Paciência

20:58

(1) Toda a generosidade e oferendas aos budas, assim como as ações positivas que acumulei durante mil eras – um único momento de raiva as destruirá.  

(2) Como não há força tão negativa quanto a raiva ou provação como a paciência, meditarei sobre a paciência, insistentemente e de várias maneiras.

(3) Quando o espinho da raiva se aloja em meu coração, minha mente não tem mais paz, alegria ou prazer, não consegue dormir e se torna instável.

(4) Mesmo aqueles a quem proporciona riqueza e honra, e que dependem dele, quando o patrão é possuído pela raiva, se revoltam a ponto de matá-lo.

(5) Amigos e conhecidos ficarão indignados, e embora ele possa conseguir outros com presentes, não o tratarão com respeito e confiança. Em suma, não há como uma pessoa raivosa estar em uma situação feliz. 

(6) Como o inimigo, a raiva, gera esses e outros sofrimentos; quem suprimir e destruir sua raiva será feliz, nesta e em outras (vidas).

(7)  Encontrando seu combustível no estado mental pestilento que surge dela trazer as coisas que eu não quero e impedir (que eu obtenha) as coisas que eu quero, a raiva, quando inflamada, me destrói.

(8) Portanto, devo extinguir o combustível dessa inimiga, pois sua missão não é outra que não seja me machucar.

(9) O que quer que aconteça, não deixarei que perturbe meu bom humor. Pois, se eu ficar de mau humor, as coisas que eu desejo não acontecerão, e meu comportamento construtivo irá desmoronar.

(10) Se há algo a ser feito, para que eu me aborrecer? E se não há nada a ser feito, de que servirá eu me aborrecer?

(11) Para mim e meus amigos, não desejo sofrimento, desprezo, ofensas ou desgraças; mas para meus inimigos, é (justamente) o contrário.

(12) As causas da felicidade raramente surgem, enquanto as causas do sofrimento são extremamente abundantes. Porém, sem sofrimento, não haveria a determinação de não sofrer; portanto, mente, você deve pensar em ser firme.

(13) Se o povo de Karnata e os devotos de Durga suportam inutilmente o tormento de queimaduras e lacerações, por que sou tão covarde ao buscar a libertação?

(14) Não há nada que não fique mais fácil depois que nos acostumamos; se eu me acostumar com dores menores, certamente as dores maiores se tornarão mais suportáveis.

(15) Quem já não viu isso acontecer com problemas como picadas de cobras e mosquitos, desconfortos como fome e sede, ou erupções cutâneas e coisas do gênero?

(16) Portanto, não devo ser mole com coisas como calor e frio, chuva e vento, doenças, prisão e espancamentos; pois o dano será pior.

(17) Há quem, vendo o próprio sangue, desenvolva excepcional coragem e determinação; e há quem, vendo o sangue dos outros, colapse e desmaie.

(18) Isso vem do estado mental, se resoluto ou covarde. Portanto, vou desconsiderar as dores e não me perturbar com o sofrimento

(19) Mesmo quando em agonia, quem é habilidoso não deixa a sua mente se agitar; e na guerra contra as emoções perturbadoras, são muitos os ferimentos de batalha.

(20) Aqueles que, desprezando o sofrimento, destroem o inimigo, a raiva e assim por diante, eles sim são os heróis vitoriosos; os outros, (apenas) matam cadáveres.

(21) E há vantagens no sofrimento: com a agonia, a arrogância desaparece; a compaixão pelos que estão no samsara aumenta; a conduta negativa é evitada; e encontra-se alegria em ser construtivo.

(22) Se não fico furioso com grandes fontes de sofrimento, como a bile, por que deveria ficar com aqueles que têm mentes limitadas? Todos eles, também, são provocados pelas circunstâncias.

(23) Por exemplo, sem que as desejemos, as doenças aparecem; da mesma forma, sem que as desejemos, as emoções perturbadoras também surgem com força.

(24) As pessoas não pensam "eu vou ficar com raiva", elas simplesmente ficam com raiva; a raiva não pensa "eu vou aparecer", ela (simplesmente) aparece.

(25) Todos os erros que são cometidos, e os vários tipos de comportamento negativo, - todos surgem por força das condições, nenhum deles tem vontade própria.

(26) Um conjunto de condições não tem a intenção “Eu vou gerar”; e o que foi produzido não teve a intenção “eu serei gerado”.

