Votos e Treinamento de Bodisatva e Recebimento de Iniciação Tântrica

Votos de Bodisatva

Para praticar o estado engajado da bodichita e conseguir praticar melhor as seis atitudes de longo alcance, precisamos tomar os votos de bodisatva. Isso envolve abster-se de cometer as 18 rupturas profundas e as 46 ações errôneas que transgridem esses votos. Atisha afirma:

(19) Sem os votos que são a natureza da bodichita engajada, sua aspiração pura nunca aumentará. Portanto, com o desejo de progredir rumo à aspiração pela iluminação completa, tome-os definitivamente e com determinação.

Um exemplo das 18 ações que constituem uma ruptura radical dos votos de bodisatva é elogiar-se e criticar ou rebaixar os outros. Isso é algo que não deveríamos fazer. Os Bodisatvas nunca se elogiam e também nunca falam mal dos outros ou dizem que eles não são bons.

Para haver uma ruptura completa desses votos, a transgressão tem que ser completada com o que é conhecido como os “quatro fatores vinculativos”. Esses quatro fatores vinculativos fazem com que a violação seja total e percamos os votos. Por exemplo, no que diz respeito a nos elogiarmos e criticarmos os outros, os fatores vinculativos são:

  • Fazer isso constante e continuamente
  • Não achar que isso é errado
  • Ficar feliz em fazer isso e não pensar em deixar de fazer
  • Não ter nenhum senso de respeito próprio e não ter cuidado com como nossas ações refletem nos outros.

Vários detalhes adicionais estão envolvidos e, novamente, vocês podem aprendê-los com os geshes.

A segunda ruptura fundamental que faz com que os votos sejam transgredidos é, por avareza, não estar disposto a compartilhar, dar ou ensinar o Dharma a outros, ou não estar disposto a compartilhar riquezas e posses. Não estar disposto a compartilhar os ensinamentos, a riqueza e os bens com outros por raiva ou hostilidade é uma das 46 ações errôneas, enquanto fazer isso por avareza é uma ruptura radical.

Outra ruptura fundamental é: se uma pessoa fizer algo errado e ficarmos com raiva, e depois ela pedir desculpas, dizendo: “Sinto muito; por favor, me perdoe”, não a perdoarmos, e continuarmos a guardar rancor e ficar com raiva dela. Fazer isso é uma ruptura radical. Em outras palavras, a ruptura fundamental é não perdoar uma pessoa quando ela pede desculpas.

Outra ruptura é dizer que os ensinamentos Mahayana não são os ensinamentos do Buda e recusar-se a praticá-los. Ainda outra ruptura fundamental é seguir ensinamentos distorcidos e considerar uma versão distorcida do Dharma como sendo o Dharma correto, e segui-lo.

Existem 18 rupturas fundamentais como essas. Essas são coisas sobre as quais você deve perguntar no futuro e receber ensinamentos, para que esteja ciente e reconheça quais são os vários votos e possa realmente mantê-los de forma pura.

Quanto aos pré-requisitos para receber os votos de bodisatva, Atisha afirma:

(20) Aqueles que mantém os votos de qualquer das sete classes de libertação individual têm o pré-requisito adequado para os votos de bodisatva; os outros não têm.

Isto se refere a ter como base para o desenvolvimento dos votos de bodisatva um dos sete conjuntos de votos de libertação individual, conhecidos como votos de pratimoksha. Atisha afirma que, entre as sete classes, os votos completos de um monge celibatário são supremos:

(21) No que diz respeito às sete classes de (votos de) liberação individual, Aquele Que Assim Foi (Tathagata) afirmou que os de gloriosa abstinência são supremos; e esses são os votos dos monges completamente ordenados. 

Uma forma de receber votos de bodisatva é através de uma cerimônia ritualista com um professor espiritual totalmente qualificado. Atisha explica:

(22) Através do ritual descrito no “Capítulo de Disciplina Ética” de Os Estágios do Bodisatva, tome os votos (de bodisatva) de um guru excelente e totalmente qualificado. 

A cerimônia ritualística que Atisha especifica vem do “Capítulo de Disciplina Ética” de Os Estágios do Bodisatva (Byang-sa, sânsc. Bodisatvabhumi), de Asanga.

