As Melhores Qualidades de um Renascimento Humano Precioso

As Oito Boas Qualidades e Suas Causas

Ontem falamos sobre tomar refúgio, dar uma direção segura e positiva em nossa vida. Dar uma direção segura à nossa vida é uma prática muito importante, e um ponto muito importante, pois é com base nisso que conseguiremos rapidamente atingir a iluminação. Portanto, vale muito a pena esforçar-se nessa direção. No momento, temos essa excelente base de trabalho que é o corpo humano precioso, mas se tivermos um corpo com as oito boas qualidades que resultam das ações positivas, teremos a melhor de todas as oportunidades para progredir. Quais são essas oito qualidades que fazem com que a nossa prática seja mais eficiente?

  • Ter um longa vida
  • Ter uma constituição física excelente e uma boa aparência
  • Nascer em um excelente contexto social, familiar e assim por diante
  • Ser uma pessoa muito poderosa e ter muitos recursos para usar
  • Ter uma fala excelente, ou seja, ser uma pessoa que fala pouco, mas que aquilo que fala é extremamente significativo, sincero, não é grosseiro e todos acham útil e apropriado
  • Ser uma pessoa extremamente influente e que exerce uma influência positiva nos outros
  • Ser uma pessoa que possui bastante força física e muita energia
  • Ter muita energia mental e força de vontade.

Como usar essas qualidades?

  • Se você tiver uma vida longa, poderá praticar até o culminar das práticas. Você terá muito tempo para se desenvolver e beneficiar os outros.
  • Se for bonito ou bonita ou tiver uma boa aparência e boa apresentação, os outros naturalmente se sentirão atraídos por você e assim terá um grande círculo de pessoas que poderá ajudar e ensinar.
  • Vir de uma excelente família e contexto social ajuda muito, no sentido de que os outros automaticamente irão prestar mais atenção a você e ao que disser.
  • Se tiver muito poder e influência, terá recursos que poderá usar para ajudar os outros.
  • Se sua fala for muito sincera, as outras pessoas lhe ouvirão e levarão a sério o que tem a dizer.
  • Se tiver poder e uma forte influência, pode usar isso para influenciar positivamente outras pessoas.
  • Se tiver muita energia e força de vontade, poderá usá-las, por exemplo, para obter vários tipos de percepção extra-sensorial e outras realizações mais facilmente. Você poderá se aplicar mais, tanto física quanto mentalmente. 

A causa que lhe permitirá ter vida longa, a primeira causa, é parar de matar qualquer criatura viva. Você também pode salvar a vida de criaturas que estão prestes a serem devoradas, como um rato do mato que está prestes a ser capturado por um gavião, algum animal sendo caçado por outro maior ou pequenos ratinhos que um gato esteja querendo comer. Salvar a vida de seres resulta na extensão de sua vida; você terá uma vida longa. Ajudar os doentes e necessitados também é muito positivo e tem bom resultado. Tudo isso funciona como causa para se ter uma vida longa.

A causa que amadurece em uma boa aparência física, em beleza física, é fazer oferendas de lamparinas de manteiga (ou outro tipo de luz), dar roupas ou joias de presente e não ter raiva ou inveja. Tudo isso resulta em beleza.

A causa para renascer em uma boa família, com uma boa posição social, é ser respeitoso com seus professores, sejam eles mestres espirituais ou professores de assuntos mundanos, e respeitar seus pais.

A causa para ter muitos recursos, com os quais poderá ajudar os outros, é ser generoso, doar aos necessitados, doar para caridade e assim por diante. É doar quando as pessoas pedem e também quando não pedem e presenteá-las. Tudo isso resulta em ter muitos recursos para ajudar os outros.

Em uma terra muito distante, havia um casal de idosos que possuía um único pedaço de pano, que eles compartilhavam para se embrulhar. Certo dia, um pratyekabuda, um ser autorealizado, bateu na porta deles pedindo comida. Eles não tinham comida ou qualquer outra coisa que pudessem doar, mas tinham uma grande fé no pratyekabuda, então ofereceram-lhe essa única vestimenta que tinham, esse único pedaço de pano. Como o pratyekabuda era uma pessoa muito preciosa e santa, o resultado foi que imediatamente começou a chover roupas e comida e todo tipo de recursos na casa. Além disso, na próxima vida, o casal nasceu vestido de branco. 

