Hoje me pediram para eu falar sobre a sangha. Este é um assunto muito importante em termos de nosso direcionamento seguro, nosso refúgio, e também em termos de todos os outros aspectos de nossa prática. Eu gostaria de abordar os tópicos em termos de três aspectos:
- A Jóia da Sangha
- As Três Jóias do Refúgio
- A sangha monástica, a comunidade monástica.
Para terminar, eu gostaria de falar sobre o uso ocidental da palavra “sangha”. Embora este não seja um uso tradicional, tornou-se nossa convenção no Ocidente usar a palavra “sangha” para referir-se à comunidade de pessoas que vão para nosso centro do Dharma ou estudam com o mesmo professor.
Definindo a Sangha e a Jóia da Sangha
A palavra “sangha” é uma palavra em sânscrito que significa, literalmente, uma comunidade que se reúne e convive. Neste sentido, às vezes eu uso o termo “rede social”, pois todas essas variadas pessoas ou coisas que se reúnem interagem e formam um conjunto. Em um nível, isso pode ser referir a um grupo de pessoas que vive, funciona e trabalha junto como uma comunidade. Em outro nível, pode referir-se à comunidade de purificações e realizações em um contínuo 1 mental que também existem juntas, interagindo e trabalhando juntas. Mais precisamente, neste segundo nível, sangha refere-se às verdadeiras cessações dos verdadeiros sofrimentos e de suas verdadeiras causas, juntamente com os verdadeiros caminhos que levam à realização dessas verdadeiras cessações no contínuo mental de um arya. O arya pode ser ou nós mesmos ou outra pessoa. Essas verdadeiras cessações e esses verdadeiros caminhos também constituem a sangha, uma comunidade que convive, em outras palavras, que existe e funciona em conjunto.
Ao invés de traduzir o termo “sangha”, os chineses transliteraram-no usando a palavra “seng-jia” (僧伽), ou simplesmente “seng” (僧), que às vezes soa como Sangha. Este é o termo clássico que eles usam para um membro da comunidade monástica: um monge, uma pessoa da sangha; também pode significar uma sangha em um sentido mais elevado. Também preferimos usar esta mesma palavra “sangha” ao invés de traduzi-la.
Os tibetanos não simplesmente utilizaram a palavra “sangha” como nós fazemos ou como faziam os chineses. Eles a traduziram com a palavra “gendun” (dge-‘dun), que significa “aquelas pessoas ou coisas que têm o propósito de realizar um objetivo construtivo.” Gen é “construtivo” e dun é “propósito de”. O objetivo construtivo é ou a liberação ou a iluminação. Então, podemos ter uma comunidade de pessoas que têm a intenção de, ou têm o propósito de, alcançar a liberação ou a iluminação, ou podemos também ter purificações e realizações em um contínuo mental e elas, em certo sentido, têm o propósito ou a intenção de realizar um objetivo – no caso, também se trata da liberação ou da iluminação.
Eu sempre penso que é útil olhar para as palavras primeiro, para ter uma ideia do que elas significam. Quando olhamos, por exemplo, para a palavra que geralmente é traduzida como “refúgio”, a palavra em sânscrito é sharanam, o que significa proteção. A expressão “tomar refúgio” quer dizer buscar proteção. Isto implica que se trata de um processo ativo, estamos realmente fazendo algo, não se trata apenas de sentar e receber proteção. Por isso, eu chamo isso de “ir em uma direção segura”: trata-se de tomar um direcionamento seguro em nossas vidas, ir rumo a ele em nossas vidas, e fazer isso para ganhar proteção do sofrimento. Também podemos receber proteção dos outros no sentido de que eles podem nos oferecer um modelo de como podemos nos proteger. Um buda é um modelo: queremos nos tornar como ele, e se alcançarmos esse objetivo, então realmente estaremos protegidos do medo e do sofrimento. Em outras palavras, se realmente colocarmos o Dharma e os ensinamentos do Buda em prática para que nós mesmos nos tornemos budas, nós nos protegeremos do sofrimento.
Qual o papel da Sangha nisso? Geralmente, dizem que a Sangha nos ajuda a ir nesta direção. Temos que examinar isso para ver o que isso realmente significa. Poderia significar muitas coisas.
Quando tomamos refúgio, não o fazemos na Sangha em geral; mas na Jóia da Sangha. A Sangha e a Jóia da Sangha são diferentes. Para ir na direção segura da Jóia da Sangha, obviamente temos que saber de que se trata. Este é o perigo de chamar uma comunidade de pessoas no centro do Dharma de “Sangha”, pois se não soubermos com clareza o que é a Jóia da Sangha, poderemos pensar que isto se refere às pessoas do nosso centro de Dharma. Então, se a comunidade nos desapontar, ou agir de forma imprópria, podemos perder nosso refúgio pensando: “isso não é nada confiável.”
O mesmo pode acontecer se pensarmos que a Jóia da Sangha se refere apenas a monges e monjas, pois pode haver monges e monjas que são bastante perturbados emocionalmente e nós talvez pensemos: “como posso tomar refúgio neles?”. Então, a Jóia da Sangha tampouco refere-se a eles. Por isso, para realmente tomar uma direção segura, é muito importante identificar corretamente o que a “Jóia da Sangha” realmente quer dizer.
Há pessoas no ocidente que pensam: “se a Jóia da Sangha apenas se refere aos monásticos, podemos parar com isso. Não precisamos de monges e monjas. Podemos ter um budismo moderno sem eles.” No entanto, os monásticos não são absolutamente aquilo ao que se refere a Jóia da Sangha. As pessoas talvez pensem que a tradição monástica é algo antigo ou medieval e que é desnecessário na sociedade moderna. “Não precisamos do refúgio na sangha.” Este é um grande erro, porque neste contexto, a Jóia da Sangha não foi identificada corretamente.
O que é a Jóia da Sangha? Vamos olhar o que a tradição Theravada, a tradição Mahayana e, a seguir, a tibetana e a zen têm a dizer sobre isso. Isso nos ajudará a ter uma perspectiva mais ampla. Eu penso que também é muito útil, para abrir as nossas mentes e não ficar apenas dentro da caixa estreita da nossa tradição do budismo tibetano, olhar para outras perspectivas dentro do budismo. Desta forma, também podemos ver o que todas as tradições budistas compartilham e têm em comum.