Quanto a quem seria um guru excelente e totalmente qualificado, Atisha diz:

(23) Saiba que um guru excelente é alguém habilitado a conduzir a cerimônia dos votos, e que vive de acordo com os votos, tem confiança para conferir os votos e possui compaixão.

É assim que tomamos os votos de bodichita quando há um lama presente. Contudo, se não houver nenhum lama presente, existe outro método:

(24) Mas se você se esforçou para encontrar um guru e não encontrou, há um outro ritual que pode ser usado para receber os votos, e que eu vou explicar na íntegra. 

Atisha fornece a fonte deste ponto:

(25) Escreverei aqui, muito claramente, como Manjushri gerou bodichita quando era o rei Ambaraja, conforme foi explicado no Sutra do Adorno Para o Campo Búdico de Manjushri. 

Atisha então conta como é a cerimônia e as palavras que recitamos nela:

(26) “Ante os olhos de meus Guardiões, eu gero bodichita e, ao convidar todos os seres errantes, os libertarei dos renascimentos incontroláveis. 
(27) Até atingir o estado de purificação suprema (iluminação), nunca agirei com intenções prejudiciais, com uma mente raivosa, com avareza ou com inveja. 
(28) Devo viver de acordo com a conduta de abstinência; devo me livrar da negatividade e do apego/ganância. Devo treinar continuamente, como fez o Buda, alegrando-me com os votos de disciplina ética. 
(29) Não devo me alegrar em atingir a iluminação rapidamente e em interesse próprio, devo permanecer até o fim, nem que seja para ajudar um único ser. 
(30) Devo limpar todos os reinos, até que se transformem em reinos incomensuráveis e inconcebíveis, e devo ficar em qualquer lugar das dez direções para aqueles que chamarem meu nome. 
(31) Devo purificar todas as ações de meu corpo e fala, assim como as ações de minha mente: Nunca devo cometer ações destrutivas”.  

Treinando o Comportamento de Bodisatva

Autodisciplina Ética Superior

Uma vez recebidos os votos de bodisatva, precisamos nos engajar nos três treinamentos superiores que discutimos anteriormente. O primeiro deles, o treinamento em autodisciplina ética superior, tem três aspectos:

  • A autodisciplina ética de abster-se de ações negativas.
  • A autodisciplina ética de seguir as regras de conduta conforme os votos.
  • A autodisciplina ética de trabalhar para beneficiar todos os seres vivos.

Atisha afirma:

(32) Se treinar-se bem nos três treinamentos de disciplina ética, vivendo de acordo com os votos que são a natureza da bodichita engajada e a causa para a completa purificação do corpo, fala e mente, seu respeito por esses três treinamentos aumentará.

E apresenta as qualidades preeminentes da prática desse treinamento superior:

(33) Assim, o estado completamente purificado da iluminação surgirá; já que, ao esforçar-se em manter os votos de bodisatva, você completará as redes (acumulações) necessárias para a iluminação total. 

No que diz respeito às qualidades preeminentes do desenvolvimento de uma motivação iluminadora, Atisha diz que se desenvolvermos esse estado mental em nossos continuums mentais, conseguiremos rapidamente atingir iluminação.

Para continuarmos na nossa prática, precisamos pôr em prática todas as seis atitudes de longo alcance, as seis perfeições:

  • Primeiro, precisamos praticar generosidade, doar aos outros
  • Em segundo lugar, precisamos manter a autodisciplina ética pura e o autocontrole
  • Terceiro, precisamos praticar paciência. Paciência é o principal remédio ou oponente para combater a raiva. Raiva é algo extremamente negativo pois, com raiva, podemos destruir todos os potenciais e forças positivas que geramos no passado. Portanto, é extremamente importante aperfeiçoar a prática da paciência.
  • A quarta é a prática da perseverança. Com perseverança, temos prazer em qualquer ação construtiva que empreendemos, e trabalhamos com grande esforço e entusiasmo para levá-la até o fim.