A causa para se ter bastante influência, e poder influenciar positivamente os outros, é treinar e aprender várias habilidades diferentes, oferecer preces para ser capaz de ajudar e, adicionalmente, pode-se também fazer oferendas para as Três Joias. As oferendas não precisam ser enormes, se você não tiver recursos, mas mesmo que sejam muito pequenas, ofereça com pureza, sem avareza e pensando: “que com esta oferenda eu consiga beneficiar a todos os seres”.

Existem muitas histórias que contam as diferentes maneiras como o Buda Shakyamuni, em suas vidas anteriores, dedicou seu coração aos outros e a atingir a iluminação. Ele fez muitas oferendas, mas não ofereceu muita riqueza ou objetos. Porém, o que ofereceu foi com o coração tão puro e com um desejo tão sincero de ajudar que o resultado foi grandioso. Portanto, a oferenda pode ser um pedaço de pano branco, uma flor ou qualquer outra coisa. Conta-se que na época do Buda Dipamkara, fizeram-lhe uma oferenda simplesmente jogando algumas flores de utpala no ar. O ponto é que se você fizer a oferenda com o coração puro, o resultado será muito bom. Conta-se também de uma pessoa que ofereceu ao Buda uma tigela de areia com o desejo de que fosse uma tigela de ouro em pó. Seu coração estava tão puro e seus desejos tão sinceros que os resultados foram monumentais.

O quer que que faça, qualquer atividade positiva, como ouvir ensinamentos, por exemplo, e depois contemplá-los, pensar neles e tentar gerar hábitos mentais positivos, ou meditar ou circular um monumento, o que seja, sempre tenha em mente: “Que o potencial positivo desta ação amadureça como a habilidade para ajudar todos os seres, que amadureça como minha iluminação, para que eu consiga ajudar”. Isso é uma prece de aspiração, com a qual se aspira por alguma coisa, e também uma prece de dedicação.

Se ao fazer uma ação você pensar: “Que este potencial positivo resulte em tal coisa acontecer, em eu atingir a iluminação”, isso funcionará como os dois tipos de prece. É tanto uma prece de aspiração quanto uma prece de dedicação. Mas se você simplesmente aspirar para que algo lhe aconteça, como “Que eu obtenha um renascimento humano precioso em minhas vidas futuras” ou “Que eu atinja a iluminação”, será apenas uma prece de aspiração. Existe uma diferença entre essas duas preces. Se for uma prece de dedicação, então também é de aspiração, mas se for de aspiração, não é necessariamente de dedicação. A diferença está na aspiração. Uma prece de aspiração é simplesmente desejar que algo aconteça, já a prece de dedicação é direcionar o potencial positivo ou apenas a sua bondade, ou qualquer outra coisa, para que seus desejos se realizem.

Se você dedicar o potencial de tudo o que fizer à sua iluminação (“Que tudo seja direcionado à minha iluminação”), ele não se extinguirá até que você realmente atinja a iluminação. Quando você dedica o potencial positivo a atingir algo assim tão grandioso, ele não se extingue até que você atinja. Portanto, ele durará muito tempo. No entanto, se você não dedicar o potencial a algo grandioso como a iluminação, ele amadurecerá em uma única coisa e se extinguirá, ele terá uma vida muito curta. Ao dedicá-lo adequadamente, fará com que ele dure até você atingir a iluminação.

Por outro lado, se você não dedicar os potenciais positivos que gerar, você poderá acabar com eles quando ficar com raiva. É muito importante não ficar com raiva, pois o resultado pode ser desastroso, pode destruir todo o potencial positivo que você gerou e não dedicou. É como passar no Raio X do aeroporto com um rolo de filme fotográfico sem proteção, todas as fotos serão apagadas. Em um processo parecido, a raiva apaga todo o potencial positivo que você gerou. Uma vez que a raiva cria tantos impedimentos e obstáculos, e não lhe traz nenhuma vantagem, você deve tentar ao máximo reduzi-la. A raiva pode lhe levar a renascer em um inferno. Portanto, é extremamente importante moderar sua raiva e procurar livrar-se dela.

