ritualísticas desse conjunto de deidades e conseguiu purificar todos os potenciais negativos para renascer como um porco. Além disso, ele gerou uma grande quantidade de potencial positivo e com isso conseguiu renascer no reino celestial de Tushita, que é um reino de deuses mais elevado do que o Reino Celestial dos Trinta e Três. Apesar dos deuses terem percepção extra-sensorial, que lhes permite ver qualquer reino inferior aos deles, eles não têm o poder de ver os reinos superiores. Assim, Indra, o rei dos deuses e governante do Reino Celestial dos Trinta e Três, não conseguia ver se esse filho dos deuses havia renascido em Tushita, um reino mais elevado que o seu. Então, ele pediu ao Buda que lhe dissesse onde Stiramati havia nascido. Ele precisou da ajuda do Buda e o Buda pode lhe dizer.
Como você pôde ver com esse exemplo, o Buda possui a habilidade de ensinar todos os tipos de seres para que possam evitar renascer em um inferno. Portanto, o Buda é aquele que pode nos dar uma direção segura; ele pode nos dar um refúgio para evitarmos essas situações difíceis. Aquilo que pode nos dar uma direção segura ou refúgio é, por exemplo, fazer as várias práticas dessa deidade pessoal, Ushnisha Vijaya, pois foi com isso que o filho dos deuses conseguir evitar renascer no inferno. No que diz respeito à comunidade engajada, ou sangha, ser aqueles que nos ajudam a tomar a direção segura, o exemplo aqui é Indra, que ajudou Stiramati a encontrar o Buda e aprender esses métodos.
A Prática do Refúgio
A forma como você constrói esse hábito benéfico de tomar refúgio, de tomar uma direção segura, é visualizando à sua frente, por exemplo, a imagem de um Buda e repetindo esta fórmula: “Eu tomo a direção segura dos gurus; Eu tomo a direção segura dos budas; eu toma a direção segura das medidas preventivas do dharma; eu toma a direção segura da comunidade engajada da sangha”. Repita isso três vezes. Então imagine luzes e néctar saindo do buda e purificando você e todos os seres limitados, que você visualiza estarem à sua volta. É assim que se pratica tomar essa direção.
Se você repetir “eu toma a direção segura dos gurus (mestres espirituais), ...” sete vezes, por exemplo, durante as sete repetições você imagina luzes saindo do corpo do buda e entrando no seu, preenchendo todo os seu corpo e lhe purificando, varrendo todos os potenciais negativos que você gerou com ações destrutivas do corpo. Você imagina todos esses potenciais negativos, obscurecimentos e bloqueios que possa ter deixando seu corpo na forma de carvão e fuligem líquidos, e também, por exemplo, água suja, como a água que sai quando você lava roupas muito sujas, uma água preta, realmente suja. Você também pode imaginar vários poluentes e sujeiras que estão em seu corpo, como resultado de coisas negativas que fez, saindo na forma de urina, fezes, muco e assim por diante. Finalmente, você imagina as várias doenças que possa ter e dificuldades saindo de seu corpo na forma de cobras, escorpiões, aranhas e sapos.
Quando fizer o segundo conjunto de sete repetições, você imagina novamente que luzes chegam a você e agora lhe purificam de todos os potenciais negativos, bloqueios, poluentes, doenças e assim por diante, no que diz respeito à fala. Você imagina que todas essas coisas saem de você, de baixo para cima, pelos orifícios de sua face.
No terceiro conjunto de repetições, você imagina novamente a luz chegando, mas agora ela purifica todos os potenciais negativos que você gerou no que diz respeito à mente, como pensamentos gananciosos, maliciosos e visões distorcidas. Você imagina que todos os potenciais negativos desses pensamentos destrutivos estão em seu coração na forma de um torrão bem feio, grande e preto. Então você imagina que essas luzes entram e com um lampejo brilhante vaporizam e desintegram esse torrão.
No quarto conjunto de repetições, você imagina novamente a luz entrando e, desta vez, os três processos de visualização acontecem de uma só vez, e você elimina completamente todas as máculas de corpo, fala e mente. No final da visualização, você sente como se tivesse terminado de limpar um vaso de cristal, que agora está totalmente limpo, puro e transparente. No final, você novamente imagina luzes e néctar entrando e enchendo totalmente o seu corpo e imagina que agora está cheio de bênçãos e inspirações para ter potenciais positivos, tempo de vida, sabedoria, insights, etc.