Treinamento em Concentração Superior

Para poder beneficiar os outros e trabalhar para o bem deles, é muito importante ter percepção avançada, ou percepção extra-sensorial. Sem isso, é muito difícil conseguir realmente beneficiar os outros. Por exemplo, uma vez, um peixe pulou de um rio e alguém apareceu e o colocou de volta na água. Embora essa pessoa tivesse um coração bondoso e uma motivação muito boa, embora quisesse beneficiar o peixe, ela não tinha percepção avançada, então não conseguiu ver o que tinha na água. Quando colocou o peixe de volta no rio, ele foi rapidamente devorado por peixes carnívoros maiores. Se realmente quisermos ajudar os outros com compaixão, é muito importante ter percepção avançada pois, se não tivermos, poderemos cometer muitos erros desastrosos como esse.

O método para desenvolver a consciência avançada é desenvolver a mente calma e assentada de shamata. Isto é o que precisamos desenvolver primeiro. Atisha afirma:

(34) Todos os budas afirmaram que o desenvolvimento da percepção avançada (percepção extra-sensorial) é a causa para completarmos essas redes de força positiva (mérito) e consciência profunda (sabedoria). 
(35) Assim como um pássaro que não desenvolveu as asas não consegue voar no céu, sem a força da percepção avançada, não conseguimos atender aos objetivos dos seres limitados. 
(36) A força positiva que uma pessoa com percepção avançada ganha em um dia e uma noite é maior do que a força positiva que uma pessoa sem percepção avançada ganha em cem vidas. 

Portanto, se quisermos completar rapidamente a nossa rede de potencial positivo para a iluminação total, devemos fazer um esforço e, assim, alcançar a percepção avançada. A percepção avançada não é para os preguiçosos. Atisha afirma:

(37) Portanto, se deseja completar rapidamente as redes para a iluminação total, se esforce para conseguir uma percepção avançada. Esse não é um trabalho para preguiçosos. 
(38) Alguém que não tenha atingido uma mente tranquila e assentada (quietude mental) não conseguirá obter percepção avançada. Portanto, se esforce repetidamente para atingir uma mente tranquila e assentada.  

É necessário o estado calmo e assentado de shamata para obter a percepção avançada e, em geral, é absolutamente necessário ter esse estado de concentração absorvida, samadhi, para atingir o estado búdico. Isso é algo que não devemos negligenciar.

Se não conhecermos os métodos para alcançar a concentração absorvida e unifocada, mesmo que pratiquemos durante mil anos não conseguiremos alcançar. Portanto, é extremamente importante conhecer os métodos adequados. Se os conhecermos e praticarmos adequadamente, poderemos atingirmos esse estado em seis meses.

Os métodos para alcançar a mente calma e assentada de shamata incluem muitos objetos diferentes que podemos usar para focar; entretanto, independente do objeto utilizado, existem técnicas e métodos específicos para atingir esse estado. Futuramente, peça aos vários geshes eruditos instruções completas sobre como atingir shamata. Os praticantes podem cometer muitos erros e fazer muita confusão sem os métodos adequados. Atisha diz:

(39) No entanto, se as condições que geram uma mente tranquila e assentada forem fracas, mesmo que medite com grande esforço por mil anos, não atingirá a concentração unifocada. 
(40) Assim, mantenha as condições mencionados no capítulo Uma Rede Para a Concentração Unifocada. E mantenha sua mente (focada) em algo construtivo, ou seja, um dos objetos apropriados para o foco.  

Se desenvolvermos concentração absorvida, será fácil desenvolver percepção avançada. Atisha diz:

(41) Quando um yogui obtém uma mente tranquila e assentada, ele ou ela também obtém a percepção avançada.

Treinamento em Consciência Discriminativa Superior

Desenvolver concentração absorvida por si só não é suficiente. Precisamos também de um estado do mental excepcionalmente perceptivo de vipassana, com o qual apreendemos a vacuidade.

(42)  Se você falhou em cultivar a consciência discriminativa de amplo alcance (perfeição da sabedoria), não conseguirá acabar com os obscurecimentos. Portanto, para se livrar de todos os obscurecimentos que dizem respeito às emoções perturbadoras e aos fenômenos conhecidos, cultive sempre a consciência discriminativa de amplo alcance com método (meios hábeis). 

