O caminho gradual (lam-rim) fala sobre os benefícios ou as vantagens de termos uma relação saudável com um professor espiritual e as desvantagens de não a termos. É claro que ele se refere a uma relação na qual já examinamos o professor. Lembrem-se do exemplo de Atisha, que foi para Sumatra e examinou o professor, Serlingpa, por um tempo muito, muito longo, antes de começar a estudar com ele. Alguns textos dizem até que o professor e o discípulo precisam se examinar mutuamente por doze anos antes de começarem a trabalhar seriamente juntos. Precisamos examinar o professor, e nos examinar. Se nos comprometermos ou decidirmos confiar da maneira apropriada em um professor, os textos citam vários benefícios dessa prática.
É um método geral do dharma, que nos ajuda a desenvolver a aspiração de conquistar algo descrevendo os benefícios da conquista, e também alertando para os perigos. Por exemplo, o perigo de nos comprometermos com um professor e depois voltarmos atrás, demonstrando desprezo e raiva, pensando: “Ah, que estupidez a minha de ter feito isso.” Alertar para os perigos não é uma forma de amedrontar, mas de mostrar que se trata de uma questão muito séria e não devemos embarcar nesse tipo de relacionamento de forma leviana – estamos falando da atitude em relação ao professor. Quando nos engajamos nessa relação prematuramente e depois decidimos que foi uma estupidez de nossa parte, isso nos deixa em um estado mental terrível. Portanto, devemos ter cuidado antes de começar.
Tampouco devemos olhar para essas listas de benefícios e desvantagens como se alguém estivesse tentando nos vender um carro usado, e dissesse: “Compre isso. É realmente o que há de melhor.” Não é um anúncio. “Ah, que fantástico! Quero comprar isso. Quero comprar isso porque os benefícios parecem maravilhosos.” Essa não é absolutamente uma atitude apropriada. Tudo no dharma é baseado em causa e efeito. Portanto, se vamos começar esse relacionamento, qual será o efeito disso? Qual a influência? O que pode acontecer? É importante entrar na situação com nossos olhos bem abertos. Não há nada de mágico nisso.
Vamos examinar a lista e tentar falar sobre ela do ponto de vista de como a aplicamos na prática e o que ela significa, pelo menos a partir de minha própria experiência.
Os Benefícios de uma Relação Saudável com Seu Professor Espiritual
Você Chegará Mais Perto do Estado Búdico
O primeiro benefício é que você chegará mais perto do estado búdico. Bem, isso é bastante óbvio. Quando o professor nos ensina como fazer para nos tornarmos budas, e seguimos as instruções dele, naturalmente nos aproximamos desse objetivo. É claro que isso significa ter disponibilidade para praticar o que o professor diz em termos de avaliar de forma realista o que podemos fazer agora. Se ele for um professor habilidoso, ele lhe dará instruções adequadas. Mas é claro que isso depende de termos uma relação pessoal com o professor, e isso não é muito fácil. Temos que estabelecer uma relação individual com ele de várias formas, que eu mencionei antes – traduzir para ele, ou coisas assim. E sempre podemos fazer um pouco mais. Serkong Rinpoche sempre fez isso comigo. Ele dizia: “Não importa o quão cansado você está, sempre pode traduzir, ou fazer aquilo que estiver fazendo, por mais cinco minutos.” Um bom treinador em uma academia faz a mesma coisa, ele nos diz: “Vamos lá, você pode fazer mais um exercício.” Mas é claro que, se for demais para nós, falamos com o professor. Dizemos: “Não sou capaz de fazer isso agora. Preciso que me ajude a chegar a esse nível.”.