Você pode fazer isso repetindo esses conjuntos de quatro visualizações sete vezes, o que daria vinte e oito repetições; ou três vezes, que daria doze; ou cem vezes, que daria quatrocentas repetições. Independente do número de repetições que você faça, essa é a prática básica. Você pode visualizar apenas a imagem de um buda na sua frente e sentir que ele incorpora e condensa todos os aspectos da direção segura e do refúgio. Alternativamente, você pode fazer uma visualização elaborada com todos os gurus, budas, bodhisattvas, dakas, dakinis, protetores do dharma, yidams e assim por diante. Você pode fazer uma visualização com muitas imagens ou apenas uma, isso não faz diferença, faça o que for melhor para você. Você deve tomar a direção segura três vezes durante o dia e três vezes durante a noite, reafirmando assim a direção que está tomando na vida.
Oferendas e Outras Práticas
Você também deve fazer oferendas diárias aos budas. Você pode fazer isso uma maneira bem simples, pode usar sua caneca de café ou qualquer outra coisa, enchê-la de água e oferecer, ou fazer pão ou bolo, ou qualquer outro comestível. Vocês todos comem três vezes ao dia, então, antes de comer, ofereçam sua comida ou bebida. Essa é uma maneira bem simples de fazer essa prática tão generosa. É suficiente simplesmente dizer em português: “Por favor, compartilhe disso, oh gurus, por favor compartilhem disso, oh budas por favor compartilhem disso, precioso dharma por favor compartilhe disso, preciosa comunidade por favor compartilhe disso”, você faz a oferenda dessa forma. Você não precisa fazê-la em um idioma asiático exótico.
Se você tiver imagens do Buda e das Três Joias, não deve colocar nada em cima: nem roupas, nem seu rosário, nada disso, é desrespeitoso. Além disso, quando você vir pinturas do Buda, não deve criticá-las dizendo que esse Buda está com os olhos tortos, o nariz esquisito e assim por diante. Se você encontrar um defeito, pode falar, por exemplo, que o pintor não era muito bom; você pode falar isso, mas não que o Buda está com os olhos tortos ou malfeito, pois isso seria depreciar o Buda. Além disso, você não deve penhorar imagens do Buda para obter dinheiro.
Conta-se de uma pessoa que achou uma pequena estátua do Buda feita de terra e, como estava começando a chover, ficou com medo que a estátua se dissolvesse, então tirou os sapatos e os colocou sobre ela. Uma outra pessoa viu isso e achou errado colocar um sapato sobre uma estátua do Buda, e tirou o sapato de cima. Olhando para essas duas pessoas, podemos ver que as duas tinham uma intenção pura. Você tem de ter bom senso. Em geral, não se recomenda colocar o rosário em cima de um texto, mas se estiver ventando muito, é melhor colocar algo em cima para que o vento espalhe as páginas. Neste caso, a intenção e a razão são puras, então você pode por o rosário em cima do texto, apesar de normalmente isso ser proibido.
Em geral, você não se deveria usar nenhum papel impresso para alguma função que o suje. Por exemplo, usar jornal, que é impresso, para embrulhar lixo ou sapatos é um desrespeito à palavra impressa. Colocar seus livros no chão sem um pano por baixo também é desrespeitoso. Além disso, quando for virar as páginas de um livro, você não deve molhar os dedos com saliva. Se tiver que umedecer os dedos para conseguir virar as páginas, é melhor ter uma tigelinha com água ou uma esponja próxima que possa usar; mas não cuspa. E ainda, vender livros para ganhar dinheiro e coisas do gênero também é impróprio. Se tiver uma gráfica, usar o dinheiro que ganha fazendo e vendendo livros para imprimir e publicar mais livros está certo, mas usar esse dinheiro para comprar sua comida e pagar suas despesas é impróprio.
É importante pensar sobre tudo isso: sobre seu renascimento humano precioso; sobre o fato de que você pode perdê-lo, de que vai perdê-lo quando morrer; de que nenhuma situação permanecerá estática; de que certamente você morrerá e de que pode cair em qualquer um dos reinos inferiores. Use isso para se motivar a tomar uma direção segura na vida, a encontrar um refúgio
Você pode pensar, por exemplo, como seria morrer neste exato momento e renascer em um inferno quente totalmente rodeado de chamas. Ou, se você renascesse dentro de um caldeirão fervendo, o que faria? Ao pensar nessas coisas, você experimenta medo e terror e usa isso para lhe motivar, repetindo: “Que todos os gurus me mostrem uma direção segura para longe disso, que me mostrem a direção”, e assim você pratica.
O primeiro passo é pensar que você já renasceu, que já está em um dos infernos e pedir aos gurus que lhe mostrem uma direção segura para sair. Na segunda rodada, você pensa que ainda não renasceu nos infernos, mas está prestes, que você está prestes a morrer e cair nisso, então pede novamente por uma direção segura para sair. Na terceira rodada, você pensa que ainda tem um mês antes de cair no inferno e então pensa com muita força: “Oh mestre, oh, guru, mostre-me uma direção segura para eu sair disso”. Esse tipo de pensamento lhe proporciona uma forte motivação. Então você repete novamente essa fórmula de refúgio e se motiva fortemente a tomar todas as medidas preventivas. É assim que você realmente faz uma boa prática de tomar refúgio e uma direção segura na vida, dar essa direção à sua vida, que vem dos mestres, do Buda, do dharma e da sangha.