A Sangha nas Diferentes Tradições Budistas
A Sangha na Tradição Theravada
Na tradição Theravada, a Jóia da Sangha é especificada a partir da perspectiva dos ensinamentos. Assim sendo, ela se refere a qualquer pessoa que alcançou qualquer um dos quatro estágios de realização espiritual começando pelo nível arya. Um “arya” é alguém que teve a cognição não conceitual das quatro nobres verdades. Na Theravada, os quatro estágios que começam com a cognição são chamadas: “quem entra no rio”, “quem retorna uma vez mais”, “quem não retorna nunca mais” e “arhat”. Quando ouvirmos esses termos na Theravada, não devemos pensar, “Ah, quem entra no rio, este é apenas um iniciante. Qualquer um pode chegar lá.” No entanto, este realmente é um nível de arya. Do ponto de vista Theravada, a Jóia da Sangha se refere à Sangha do Arya. Eles são chamados de uma “Jóia”, do ponto de vista daquilo que eles alcançaram, sua realização e a cognição não-conceitual das quatro nobres verdades e, em particular, de que não há nada como um impossível tipo de “eu” (anatta). A pessoa pode ser ou um monástico ou um leigo.
Pode-se também falar da Sangha, como está especificado na tradição Vinaya, como sendo as regras da disciplina. A partir desta perspectiva, isso se refere a uma comunidade de monges ou monjas plenamente ordenados, que têm que estar presentes em certos rituais onde um quorum 2 de membros monásticos é necessário para manter os rituais. Por exemplo, na ordenação plena dos monges, é necessário certo número de monges plenamente ordenados que estejam presentes; e para a ordenação plena de monjas são necessárias ou todas as monjas plenamente ordenadas ou ambos, monjas e monges, plenamente ordenados. Esses monges e monjas plenamente ordenados que são especificados de acordo com seus votos são a Sangha, mas eles não necessariamente são a Jóia da Sangha. Eles são aquilo que é chamado de “Sangha convencional”, não a Jóia da Sangha. É óbvio que alguns monásticos também podem ser aryas, então eles seriam ambas as coisas, a sangha convencional e a Jóia da Sangha.
A afirmação de que há uma distinção entre a Sangha e a Jóia da Sangha, que encontramos aqui na tradição Theravada, é comum a todas as outras formas de budismo. Os termos técnicos usados podem variar, mas há uma diferenciação geral que sempre está presente.
Sangha na Tradição Mahayana
O que a tradição indiana Mahayana, seguida pelos tibetanos, diz a este respeito? Qual foi a primeira visão tradicional na Índia que os tibetanos encontraram?
No budismo Mahayana indiano, um dos grandes mestres, ou, como deveríamos dizer, (uma das grandes) fontes dos ensinamentos, é Maitreya. Ele é o próximo Buda universal que virá após Shakyamuni. Um grande mestre indiano chamado Asanga teve várias visões de Maitreya, e escreveu os ensinamentos recebidos dele naquilo que são chamados os “Cinco Textos de Maitreya”. Estes textos são estudados de forma muito central, não apenas no budismo indiano, mas também pelos tibetanos. Quando olhamos para as definições das Três Jóias, nós nos referimos a esses textos de Maitreya. Em três destes textos, as Três Jóias são definidas de forma ligeiramente diferente, embora elas não sejam contraditórias. Os tibetanos, que são muito bons em juntar coisas que parecem ser superficialmente contraditórias, realmente seguem todos eles. Esses textos definem duas posições: dois deles assumem uma posição, e um assume a outra.
Achamos uma posição em um texto cujo nome em sânscrito é Abhisamayalamkara, e em tibetano é mNgon-rtogs rgyan. Quer dizer “Filigrana” ou “Ornamento das Realizações”. Este é o maior tratado que todos os tibetanos estudam por cinco anos como parte do treinamento para se tornar um kenpo ou um geshe. Este é um texto muito complicado que é, basicamente, a chave para a compreensão de todos os Sutras Prajnaparamita; e ele organiza esta imensa literatura do Prajnaparamita em categorias e tópicos compreensíveis. Os Sutras Prajnaparamita são enormes, e há muitas versões deles; uma delas tem cem mil versos, e assim por diante. Não é fácil realmente estudá-los e entender o significado com clareza, então este texto nos ajuda a fazer isso.
De acordo com o Abhisamayalamkara, cada uma das Três Jóias tem dois níveis: o nível aparente e convencional e o nível mais profundo ou absoluto. O nível aparente e convencional oculta o mais profundo.
Há outro texto de Maitreya chamado Uttaratantra, em tibetano rGyud bla-ma, o que significa “Contínuo Eterno e Derradeiro”. Este texto é sobre a natureza búdica e também é completamente central para os estudos budistas feitos pelos tibetanos. O Uttaratantra dá as plenas definições das Três Jóias. O único ponto no qual ele discorda do Abhisamayalamkara é que as definições que este dá para a Jóia do Dharma se referem apenas ao nível mais profundo da Jóia do Dharma e não ao nível aparente da Jóia do Dharma. Além desta diferença, ambos os textos afirmam a mesma posição. O primeiro texto dá os dois níveis das Três Jóias; o segundo texto define a Jóia do Dharma em termos de apenas um desses níveis, o mais profundo deles. No entanto, aqui o nosso tópico é a Jóia da Sangha, e neste caso as definições oferecidas pelo Uttaratantra se aplicam a ambas Jóias da Sangha, a convencional e a mais profunda. Vamos olhar para a explicação de todas as três Jóias.
A Jóia do Buda, em seu nível aparente, são os Corpos de Forma de um Buda, Rupakaya (um Corpus de Formas). É aquilo que você vê. Há dois tipos de Corpos de Forma: Sambhogakaya (Corpos ou um Corpus de Pleno Uso) and Nirmanakaya (Corpos de Emanação ou um Corpus de Emanação), que são as formas sutis e densas com as quais um Buda se manifesta. O nível mais profundo que este corpus de formas iluminadas oculta é um Dharmakaya de um Buda, um Corpo ou Corpus que a Tudo Engloba. Um Dharmakaya tem dois aspectos. Um deles é chamado de Jnana Dharmakaya, às vezes chamado de “Dharmakaya de Sabedoria” ou “Dharmakaya de Profunda Consciência”, um Corpus de Profunda Consciência que a Tudo Engloba. Isso se refere às mentes do verdadeiro caminho (os verdadeiros caminhos) no contínuo mental de um Buda, a Quarta Nobre Verdade. O outro aspecto do Dharmakaya é chamado de Svabhavakaya, um “Corpo de Natureza” ou Corpus de Natureza Essencial, e isso se refere às verdadeiras cessações no contínuo mental de um Buda, então trata-se da Terceira Nobre Verdade. Portanto, Dharmakaya refere-se às Terceira e Quarta Nobres Verdades no contínuo mental de um Buda. Esta é a Jóia do Buda mais profunda.
