Os Nove Veículos de Acordo com a Tradição Nyingma

Os Ensinamentos dos Sutras

Se olharmos para o tantra em geral, ele não pode ser entendido separado dos ensinamentos básicos do sutra. Tudo está construído sobre a fundação do sutra. Portanto, tem que ser praticado no contexto dos ensinamentos básicos do sutra. Quando tecemos um pano ou um tapete, há fios com os quais tecemos, e a palavra tantra vem da palavra que designa esses fios com os quais tecemos. Portanto, essas são as práticas com as quais tecemos todas as coisas que aprendemos no sutra. Quando nos visualizamos com a forma de alguma divindade, alguma figura búdica, todos os braços, faces e pernas representam todos os diferentes pontos do sutra.

Refúgio nas Três Joias

Todos temos um renascimento humano precioso. É muito importante apreciá-lo. É algo muito, muito precioso e valioso, pois é a única base com a qual podemos alcançar a libertação e a iluminação. Não deveríamos subestimar isso. Como um dos meus professores costuma dizer, é como se estivéssemos em férias temporárias dos reinos inferiores, e temos que ter muito cuidado, caso contrário voltaremos aos reinos inferiores.

Com certeza, a morte virá. Nunca sabemos quando será. A única coisa que ajudará são as medidas preventivas que teremos tomado para evitar voltar aos reinos inferiores, e certamente não vamos querer voltar para lá.  Podemos pensar em todos os sofrimentos terríveis – em como seria horrível ser um inseto que está sendo comido vivo por outro inseto ou um tipo diferente de fantasma ou de criatura infernal. Todos temos conhecimento disso – e podemos ter medo dessa possibilidade.  Não se trata do tipo de medo que nos paralisa e nos deixa desamparados e sem esperança, mas é uma situação na qual sabemos que há uma forma de evitar essa queda. Temos que ter um direcionamento seguro para nossas vidas, normalmente chamado de “refúgio”. É muito importante não trivializar isso.

Qual é a verdadeira fonte do refúgio, a fonte de como poderemos nos proteger de renascimentos piores? É a Joia do Dharma. O que significa isso? Há muitos níveis diferentes nos quais podemos entender a Joia do Dharma. Se olharmos para o nível mais profundo, isso se refere à terceira e à quarta nobres verdades:

  • A terceira é a verdadeira cessação do sofrimento e de suas causas. A que isso se refere? Se pensarmos em termos de dzogchen, estamos falando sobre rigpa, a consciência pura. É algo que todos nós temos. É individual; não é algo coletivo ao que nos conectamos no céu. É o nível mais sutil e puro de nosso contínuo mental. Algo totalmente livre por natureza de todos os obscurecimentos – a verdadeira cessação do sofrimento e suas causas – um nível rico, ou pleno, com todas as qualidades positivas. No entanto, como está escrito em muitos textos Nyingma, rigpa, a consciência pura, precisa “reconhecer sua própria face”. Isso significa que, embora haja a consciência pura, nós não a percebemos, e por não percebê-la, não conseguimos utilizá-la.
  • E temos a quarta nobre verdade, que é alcançar essa consciência pura para termos a realização plena de rigpa. Se pudermos ter acesso a esse estado puro e ele não for nublado pelo sofrimento e suas causas (que são a primeira e a segunda nobres verdades), evitaremos renascimentos piores como também evitaremos todos os renascimentos incontrolavelmente recorrentes. Estados piores ou melhores são todos ainda parte do samsara. Samsara significa renascimentos incontrolavelmente recorrentes, de novo e de novo. É incontrolável no sentido de que está sob a influência do carma e das emoções perturbadoras.

Essa é a Joia do Dharma. É o direcionamento que queremos ter. “Queremos realizar plenamente a rigpa que está dentro de todos nós e permanecer com ela.” Budas – e a Joia do Buda – são aqueles que alcançaram a rigpa plenamente e nos mostraram como alcançá-la, nos mostraram e ensinaram como é possível fazer isso. E a Joia da Sangha se refere à Sangha dos Aryas. A Sangha dos Aryas significa aqueles que realizaram a rigpa parcialmente, não plenamente como os budas. É muito importante entender isso.

Quando falamos sobre budas não estamos falando sobre uma figura histórica como há nas religiões bíblicas. Nas religiões bíblicas temos uma figura como Moisés ou Jesus ou Moamé, e eles recebem uma revelação ou instruções de Deus. São os únicos que a recebem, por isso temos que acreditar neles e segui-los para conseguir algum tipo de salvação. Não podemos fazer o que eles fizeram. Não podemos nos tornar mais um Moisés ou um Jesus ou um Maomé. É uma diferença muito importante. Mas podemos nos tornar budas. Shakyamuni, Guru Rinpoche – são apenas alguns de muitos, muitos, muitos seres que alcançaram a iluminação. Portanto, é muito importante não fazer deles mais um Moisés, um Jesus ou um Maomé. Todos nós podemos alcançar a iluminação. E eles podemos mostrar o caminho, podem nos inspirar, podemos pedir que nos inspirem, mas não é como se estivéssemos nos abrindo e graças a eles nos iluminamos. Isso não é budismo. Todos temos rigpa. Todos temos a consciência pura. Todos temos a base para alcançar a iluminação. Todos temos o que é conhecido como “natureza búdica”. 