Você Acumulará Força Positiva
Também foi dito que chegaremos mais perto do estado búdico fazendo oferendas ao guru, ajudando o guru. Certo? O guru, como um buda – um buda não precisa realmente das oferendas. A atitude deve ser, como está escrito no texto: “como um tigre com a grama.” O tigre não está interessado em comer grama. Mas quando olhamos para os ensinamentos sobre a natureza búdica, os fatores que nos possibilitarão chegar a ser budas, um deles é o que chamo de “a rede de força positiva”, a assim chamada “coleção de méritos”. Ajudar o professor de todas as possíveis maneiras, sem ser inconveniente, sem impor sua ajuda, acumula muita força positiva. O que significa isso?
Não estamos falando de méritos, como se tivéssemos que ganhar um certo número de pontos e depois ganhar o jogo. Mas falando de minha própria experiência... Quando eu era jovem, era bastante egoísta e egocêntrico, como a maioria das pessoas. Mas como eu disse, tive uma oportunidade muito rara. Estive com Serkong Rinpoche por nove anos, e é claro que eu queria ajudá-lo – afinal, ele era um homem mais velho, acima do peso. Queria ajudá-lo a levantar e sair do carro, entrar no carro, ajudar de várias formas. Fazer isso desviou meus pensamentos da minha pessoa e me fez realmente ajudar alguém, me preocupar mais com o bem-estar dele do que com o meu próprio conforto. Qual o resultado disso? Através daquele processo aprendi também a cuidar dos outros, não apenas de meu professor, mas a ajudar qualquer pessoa. O hábito de se preocupar mais com outra pessoa do que com nós mesmos desenvolve esse tipo de força.
A coisa funciona assim – pelo menos foi assim na minha experiência pessoal – o hábito nos faz entender a importância de cuidar dos outros, e nos faz entender que somos capazes de fazer isso. Obviamente, também podemos aprender isso cuidando de nossos próprios filhos. Quando cuidamos de um bebê, é claro que existe esse aspecto de nos importarmos mais com o bem-estar do bebê do que com nós mesmos. Mas há uma grande diferença. A diferença é que se trata de “meu bebê”, enquanto não é possível sermos possessivos com o professor; isso não funciona. Portanto, é diferente. Quando o bebê nos abraça, pensamos: “Ah que gostoso, que fofo.” O professor não nos proporcionará isso.
Você Agradará aos Budas
Depois vem o próximo benefício, que diz que você agradará aos budas. O que será que isso significa? Os budas têm equanimidade. Eles não ficarão com raiva de você se não praticar de forma adequada, e não dirão, “puxa, como você é maravilhoso!” e assim por diante. Como eu disse, fazer algo para agradar o guru, para receber um afago e abanar o rabo – isso é uma estupidez. Mas do que falam os budas? Eles falam de ajudar os outros a superar o sofrimento, conquistar a libertação, se iluminar, e assim por diante. Portanto, se você praticar, você se aproximará dos budas, e ficará mais próximo daquilo que eles esperam que você alcance.
Embora isso funcione para algumas pessoas, no mesmo nível que funciona querer agradar os próprios pais, e todas as pessoas querem agradar aos professores e não querem ser repreendidas, e assim por diante, tentemos não olhar para isso a partir de um ponto de vista infantilizado. Quero dizer, olhem para isso a partir do ponto de vista de um pai ou uma mãe olhando para seu filho. Quando você tenta ensinar valores a uma criança – como ser uma pessoa decente, honesta – quando vê que ela aprendeu, você se sente muito satisfeito, de certa maneira. Não estamos falando de algumas pessoas imaturas que se vangloriam a seus amigos: “Veja como meu filho é maravilhoso.” Isso dá aos pais a sensação de terem sido bons pais, de que a criança aprendeu os valores e se tornou uma pessoa decente. Esse benefício tem a ver com isso.
Como foi dito, o que agradará ao professor é seguir o que ele diz e tentar reproduzir as boas qualidades dele, não apenas características irrisórias como aquilo que ele come ou coisas assim.