Voltando à lista que estávamos discutindo, as causas para ter um corpo e mente fortes é dar comida nutritiva aos outros e também realizar tarefas que as outras pessoas não conseguem nem conceber.

Você deve fazer orações para ter a melhor base de trabalho possível, um corpo humano com todas as qualidades que lhe permitirão ser mais eficiente em ajudar os outros. Quando tiver tal base de trabalho, um corpo humano com todas essas qualidades, você conseguirá seguir o caminho espiritual com mais eficácia e eficiência, e terá todas as habilidades necessárias. No entanto, se não estiver seguindo um caminho espiritual, poderá facilmente usar equivocadamente essas qualidades e elas tornarem-se causas para você gerar muitos potenciais negativos. Portanto, quando rezar para obter essas qualidades, é importante que reze para obtê-las e também para usá-las de forma benéfica para objetivos espirituais.

O nível inicial de insight, no caminho espiritual do dharma, é alcançado quando você percebe que devotar sua vida apenas às coisas desta vida, apenas para obter comida, bebida, vestimentas e assim por diante para esta vida, não faz sentido. Você percebe que trabalhar apenas para esta vida não faz sentido, então resolve: “vou trabalhar para beneficiar minhas vidas futuras”. Consequentemente, sua ênfase passa a ser trabalhar para melhorar as vidas futuras, e você direciona sua energia à sua busca espiritual para beneficiar e melhorar as vidas futuras.

Meditação

Para obter esse nível de insight, você deve meditar pensando primeiro na vida humana preciosa que possui, rica em oportunidades e com muitos momentos de folga. A seguir, medite sobre a morte e sobre o fato de que sua situação presente não permanecerá estática, que tudo isso é impermanente. A terceira coisa é tomar uma direção segura em sua vida, tomar refúgio. A quarta é pensar nas leis do carma, do comportamento e seus resultados.

Quando você medita sobre esses pontos e procura transformá-los em bons hábitos mentais, você faz isso através da meditação de discernimento, às vezes chamada de meditação analítica, e então usa a meditação de estabilização, ou fixação, com a qual se fixa em um ponto. Na primeira, na meditação analítica ou de discernimento, você pensa sobre todos esses pontos, analisa, investiga e tenta discernir as coisas à luz dessas ideias. Então, quando chegar à firme conclusão de que é assim que as coisas funcionam, você fixa sua mente nisso, e isso é chamado meditação de fixação ou estabilização. Você alterna entre as duas, tentando discernir um determinado fato com a meditação analítica e depois fixando a certeza de que esse fato é verdadeiro.

Agora farei algumas perguntas. Primeiro, como você começa a meditar, qual o ponto de partida? Qual o ponto de partida que lhe permite entrar na meditação?

Pensar que você vai meditar para beneficiar todos os seres sencientes.

Dr. Berzin: É verdade, no que diz respeito à motivação, mas Rinpoche está perguntando novamente qual o ponto de partida para chegarmos nisso? É verdade, você precisa da motivação, mas qual o ponto de partida?

Focar na respiração para acalmar a mente.

Dr. Berzin: Rinpoche está perguntando se há algo mais.

A consciência do caráter insatisfatório do ciclo de existência, isso o motiva a ir além.

Serkong Rinpoche: Isso cai novamente na categoria da motivação para meditar. Todas as três respostas que deram são respostas mais gerais, dizem respeito ao processo de meditar. A pergunta é: qual é a porta de entrada que distingue um praticante do dharma de outro que não está realmente praticando o dharma, entre um budista e um não budista? A pergunta diz respeito ao ponto de demarcação que define a meditação.