O que é a Jóia do Dharma? O nível aparente da Jóia do Dharma é representado pelas doze categorias de ensinamentos dadas pela fala esclarecedora do Buda. Isto é, as palavras que o Buda de fato ensinou. É aquilo que nós escutamos ou vemos por escrito. A Jóia do Dharma mais profunda é aquilo que está subjacente: as realizações que o Buda ensinou. Isso se refere novamente às Terceira e Quarta Nobres Verdades: as verdadeiras cessações e os verdadeiros caminhos. As verdadeiras cessações são a total erradicação das duas primeiras Verdades Nobres de um contínuo mental: o verdadeiro sofrimento e suas verdadeiras causas. Os verdadeiros caminhos são ou a consciência profunda que elimina as duas primeiras Verdades Nobres, ou a consciência resultante no contínuo mental de um Buda, que é livre de ambas. A Quarta Verdade Nobre no contínuo mental de um Buda não tem que trabalhar para erradicar as duas primeiras Verdades Nobres, pois ela já está livre destas. Em suma, quando falamos sobre a Jóia do Dharma mais profunda, estamos falando sobre as Terceira e Quarta Verdades Nobres que estão no contínuo mental de qualquer um que seja desde um arya até um Buda. Quando falamos sobre os verdadeiros caminhos ou o contínuo mental de um arya, isto se refere à consciência profunda que erradicará as duas primeiras Verdades Nobres. Quando falamos sobre os verdadeiros caminhos no contínuo mental de um Buda, trata-se da consciência profunda que é livre destas.
A Jóia da Sangha aparente é a pessoa individual de qualquer arya, seja ele leigo ou monástico. Portanto, não se trata do grupo ou da comunidade desses aryas individuais como um todo, mas de cada membro da comunidade. Isto é aquilo que podemos ver. O que está por trás disso? A mais profunda Jóia da Sangha, que é, novamente, as Terceira e Quarta Verdades Nobres no contínuo mental de um arya. Observem que os Budas estão incluídos aqui como o nível mais alto de um arya.
Do ponto de vista desta tradição de Maitreya, o nível mais profundo das Três Jóias é, basicamente, representado pelas mesmas: Terceira e Quarta Verdades Nobres.
- O nível mais profundo de uma Jóia do Buda é representado pelas Terceira e Quarta verdades Nobres de um Buda.
- O nível mais profundo de uma Jóia do Dharma é representado pelas Terceira e Quarta Verdades Nobres desde o nível de um arya até um Buda.
- A mais profunda Jóia da Sangha é, novamente, representada pelas Terceira e Quarta Verdades Nobre desde um arya até um Buda.
Então, em qual dos níveis das Terceira e Quarta Verdades Nobres podemos encontrar todas as Três Jóias? Somente no nível de um Buda. É apenas neste nível que temos as Três Jóias convergentes em uma pessoa, ou seja, um Buda. Os tibetanos aplicam este ponto quando falam sobre todas as Três Jóias presentes em uma pessoa, ou seja, no Guru, que é um Buda. Esta é a base para aquela afirmação. Então, é daqui que os tibetanos tiram isso, e é especialmente proeminente no tantra.
A outra tradição de Maitreya deriva de outro de seus seis textos chamados Mahayanasutralamkara, “Um Filigrana de Sutras Mahayana” ou “Ornamento dos Sutras Mahayana”. Esta tradição fala sobre a Jóia da Sangha apenas em termos da pessoa individual de um arya. Ela não fala sobre as Terceira e Quarta Verdades Nobres. Quando os tibetanos falam em termos de sutra, eles seguem esta segunda tradição. Nela, os Arya Budas não são incluídos como Jóia da Sangha, apenas aryas de menos realização que os budas. O ponto de vista do tantra, no qual os gurus são considerados personificações das Três Jóias, está de acordo com a primeira tradição de Maitreya na qual os Arya Budas são incluídos como sendo a Jóia da Sangha.
Cada uma das Três Jóias tem uma representação, que é chamada “Jóia nominal”, mas elas não são reais fornecedoras de um direcionamento seguro. Em outras palavras: para a maioria de nós os verdadeiros Buda, Dharma e Sangha não são algo que podemos encontrar, mas podemos encontrar aquilo que os representa. A Jóia Nominal do Buda seriam as representações do Buda, como pinturas e estátuas. Quando oferecemos prostrações para uma estátua ou uma pintura, não se trata da real Jóia do Buda; elas apenas a representam. Estamos oferecendo uma prostração para aquilo que a pintura ou estátua representa. Não tomamos refúgio na estátua; não somos idólatras no budismo.
Igualmente, a Jóia nominal do Dharma seriam os textos impressos do Dharma representando tanto as palavras quanto as realizações delas. Da mesma forma, não tomamos refúgio em livros, não é? Igualmente, aquilo que representa a Jóia da Sangha é um grupo de quatro monges ou monjas plenamente ordenados. Nós não realmente tomamos refúgio na comunidade monástica, que apenas é a Jóia Nominal da Sangha, o que a tradição Theravada chama de “Sangha convencional”.
A presença da Sangha é suficiente para perpetuar a Sangha?
Não, não por definição. O número de monges plenamente ordenados necessários para dar uma plena ordenação monástica difere em várias tradições, mas nem mesmo monges plenamente ordenados são suficientes. Para dar a ordenação, eles precisam ter sido monges por dez anos, mas novamente há variantes nas tradições no que diz respeito a quantos anos eles necessitam para ter sido ordenados. Para dar a plena ordenação de monjas há muitas tradições que se referem a quantos monges plenamente ordenados, ou monges e monjas plenamente ordenados, são necessários, e por quantos anos eles precisam ter tido a plena ordenação de seus votos.
Sangha na Tradição Tibetana
Isso é o que descobrimos na tradição Mahayana indiana, então é interessante olhar o que temos na tradição tibetana. No “Ornamento Precioso da Liberação”, Gampopa fala sobre objetos comuns e especiais de refúgio. Os comuns são aqueles que são comuns a ambas tradições Hinayana e Mahayana. Os especiais são exclusivos à Mahayana.
No que diz respeito à Jóia da Sangha comum, Gampopa diz que há dois: seres comuns e aryas.
- A sangha composta por seres comuns refere-se a um grupo de quatro ou mais monges ou monjas plenamente ordenados que ainda não alcançaram o estágio de um arya. Gampopa apenas menciona monges plenamente ordenados, já que a linhagem de monjas plenamente ordenadas não foi transmitida ao Tibete. No entanto, o termo “monge plenamente ordenado” (dge-slong, Skt. bhikshu) também pode ser usado como um termo geral que cobre ambos, monges e monjas.