Carma

Pensamos então em todos os tipos diferentes de sofrimento:

  • O sofrimento da infelicidade e da dor. Trata-se basicamente da possibilidade de sermos infelizes. Mesmo quando estamos sentindo algum tipo de prazer físico, pode ser que ainda assim estejamos infelizes mentalmente. Ninguém gosta disso. Ninguém quer isso. Ninguém quer ser infeliz.
  • Depois, há a nossa felicidade habitual. Ela também é insatisfatória, pois não perdura, nunca é satisfatória, e sempre queremos mais. Sentimos medo constante de perdê-la, portanto nos apegamos a ela. Mesmo se formos muito felizes por muito tempo, essa felicidade acaba sempre por se transformar em infelicidade e faz com que nos sintamos insatisfeitos. É como quando comemos sorvete demais e acabamos ficando com dor de barriga.
  • No entanto, o sofrimento real e mais profundo que queremos superar no budismo é ainda bem mais profundo do que isso. É a base da experiência dos altos e baixos da infelicidade e da felicidade comum. É o próprio samsara, o renascimento incontrolavelmente recorrente com nosso tipo comum de corpo e mente que fazem a experiência da infelicidade e da felicidade comum.

Tudo isso acontece por causa da compulsividade básica do carma. Quando falamos sobre carma, é muito importante entender a que isso se refere. Não estamos falando sobre o destino ou algo do gênero. Estamos falando sobre compulsividade. Há um aspecto compulsivo em nosso comportamento. Gostamos de certas coisas e desgostamos de outras coisas por causa de nossos hábitos de agir sob a influência da confusão. É isso que surge em nossa mente: “Eu gostaria de gritar com você”, “Eu gostaria de abraçar você”, e, então (trata-se do momento no qual o carma entra em ação), há uma certa compulsão que nos leva a gritar ou abraçar alguém em um momento inadequado. E parece que não conseguimos controlar isso. Simplesmente agimos ou falamos de forma compulsiva e desatenta.

O carma não se refere à ação em si, embora a palavra tibetana para isso seja a palavra tibetana coloquial usada para designar ação (las). Se o problema fosse a ação em si, então bastaria que parássemos todas as atividades e assim nos iluminaríamos. Certamente, não é esse o significado. Nosso objetivo é vir a ter um comportamento que não seja compulsivo e que seja motivado por compaixão. Nosso comportamento é compulsivo, pois está sob a influência de emoções perturbadoras – cobiça e apego e desejo, repulsa, raiva, ingenuidade, ciúme, orgulho, sendo que todas elas criam problemas. Tudo isso vem da falta de consciência da realidade. Não estamos conscientes de nossas naturezas puras. Nossa confusão faz com que nossa mente crie a aparência enganosa de coisas que existem de formas impossíveis, faz com que pareçamos uma coisa sólida, separada de todo o resto. Como uma pequena figura sentada dentro de nossa cabeça recebendo informações através dos nossos olhos e ouvidos em algum tipo de tela com autofalante, apertando os botões que fazem nosso corpo funcionar. O autor da voz que fala em nossa cabeça tem preocupações como: “O que será que os outros pensam de mim? O que eu deveria fazer agora?”

Por causa de nossa confusão, por não conhecermos nossa verdadeira natureza, nossa mente cria essa espécie de aparência de quem somos, e acreditamos que ela seja verdadeira, pensamos que corresponde à realidade. Nossa confusão faz com que tudo pareça existir de formas impossíveis, como se tudo estivesse encapsulado em plástico e existisse de forma isolada, independente de causas, condições, conceitos, da perspectiva relativa, independente de tudo. Como um problema (“Ai, tenho um problema horrível”), encapsulado em plástico, como um monstro, que nos assusta e perturba profundamente – “Puxa, não sei lidar com isso” – como se essa coisa, esse problema, não viesse de certas causas e não pudesse ser superado com diferentes métodos de resolução.

Tudo isso vem da falta de entendimento e de consciência da rigpa, ou da consciência pura. Rigpa é a fonte de todas as aparências. É parte daquilo que é conhecido como o “jogo da consciência pura”, como centelhas sobre a água ou imagens em um espelho. Quando temos aquilo que é chamado de “obscurecimento”, “nebulosidade”, rigpa se torna a fonte de todas as aparências daquilo que é impossível. É impossível que as coisas existam de forma isolada, encapsuladas em plástico. As coisas não existem dessa forma. Não há um pequeno “eu” sentado em nossa cabeça.