Você não Será Perturbado por Demônios ou Más Companhias
O próximo benefício diz que você não será perturbado por aquilo que eles chamam de “demônios” ou más companhias. Quando falamos em demônios, não pensamos em pequenas criaturas com cornos e presas e assim por diante. Estamos falando sobre forças demoníacas. Quando estamos com nosso professor, ou quando praticamos a assim chamada guru-yoga de forma adequada, imaginamos que o professor está conosco o tempo todo. Essa é a intenção quando imaginamos o professor em nossa cabeça ou em nosso coração. Os valores do professor estão ali. Mesmo se o professor já morreu, os valores dele ainda estão ali. O importante é levar realmente a sério o trabalho de auto-aprimoramento. Quando nos comprometemos sinceramente com um professor no que se refere à nossa atitude, à maneira como estamos interagindo, e assim por diante, não queremos ser hipócritas. Ainda que todos ao nosso redor estejam agindo de uma forma muito descontrolada, não ficamos perturbados – esse é o termo usado no texto – perturbados por todas essas coisas negativas ao nosso redor, pois temos muita clareza em relação ao rumo que estamos escolhendo para nossas vidas. De certa maneira, ele nos protege das influências negativas ao nosso redor. As influências negativas são nossas mentes fracas, nossa determinação fraca. Isso que é negativo. Por isso, precisamos ser realmente bem firmes no que se refere ao que estamos fazendo. E isso se baseia em um exame e uma análise pronfundos que antecedem a ação: Estou preparado para fazer isso? Quero fazer isso?
Você Automaticamente Parará Todas as Emoções Perturbadoras e Ações Negativas
Está escrito que você automaticamente parará todas emoções perturbadoras e ações negativas – comportamentos negativos e destrutivos. “Como posso agir dessa forma? Tenho tanto respeito por meu professor e por mim mesmo, como posso fazer essa estupidez?” Quando estamos com nosso professor, nós o respeitamos, não colocamos o dedo no nariz nem falamos besteiras. Queremos agir de forma apropriada porque o respeitamos, e respeitamos a situação. Então, como podemos ter raiva? Como podemos demonstrar avidez diante do professor, devorando toda a comida, o bolo inteiro, enquanto estamos comendo com ele? Certo? Não o fazemos por respeito.
Lembro-me que, certa vez, eu estava com o velho Ling Rinpoche, o professor mais velho de Sua Santidade. Eu estava fazendo visitas com ele. Ele estava sentado sobre uma plataforma baixa coberta com um tapete. Ele estava sentado sobre uma plataforma, eu estava sentado sobre outra, no canto. Ele estava de um lado, eu estava do outro. De repente, vimos um escorpião grande, no chão, à nossa frente.
Ling Rinpoche era o mestre de Vajrabhairava (Yamantaka), uma divindade muito vigorosa. Ele era uma figura incrivelmente forte e vigorosa (embora, ao conhecê-lo melhor, fosse muito gentil). A maioria das pessoas tinha bastante medo dele, pois era uma presença muito forte. Mesmo antes de compreender bem o tibetano, eu o visitava e ficava próximo a ele, e minha mente ficava mais clara graças à força de seu Manjushri – Manjushri está no coração de Vajrabhairava – e eu conseguia compreender o que ele me dizia. Era uma força incrível.
Então, ali estava o escorpião bem grande, no chão à nossa frente. Ling Rinpoche se virou para mim e, com um gesto obviamente afetado e dramático, me disse: “Meu caro, um escorpião. Você não está com medo?” E virou-se para mim. E eu disse: “Como é que eu poderia ter medo na sua presença?” Então ele deu muitas risadas. Seu assistente veio, colocou um papel por debaixo do escorpião e um copo em cima dele e o levou para fora, como se tivessem ensaiado aquela lição. De fato, como é que eu ou qualquer pessoa poderia me apavorar por causa do escorpião na presença de um grande mestre como ele, pular na plataforma e dizer: “Ai! Um escorpião!” Com certeza, eu não podia fazer isso. Portanto, esse é um exemplo muito claro. Como está escrito, paramos automaticamente de agir de uma forma ridícula ou infantil.