Em outras palavras, precisamos ter os dois juntos, método e consciência discriminativa, ou sabedoria, para podermos eliminar todas as diferentes máculas e obstáculos da nossa mente. Atisha explica:

(43) Isto porque foi dito que consciência discriminativa (sabedoria) sem método (meios hábeis) e método sem consciência discriminativa é continuar preso. Portanto, nunca desista de nenhum dos dois.

Em outras palavras, devemos sempre ter tanto consciência discriminativa quanto método de prática. Para termos ambos, precisamos saber exatamente o que é a consciência discriminativa e o que são os métodos. Atisha explica:

(44) Para eliminar dúvidas sobre o que é consciência discriminativa e o que é método, esclarecerei a diferença entre consciência discriminativa e método

Como isso é dividido? É dividido em termos das seis atitudes de longo alcance. As cinco primeiras, tirando a consciência discriminativa de longo alcance, a “perfeição da sabedoria”, são conhecidas como sendo os métodos, enquanto a consciência discriminativa de longo alcance é o lado da sabedoria. Atisha diz, em referência a essas primeiras cinco das seis perfeições:

(45) O Triunfante explicou que, com exceção da consciência discriminativa de amplo alcance (perfeição da sabedoria), todas as redes de fatores construtivos (práticas virtuosas), como a generosidade de amplo alcance (perfeição da generosidade) e assim por diante, são métodos.

Atisha continua:

(46) É pelo poder do cultivo dos métodos que alguém que possui a natureza de bodichita pode alcançar rapidamente a iluminação, meditando cuidadosamente na consciência discriminativa. A iluminação não surge de meditarmos apenas na ausência de uma identidade inerente. 

Atisha afirma ainda que não é suficiente desenvolver apenas o lado da consciência discriminativa; precisamos também ter os métodos para alcançar a iluminação.

Compreendendo a Vacuidade da Existência Autoestabelecida

Até aqui, o texto discutiu o treinamento em autodisciplina ética superior e concentração superior. Neste ponto, Atisha inicia a discussão sobre o treinamento em consciência discriminativa superior.

Para obtermos um entendimento da vacuidade, precisamos entender as várias bases para ela. Uma base para a vacuidade é um objeto desprovido de existência autoestabelecida, a chamada “existência inerente”. Tais bases abrangem os cinco agregados, as dezoito fontes cognitivas e os doze estimuladores cognitivos. Atisha explica:

(47) A consciência da vacuidade da existência inerente, que percebe que os agregados, as fontes cognitivas e os estimuladores cognitivos não surgem inerentemente, foi descrita como consciência discriminativa. 

Linhas de raciocínio

Além disso, para desenvolver a consciência discriminativa que compreende a vacuidade, precisamos nos basear na lógica e nas várias linhas de raciocínio:

  • A primeira delas é conhecida como “linha de raciocínio que refuta as quatro possibilidades de surgimento”. Ela analisa os resultados que surgem.  
  • A próxima linha de raciocínio, “gotículas vajra”, analisa as causas.
  • A terceira linha de raciocínio, “dissociado de ser singular ou plural”, analisa a natureza de um fenômeno em termos de ele existir como uma ou muitas entidades.
  • Pessoas mundanas dizem que as coisas surgem com base na existência autoestabelecida, pois podemos vê-las com nossos olhos. Para essas pessoas, precisamos aplicar a quarta linha de raciocínio, “refutar o surgimento de algo já existente ou algo inexistente”.

Atisha explica esta primeira linha de raciocínio analisando os resultados neste versículo:

(48)  Se (as coisas tivessem) existência (autoestabelecida), não seria lógico que tivessem de surgir. Se fossem (autoestabelecidas como) não existentes, (quando suas causas estivessem presentes, elas não poderiam surgir), seria como uma flor surgir do nada. Além disso, as coisas também não surgem por terem (existência autoestabelecida e inexistência autoestabelecida), pois isso seria concluir que esses dois absurdos são verdade. 