Rigpa é a fonte de todas as aparências. Usa-se a analogia do jogo da luz na superfície da água. É parte da natureza da consciência pura:

  • Ela apresenta essas aparências, que se estabelecem espontaneamente (esse é o jargão técnico)
  • A energia se comunica. Isso é conhecido como o aspecto da compaixão. Trata-se basicamente de comunicação.
  • Ela é pura por natureza. Nunca foi maculada pela confusão. No nível mais profundo, ela nunca é maculada pela confusão.

São os ensinamentos básicos do dzogchen. No entanto, por causa de nossos infindos hábitos de confusão, rigpa torna-se obnubilada, como um céu nublado – as nuvens não perturbam nem prejudicam a natureza do céu, mas elas estão no céu. Por causa das nuvens, que funcionam como um filtro, rigpa se torna a fonte de todas as aparências confusas. Certo? Mas essas aparências não correspondem à realidade. Quando falamos de vacuidade, ou vazio, estamos falando sobre o fato de que não há uma realidade que corresponda às aparências. A realidade é completamente vazia, oca, ausente dessas aparências. Minha mente confusa pode fazer com que alguém pareça ser um monstro, por exemplo, se usarmos um exemplo fácil. Mas não há nenhum monstro real que corresponda à aparência. Quando falamos sobre vacuidade, é a essa ausência que estamos nos referindo. Há algo ausente.

Também podemos falar sobre a vacuidade-do-outro (gzhan-stong), outro tipo de vacuidade, que fala dessa consciência pura, rigpa, e do fato de que a natureza pura é vazia, ou ausente, de todos esses níveis confusos e grosseiros.

Renúncia

Portanto, precisamos desenvolver aquilo que é chamado de “renúncia”. Trata-se da determinação de sermos livres. Livres do que? De acordo com a primeira e segunda nobres verdades: livres do sofrimento e de suas causas.  A que isso se refere? Às aparências confusas e à nossa crença de que elas correspondem à realidade, e a todas as emoções perturbadoras que vêm dessa crença, como por exemplo: “Ah, estou com medo” ou “Ah, isso parece tão maravilhoso, tenho que ter isso.” E assim por diante. Daí vem a determinação de sermos livres: “Tenho que me libertar disso. É horrível.”

Além de ser horrível, é totalmente tedioso. Se a renúncia for baseada na raiva, pode ser que pensemos: “Ah, isso é uma estupidez. Que burrice a minha acreditar nisso!” Então ela não funcionará. Certo? Pois ainda há uma emoção perturbadora. É melhor simplesmente desenvolver o tédio absoluto: “Isso é tão tedioso. Simplesmente não tem fim. Já chega.” Esse é o estado emocional que nos ajuda a desenvolver a renúncia.

É como se estivéssemos sob a influência de drogas e álcool por muito tempo. Se quisermos parar com isso por estarmos com raiva de nós mesmos: “Que burrice a minha agir assim!...” Mesmo se conseguirmos parar, sempre teremos medo de voltar a usar essas substâncias, pois há medo misturado à raiva. Para realmente parar, precisamos sentir muito tédio: “É sempre a mesma coisa. Cada vez que me embebedo, cada vez que fumo, é a mesma coisa. Que chatice!” É quando dizemos: “Agora chega.” É um estado mental muito menos perturbado. Isso é muito importante.

Os Três Treinamentos Mais Elevados

Tudo bem, então, queremos parar. Mas como fazemos para parar? Temos que nos libertar do carma, da compulsividade em nosso comportamento. Temos que nos libertar das emoções perturbadoras que impulsionam nosso comportamento. E para nos libertar delas, temos que nos libertar da nossa falta de consciência, ou da ignorância. E para termos concentração, o que significa evitar uma mente apática e distraída, precisamos de disciplina. Conquistamos a disciplina através do comportamento ético, evitando as ações destrutivas do corpo, da fala e da mente. Portanto, precisamos primeiro usar a disciplina, a concentração e o entendimento. Depois, temos que nos libertar do primeiro nível dessa confusão sobre como nós existimos, nós e os outros. Se conseguirmos dissipar essa confusão, alcançaremos a libertação dos renascimentos incontrolavelmente recorrentes.

Bodhichitta

Mas o que dizer a respeito de todos os outros? Estamos completamente interconectados com todos os outros, e todo mundo está sofrendo. Assim sendo, precisamos desenvolver amor, compaixão, reconhecendo a interconexão com todos. E assumir a seguinte responsabilidade: tentarei de todas as maneiras ajudar os outros a superar o samsara. A única forma de conseguir fazer isso é eu me iluminar. Se eu conseguir remover todo o obscurecimento de rigpa, de minha consciência pura, então revelarei a capacidade de rigpa, a qualidade de rigpa, de entender e saber tudo. Entenderei específica e totalmente o mecanismo de causa e efeito para conseguir entender todas as causas e a origem da situação samsárica de todas as pessoas, e qual será o efeito de qualquer coisa que eu possa vir a ensinar a elas. Se eu ensinar isso a você, como isso afetará você e todas as pessoas com quem você interage? Se não entendermos as consequências daquilo que ensinamos, não saberemos de fato qual é o melhor ensinamento para ajudar uma pessoa a alcançar a libertação e a iluminação. Esse deve ser nosso objetivo e a razão pela qual é imprescindível alcançar a iluminação.