- A Sangha Arya refere-se a qualquer um dos oito indivíduos dos quatro pares. Isto é igual ao que a Theravada afirma como sendo a Jóia da Sangha. Os quatro pares, ou os quatro grupos, são “quem entra no rio”, “quem retorna uma vez mais”, “quem não retorna nunca mais” e “arhat”. Cada um deles está dividido em dois: “quem entra”, que se refere àquele que está começando a ter a realização deste nível, e o “resultante”, aquele que alcançou o nível. Gampopa não indica se esses aryas precisam ter a plena ordenação de monge ou monja.
A Jóia Especial da Sangha, afirmada exclusivamente pela Mahayana e não compartilhada com as escolas Hinayana, também tem dois aspectos, diferenciados em termos de como ela está especificada.
- Quando especificada em termos de objetos que estão à nossa frente, a Jóia Especial da Sangha refere-se à sangha do bodhisattva. Presumivelmente, isso inclui monges e monjas plenamente ordenados que ou já sejam, ou ainda não são aryas.
- Quando especificada em termos de suas realizações, a Jóia Especial da Sangha refere-se aos bodhisattva aryas – aqueles com qualquer um dos dez níveis da mente do bodhisattva (sa-bcu).
O que diz a Nyingma? Em um texto escrito por um grande mestre antigo da Nyingma, Longchenpa, chamado “Gentilmente Propenso a nos Aliviar”, a Jóia da Sangha é representada pelos shravakas e budas pratyeka, novamente, nas quatro etapas, “quem entra no rio”, “quem retorna mais uma vez”, “quem não retorna nunca mais” e “arhat”, como também os bodhisattva aryas. Mas aqui eles adicionam aqueles conhecidos como “Detentores do Mantra” e “Portadores da Consciência Pura” (rig-‘dzin em tibetano). Basicamente, esses são aryas que seguiram o caminho dzogchen do tantra. A Nyingma adiciona um aspecto do tantra à especificação da Sangha.
E a Sakya? Seu texto básico é chamado de “O Belo Ornamento das Três Visões”, escrito por Ngorchen Konchog Lhundrub. Esses são os caminhos básicos em etapas do lam-rim das quatro tradições. Neste texto, ele diz que a Jóia da Sangha é a comunidade arya, sem entrar em todas as diferentes divisões como fazem a Nyingma ou a Kagyu. É interessante que, quando ele fala sobre a Sangha dos seres comuns, que é a Jóia Nominal da Sangha, ele diz, “Aqueles que entraram no Dharma antes de nós” Isso se refere a monges que receberam a ordenação antes de nós. Em outras palavras, não os jovens monges. Na comunidade monástica, você se senta de acordo com a data quando recebeu a sua ordenação, portanto, seriam todos aqueles sentados à sua frente na assembléia, mas não aqueles sentados atrás de você. Eu acho bem interessante que esta seja a definição da Sakya.
Na tradição Gelug, o que diz Tsongkapa no Lam-rim chenmo, “As Etapas Graduais do Caminho”? Precisamente, Tsongkapa não identifica as Três Jóias como temos feito. Ele discute a diferença em termos de suas atividades, qualidades, e assim por diante, mas fica muito claro em sua apresentação que ele encara isso exatamente como Gampopa. Ele diz que a Sangha Arya é a Sangha principal, a Jóia da Sangha. Pabongka diz o mesmo em seu texto “Liberação na Palma de sua Mão”, mas ele diz especificamente que a Sangha monástica é apenas a Jóia nominal, não a Jóia em si.
É interessante ver aqui que o consenso geral é que a Sangha Arya é a verdadeira Jóia da Sangha, o que está de acordo com a Theravada. No entanto, enquanto a Theravada apenas fala sobre os aryas Hinayana, os shravakas e budas pratyeka, na Mahayana, seguida pelos tibetanos, nós adicionamos os arya bodhisattvas, e na tradição Nyingma eles fazem uma menção especial aos aryas praticantes tântricos. Lembre-se que arya inclui um buda; arya é qualquer um que tenha uma cognição não conceitual da vacuidade, e um buda também a tem. Então, a Sangha convencional, ou a Jóia Nominal da Sangha, que não é onde nós realmente tomamos refúgio, é a comunidade monástica. Isto é especificado ligeiramente diferente, mas é basicamente o mesmo.
Na Tradição Tântrica o Guru Incorpora as Três Jóias
Para olhar para a tradição tântrica tibetana no que diz respeito ao guru que incorpora as Três Jóias, podemos nos referir à primeira tradição de Maitreya, particularmente, a rGyud bla-ma, o “ Contínuo Mais Além.” Gampopa fala disso detalhadamente no “Ornamento Precioso” no qual ele diz que há uma diferença entre um fornecedor absoluto e provisional de um direcionamento seguro.
Do ponto de vista de verdadeiros caminhos e verdadeiras cessações, antes de alcançar o estado de um Buda, onde você começa a alcançá-los? Apenas quando você se torna um arya. Por exemplo, imagine que você tem um desses rádios antiquados ou televisores com pequenos tubos dentro, presos a uma placa. Você quer convertê-lo em uma placa-mãe de um computador. Aqui você tem o entendimento incorreto representado por velhos tubos. O que você deve fazer é tirá-los e colocar novos chips: esses novos tubos são a cognição não conceitual da vacuidade. Quando você tira um, isto é sua verdadeira cessação; é uma ausência daquele tubo, é a vacuidade. Esta é a verdadeira cessação, a Terceira Verdade Nobre. Então, você coloca um novo tubo, e isto é a Quarta Verdade Nobre. O novo tubo é a coisa que tira o velho tubo, e que o substitui. De um lado, o novo tubo é a coisa que remove o velho tubo, então é como o caminho que funciona para se livrar do velho tubo, e, de outro lado, também é o resultado, a Quarta Nobre Verdade. É ambas as coisas, o caminho e o resultado.
Você começa a fazer isso quando é um arya, o que ocorre quando você se livra de alguns tubos e os substitui com novos tubos. Então você tem um pouco de ausência dos velhos tubos e um pouco de presença dos novos tubos; um pouco de Terceiras Verdades Nobres e um pouco de Quartas Verdades Nobres. Isso significa que esses aryas que não são Budas são apenas fornecedores provisionais do direcionamento seguro; eles não têm o conjunto completo da Terceira e Quarta Verdades Nobres. Um Buda tem total ausência de todos os velhos tubos e presença de todos os novos tubos. Portanto, apenas um Buda é fornecedor absoluto do direcionamento seguro, pois apenas um Buda tem um conjunto completo da Terceira e Quarta Verdades Nobres. Quando falamos sobre a Jóia da Sangha, precisamos focar na Jóia Absoluta da Sangha. A Jóia Absoluta da Sangha é apenas representada pelos Budas. A Sangha dos Aryas antes do estado búdico são apenas fornecedores provisionais, eles apenas podem nos ajudar a nos elevar até seu próprio estágio – e não além deste.