 [Pausa]

Dr. Berzin: Se você está meditando na vacuidade, o que – provavelmente o termo “porta de entrada” não está corretamente traduzido. Eu não estou entendendo o que exatamente está sendo perguntado. A comunicação não está muito boa.

Você quer dizer a base para a meditação?

Dr. Berzin: É mais “qual é a porta de entrada para começar a meditar”, é mais isso que está sendo perguntado. Rinpoche estava explicando que quando você esta começando a aprender a escrever, por exemplo, por onde você começa? Qual a primeira coisa que faz? A questão é mais essa. Qual a primeira coisa que faz para começar? Quando começa a escrever, a primeira coisa que aprende é o alfabeto.  Da mesma forma, quando você começa a meditar, a primeira coisa que faz é verificar sua motivação. Isso é mais geral do que as respostas específicas que estavam dando. Você verifica qual é a sua motivação e então, se sua motivação for boa, você faz o que disseram, você foca na respiração. Para acalmar a mente quando ela estiver muito hostil, por exemplo, você usa técnicas de respiração.

Portanto, depois que tiver varrido o quarto, limpado o local de meditação e sentado em uma postura correta, você começa a meditação verificando qual é a sua motivação para estar sentado ali. A primeira coisa que você faz é verificar. Você não começa sentando e fechando os olhos. Primeiro você verifica qual é sua motivação para estar fazendo isso. Rinpoche lhes contará uma bela história sobre estabelecer a motivação para meditar. 

Serkong Rinpoche: No Tibete, havia um notório bandido cujo nome era Bengungyel. Ele tinha uma fazenda com quarenta acres, com a qual tentava viver, mas não conseguia. Então ele também era um bandido, ele saia roubando e também pescando e caçando. Certa vez, ele estava em um caminho na montanha e um viajante se aproximou à cavalo e perguntou: “Você já viu ou ouviu falar desse bandido Bengungyel por aqui?” E o bandido rugiu: “Eu sou Bengungyel!” O viajante ficou com tanto medo que caiu do cavalo e rolou montanha abaixo. Bengungyel ficou muito perturbado por esse homem ter caído do cavalo só por ter ouvido o som de seu nome e decidiu que isso não estava certo, que ele ser um bandido e ter feito tudo o que fez não estava certo. Então ele admitiu sinceramente todos os seus erros, arrependeu-se de suas ações e tomou a decisão de tentar corrigir-se, de praticar o dharma e viver uma vida honesta a partir daquele momento.

Para isso, vigiava de perto todos as ações ou pensamentos construtivos e destrutivos que tinha durante o dia e mantinha um registro. Para cada coisa destrutiva que pensava ou fazia, ele fazia uma marca preta, e para cada coisa construtiva ou positiva, uma marca branca. No começo, fazia muitas marcas pretas e quase nenhuma branca, mas a medida que meditava e desenvolvia hábitos benéficos as marcas pretas iam diminuindo e as marcas brancas aumentando.  Até que ele percebeu que tinha muitas marcas brancas todos os dias. Então ele assumiu o nome espiritual ou religioso de “O Que Venceu com Autodisciplina Ética”.

Ele continuou mantendo o registro e se no final do dia visse que havia mais marcas pretas, ele sacudia a mão esquerda severamente com sua mão direita dizendo: “Bengungyel, você é ruim mesmo! Você tenta praticar o dharma mas faz tudo errado” e o repreendia severamente. Se tivesse mais marcas brancas, cumprimentava a mão direita com a esquerda e se felicitava: “Isso mesmo, você está indo muito bem, está realmente sendo aquele vence com autodisciplina ética”, se elogiava e encorajava.

Mais tarde, ele ficou muito famoso, e era conhecido como o bom mentor ou geshe Bengungyel, aquele que venceu com autodisciplina ética, e muitas pessoas iam visitá-lo e oferecer-lhe suporte financeiro. Certo dia, uma de suas benfeitoras o convidou para jantar em sua casa. Enquanto jantavam, ela saiu por um momento e Bengungyel observou que havia uma grande cesta com folhas de chá. Por conta de seus instintos, por ter sido um ladrão, ele enfiou a mão na cesta e tentou roubar algumas folhas. No entanto, quando percebeu o que estava fazendo, pegou sua mão e gritou: “Senhora, venha rápido, eu peguei um ladrão”!