Ele dá a segunda linha de raciocínio analisando as causas, a linha de raciocínio das gotículas vajra, no próximo versículo:

(49) Fenômenos não surgem deles mesmos, nem de algo (inerentemente) diferente deles mesmos, nem das duas opções conjuntamente. E também não surgem de nenhuma causa. Por isso, é da natureza de todas as coisas não possuir uma existência inerente. 

Atisha dá a terceira linha de raciocínio, se o fenômeno é um ou muitos, no próximo versículo:

(50) Além disso, quando analisamos todas as coisas como sendo (inerentemente) uma ou muitas, e como não conseguimos apontar para nada que seja (inerentemente) existente por natureza, podemos estar certos da inexistência da existência inerente.

Esses três versículos mostram como estabelecer a validade da vacuidade por meio dessas linhas de raciocínio. Da mesma forma, podemos estabelecer ainda mais a sua validade confiando, além disso, na autoridade das escrituras. Existem muitos textos com ensinamentos sobre a vacuidade. Por exemplo, Atisha menciona:

(51) A linha de raciocínio de As Setenta Estrofes Sobre a Vacuidade, de O Texto Raiz do Caminho do Meio e assim por diante, também explica como a natureza dos fenômenos é a vacuidade. 
(52) Para não deixar este texto muito longo, não elaborei muito esse assunto. O que expliquei foi simplesmente para o propósito de meditação em um sistema comprovado de princípios filosóficos. 

Como Meditar Sobre a Vacuidade

Independentemente de termos estabelecido a vacuidade por lógica e linhas de raciocínio ou pela autoridade das escrituras, uma vez que nos convencemos de sua validade, a maneira de meditar sobre ela é dada por Atisha:

(53) Assim, uma vez que não conseguimos encontrar a existência inerente de coisa alguma, sem exceção, a meditação sobre a ausência de existência inerente é a meditação sobre a consciência discriminativa. 

Nunca deveríamos nos agarrar à consciência discriminativa, ou à própria sabedoria, como se tivesse uma existência verdadeira e autoestabelecida. Atisha esclarece este ponto:

(54) Com consciência discriminativa nunca se vê existência inerente nos fenômenos; e é dito que o mesmo se a aplica à existência da própria consciência discriminativa. Portanto, medite sobre a vacuidade de forma não conceitual. 

Para meditar adequadamente, temos que entender que pensamentos conceituais de existência autoestabelecida são coisas que nos prendem a uma existência samsárica incontrolavelmente recorrente. Portanto, é necessário nos livrarmos desses pensamentos conceituais a fim de obter a libertação, o nirvana, o estado além da tristeza. Atisha diz:

(55) Essa existência compulsiva que vem dos pensamentos conceituais (de existência inerente) tem uma natureza verdadeira (meramente fabricada) por esses pensamentos conceituais. Portanto, o estado livre de todos os pensamentos conceituais, sem exceção, é o supremo estado de Nirvana Além do Sofrimento. 

A consciência discriminativa da vacuidade é o oposto da existência autoestabelecida, e afasta todos os pensamentos conceituais de existência autoestabelecida. Atisha afirma:

(56) O Mestre Vencedor Que a Todos Superou (Bhagavan) disse, “O pensamento conceitual (de existência inerente) é a grande ignorância, aquilo que nos faz cair no oceano do ciclo incontrolável de existência. Ao permanecermos em concentração unifocada desprovida de pensamentos conceituais (de existência inerente), ficará claro que (a mente) sem essas concepções é como o espaço”. 
(57) Em A Fórmula Dharani para Engajar-se na Não Conceitualidade, ele disse: “Se os filhos do Triunfante, envolvidos nessa prática pura do dharma, contemplarem esse estado livre de pensamentos conceituais (de existência inerente), transcenderão os pensamentos conceituais que são tão difíceis de serem superados, e gradualmente atingirão um estado livre de tais concepções”.  

A seguir, Atisha resume:

(58) Quando você tiver certeza, através dessas citações e linhas de raciocínio, de que todas as coisas são desprovidas de existência inerente e de um surgimento (inerentemente existente), medite em um estado sem pensamentos conceituais (de existência inerente). 