Isso leva à percepção do guru como sendo todas as três, por ser um Buda. No budismo tibetano sempre tomamos refúgio no guru. Por que o guru? Porque o guru incorpora todas as Três Jóias, incluindo a Sangha. Como ele inclui a Sangha? Porque o Buda, sendo a Sangha dos Aryas, é um membro da Sangha. O Buda é todas as três do ponto de vista das Terceira e Quarta Verdades Nobres no fluxo mental de um Buda; então, tudo está incorporado em um. Por isso, temos o guru e tomamos refúgio no guru.
É interessante que na tradição Theravada eles não falam da Quarta Jóia nem tomam refúgio no guru. Eles falam sobre tomar refúgio no seu próprio karma, pois desenvolver um karma positivo é aquilo que lhe trará proteção do verdadeiro sofrimento e suas causas. Novamente, isso confirma que o refúgio é um processo ativo.
Provedores Causais e Resultantes de um Direcionamento Seguro
Outro ponto diferente da Theravada tem a ver com o refúgio ou o direcionamento seguro a partir da perspectiva dos provedores causais e resultantes. Quando tomamos um direcionamento seguro causal, estamos tomando refúgio no Buda, no Dharma e na Sangha como seres externos, pois eles fornecem um direcionamento que age como uma causa para a nossa própria realização das Três Jóias. Nós vamos nos tornar as Três Jóias. Como você se torna as Três Jóias em termos de tornar-se um Buda? Um Buda incorpora as Três Jóias. Trata-se de uma “causa” que tomamos, em termos de um Buda, um Dharma e uma Sangha externos. Isto se chama “a mera tomada de um direcionamento seguro” A tomada especial de um direcionamento seguro é “a tomada resultante de um direcionamento seguro”. Isso se refere à Jóia Tríplice que alcançaremos no futuro, baseada em nossas naturezas búdicas. Isso é o que nos fornece um direcionamento seguro; as futuras Três Jóias que nós nos tornaremos é o objeto que nos fornece o direcionamento seguro. Assim, quando fazemos prostrações, por exemplo, estamos fazendo prostrações em termos de tomar refúgio, de um direcionamento seguro. Estamos mostrando respeito, não apenas às Três Jóias Causais, as externas, mas também à nossa futura realização, quando nos tornarmos as Três Jóias.
Podemos pensar: “O que significa a Sangha dos Aryas, a Jóia da Sangha, em termos daquilo que eu alcançarei?” Pode ser o estado de arya que eu alcançarei, que seria provisional; ou pode referir-se ao nível absoluto, o estado búdico que eu realizarei. Quando temos bodhicitta, trata-se de uma mente que intenciona, ou está focada em, nosso futuro despertar. Não se trata do despertar em geral, não é o despertar do Buda, é o nosso próprio despertar que existirá em algum lugar no futuro de nosso contínuo mental. Ainda não aconteceu. Este é o provedor derradeiro de um direcionamento seguro que intencionamos alcançar. Isso tudo se encaixa muito bem.
É claro que o Buda incorpora as Três Jóias, mas por que também o guru?
O guru representa o Buda. Isto entra no tema de ver o guru como um Buda. Este é um tema muito vasto e precisaríamos de todo um fim de semana para discuti-lo, então não falaremos sobre isso. Basicamente, quando a pessoa vê o guru como um Buda, ela está vendo a natureza búdica no guru em termos de plena realização. Da mesma forma, quando tomamos um direcionamento seguro e resultante em nós mesmos, estamos intencionando nossa própria realização futura das Três Jóias. Para sermos capazes de enxergar isso em nós mesmos, precisamos ver isso no guru. Ver isso no guru nos ajuda a vê-lo em nós mesmos. Quando o vemos em nós mesmos, isso não significa que estamos literalmente despertos. O mesmo se aplica a ver o guru como um Buda, isso não quer dizer que o guru é onisciente e sabe, por exemplo, o número de telefone de todo mundo no universo, não é mesmo? Não é isso.
Qual a Diferença entre as Três Jóias?
Cada uma das Três Jóias refere-se à fonte de refúgio mais alta, às Terceira e Quarta Verdades Nobres no fluxo mental de um Buda. Qual a diferença entre essas três?
Antes falamos sobre o aspecto mais profundo da fonte mais alta (do refugio), ou sobre o provedor absoluto de um direcionamento seguro; em outras palavras, do aspecto mais profundo da Jóia do Buda – ou os Budas externos ou aqueles que nós mesmos alcançaremos. Depois, vimos que as Jóias do Buda, do Dharma e da Sangha – em termos de fontes de um direcionamento seguro – todas se referem à Terceira e à Quarta Verdades Nobres no contínuo mental de uma pessoa. Qual a diferença entre essas três? É olhar para essas verdadeiras cessações e verdadeiras realizações de diferentes pontos de vista.
Do ponto de vista da Jóia do Buda, elas são fontes de inspiração, o que geralmente é traduzido como “bênçãos”. Recebemos inspiração dessas verdadeiras cessações e dos verdadeiros caminhos. A Jóia do Buda nos inspira a nos tornarmos assim, quer vejamos isso em um Buda externo, ou em nossa futura realização disso.
Do ponto de vista do Dharma, elas são fontes de realizações reais, “siddhis” em sânscrito. Se pudermos atingir essas verdadeiras cessações e verdadeiros caminhos, então esta é a fonte de nossa iluminação.
Do ponto de vista da Sangha, elas trazem a influência iluminada, às vezes chamada de conduta búdica. Em termos de Budas externos, as verdadeiras cessações e os verdadeiros caminhos no contínuo mental de um Buda possibilitam que este Buda tenha uma influência iluminada para com todos. Quando nós atingirmos este estágio, então as verdadeiras cessações e os verdadeiros caminhos no nosso contínuo mental serão a fonte para influenciar outros de uma forma positiva.
Como nos relacionamos com isso em relação à Sangha? Quando focamos na Sangha, estamos focando principalmente na sua influência, sua atividade, no que ela faz. Quando olhamos para uma comunidade monástica ou uma comunidade em um centro do Dharma, é útil considerar este aspecto principal: Como ela funciona? O que ela faz? Como ela nos influencia? Como ela influencia outros? Este é o ponto principal que podemos aprender com esta apresentação. Há muito mais que pode ser dito em termos da apresentação do tantra, mas não temos tempo para isso.
Sangha na Tradição Zen
Antes de continuarmos nossa discussão sobre a comunidade monástica e os centros do Dharma, vamos olhar para aquilo que diz a tradição Zen.