A Prática de Gerar Bodhichitta
Após fazer isso, você deve dedicar-se de todo coração a atingir o estado de iluminação. Você deve dedicar-se de todo coração aos outros e a atingir um estado iluminado a fim de ser capaz de ajudá-los. Ou seja, você deve desenvolver bodhichitta. Para praticar isso, você repete várias vezes a visualização de néctar e luz chegando em você, toma uma direção segura como refúgio e dedica todo o seu coração aos outros e a atingir a iluminação. No final, você imagina que o buda que visualizou na sua frente se dissolve em você e que você atinge a iluminação, que realmente torna-se um buda. Você se visualiza na forma do Buda Shakyamuni e imagina que emite raios de luz e assim por diante, que atingem todos os seres ao seu redor.
Anteriormente, quando você estava fazendo a prática de tomar uma direção segura, você estava fazendo isso para ajudar a todos, depois, você dedicou seu coração a se iluminar e com isso ser capaz de ajudar todos os seres. Agora, você imagina que já se iluminou, que é Buda Shakyamuni, que emite esses raios de luz e realmente ilumina a todos os demais seres e remove seus problemas. Todos eles se tornam Buda Shakyamuni, você visualiza todo mundo dessa forma. Se fizer essa prática, verá que é extremamente benéfica. Alguma pergunta?
Minha pergunta é sobre o que Rinpoche disse antes, que é devido às nossas ações virtuosas anteriores que agora estamos bem financeiramente, que temos posses, dinheiro ou o que seja, e não é adequado simplesmente jogar isso fora.
Dr. Berzin: Jogar no rio, foi isso que Rinpoche disse.
Isso. Mas aí me vem à mente o exemplo do Buda, que abandonou tudo. Ele não jogou tudo no rio, mas renunciou a tudo. Ele seguiu sua vida e nunca reivindicou nada. Isso me deixou um pouco confuso. Além disso, Dogen, o mestre Zen que levou o Soto Zen para o Japão, considerado um dos grandes mestres do Japão, usou este exemplo para explicar a mente de firme renúncia: Um rico mercador que se interessou pelo dharma pegou todas as pinturas valiosas que tinha, colocou-as em uma grande carroça e foi rolando a carroça até o oceano. Isso é mais ou menos como jogar no rio. Então alguém o passou e disse que ele estava sendo um idiota, pois muitas pessoas poderiam usar as pinturas, e o mercador disse: “Bom, eu as vejo como um fardo. Porque haveria de doá-las a alguém”? Isso foi contado como um grande exemplo de total envolvimento com o dharma.
Primeiro vamos ao exemplo do Buda que renunciou a tudo e partiu: ele não pegou toda a sua riqueza e jogou no lixo, ele a deixou para sua esposa e filhos. Isso não significa jogá-la fora, ele deixou para sustentar sua esposa e família. O exemplo que você deu, do mestre Zen, trata de outra questão. Você precisa entender que os vários ensinamentos são para mostrar coisas diferentes que são igualmente válidas. A questão que eu estava abordando é de que você não precisa jogar tudo o que possui no lixo para praticar o dharma. Isso seria um desperdício, mostraria que você não entendeu nada. Você precisa usar o que possui construtivamente, esse é o ponto que se está querendo demonstrar aqui, já o exemplo Zen está querendo demonstrar outro ponto.
No Tibete, também existem muitos lamas diferentes, com estilos diferentes de ensinar e que fazem coisas diferentes para demonstrar um ponto. Por exemplo, havia um lama que vivia no topo de uma montanha e quando alguém lhe fazia oferendas, ele as jogava montanha abaixo, do lado da montanha que não tinha ninguém. O lama viu que a pessoa que estava fazendo as oferendas tinha uma motivação impura e o que queria expor ao jogá-las fora era que de tais oferendas eram inúteis. Por outro lado, o exemplo anterior era para nós, pessoas comuns. Nós não devemos pensar que para praticar o dharma temos que pegar tudo o que temos e jogar no lixo; isso não é, de forma alguma, uma maneira adequada de agir. Mas, se como Dogen, você jogar fora algo que acha que está lhe causando problemas e dificuldades, e que só traria problemas a quem quer que ficasse com isso, então seria totalmente diferente. Se usar de sua riqueza para sustentar uma comunidade espiritual que esteja em dificuldades, para que possam comer e ter condições adequadas para praticar, esse é um bom uso. É por isso que falei antes da pessoa que tirou os sapatos e colocou em cima da estátua e da outra que o tirou de cima. As duas pessoas estavam praticando o dharma com muita pureza e sinceridade, mas tinham coisas completamente diferentes em mente.