Seu Discernimento e suas Realizações no que se Refere aos Níveis e ao Caminho Aumentarão
Seu discernimento e suas realizações no que se refere aos níveis e ao caminho aumentarão. Obviamente, se você estiver com seu professor o tempo todo, testemunhando como ele lida com situações difíceis, quanto mais você praticar e buscar ser como o professor, mais sua compreensão e suas realizações aumentarão. Quando estamos perto do professor – eu tive essa experiência – quando nos tornamos tradutores dele ou dirigimos o carro para ele, ou o que quer que façamos para ele, vemos como eles lidam com as situações do cotidiano, questões da vida real, e isso nos dá entendimento e discernimento para sabermos como podemos nos desenvolver mais. Eu vi Serkong Rinpoche lidando com o Papa João Paulo, com um bêbado na rua... Com mais experiências desse tipo, vemos como eles lidam com todas essas situações, e isso realmente nos dá discernimento.
Você Não Será Privado de Guias Espirituais nos Seus Futuros Renascimentos
Você não será privado – bem, não gosto dessa tradução, mas enfim – de guias espirituais muito construtivos e positivos em todos os seus futuros renascimentos. É claro que isso depende da crença no renascimento, não é mesmo, que não é algo tão simples para muitos de nós. Mas quando pensamos no exemplo da pessoa que se sente instintivamente atraída por um professor espiritual e pelo desejo de ter um professor espiritual, e assim por diante, esse tipo de instinto perdurará e será até mesmo mais forte nas vidas futuras. De onde vem esse instinto? Vem das vidas passadas. Portanto, se nós o desenvolvermos nessa vida, ele continuará nas próximas vidas – se tivermos um renascimento humano precioso e não renascermos como uma barata.
Você Não Cairá em Reinos Inferiores
Você não cairá em reinos inferiores. Bem, qual é a causa dos piores estados de renascimento? O comportamento destrutivo. E qual a causa do renascimento humano precioso? A disciplina ética. Com o professor, é claro que você agirá de forma ética. E praticará as atitudes de amplo alcance, as paramitas:
- Generosidade: Você está ajudando o professor. Você está sendo generoso.
- Autodisciplina Ética: Quando você está com o/a professor/a, por ter tanto respeito por ele ou por ela, você nunca age de forma negativa.
- Perseverança e Paciência: É muito duro seguir o professor e aprender com ele, portanto isso exige um grande esforço e muita paciência de sua parte, o que significa que não ficará com raiva dele; não ficará com raiva mesmo se for muito difícil. É preciso examinar isso antes de começar a relação com o professor, pois é um dos aspectos mais importantes dessa espécie de contrato. Não importa o que o professor faz, eu olho para tudo que ele faz como um ensinamento; não fico com raiva.
Serkong Rinpoche me chamava de idiota o tempo todo, sem piedade – mesmo diante de dez mil pessoas, ele me chamava de idiota, e eu era um idiota – e eu nunca ficava com raiva dele. Geralmente, a minha reação era um riso nervoso, e todos os tibetanos achavam aquilo maravilhoso, a forma como eu respondia. Eu não estava rindo dele, mas aquela era meio que minha reação automática. Entende? Se você vai ficar com raiva do professor, esqueça. A coisa não funcionará. Isso significa que tem que estar realmente convencido de que esse professor apenas se importa com seu bem-estar. É preciso ter paciência.
- Concentração: Quando você está com um professor, não pode dizer: “O que você disse? Eu não estava prestando atenção.” Isso não funciona. Serkong Rinpoche me treinou para ser tradutor. A qualquer hora do dia ou da noite que eu estava com ele, ele parava e dizia: “Repita o que acabei de dizer.” Ou “Repita o que você acabou de dizer.” Um treinamento maravilhoso. É uma habilidade necessária se você quiser ser um tradutor.