Dogen, o fundador japonês da tradição Soto Zen, escreveu com muita clareza sobre as Três Jóias. De acordo com Dogen, a Jóia da Sangha tem dois níveis. Um deles é o nível daquilo que ele chama os “Budas Celestiais”, o que se refere aos grandes bodhisattvas como Manjushri, Avalokiteshvara, Kshitigarbha. Também temos isso na tradição tibetana onde, na árvore do refúgio, formada no sentido do tantra, você tem Manjushri e todos os outros grandes bodhisattvas em volta da figura central do Buda, representando a Sangha. Isto também existe na tradição Zen.
O outro aspecto da Jóia da Sangha são os quatro estágios dos aryas. Aqui isso se refere aos aryas shravakas, aryas pratyekabudas, aryas bodhisattvas, e aos aryas Budas, o que é consistente com tudo aquilo que discutimos antes.
Dogen fala sobre três aspectos das Três Jóias: as “Três Jóias de Corpo-Único”, as “Três Jóias Manifestadas” e as “Três Jóias Mantidas”. A “Jóia da Sangha de Corpo-Único é a paz e harmonia de todos os fatores do despertar. Em um nível mais abstrato, pode ser a interconexão pacífica e harmonia em tudo. Podemos ver nisso a ideia de uma comunidade e uma rede na qual tudo funciona em harmonia. Eu penso que é muito importante em uma comunidade de monásticos ou um centro do Dharma que todos trabalhem juntos interconectados de forma harmônica, sem deixar ninguém de fora.
A “Jóia da Sangha Manifestada” é o aprendizado e a prática através dos quais atingimos o nível de arya. Isto é semelhante àquilo que discutimos mais cedo sobre a influência iluminada, a função, a atividade da Jóia da Sangha. Qual a função principal da Sangha dentro de nosso centro do Dharma? É ser capaz de estudar, praticar, meditar juntos para atingir o objetivo de realizar as verdadeiras cessações e os verdadeiros caminhos.
A “Jóia Mantida da Sangha” refere-se às formas como a Sangha persiste: como ela se mantém, como continua, e como ela prossegue aliviando todo sofrimento e sendo livre do samsara. O que significa isso, o que a comunidade está fazendo? Obviamente, estamos praticando e meditando juntos para atingir o nível arya e as Terceira e Quarta Verdades Nobres. Como mantemos a comunidade para que ela persista sempre? Mantemos a comunidade tentando ajudar não apenas nós mesmos, mas também os outros aliviando o sofrimento e nos tornando livres do samsara, o que significa fazer isso de uma forma não-samsárica. Em outras palavras, não estamos ajudando a nós mesmos e aos outros para fazer dinheiro ou nos tornarmos famosos ou competir com outros centros do Dharma. Não o estamos fazendo por razões samsáricas; estamos fazendo tudo isso com uma motivação iluminadora e pura. Se tiverem isso, o centro perdurará. Se vocês estiverem ajudando outros e a vocês mesmos apenas por razões mundanas, para competir ou se tornarem famosos, as coisas não perdurarão. Outras pessoas destruirão ou tentarão destruir vocês. Isto realmente é importante porque a maioria dos centros do Dharma têm problemas financeiros e os responsáveis estão sempre preocupados em pagar as contas ou atrair mais alunos, e (estes centros) acabam se tornando um negócio. Então, é claro, eles têm que competir com outros negócios. Isso sempre levará a mais e mais preocupações e problemas. Isso tira a sua atenção da prática do Dharma, de estudar, praticar e meditar juntos, o que é a principal função da sangha. É verdade que se vocês quiserem manter o centro do Dharma vocês têm que pensar sobre fatores econômicos. Mas a principal coisa não é apenas meditar, estudar e praticar juntos, mas também tentar ajudar outros com uma motivação pura e não-samsárica. Vocês ensinam outros para poder ajudá-los, não apenas para atrair uma grande audiência e fazer dinheiro.
Esta apresentação Zen Soto é muito relevante sobre como manter um centro do Dharma para que todos possam trabalhar de forma harmoniosa e interconectada. Ao fazer isso, nós nos movemos em direção ao objetivo de alcançar a Jóia da Sangha, e nos tornar aryas. Embora tomemos a comunidade monástica como modelo, isso não significa que todos nós temos que nos tornar monges e monjas, mas que tomamos o ideal da comunidade monástica da forma que o Buda a imaginou. Obviamente, muitas comunidades monásticas podem ser de orientação bastante samsárica, mas não as tomamos como exemplos. Tomamos um exemplo mais puro como modelo, como ideal, pois a nossa fonte derradeira de direcionamento são os Budas. Qualquer um antes de ser um Buda ainda tem limitações; antes do estado de arhat haverão dificuldades samsáricas. É importante se lembrar que eles são apenas fontes provisionais de um direcionamento seguro, e que é o Buda que tomamos como fonte absoluta de direcionamento. Isto é muito importante, pois é fácil ficar desencorajado quando vemos monásticos ou até mesmo seres altamente realizados fazendo erros. A menos que eles sejam Budas, eles não são a fonte absoluta de direcionamento, a fonte absoluta de refúgio. Eles ainda têm limitações, então o que vocês esperam?
Não tomem tudo aquilo que discutimos mais cedo apenas como informações intelectuais e fatos. O importante é aplicar isso, ver o que isso nos diz em termos de como viver de acordo com o Dharma. Esses são pontos importantes.
Perguntas
Quais são as indicações que o centro do Dharma está funcionando de forma samsárica?
Algumas indicações de que se está caindo da armadilha desta abordagem equivocada é quando a atividade principal e o foco do centro do Dharma se torna levantar dinheiro e fazer campanhas para ter mais alunos. Ou se você compra um grande imóvel e passa o tempo todo trabalhando para mantê-lo, e tem pouco ou nenhum tempo para praticar, meditar e estudar juntos. Seu foco principal se volta para as coisas mundanas. Neste caso, eu penso que há certo perigo nisso. Eu vi isso em centros do Dharma que eu visitei ao redor do mundo. Os membros apenas estão ali para construir e trabalhar: trabalhar na loja, no restaurante, ou consertar a casa. Então, o foco do Dharma se perde, ele fica apenas teórico. “Ah, sim, estamos fazendo isso para beneficiar a todos os seres sencientes.” Eu estou falando sobre o foco principal, (porque) obviamente você precisa de voluntários, e você tem que fazer isso ou aquilo, pagar o aluguel e assim por diante, mas não deve perder o foco principal. O foco principal é praticar e estudar juntos e tentar beneficiar a outros. Quando o novo centro de Dharma ou a grande estátua nova é mais importante do que se juntar para praticar, então você está com problemas. É claro que, se você precisa de um lugar maior, então é natural e necessário arrecadar dinheiro para a restauração, etc, mas não perca o foco. Há muitos exemplos de centros do Dharma que perderam o foco e nos quais as pessoas não agem absolutamente de forma harmoniosa. Ao invés de ser uma fonte de alegria e paz, o centro do Dharma se torna uma fonte de ansiedade, tensão e brigas. Então você perdeu o caminho.