O Resultado Alcançado Com a Meditação Sobre a Vacuidade

O resultado que advém de tudo isto é que progredimos através dos cinco caminhos mentais e dos dez bhumis dos bodisatvas - níveis mentais até atingirmos o estado iluminado de um buda. Atisha aborda esse ponto:

(59) Tendo meditado assim sobre a realidade e tendo gradualmente atingido o (estágio do) “calor” e assim por diante, você atingirá (o estágio) “extremamente jubiloso” e assim por diante, e a iluminação de um buda não estará muito distante.

Por que a iluminação não estará longe se meditarmos adequadamente sobre vacuidade? Porque progredimos corretamente através dos estágios graduais do caminho. Primeiro nos refugiamos em termos dos ensinamentos de uma pessoa de escopo inicial e depois continuamos através das várias meditações e estágios até desenvolvermos a motivação iluminadora de bodichita, com a qual não voltamos atrás. Além disso, dominamos as diversas práticas para obter a concentração absorvida unidirecionada de shamata e vipassana apreendendo vacuidade. Todos esses treinamentos, juntamente com as diversas outras práticas, nos levam a iluminação.

Se nos treinarmos muito bem em todos os ensinamentos dos âmbitos inicial, intermediário e avançado, poderemos atingir o primeiro nível  dentre os três estágios da primeira etapa  dos cinco caminhos mentais, o caminho da construção. Esses três estágios são os estágios inicial, intermediário e avançado do caminho mental da construção. Depois disso, atingimos os quatro estágios do caminho mental da aplicação, que são o calor, o pico, a paciência e os estágios supremos do Dharma. Depois disso, alcançamos o caminho mental da visão. As etapas entre o caminho mental da visão e a fase final do caminho mental da habituação são divididas nos dez níveis de mente-bhumi do bodisatva. Esses níveis começam com o extremamente jubiloso e assim por diante. Esses são os estágios e níveis de mente-bhumi aos quais Atisha se refere no verso.

Com base em seguir esse caminho gradual, alcançamos o estado iluminado de um buda. Esse estado tem três Corpos Búdicos: um Dharmakaya ou Corpo Que Tudo Abrange, um Sambhogakaya ou Corpos de Pleno Uso, e um Nirmanakaya ou Corpos de Emanação. O Dharmakaya inclui os cinco tipos de consciência profunda (ye-shes), as chamadas “cinco sabedorias de um buda”.

O Caminho Tântrico

Entretanto, para realmente alcançar o estado iluminado de um buda, devemos entrar no caminho do tantra. Não há como alcançar o estado búdico sem atingir os caminhos mentais do tantra. Se praticarmos o tantra, poderemos alcançar as realizações comuns e extraordinárias, os sidis, em sânscrito. Mas para praticar o tantra, precisamos encontrar um guru qualificado e receber as iniciações adequadas. Atisha diz:

(60) No entanto, se através de ações como pacificação, estimulação e assim por diante, geradas pela força de mantras, das oito grandes realizações e de outras realizações, como a realização do [ritual do] vaso excelente, 
(61) E, se através da consciência bem-aventurada, você desejar completar a rede para a iluminação, e também praticar o mantra secreto conforme descrito nas classes kriya, charya e assim por diante do tantra, 
(62) Para que lhe seja conferida a iniciação do (mestre) vajra, agrade seu santo guru respeitosamente servindo-o, dando-lhe substâncias preciosas e assim por diante e fazendo o que ele diz. 

Se perguntarmos: “Qual é o propósito de receber uma iniciação?" um dos propósitos é purificar nossos potenciais cármicos negativos. Atisha afirma:

(63) Por ter agradado seu guru, ao ser-lhe conferida a iniciação completa do mestre (vajra) você se purificará completamente de todas as forças negativas e sua natureza será a de alguém que tem o suficiente para alcançar as realizações verdadeiras.  