- Consciência Discriminativa: Serkong Rinpoche era muito bom nisso. Há um exemplo maravilhoso no qual sempre volto a pensar. O Rinpoche estava ensinando em Nalanda, um monastério ocidental na França. Pediram-lhe que explicasse o nono capítulo, sobre sabedoria, o capítulo sobre a consciência discriminativa, do texto de Shantideva “Engajando-se no Comportamento de um Bodhisattva” (Bodhisattvacharyavatara). Eles pediram que ele o fizesse em apenas duas ou três aulas. Rinpoche achou que o fato deles quererem que ele explicasse todo o tema em duas ou três aulas era ridículo, era pretencioso pensar que o assunto era tão fácil que podia ser ensinado em poucas aulas. Portanto, ele começou a explicar algo, mas explicou de forma incorreta, e todos os monges ocidentais anotaram o que ele falou de forma muito aplicada. Depois da pausa para tomar o chá, ele voltou e disse: “Vocês são idiotas. Eu acabei de ensinar algo de totalmente incorreto. Vocês não pensam? Não examinam o que as pessoas lhes dizem? Será que o que eu disse estava de acordo com o texto? Será que está de acordo com o que estudamos antes? Portanto, aprendam a consciência discriminativa.” No restante das sessões, ele explicou talvez uma linha do texto, de uma forma muito elaborada, para mostrar a eles que: “Ah, olhe lá, para estudar isso terá que levar a coisa a sério. Não pense que será fácil.”
Você Conquistará Todos os Objetivos de Curto e Longo Prazo sem Esforço
Depois, está escrito que você conquistará todos os objetivos de curto e longo prazo. Isso não significa que basta ser passivo, esperar sentado, que tudo cairá do céu. Mas o carma funciona. O Buda não mentiu quando disse isso. O carma realmente funciona. Quando desenvolvemos muita força positiva servindo o professor, ajudando o professor, e assim por diante, as coisas ficam mais fáceis; nos tornamos capazes de realizar muito mais.
Vejo isso em minha própria vida. Vejam o que realizei com meu site. É inacreditável. Ano passado tivemos mais de um milhão de visitas. Acho que o sucesso tem muito a ver com essa forte relação que tive com meus professores espirituais, e ainda tenho, e o grande esforço e trabalho que fiz para ajudar a tornar seus ensinamentos disponíveis para todos. O que me motivou e fez com que eu me tornasse um tradutor, um intérprete, foi: “Uau, os ensinamentos de Sua Santidade e dos professores de Sua Santidade são absolutamente incríveis!” Mas antes não havia traduções dos ensinamentos ou apenas havia traduções ruins. Portanto, eu tinha que fazer isso. Eu tinha que ter a tal perseverança como uma armadura: “Vou fazer isso. Vou treinar para ser capaz de traduzir e para que as pessoas possam ter acesso a tudo isso.” Quando falo de minha experiência com esse site costumo dizer que tudo “caiu do céu”. Alguém apareceu e disse: “Vou fazer isso para você.” Quando a primeira versão foi ao ar, surgiram voluntários do mundo inteiro querendo ajudar. Não procurei por eles. Embora tenha que pagar muita gente, não busquei patrocinadores, eles vieram a mim.
Portanto, foi sem esforço. O carma ajuda. Quando acumulamos o carma, ele funciona. Quando examinamos o que os ensinamentos dizem sobre os tipos de comportamento cármico que darão mais resultados nesta vida – a maioria dos resultados se manifestarão em vidas futuras – mas as ações que trazem resultados nesta vida têm a ver com ajudar aqueles que mais nos ajudaram (professores espirituais e pais). Falando de minha própria experiência, isso é fato, os benefícios realmente se manifestam. Não se trata apenas de um conto de fadas bonitinho.