Assim desenvolvemos aquilo que chamamos de bodhichitta. A bodhichitta é baseada no amor e na compaixão. O amor, o desejo de que todos sejam felizes e tenham as causas da felicidade, e a compaixão, o desejo que todos sejam livres do sofrimento e de suas causas. Mas a bodhichitta não é amor e compaixão. Muitas vezes as pessoas fazem essa confusão. Elas acham que estão meditando sobre a compaixão mas na realidade estão meditando sobre a bodhichitta. Não é a mesma coisa. Qual a intenção da bodhichitta? No que estamos focando? Estamos focando em nossa própria iluminação individual, não na iluminação do Buda Shakyamuni, não na iluminação em geral, mas na nossa própria iluminação, que ainda não ocorreu, mas pode ocorrer com base em nossa natureza búdica, a natureza pura de nossa mente. Portanto, é nisso que focamos com essas duas intenções: alcançar a nossa iluminação para que ela seja algo que esteja ocorrendo agora, no momento presente, e não algo que “ainda não está ocorrendo”, e para beneficiar todos os seres através disso.

Tantra

Como focamos em nossa iluminação individual que ainda-não-está-acontecendo? É preciso representá-la de alguma forma. Os budas não têm apenas uma mente. Não se trata simplesmente de dharmakaya. Um buda tem uma aparência física e se comunica (fala). Portanto, podemos representar a nossa iluminação que ainda não está acontecendo com uma figura que visualizamos à nossa frente e pode aparecer na forma do Buda Shakyamuni ou do Guru Rinpoche. Há muitas, muitas outras formas que podem representar isso. Mas é bom lembrar que não estamos tentando alcançar a iluminação deles; estamos tentando alcançar a nossa própria iluminação.

Para nos tornarmos um buda, temos que alcançar esse tipo de mente, corpo, e fala. Aqui entra em jogo o tantra. Ao invés de representar a nossa iluminação que ainda-não-está-ocorrendo com uma figura que visualizamos à nossa frente, essa figura entra e se dissolve em nós, e tomamos a forma dessa figura búdica. Certo? Essa poderia ser uma entre milhares de formas diferentes. Os budas podem aparecer com infinitas formas. Nós podemos aparecer como Guru Rinpoche, Manjushri, Tchenrezig, qualquer yidam. Todos os braços e pernas dessas figuras, e assim por diante, apenas nos ajudam a nos lembrarmos daquilo que elas representam. Por exemplo, as seis paramitas, que são as atitudes de amplo alcance – generosidade, disciplina, paciência, etc. Há muitas, muitas coisas que elas podem representar. Sendo um buda, teríamos que ter todas essas qualidades simultaneamente, pois trata-se de todas as qualidades de rigpa. Rigpa tem todas essas boas qualidades.

É impossível praticar o tantra de forma apropriada sem a bodhichitta, pois a figura que visualizamos como sendo nós mesmos representa a nossa iluminação que ainda-não-está-ocorrendo, que imaginamos ter agora para que possamos alcançá-la mais rapidamente. Imaginamos isso recitando mantras para que nossa fala seja como a fala de um buda. Imaginamos luzes irradiando de nós e beneficiando todos os seres como um buda (atividade de um buda). É muito importante entender que essa aparência vem de rigpa, da consciência pura. E mesmo que ela não apareça dessa forma em nosso estado mental presente e confuso – pode ser que apareça como algo sólido – não é assim. Se acreditarmos que é realmente sólido, não seremos melhores do que um louco pensando ser Napoleão ou Cleópatra.

Portanto, a renúncia significa renunciar ao nível comum de aparências que a nossa mente cria a partir da confusão. E temos a bodhichitta; temos como objetivo a iluminação que ainda-não-está-ocorrendo representada por essa figura que visualizamos como sendo nós mesmos. E a vacuidade significa que essas figuras não correspondem à realidade; uma referência real está ausente, nunca esteve presente. A própria consciência pura é isenta de todos esses níveis confusos da mente. Isso é basicamente o que estamos fazendo no tantra.

Para sermos capazes de superar essa confusão temos que entender as assim chamadas preliminares comuns que acabei de explicar – comuns porque estão tanto no sutra quanto no tantra – mas temos que acumular uma quantidade tremenda de força positiva e purificar parte da força negativa, pelo menos provisoriamente. Isso é feito com o ngondro (sngon-’gro) as práticas preliminares de prostrações, Vajrasattva, etc, e com uma iniciação, que ativa ou estimula os potenciais da natureza búdica. Isso é feito mantendo os votos de forma muito, muito rigorosa, os votos do bodhisattva e os votos tântricos, e fazendo várias práticas de tantra.