Em uma outra ocasião, outro benfeitor mandou-lhe uma mensagem dizendo que estava indo visitá-lo. Então, Bengungyel acordou bem cedo e limpou imaculadamente sua cabana, colocando lindas oferendas no altar, fazendo lamparinas de manteiga e acendendo incensos muito aromáticos. Depois, sentou-se para meditar e começou a examinar sua motivação para o que havia feito. Ele percebeu que preparou tudo aquilo só para impressionar o benfeitor, para que ele lhe desse mais coisas. Percebeu que sua motivação era horrível. Então levantou-se, foi até a lareira, onde tinha um recipiente cheio de cinzas, como é de costume no Tibete, pegou as cinzas e as espalhou pela casa, bagunçando tudo.

Isso ilustra bem o ponto de que se deve começar toda meditação verificando a motivação para o que se está fazendo. Quando você faz essa análise e percebe muita hostilidade, raiva, desejo e assim por diante, quando percebe que está com muitas perturbações mentais, você faz os exercícios respiratórios. Por exemplo, você pode expirar lentamente e depois inspirar lentamente e contar “um”, e repetir isso vinte e uma vezes. Com esse processo você acalma a sua mente. Você verá que qualquer coisa que esteja lhe perturbando vai desaparecer temporariamente.

Mais tarde, quando Bengungyel já tinha muitos benfeitores e recebia ajuda de todo mundo, ele disse: “Antes, quando eu era um bandido, eu tinha quarenta acres de terra, roubava à noite, pescava e caçava e minha boca ainda assim não conseguia ter comida suficiente. Agora que me tornei um praticante espiritual, mesmo quando não preciso, as pessoas me dão coisas. Antes, a minha boca não encontrava comida suficiente, agora é a comida que não encontra boca suficiente para colocar tudo para isso dentro de mim”.

Ao examinar sua motivação, se perceber que ela não é boa e seu estado mental também não é bom, você deve procurar assentar-se, praticando os exercícios respiratórios. Depois, você vai para o corpo principal da prática, que pode ser, por exemplo, desenvolver hábitos mentais benéficos pensando sobre o renascimento humano precioso que possui, mas pode ser qualquer outro tópico que queira trabalhar. No entanto, se verificar que sua é boa, não precisa fazer as técnicas de respiração primeiro, você pode ir direto ao ponto principal.

A postura de meditação a qual me referi é a postura de Vairochana de sete ou oito pontos. O oitavo ponto, que pode ou não ser incluído, refere-se à respiração. Há uma metáfora para entendermos como a contagem das respirações pode enganar suas atitudes perturbadoras fazendo com que se acalmem momentaneamente. A metáfora é: se esta sala estivesse lotada e uma pessoa quisesse vir amanhã, não teria lugar para ela. Se ela chegasse e dissesse para alguém: “me dá um lugar, eu quero sentar”, não adiantaria de nada, ela não conseguiria um lugar. Mas se ela chegasse e inventasse uma história, se dissesse: “Olha, tem uma coisa muito interessante acontecendo lá fora, porque não se levanta e vai ver”? Então a pessoa se levantaria e ela pegaria seu lugar. A pessoa que queria sentar-se teria conspirado para ficar com o lugar da outra. É assim que a respiração engana suas atitudes perturbadoras para que elas se retirem por um tempo.

A Questão das Vidas Passadas e Futuras

Dr. Berzin: Pedi a Rinpoche que respondesse à pergunta sobre vidas passadas e futuras que você fez ontem à noite. A pergunta era: Se você ainda se questiona sobre a existência de vidas passadas e futuras enquanto faz a prática, será que você pode considerar essa prática dharma, no sentido formal? Rinpoche disse que se você considera o dharma com sendo medidas preventivas para evitar cair em renascimentos inferiores no futuro, mas você não pensa em beneficiar as vidas futuras, então suas ações não estarão direcionadas para prevenir renascimentos inferiores, pois você não está pensando nisso. Mas isso não nega o fato de que está gerando potenciais positivos. É benéfico, pois há vários níveis de medidas preventivas em termos do uso geral do termo como tradução da palavra dharma.