As Desvantagens de Nos Afastarmos de Nosso Professor Espiritual
Há uma lista de consequências perigosas que ocorrem quando rompemos nosso compromisso e manifestamos desprezo por nosso professor, amaldiçoando o professor, indo embora com raiva, posteriormente nutrindo ódio por ele, sentindo arrependimento por termos nos envolvido com esse professor, ou com o budismo em geral. É disso que estamos falando quando nos referimos aos perigos envolvidos nesse tipo de situação.
Acho que não temos que falar da lista inteira, mas podemos entender do que ela trata em termos gerais. Quando nos abrimos e confiamos em alguém, de certa maneira, ficamos muito vulneráveis. Por exemplo, é como quando somos crianças e nos abrimos para nossos pais ou professores e eles abusam de nós, seja sexualmente, ou batendo em nós. A maioria das pessoas que sofrem abuso carregam grandes danos emocionais pelo resto de suas vidas. É muito difícil superar isso. É possível superar, mas é muito, muito difícil. Elas não confiam em mais ninguém. Perdem a capacidade de confiar, e sempre têm esse tipo de cautela: “Não quero me envolver, pois me machucarei novamente.” Isso faz com que não possam se abrir para outras pessoas. É realmente um grande obstáculo.
Não temos que chegar ao exemplo extremo de um professor que nos abusa, embora isso exista. Há muitos exemplos de pessoas que fingem ser grandes professores e abusam de seus alunos, e isso é muito prejudicial. Mas quando os textos falam sobre os perigos, não estão falando especificamente sobre uma situação na qual o professor abusa sexualmente de nós, ou em questões de poder e dinheiro, coisas assim. Até mesmo nessas situações, o aluno simplesmente pode ir embora. Respeitamos o que quer que seja que nos beneficiou na relação e simplesmente vamos embora.
Estamos falando aqui de um professor muito qualificado e vamos embora com um estado mental muito negativo. Quando sofremos abuso de um professor e o deixamos com um estado mental muito negativo, também nos fechamos para relações futuras. Mas quando deixamos um professor qualificado com esse estado mental bem negativo – com muita raiva, pensando que “esse professor é horrível” e “tudo o que eu fiz foi uma estupidez” – o que isso causa? Qual o resultado disso? O resultado é não estarmos abertos para o caminho budista, ou nenhum caminho espiritual, e que nunca mais confiemos em nenhuma orientação espiritual. Mesmo se começarmos a nos envolver com alguém, ficaremos paranoicos, sempre esperando que algo ruim aconteça. Está escrito que não importa quantas boas qualidades tenhamos desenvolvido, vamos perde-las rapidamente por termos uma forte atitude negativa em relação a tudo que fizemos. É como se todo o trabalho fosse jogado fora.
Está escrito na lista que cairemos em renascimento piores, renascimentos infernais, e assim por diante. Temos que entender isso. Certamente, não estamos dizendo que, como em uma seita, temos que obedecer e fazer tudo aquilo que o professor faz, caso contrário vamos para o inferno, e por isso ficamos com medo de cometer erros, medo de irmos para o inferno. Com certeza, essa não é a intenção aqui. O que significa inferno aqui? Há muitos infernos no budismo, mas o que significa isso? Seguindo o conselho de Serkong Rinpoche, devemos examinar o sabor, a conotação, tanto do termo em sânscrito quanto em tibetano.
- O termo sânscrito [naraka] significa “sem alegria”. Não há alegria, somente infelicidade e tristeza e dor. Quando temos essa atitude bem negativa em relação ao professor e qualquer coisa que fizemos para melhorar a nós mesmos, é claro que estamos em um estado mental bem infeliz. Quando deixamos o professor com um estado mental tão negativo e com tanta raiva, cheios de ódio, arrependimento, e assim por diante, não são estados mentais felizes. São estados mentais totalmente desprovidos de alegria, certo? Não nos alegramos em absoluto por todas as coisas que fizemos e aprendemos; pensamos que foi uma estupidez, uma perda de tempo.