Os Nove Veículos

Ouvimos falar de níveis diferentes da prática do tantra. Em geral, na Nyingma falamos de nove veículos. O que significa veículo? Trata-se de um veículo da mente; um nível de trabalhar com a mente que nos transporta a um lugar, como um veículo. Três dos nove veículos lidam com o nível básico do sutra, e depois há seis níveis do tantra.

Os Veículos do Sutra

No sutra temos o que é chamado dos veículos shravaka, pratyekabuddha, e bodhisattva

O Veículo Shravaka

Shravaka é um “ouvinte” dos ensinamentos. São pessoas que ouviram diretamente o Buda ou os professores que o seguiram. Eles têm como objetivo sua libertação do renascimento incontrolavelmente recorrente, o samsara. Trata-se de um veículo pequeno ou um veículo modesto – que é a palavra Hinayana – pois o objetivo é modesto; é a própria libertação. É claro que essas pessoas desenvolvem amor e compaixão – não se pode atingir nada sem amor e compaixão – portanto, não deveríamos pensar que elas não têm amor e compaixão nem que são egoístas. Mas o objetivo dessas pessoas é pequeno, pois visa apenas a própria libertação. Para alcançá-lo, precisam superar a confusão sobre como elas existem.

O Veículo Pratyekabuddha

Pratyekabuddhas são aqueles que vivem nos tempos nos quais não há budas nem ensinamentos do Buda disponíveis, portanto eles têm que confiar nos instintos de vidas prévias para praticar o caminho budista. Eles não têm professores.

Há uma confusão aqui porque atualmente algumas pessoas pensam que: “Ah, posso estudar sem um professor, posso praticar sem um professor, como um pratyekabuddha”. Mas há professores disponíveis hoje em dia. Os ensinamentos estão disponíveis. Ainda que tenhamos instintos de vidas prévias, instintos do dharma, e tenhamos intuitivamente um pouco de entendimento, ainda assim precisamos de professores. O entendimento intuitivo geralmente se manifesta como aquilo que algumas pessoas chamam do efeito “é claro” diante do dharma. O entendimento intuitivo se manifesta quando escutamos um ensinamento e dizemos: “É claro. É claro que isso faz sentido.” É uma indicação de que escutamos isso antes. “É claro”, pois apenas estamos relembrando. Mas não devemos pensar que podemos confiar apenas no entendimento intuitivo. Isso seria um erro. Os professores são exemplos vivos daquilo que estamos tentando alcançar, portanto seu exemplo é muito, muito inspirador. Essa inspiração nos motiva, nos dá energia para trabalhar e alcançar a nossa própria iluminação.

Os tibetanos têm um ótimo ditado: “O melhor professor é aquele que vive a três vales de distância.” Não vemos o professor que vive a três vales de distância com muita frequência. Temos que passar por trilhas que cortam montanhas muito grandes e altas para chegar até o professor, ou ele tem que fazer o mesmo para chegar até nós, portanto não o vemos com frequência, o que significa que não vemos suas imperfeições. Nós o encontramos em uma situação ideal e isso nos ajuda a focar sempre em suas boas qualidades e ser inspirados por isso. Assim sendo, se tivermos professores que vêm algumas poucas vezes por ano, não reclamemos. Na verdade, isso é uma ajuda. Se o professor estivesse aqui o tempo todo, veríamos muitos defeitos nele.

De qualquer forma, pratyekabuddhas são seres muito corajosos que vivem nas eras obscuras nas quais não há ensinamentos disponíveis. Eles também trabalham somente para a própria libertação; mesmo se quisessem ensinar, não encontrariam pessoas receptivas para seus ensinamentos.

O Veículo do Bodhisattva

E há o veículo do bodhisattva, que são aqueles que trabalham para a iluminação para beneficiar todos os seres, mas sem a prática adicional de se imaginarem já na forma de um buda.

Os Veículos do Tantra

Kriya Tantra, Charya Tantra, e Yoga Tantra

Em termos do tantra, temos primeiro todos os kriya tantras, depois o charya tantra e então o yoga tantra. Quando ouvimos falar, nas Novas Escolas - Kagyu, Sakya, e Gelug – sobre quatro classes de tantra, essas três classes (kriya, charya, e yoga) são as três primeiras classes de uma divisão em quatro classes. Trata-se de sistemas da prática do tantra nos quais não temos o objetivo de ativar ou acessar rigpa – ainda estamos trabalhando com os níveis mais grosseiros da mente – mas como é tantra, trabalhamos imaginando que temos a forma de um buda.

O kriya tantra enfatiza o comportamento externo e os rituais. É a nossa prática comum de Tara, Tchenresig e Manjushri. Há dietas e práticas especiais para nos mantermos purificados. Trata-se desse tipo de práticas.

O charya tantra, a segunda categoria, combina esses rituais com práticas mais internas.

E o yoga tantra dá muito mais ênfase às práticas internas, mas com muitos mudras, os gestos das mãos, uma quantidade tremenda de mudras, e mandalas bastante complexas. Uma mandala é um sistema de todas essas diferentes divindades.