Se um centro do Dharma não é uma fonte de quietude, mas de desarmonia; não uma fonte de harmonia, mas as pessoas se reunem mais para ter um contato social do que pelo Dharma, e os líderes não somente aceitaram como também inspiraram isso, isso é algo errado, ou pode ser justificável em algumas situações?
Eu acho que é importante para um grupo ser capaz de compartilhar muitas coisas, inclusive ter momentos relaxados juntos. Coisas tipo fazer piqueniques, comer juntos, etc, são bem úteis para criar uma espécie de visão de comunidade. Mas, novamente: qual o seu foco? Será que o seu foco está principalmente nisso ou está em estudar, praticar, meditar juntos e ajudar os outros? Eu penso que socializar um pouco é útil, enquanto isso não for o foco principal. Será que isso é um clube ou um lugar para praticar, aprender e meditar? Eu acho que é um grande equívoco ter um centro do Dharma no qual todo mundo está super-sério e ninguém fala com ninguém; você apenas entra e medita olhando para uma parede, e então todo mundo vai embora sem falar uns com os outros. Isto também não é ideal.
E se este for o único lugar que você conhece? O que você deveria fazer quando tem frequentado lugares como esse por muito tempo e não conhece outros lugares, ou quando as pessoas não lhe dizem que há outros lugares?
Busque na Internet. Trata-se de um processo ativo; não apenas espere que as coisas venham a você.
Às vezes esses grupos são muito fechados e você não pode nem mesmo ler seus sites.
Vá a outro lugar. Busque. Quando não estiver disponível onde você está e se isso for muito importante para você, vá a outro lugar. Não adianta reclamar. Se aquilo que está disponível nas proximidades não for satisfatório para você: ou você tenta criar algo que seja satisfatório, ou você vai a outro lugar onde as coisas são melhores, se isso for muito importante na sua vida. Se for apenas um hobby, então é diferente.
A Sangha Monástica
Depois que o Buda deu seu primeiro ensinamento, um grupo de monges celibatários começou se segui-lo aonde quer que ele fosse ensinar. No início, eles automaticamente se tornavam monges nessas circunstâncias muito especiais, e seguiam o Buda. Mais ou menos vinte anos após a sua iluminação, o Buda começou o primeiro retiro da estação das chuvas. Este foi o início do estabelecimento de monastérios. Antes disso, eles simplesmente viajavam a pé. Um pouco antes do Buda morrer, ele começou a tradição das monjas. Os vários votos monásticos foram desenvolvidos com o tempo. Não foi o Buda que sentou e disse: “Essas são as regras.” À medida que a comunidade tinha cada vez mais experiência, quando surgiam problemas, como (por exemplo) problemas que ocorriam durante a mendicância por comida e outros do gênero, então o Buda dizia: “Ah, há a necessidade de um voto para evitar este tipo de problema.” E ele proferia várias regras de disciplina para que as coisas na comunidade pudessem funcionar de forma harmoniosa. Assim foram desenvolvidos os votos. O Buda disse que a existência da sangha monástica era a chave para assegurar que seus ensinamentos perdurassem. Isso é muito importante! O próprio Buda disse que é essencial que haja uma tradição monástica. Os monges e monjas se devotam plenamente à manutenção dos ensinamentos completos do Buda.
Os ensinamentos do Buda cabem em três cestos conhecidos como “Tripitaka.” O primeiro cesto, os sutras, inclui (ensinamentos tais) como desenvolver vários tipos de concentração, incluindo concentrações avançadas. Estes são chamadas de “o treinamento em concentração mais elevada”. O segundo cesto, o Abhidharma, ou “os tópicos do conhecimento”, lida com o treinamento na sabedoria mais elevada da consciência discriminatória. Como leigos, nós talvez sejamos capazes de “segurar” esses dois cestos, mas não o terceiro: o Vinaya, as “regras da disciplina monástica”. Monges e monjas mantêm esses preceitos somados aos dois primeiros. Embora nós, como leigos, não mantenhamos todas as disciplinas, podemos ajudar a sustentá-las dando suporte aos monges e monjas.
Por que alguém se torna monge ou monja? Não é apenas o desejo de manter todos os ensinamentos do Buda, que são muito bacanas. A razão primária para ser ordenado é desenvolver a disciplina ética, a autodisciplina. Para sermos capazes de desenvolver disciplina precisamos de votos (monásticos) e do suporte da comunidade. É muito difícil desenvolver esta disciplina sozinhos, se tivermos uma família, um trabalho e assim por diante. Por isso, as pessoas são ordenadas para desenvolver a disciplina ética com o auxílio dos votos e o suporte da comunidade leiga. Esta disciplina ética se torna a base para desenvolver uma concentração mais elevada e uma sabedoria mais elevada. Além disso, tornar-se um monástico e renunciar à vida leiga nos ajuda a desenvolver a renúncia completa.
Quando você renuncia à vida leiga, você renuncia a ter uma família e outras coisas mundanas. Este é o primeiro passo para desenvolver uma renúncia plena de todo o samsara para ganhar liberação. Você renuncia à sua aparência, como você usa seu cabelo ou sua roupa: você sempre se vestirá da mesma forma, sempre terá uma cabeça raspada. Você renuncia a tentar atrair um parceiro, e assim por diante, Esta é uma boa base para desenvolver a plena renúncia necessária para obter liberação.
Eu não estou dizendo que ter uma família e trabalhar duro é errado, são ações neutras, nem boas nem ruins. A questão é que elas têm a tendência de criar uma situação na qual temos mais preocupações, mais desejos e mais raiva. Por isso, nós renunciamos. Tornar-se um monástico é, na verdade, um passo rumo a colocar nosso pleno foco no aprendizado e na meditação, na prática para alcançar liberação e o despertar. Embora possamos fazer isso como leigos com família, seria muito difícil dar-nos suporte a nós mesmos para isso. Talvez ainda tenhamos que trabalhar mesmo que não tenhamos uma família; e isto tira o tempo do estudo e da prática. Ao entrar em um monastério, ganhamos o suporte da comunidade leiga.