- A conotação do termo tibetano [nyelwa (dmyal-ba)] sugere que é muito difícil sair desse estado, o que eu gosto de traduzir como “aprisionado”. É o sentimento de estar aprisionado nesse estado mental.
Essa é a descrição do estado mental infernal – totalmente sem alegria, muito negativo, no qual você se sente aprisionado, e do qual não consegue sair. Pensando sobre isso, independente do fato de acreditarmos em vidas futuras e em um inferno real, onde quer que ele seja, e assim por diante, podemos imaginar como esse estado mental pode ser terrível. É lógico que ele vem dessa atitude muito negativa em relação a confiar em alguém que possa nos ajudar. Portanto, não fiquem presos a: “Qual a diferença entre o Inferno Vajra e o Inferno Avichi? Quão distante ele fica de Bodhgaya? Ele é muito quente comparado aos outros infernos?” e assim por diante. Não é isso que importa. Como disse sua Santidade, o Buda não veio nos ensinar geografia. Ele veio nos ensinar como evitar e superar o sofrimento.
Quando temos uma atitude muito negativa em relação a tentar melhorar, como melhoraremos? Obviamente, esse é o grande perigo. Caso não tenhamos feito um exame minucioso antes de nos relacionarmos com um professor espiritual e termos uma prática séria de budismo – se não fizemos isso, precisamos fazer esse exame minucioso, para não corrermos perigo de mais tarde termos que nos afastar e termos uma atitude muito negativa em relação a tudo isso, eliminando a possibilidade de nos beneficiarmos com os ensinamentos budistas no futuro. Imagine como é estar tão desiludido com qualquer aspecto positivo e com as pessoas que estão tentando fazer algo positivo, e assim por diante, que não conseguimos mais sentir admiração por ninguém? Não há esperanças. Essa seria realmente a descrição de uma situação infernal, não seria? A pessoa se sente aprisionada. Tudo é tão horrível e tão miserável, e não há esperanças.
Lembrem que não estamos falando de danação eterna. Até mesmo o renascimento no inferno é impermanente; ele acabará. Mas há muitos perigos de nos envolvermos com esse tipo de relação, ou prática espiritual, pois é algo muito sério. Não canso de dizer que não se trata apenas de: “Bem, tenho que seguir as regras. Se eu não seguir as regras, serei punido.” Com certeza, não é isso.
Muitas vezes, ouvimos a discussão que há ao redor do termo medo. O contexto principal no qual esse tema sempre volta a surgir é o refúgio. Refúgio significa ter um direcionamento positivo para nossas vidas. Não é só dizer: “Ah Buda, Buda, me salva, me protege.” Não é assim. Mas tem a ver com o significado mais profundo do dharma, que é conquistar o verdadeiro cessar do sofrimento e das causas do sofrimento e conquistar estados mentais verdadeiros – o caminho verdadeiro – que levará a isso e resultará disso, o caminho que os budas completaram, o caminho que a sangha arya completou parcialmente. Esse é o direcionamento que queremos ter para nossas vidas, rumo ao qual queremos trabalhar, e obviamente o professor espiritual nos ajuda a fazer isso. Mas quais são as causas para adotar esse direcionamento para nossas vidas? Isso pode ser visto claramente, está escrito no texto: o medo de renascimentos futuros piores e a confiança que podemos evita-los indo nesta direção.
Há dois tipos de medo. Há um tipo de medo muito destrutivo. Destrutivo talvez não seja a melhor palavra, mas trata-se de um medo devastador. É um medo no qual você sente que não há esperanças e se sente totalmente desamparado. É um estado de medo muito perturbador e devastador. “Não há nada que eu possa fazer.” Você fica paralisado pelo medo. No contexto de ter um direcionamento seguro para nossas vidas, é algo bem diferente, pois percebemos que há um caminho para evitar esses renascimentos piores, e sentimos uma grande esperança. Portanto, é um medo saudável.