E assim como no caminho do bodhisattva, no veículo do bodhisattva, o resultado [o pináculo] desses três veículos é a iluminação. Nós nos livramos dos obscurecimentos – daquilo que é chamado de obscurecimentos emocionais – relativos ao ego, dos quais precisamos nos libertar (e dos quais os shravakas ou pratyekabuddhas se libertam), e também dos assim chamados obscurecimentos cognitivos, que se referem a como tudo existe. Tudo isso nos leva à iluminação.

Mahayoga Tantra, Anuyoga Tantra, e Atiyoga Tantra

Na classificação da Nova Escola, a quarta classe mais elevada de tantra é chamada de anuttarayoga tantra, “o yoga tantra mais elevado”. Na Nyingma o anuttarayoga tantra é dividido em três veículos - mahayoga, anuyoga, e atiyoga. Outro nome para atiyoga é dzogchen.

No anuttarayoga tantra, falamos do estágio de geração e do estágio completo. O estágio de geração é quando estamos trabalhando com nossa imaginação para fazer todas essas visualizações de nós mesmos como figuras búdicas, e imaginamos que estamos fazendo várias atividades para beneficiar os outros. Imaginamos que temos uma cognição não-conceitual da vacuidade e uma mente feliz. Em outras palavras, temos uma mente feliz que entende a vacuidade, com um corpo que tem a aparência de uma figura búdica, como um yidam, por exemplo, e do qual irradiam luzes que beneficiam a todos. Temos como objetivo alcançar a concentração perfeita e combiná-la com generosidade e paciência e perseverança e disciplina e todas essas qualidades – amor, compaixão – tudo ao mesmo tempo. Na verdade, é extremamente difícil.

Quando tivermos a concentração perfeita nisso – o que significa concentração por quatro horas seguidas, sem distrações nem apatia – esse é o nível grosseiro do estágio de geração. O nível sutil é quando imaginamos – visualizamos – perfeitamente a mandala completa, com todas as figuras e assim por diante, em uma pequena gota na ponta de nosso nariz por quatro horas. Portanto, não pensem que o estágio de geração é fácil. Pois não é.

Depois vem o estágio completo. Algumas pessoas o traduzem como “completitude” ou “realização”. Não é realização. É “completo” no sentido de rigpa, que agora tudo está completo por sermos capazes de realizar aquilo que imaginamos na realidade e não somente na imaginação. Agora tudo está completo. Temos todos os materiais, todas as realizações, que nos possibilitarão realizar tudo aquilo que imaginamos até agora.

Para realmente realizar o que imaginamos, temos que ser capazes de acessar rigpa, o que significa que precisamos ser capazes de parar esses níveis mais grosseiros da mente, que criam as aparências confusas. Como fazemos isso? No Novo Tantra, nas Novas Escolas, temos duas formas de fazer isso:

  • Uma forma é trabalhar com a energia e os ventos sutis, o que chamamos de tsalung (rtsa-rlung) em tibetano. Assim tentamos centralizar e dissolver todos os ventos perturbadores ao redor de nosso corpo nos canais. Tentamos fazer com que se dissolvam dentro do chakra do coração para ativar esse nível de rigpa que sempre esteve presente.
  • O outro método é trabalhar com níveis crescentes de consciência bem-aventurada dentro do canal central. Trata-se da prática de tummo (gtum-mo), do calor interno. Não deveríamos pensar que estamos falando de sexo comum. É algo de completamente diferente. Tem a ver com o canal central.

No novo tantra falamos sobre a diferença entre tantra mãe e pai, o tantra pai dá mais ênfase, mais detalhes, às práticas do vento, às práticas tsalung; e o tantra mãe dá mais ênfase aos aspectos da bem-aventurança.

O estágio completo tem vários estágios. No estágio final, há no Novo Tantra aquilo que chamamos de nível da “clara luz”, que é não-conceitual e equivale, de certa maneira, à rigpa (com uma pequena diferença, mas não precisamos entrar em detalhes). Depois, é preciso trabalhar mais para permanecer com o entendimento da vacuidade que vem da clara luz e com a aparência de um buda. Esse é o sistema do Novo Tantra.

Temos o equivalente na divisão Nyingma de mahayoha, anuyoga e atiyoga. Como foi explicado de forma muito clara por Dudjom Rinpoche, todos os três veículos são completos em si mesmos. A única diferença é a ênfase:

  • Mahayoga tantra põe a ênfase no estágio geracional, o que significa mais prática das visualizações. Mas também tem outras práticas com canais e ventos e dzogchen, rigpa.
  •  Anuyoga tem muito mais detalhes sobre as práticas tsalung, as práticas com canais e ventos. Mas também tem práticas de estágios geracionais com visualizações e práticas de rigpa.
  • E atiyoga (formalmente chamada de dzogchen) coloca a ênfase principal no nível interno do que é chamado de estágio completo no Novo Tantra, no qual se chega à cognição da vacuidade com a mente de clara luz. Portanto, com o nível não-conceitual, o nível da verdadeira rigpa. Mas é claro que isso requer um tipo de prática do estágio geracional (um tipo de prática de visualização) e trabalho com canais.