Uma das principais responsabilidades do leigo budista é dar suporte e alimentar a comunidade monástica. A comunidade monástica merece respeito e suporte. Não se trata de pessoas preguiçosas que apenas querem comer de graça e não trabalhar. Em um dos mais antigos sutras mahayanas, o Sutra Vimalakirti Nirdesa, há uma discussão sobre bodhisattvas leigos, e sobre a possibilidade de ser um bodhisattva e alcançar o despertar como leigo. Vimalakirti é o nome do bodhisattva chefe de família. Uma grande parte deste sutra caçoa dos arhats monásticos. Eu penso que este sutra aponta para o fato de que problemas podem surgir se um monástico se torna arrogante e isolado demais para ajudar pessoas.
A vida monástica sempre é vista como ideal. No começo do século quatorze, um rei tailandês chamado Luthai entrou na ordem monástica por três meses e depois saiu. Ele começou o costume tailandês de que homens tinham a opção de se tornar monges por curtos períodos de tempo, ao invés de ser ordenados por toda uma vida, como era antes. No século dezenove, os birmaneses também adotaram este costume. Por conseguinte, nesses países todos os homens – pois a tradição de monjas foi quebrada nesses países, como no Tibete – são ordenados como adolescentes por certo período, que geralmente dura três meses. Se você pensar sobre isso, trata-se de uma alternativa melhor do que ir para o exército por um tempo. Isso também ajudou a unir os vilarejos e as comunidades, pois todas as mães alimentavam os monges quando eles mendigavam, já que seus filhos também seriam monges um dia. Então, isso fortalece o costume que a comunidade monástica é alimentada e sustentada por todo o vilarejo. Todos os homens terão alguma experiência da vida monástica, então se tornam muito compreensivos, e podem entender que isto não é algo tão distante deles. É claro que alguns deles permanecem monges pelo resto de suas vidas, não apenas três meses.
Nos vilarejos tailandeses e birmaneses, os monges também organizam escolas para as crianças locais. Isso era antigamente, e eu não sei como é atualmente com as escolas do governo, mas tradicionalmente era isso que eles faziam. Os monges não apenas meditavam e estudavam, mas também estavam envolvidos em alguma espécie de serviço social. Novamente, não eram todos, dependia daquilo que a pessoa quisesse fazer. Nas comunidades monásticas chinesas também. Monges e monjas estão engajados em atividades de assistência social. Agora na Tailândia, por exemplo, os monastérios e os monges são principalmente quem toma conta daqueles que estão morrendo de AIDS quando mais ninguém quer tomar conta deles; há um grande problema de AIDS na Tailândia. Os tibetanos têm sido bastante negligentes neste aspecto do serviço social, isto é algo que Sua Santidade o Dalai Lama reconhece e pensa que tem que ser corrigido. Eu penso que no Tibete muito disso pode ser explicado em termos da situação geográfica. Os monastérios eram muito isolados e não era possível deixar o monastério e andar até o vilarejo para coletar alimentos com suas tigelas de mendicância. Então os leigos vinham até os monastérios e faziam oferendas. Eu penso que por isso há mais distância.
Eu acho que é muito importante ter a oportunidade de uma alternativa monástica ao invés de ir para o exército ou fazer um trabalho social comum. Se houver oportunidades para que as pessoas sejam monges ou monjas, e devotem suas vidas inteiras à prática do Dharma, ajudando aos outros, e forem sustentadas pela comunidade budista, então os ensinamentos perdurarão. Isto foi o que o Buda disse. É claro que isto se apoia em disciplina ética, prática e meditação no grupo, não apenas fazer trabalho de assistência social e ir a festas e arrecadar dinheiro do governo para isso. Portanto, é muito importante para o ocidente tentar dar suporte a monges e monjas. Na realidade, ser um monge ou monja requer um monastério; sempre é necessária uma comunidade. A intenção nunca foi que as pessoas fossem ordenadas e vivessem sozinhas, vestindo roupas de leigo e saindo para trabalhar durante o dia; isto não é ideal para um monge ou uma monja. Infelizmente, muitas pessoas tiveram que fazer isso no ocidente, mas temos que compreender que é difícil para eles, e não criticá-los, pois lhes faltam as circunstâncias corretas para ser monge ou monja de forma adequada. Há muitos leigos e muitos centros do Dharma que olham para monges e monjas de forma depreciativa e os tratam quase como servos de quem se espera que eles cuidem dos centros do Dharma, façam chá e este tipo de coisas. Isso é totalmente retrógrado. Os leigos devem fazer isso, não os monges e monjas.
Para que os monges e monjas sejam respeitados, eles precisam manter os votos, e serem verdadeiros monges e monjas. Os textos dizem que até mesmo um retalho de pano de um manto de monge ou monja merece respeito. Isso quer dizer que até mesmo se eles não estiverem vivendo de acordo com os votos de forma correta, ainda é necessário respeitar os mantos. Respeita-se o fato de que eles estão tentando se trabalhar quando decidem dar o passo da ordenação. É possível encontrar monges e monjas que não estão tentando se desenvolver. Alguns deles, por exemplo, foram largados em um monastério quando crianças porque seus pais não tinham como alimentá-los. Mesmo então, é preciso diferenciar a instituição monástica como tal, representada pelos mantos, da pessoa em si. Eu penso que como budistas é muito importante refletir sobre a nossa atitude pessoal em relação a monges e monjas e toda a instituição monástica. Será que é algo que consideramos bastante trivial e pouco importante e nunca pensamos sobre isso? Ou será que é algo que realmente respeitamos de forma apropriada? Afinal, mesmo se eles não são a Jóia da Sangha real, eles representam a Jóias da Sangha para nós. Eles representam o movimento em direção ao estado de arya, rumo às verdadeiras cessações e aos verdadeiros caminhos, o que é a real Jóia da Sangha.
Há algumas organizações que ajudam monges que estão trabalhando e fazendo outras coisas no mundo.
Há muitos programas que dão suporte a monastérios para tibetanos na Índia e no Nepal, mas não tanto para ocidentais. Este é o problema. As pessoas têm a tendência de ser mais compreensivas com monges e monjas étnicos e não tanto com os ocidentais. Na verdade, os ocidentais são aqueles que realmente precisam de ajuda. No entanto, isso entra em toda uma discussão extensa sobre como gerenciar um monastério ocidental.
Neste momento, o foco principal para nós que levamos vidas mundanas é construir melhores centros do Dharma. O que podemos fazer para ajudar monges e monjas?
Qual é a forma tradicional de ajudar? A forma tradicional é alimentá-los e dar a eles um local para ficar para que eles não tenham que ganhar dinheiro para pagar aluguel e comprar comida. Ajudá-los com seguro de saúde, por exemplo. Um centro do Dharma certamente poderia conseguir seguros de saúde para grupos de monges e monjas, por exemplo, isso seria uma grande ajuda.