"O suficiente" refere-se à força positiva. Quanto à pessoa que receberá as iniciações tântricas, Atisha descreve:

(64) Por ter sido estritamente proibido em O Grande Tantra do Buda Primordial, a iniciação secreta e da consciência discriminativa não devem ser recebidas (de forma literal) por aqueles que praticam abstenção. 
(65) Se você tomar essas iniciações enquanto vive de acordo com a prática asceta de abstinência, estará cometendo uma ação proibida e, assim, seu voto de ascetismo se degenerará. 
(66) Em outras palavras, como praticante da conduta domada, você cairia na desgraça da derrota e, considerando-se que certamente cairia em um dos piores estados de renascimento, nunca conseguiria uma realização.  

Atisha então afirma:

(67) No entanto, se tiver recebido (de forma não literal) a iniciação conferida pelo mestre (vajra) e tiver consciência da realidade, não haverá problemas em suas ações de ouvir todos os tantras, explicá-los, fazer pujas de fogo, pujas de oferendas e assim por diante.  

Se a pessoa, conforme descrito nos versículos anteriores, recebe as iniciações apropriadas, da maneira adequada, de um mestre tântrico qualificado e segue as práticas de forma estrita, mantendo todos os votos e assim por diante, poderá realizar todas essas diversas práticas.

Não deveríamos pensar que só porque recebemos uma iniciação, podemos nos envolver em todas as diversas práticas tântricas avançadas. Somente se tivermos as realizações mais elevadas é que seremos capazes de agir das diferentes maneiras descritas nos textos do tantra. Neste contexto, Atisha está falando em termos de alguém avançado que segue todas as práticas de acordo com todos os procedimentos e votos adequados.

Conclusão do Texto

O texto foi escrito por Atisha e ele conclui dizendo que tomou como fonte todos os vários sutras e tantras. Ele compôs este texto a pedido do Rei Jangchub Ö. E escreve:

Eu, o Ancião Shri Dimpakara, tendo visto (tudo ser) explicado nos ensinamentos de dharma dos sutras e assim por diante, compus esse resumo da explicação do caminho para a iluminação a pedido de Jangchub-wo.  

Este texto é muito extenso e traz muitos pontos diferentes, mas não deu tempo para explicar todos eles detalhadamente. Contudo, no futuro, você poderá pedir aos vários geshes eruditos que expliquem isso mais extensivamente.

Não pense que há algo neste texto que não possamos realizar ou obter insight. Se praticarmos de forma contínua, sem interrupções, lenta e seguramente, poderemos obter todas as realizações descritas neste texto.

Conselho Final

Eu recebi a linhagem oral destes ensinamentos e agora passei para vocês, de modo que agora vocês têm a inspiração dos gurus da linhagem deste texto específico. Isso fará uma grande diferença em termos de suas realizações futuras quando estudarem o texto. Isso fará uma grande diferença em como vocês o entenderão.

Existem muitas maneiras diferentes de explicar e ensinar textos. Por exemplo, num método, um professor explicará cada palavra de uma forma muito complexa e precisa. Há outros que simplesmente leem o texto para um grupo de discípulos e depois vão embora. Com ambos os métodos, as pessoas descobrem que, no futuro, quando lerem o texto, conseguirão compreendê-lo.

Existem outros estilos em que o mestre entrega o texto ao aluno, faz com que ele o leia em voz alta com o guru, e depois manda o aluno embora. Devido à inspiração dessa experiência, quando o aluno vai para casa, descobre que, ao lê-lo novamente, consegue entendê-lo muito bem.

Em suma, se tivermos a devida crença confiante no poder dessa transmissão oral, de fato receberemos inspiração e isso facilitará nossa compreensão dos textos. Claro, se não tivermos uma crença confiante nisso, será muito difícil.

Tenha forte confiança nos dois lamas que vieram aqui e ensinaram. Veja-os como budas, e poderá obter grandes realizações e benefícios com seus ensinamentos. Se imaginar que todos os budas estão presentes nos ensinamentos e tiver a crença confiante de que realmente estão presentes, receberá inspiração de todos eles. Então, mesmo que não haja nenhum buda realmente presente, você receberá a inspiração de todos os budas. Isso acontece porque todos os budas estão conscientes, são oniscientes; eles conhecem nossas aspirações e assim podemos receber sua inspiração para realizá-las. 

Leia o texto original “Lamparina Para o Caminho da Iluminação” por Atisha.

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