Na prática dzogchen, ou seja, de atiyoga, precisamos trabalhar tanto com a imaginação quanto com esses canais, de forma que, quando manifestarmos rigpa, as aparências geradas serão aparências de figuras búdicas. Por isso, fazemos antes as práticas de visualização; caso contrário, poderia surgir qualquer aparência, mas queremos uma aparência de um buda. E imaginamos essas figuras em união e imaginamos que temos uma consciência bem-aventurada para que quando a própria rigpa se manifestar seja na sua forma bem-aventurada completa.

Quando focamos em rigpa nas práticas do dzogchen, não se trata de trabalhar para dissolver os ventos. Quando conseguimos reconhecer rigpa subjacente a cada momento de nossa consciência – o que é incrivelmente difícil – os ventos e os níveis mais grosseiros da mente se dissolvem. A prática do anuyoga, a prática com os canais e ventos, é feita antes disso para, de certa maneira, lubrificar os canais, lubrificar o mecanismo interno. Assim, quando focamos em rigpa, tudo se dissolve automaticamente.

Dudjom Rinpoche explicou assim a interconexão entre os tantras mahayoga, anuyoga e atiyoga. Não devemos pensar que são totalmente separados. Todos eles são a base para o veículo do bodhisattva.

Essa é a apresentação geral do caminho do sutra e do tantra conforme explicado na Nyingma. Às vezes pode ser que escutemos que o dzogchen está acima do tantra, mas são somente palavras, classificações, pois o dzogchen é praticado totalmente com base no sutra e em todas as práticas comuns do tantra. Não se trata de algo separado. Está em total harmonia com o que é praticado nas escolas do budismo tibetano, não é algo separado. O Dzogchen tem características exclusivas, mas até mesmo dentro de uma escola como a Nyingma há muitas variações. A diversidade é o que torna a vida interessante, não é mesmo?

Perguntas

Alayavijnana, Rigpa e a Mente de Clara Luz

Rigpa e dharmadhatu são a mesma coisa?

De muitas formas, sim. Dharmadatu quer dizer “esfera da realidade”. Dharma é a soma de todos os fenômenos, ou seja, a realidade; e dhatu é a “esfera”. Rigpa, a consciência pura, abrange todas as coisas, por ser onisciente; tem todas as boas qualidades completas. Visto dessa forma, é a esfera da realidade.

Falamos em termos dos cinco tipos da assim chamada consciência profunda (sabedoria) – do espelho, equalizadora, invidualizadora, realizadora e dharmadhatu. De certa forma, podemos ver dhamadhatu como parte desse sistema de cinco tipos de consciência profunda. Ou podemos vê-la abrangendo tudo. Ou podemos pensar em dharmadhatu como sendo vacuidade, a vacuidade de todos os fenômenos ou a vacuidade de rigpa. Portanto, há ligeiras diferenças. Mas quando falamos em dharmakaya, estamos adicionando a rigpa o aspecto da consciência onisciente.

É preciso lembrar que esses termos são usados em muitos, muitos contextos diferentes. Em alguns contextos eles têm um significado. Em outros, têm um significado ligeiramente diferente. Em muito contextos eles se sobrepõem. Em alguns contextos fala-se de uma ênfase ligeiramente diferente.

O que é alayavijnana?

Alayavijnana, ou consciência de base, é o nível de consciência que carrega os hábitos e tendências do carma, das emoções perturbadoras e da falta de consciência ou ignorância. No sistema Chittamatra (Mente Apenas), fala-se de uma existência verdadeiramente estabelecida. Mas no sistema do dzogchen – que não é em absoluto como o Chittamatra – portanto, não pensem que é equivalente –, essa consciência se refere a quando rigpa não “reconhece a sua própria face”, quando ela funciona como alaya, perpetuando aparências confusas, samsara, etc, com as tendências e os hábitos do carma e das emoções perturbadoras. Ela funciona como uma alayavijnana, mas não tem uma existência verdadeiramente estabelecida, portanto, é diferente do Chittamatra.

O dzogchen fala sobre a realização de rigpa, e a tradição Gelug fala sobre a realização da vacuidade. Há uma diferença?

Rigpa é o nível mais sutil da mente, que nunca foi maculado por obscurecimentos ou falta de consciência ou confusão, e é completo com todas as boas qualidades. Ela tem três aspectos (três tipos diferentes de natureza, para sermos precisos):

  • Um deles é que ela estabelece as aparências espontaneamente.
  • Seu aspecto de compaixão: comunica-se para fora.  
  • E o termo kadag (ka-dag), que diz que ela é pura desde o início, primariamente pura (ka é a primeira letra do alfabeto tibetano). Isso corresponde à vacuidade.