Darei um exemplo. Você quer atravessar uma rua muito movimentada. “Tenho medo de ser atropelado, mas sei que se olhar para os dois lados e tiver bastante cuidado, conseguirei atravessar em segurança.” Quando você não tem esperança de conseguir atravessar a rua em segurança, e tem apenas medo de ser atropelado, você nunca atravessa. Mas você sabe que há uma maneira de evitar o atropelamento, e o medo saudável faz com que você tenha mais cuidado. Às vezes uso a palavra receio ao invés de medo. É algo que realmente queremos evitar, mas não é um medo que nos paralisa.
O mesmo se aplica às desvantagens de ter essa atitude negativa em relação ao professor, e deixá-lo em um estado de desprezo, raiva e ódio. Não estamos falando daquilo que às vezes é chamado de uma “brecha na devoção ao guru”, usando termos carregados, o que quer dizer: “Bem, eu não fiz exatamente o que o professor me disse para fazer, então vou para o inferno.” Estamos falando sobre desenvolver um estado mental muito negativo em relação ao professor, não de cometer erros como, por exemplo, ter preguiça de fazer o que ele nos pede, ou algo assim. Como quando queremos evitar um atropelamento, também queremos evitar esse estado mental horrível que vivenciamos quando temos uma atitude muito negativa em relação aos professores do budismo, em geral, e da prática espiritual em geral. Isso nos deixa totalmente exauridos.
Sabemos que podemos evitar esse perigo. Como evitamos o perigo? Não é como estar no exército, ser totalmente obediente, como um soldado obediente, e dizer “sim, senhor!”, fazendo tudo aquilo que o professor ordena. Podemos evitar isso examinando primeiro o professor e a nós mesmos, nossa prontidão, nossas habilidades, e assim por diante. Tenham muito, mas muito cuidado com esse tipo de relação. Ficou claro?
Qual a função principal do professor? Ele pode nos informar, mas podemos ter acesso a informações corretas pela internet ou de livros. Ele pode responder às nossas perguntas, pode nos corrigir quando cometemos erros, mas não é preciso ser muito avançado para conseguir fazer isso. A principal atividade de um verdadeiro mentor espiritual, além de oferecer votos e coisas semelhantes, é nos inspirar. Admiramos essa pessoa. Queremos nos tornar como ele, é o nosso modelo, e estamos inspirados por seu exemplo, ele nos faz querer ser como ele. Depois, quando nós nos decepcionamos completamente, e todo o modelo que tínhamos, o ideal que buscávamos, é totalmente destruído, e além disso nos faz ter uma atitude muito negativa, e pensar: “Sou tão estúpido por ter feito isso.” A maneira de evitar isso é examinar muito, muito bem primeiro e depois realizar os vários procedimentos indicados. Quando o professor faz algo um pouco estranho ou nos pede para fazer algo, perguntamos a ele: “Bem, por que está dizendo isso? Por favor, pode me explicar?”
Isso me faz pensar novamente em Serkong Rinpoche. Certa vez, Lama Zopa disse: “Se quiser achar um exemplo da coisa autêntica, de um verdadeiro mentor espiritual, é Serkong Rinpoche. Ele é a coisa autêntica.”
Uma vez, houve um problema legal e uma confusão que envolvia umas terras no Nepal – eram para fazer um monastério feminino ou algo assim – que eram do Rinpoche ou que alguém havia dado a ele (não me lembro bem dos detalhes). Houve várias histórias e acontecimentos. Serkong Rinpoche foi incrivelmente gentil, pois ele me levou para um quarto e me explicou toda a situação para que eu não tivesse dúvidas ou pensamentos estranhos por causa de todas as complicações que estavam ocorrendo. Essa é a coisa autêntica, um professor autêntico – ele teve muito cuidado para não me decepcionar.