Por exemplo, digamos que você vá ao médico para tomar uma vacina ao algo assim. Isso é uma medida preventiva para evitar que fique doente, e é para esta vida. Quando você toma uma medida preventiva nesta vida e o resultado é nesta vida, ela também é uma medida preventiva. Mas se você estiver falando formalmente dos caminhos mentais descritos no lam-rim, nos caminhos graduais da mente de alguém, com os níveis e escopos iniciais, intermediários e avançados de se trabalhar, o que acabei de descrever vem antes do escopo inicial. Você só chega ao primeiro passo da descrição dos caminhos quando você realmente pensa em beneficiar vidas futuras.

Como ocidentais, é aí que começamos, no passo anterior a esse. Se a fronteira do que os tibetanos descrevem como caminho espiritual verdadeiro estiver em realmente trabalhar para beneficiar vidas futuras, será necessário sabermos sobre vidas futuras e aceitar e crer em sua existência a fim de alcançarmos esse estágio.

Serkong Rinpoche: Agora, todos sabemos que temos um corpo e uma mente. Pilares, vigas e essas coisas não possuem uma mente, uma consciência que todos consigamos compreender.  Se fossemos simplesmente um corpo físico, sem as diversas formas de estarmos conscientes – ou seja, sem uma mente – se tudo fosse apenas físico, não seríamos diferentes de um cadáver, um pilar ou uma viga.

Qual o seu nome?

Thubten.

Quando você diz Thubten, o que vemos é o seu corpo, não conseguimos ver a sua mente, a sua forma de estar consciente. Mas quando você fala em termos de sua atividade mental, há a atividade mental de ontem, de hoje e também de amanhã. Nunca há um momento em que a mente ou a atividade mental seja inexistente, ela é um contínuo. Quando começar a pensar assim, tente perceber que apesar do corpo ter um fim, de tornar-se inexistente, o mesmo não acontece com a mente.

A forma de se convencer das leis do comportamento e seu resultado – de que ações positivas ou construtivas geram potenciais positivos e resultam em felicidade – conforme discutimos outro dia, é com base na autoridade das escrituras. É muito difícil ver isso com os próprios olhos, ser capaz de provar a si mesmo que causas e efeitos funcionam assim. Nesse caso, você tem que aceitar a palavra do Buda.

Agora, se você não consegue ver isso com seus olhos, se precisa aceitar a palavra do Buda, como, então, aceitar a palavra do Buda? O que faz do Buda uma autoridade válida para essas coisas, para falar que a felicidade resulta de fazer coisas positivas e que o contínuo mental segue em vidas futuras? A maneira de aceitar confortavelmente e validamente a palavra do Buda é pensando em outras coisas que ele falou. Nomeadamente, o Buda falou sobre a vacuidade, ou realidade, e também sobre métodos para atingir-se shamata, que é um estado mental quieto e assentado. Se você pegar o que o Buda falou e praticar conforme ele ensinou, verá que é tudo verdade. Você poderá verificar por si mesmo, através de sua própria experiência, verificar que o que ele disse sobre a realidade é verdade. Você poderá ver que o que ele falou sobre atingir um estado mental quieto e assentado é verdade, porque você atingirá esse estado. Assim, você poderá aceitar a palavra do Buda no que diz respeito às vidas futuras.