A vacuidade é isenta de formas impossíveis de existir. As coisas parecem existir de formas impossíveis como se fossem isoladas, e isso não corresponde à realidade. Em alguns sistemas isso é chamado de vacuidade-do-self (rang-stong), vacuidade de uma natureza autoestabelecida.  Mipam, o principal autor dos comentários da Nyingma, em alguns de seus escritos afirma apenas essa vacuidade, que é a vacuidade nos termos, digamos, da tradição Gelugpa. Em outros comentários ele também escreve como o nível da rigpa é isento de níveis mais grosseiros. Isso se chama vacuidade-de-outro zhentong (gzhan-stong) em tibetano. Isso corresponde à mente da clara luz no Novo Tantra. No Novo Tantra falamos em acessar a mente de clara luz, que é o nível mais sutil.

Eis aqui a diferença entre a mente de clara luz e rigpa. A mente de clara luz está falando de rigpa tanto em seu estado puro quanto no estado no qual ela não reconhece sua própria face e tem os hábitos da ignorância (e quando rigpa não reconhece a sua própria face, ela funciona como alaya). Portanto, a clara luz refere-se a ambas. E a própria rigpa se refere apenas ao estado imaculado. Portanto, estão falando da mesma coisa, mas usando uma classificação diferente.

Quando falamos apenas da vacuidade de maneiras impossíveis de existir, essa é uma forma de explicar kadag, o aspecto de pureza da rigpa. Kadag, este aspecto da pureza, é a vacuidade de maneiras impossíveis de existir e, de acordo com alguns comentários, é também a vacuidade de níveis mais grosseiros da mente. Kadag é a pureza primária. Ela é pura de duas formas:

  • É pura de formas impossíveis de existir. É a nossa vacuidade habitual.
  • E também é pura no outro sentido, ou seja, pura dos níveis mais grosseiros da mente. Isso corresponde à mente da clara luz no Novo Tantra.
A vacuidade é maior do que rigpa?

Eu não diria que é maior. É um aspecto de rigpa. Também há o aspecto que cria as aparências e a compaixão (a energia que vai para fora).  Rigpa tem todas essas qualidades. Com rigpa, estamos falando de todo o pacote daquilo que se se iluminará, e uma parte desse pacote é a vacuidade.  

Dalai Lama

Vocês tiveram a sorte de conhecer alguém que vive no amor e na calma e no autocontrole a tal ponto que essa pessoa não tem medo de nada – nada pode mudar seu estado amoroso, nem mesmo ameaças; ele as aceita como se fossem ventos que sopram?

Eu tive essa sorte. Conheci Sua Santidade o Dalai Lama e seus professores. São pessoas que só se incomodam de verdade por compaixão. Com Sua Santidade o Dalai Lama, ele diz que isso aconteceu duas vezes. Uma vez foi durante a primeira rebelião que houve no Tibete, quando ele partiu e soube quantas pessoas estavam sendo mortas. E alguns anos atrás houve novamente uma rebelião em Lhasa. Ele estava dando ensinamentos e eu estava lá. Ele disse que realmente era muito perturbador para ele que muitas pessoas estavam sendo mortas. Fora isso, não havia problemas nem mudanças em seu humor. Era óbvio que ele era movido por amor e compaixão.

O que ele fazia quando estava incomodado? Ele apenas falava sobre isso, ou era possível perceber algo?

Ele disse que seu sono havia sito perturbado e seus ensinamentos tomaram um rumo diferente do tópico original.

Adaptando o Budismo ao Ocidente

Como podemos reconhecer o que na prática budista é específico do budismo tibetano e o que é substancial e não deve ser mudado? Como podemos adaptar o budismo ao ocidente sem perder sua essência?

É claro que a essência dos ensinamentos é amor, compaixão, refúgio, renúncia, bodhichitta, os ensinamentos sobre vacuidade, os ensinamentos sobre rigpa (consciência pura). Trata-se dos aspectos essenciais e eles precisam transformar nossa personalidade; não é simplesmente algo que fazemos como um hobby e que não tem nada a ver com nossa vida. O ponto principal é usar os ensinamentos como uma ajuda para superar a raiva, o apego, o ciúme, a ingenuidade, etc, como ajuda para superar o egoísmo e desenvolver mais cuidado com os outros. Essa é a essência.

Todos os aspectos ritualísticos são mais ligados à cultura. O ritual ajuda a dar estrutura à nossa prática – não nos livramos dele completamente – mas a forma que os tibetanos ritualizam é diferente de como os indianos o fazem. E isso pode ser modificado novamente para se adaptar melhor à mentalidade ocidental em termos de músicas, oferendas, tormas (gtor-ma, bolo ritual). Os indianos não têm tormas. As bandeiras de oração – isso é completamente tibetano. Esses são aspectos culturais.

E também é muito importante fazer as práticas em nosso próprio idioma. Os tibetanos não as fazem em sânscrito. É importante fazer as práticas com entendimento, não apenas um ritual cego no qual não entendemos o que estamos fazendo. Esses são os pontos principais.

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