Você pode considerar o exemplo de gêmeos ou trigêmeos idênticos. Eles podem ser fisicamente idênticos, mas um será mais esperto que o outro, um aprenderá as coisas mais rapidamente. O motivo disso está em suas vidas passadas. Um deles treinou a mente muito bem em vidas passadas e teve o instinto para ser inteligente, enquanto o outro não, por isso possui agora uma mente mais lenta.  De qualquer forma, mesmo que você não consiga provar que a mente vem de vidas passadas e que vidas passadas e futuras existem, você também não consegue provar que não existem. No entanto, se conseguir obter a mente calma e quieta de shamata, com concentração unifocada perfeita, você irá adquirir vários tipos de percepção extra-sensorial e, com isso, conseguirá ver suas vidas passadas. Você pode não conseguir ver muitas vidas, mas poderá ver algumas. O mesmo se aplica a vidas futuras, você conseguirá saber onde nascerá. Seguindo os métodos, é realmente possível ver por si mesmo a existência de vidas passadas e futuras.

Posso fazer uma pergunta?

Sim.

Que tipo de detalhe daria para ver?

Naturalmente, o nível de memória de vidas passadas, assim como desta vida, pode variar [de um indivíduo para o outro]. Algumas pessoas lembram de cada refeição que fizeram nesta vida, outras provavelmente não lembram de nenhuma refeição que fizeram a mais tempo, não lembram do que comeram e nem do fizeram, quanto mais do que fizeram em algum dia de uma vida passada. Depende do indivíduo. Alguns conseguem ver com mais detalhes e outros com menos. Você consegue lembrar-se de cada refeição que fez há 8 anos, dia a dia?

Talvez há quatro anos e meio.

Você se lembra de cada refeição que fez há quatro anos e meio?

De janeiro a março, mas só o almoço.

Mas não se lembra do que comeu no mês anterior a janeiro?

Não.

Então, o mesmo acontece com vidas passadas. É muito raro alguém lembrar-se de detalhes. Mas mesmo entre pessoas comuns há aquelas que se lembram de vidas passadas.

Provar através da lógica a existência de vidas futuras e passadas é muito difícil. O grande pensador e mestre Dharmakirti, que viveu na Índia antiga, também teve muita dificuldade para provar isso a um rei usando de lógica. O que ele fez foi achar alguém que estava morrendo e colocar uma pérola em sua boca. Alguns meses depois, uma criança nasceu com uma pérola na boca. Assim, ele demonstrou em um nível bem físico a existência do renascimento. Podemos considerar também Sua Santidade o Dalai Lama, que é a décima quarta encarnação na linhagem dos Dalai Lamas; e também o Panchen Lama, que já é mais do que o décimo em sua linhagem. Apesar desses grandes lamas terem trocado de corpo em todas essas encarnações, seu contínuo mental permanece sem interrupções. Não é a mesma coisa que encontrar um oficial para repor um outro que já está velho. Quando se procura uma reencarnação, não se está procurando apenas uma reposição, mas sim a continuidade daquele contínuo mental. Depois que o décimo terceiro Dalai Lama morreu e eles começaram a procurar sinais para encontrar o décimo quarto, muitas coisas incríveis aconteceram. Há um lago que era sagrado para Palden Lhamo e nele apareceram imagens da casa e do lugar onde o décimo quarto Dalai Lama iria nascer, além de letras indicando o nome da região.

Quando você pensa nessas coisas, começa a assimilar mais a ideia de vidas passadas e futuras. Quando você aceitar isso, verá que fazer mais ações positivas para beneficiar vidas futuras se tornará algo muito importante para você. Se a mente fosse simplesmente um aparelho mecânico ou algo físico que você pudesse instalar em máquinas, você poderia fazer um computador e depois instalar uma mente, e o computador se transformaria em um ser vivo. Então você poderia fazer cães, gatos, insetos e vários outros tipos seres a partir de máquinas e colocar consciência em absolutamente tudo. A conclusão absurda a que podemos chegar com isso é que se a mente fosse puramente física você poderia colocar uma mente em absolutamente todas as coisas do mundo e tudo a sua volta seria vivo e, consequentemente, capaz de crescer. O que poderia acontecer também seria você colocar uma mente nas máquinas e [um dia] todas as máquinas quebrarem, então a vida seria extinta. Seriamos como os dinossauros, desapareceríamos se fossemos algo puramente mecânico, pois se as máquinas quebrassem, a vida acabaria. Ambas as possibilidades são ridículas.

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