(27) O que os Samkhyas chamam de "matéria primordial" e o que eles imaginam ser "o eu", (essas coisas) não pensam com o propósito “vou surgir (para causar malefícios)” e então surgem.

(28) De fato, como não surgiram, também não existem; então o que poderia querer surgir? E, uma vez que (um eu senciente estático) estaria permanentemente ocupado com um objeto, ele nunca deixaria (de estar).

(29) E se o eu fosse estático (e não senciente, como diz Nyaya), obviamente não agiria, assim como o céu; mesmo que encontrasse outras condições, que tipo de atividade poderia exercer algo que é imutável?

(30) Se até quando fosse alvo de uma ação (o eu permanecesse) como antes, que efeito ela poderia ter sobre ele? Se pudéssemos dizer "Esta é a atividade dele", que tipo de ação os teria conectado?

(31) Tudo está sob o poder de outras (coisas), que por sua vez também não estão sob seu próprio poder. Tendo entendido isso, não terei raiva de nenhum fenômeno – eles são como emanações mágicas.

(32) E se eu dissesse: “Na verdade, conter (a raiva) não faria sentido, pois quem (ou o que) poderia conter o quê?” Eu afirmaria que faz sentido, pois é na dependência disso que se pode interromper a continuidade do sofrimento.

(33) Assim, ao ver um inimigo, ou mesmo um amigo, agindo indevidamente, ficarei tranquilo, sabendo que isso vem de alguma condição.

(34) Se para todos os seres encarnados as coisas acontecessem conforme o desejo deles, como ninguém deseja sofrer, nunca ninguém sofreria.

(35) As pessoas ferem até a si próprias com coisas como espinhos, por não tomarem cuidado; e quando enfurecidas, por desejarem mulheres e bens materiais, (se ferem) por meio de atos como recusar comida.

(36) Há aqueles que se destroem enforcando-se, pulando de penhascos, tomando veneno, alimentando-se mal e através de atos negativos (que levam a renascimentos piores).

(37) Se as pessoas matam até a elas mesmas, que tanto amam, quando estão sob o poder das emoções perturbadoras, por que não haveriam de machucar o corpo dos outros?

(38) Se eu não consigo nem desenvolver compaixão de vez em quando por pessoas assim, que por conta de suas emoções perturbadoras fazem coisas como se matar, pelo menos não terei raiva.

(39) (Mesmo) que ser violento com os outros estivesse na natureza funcional das pessoas infantis, ainda assim seria tão inadequado ficar com raiva delas quanto se ressentir do fogo por sua natureza funcional de queimar.

(40) E mesmo que essa falha fosse temporária, e seres limitados fossem adoráveis por natureza, bem, ainda assim seria tão inadequado se ressentir deles, quanto seria inadequado se ressentir do céu por permitir que a fumaça se espalhe (nele).

(41) Se eu deixar de lado a verdadeira (causa da minha dor), a vara, e me enfurecer com a pessoa que a empunhava, bem, ela, na verdade, foi incitada pela raiva, então a pessoa (também) é (uma causa) secundária. Seria mais apropriado me enfurecer com a raiva.

(42) No passado, devo ter infligido muita dor aos seres limitados, portanto, é apropriado que o mal volte para mim, que tenho sido uma causa de violência contra os seres limitados.

(43) Tanto a arma dele quanto o meu corpo são causas para o meu sofrimento. Uma vez que ele sacou uma arma e eu um corpo, de qual devo ficar com raiva?

(44) Cego de desejo, eu me apossei de um furúnculo doloroso que tem a forma humana e não suporta ser tocado, então, quando ele se machuca, de quem devo ficar com raiva?

(45) Infantil que sou, não desejo sofrer, mas fico obcecado com a causa do meu sofrimento. Uma vez que é minha culpa eu me machucar, por que me ressentir de outra pessoa?

(46) É como os guardas dos reinos sem alegria e a floresta de folhas afiadas: esse (sofrimento, também) é produzido por meu comportamento cármico impulsivo, então, de quem eu deveria ter raiva?

(47) Instigados por meu comportamento cármico, aqueles que me ferem chegam até mim; e se por causa de suas (ações), esses seres limitados caírem em reinos sem alegria, não terei sido eu quem os arruinou?

(48) Através deles, minha força cármica negativa é purificada, por causa de minha paciência (com eles); mas, através de mim, eles caem em reinos sem alegria, de longa dor.

(49) Já que, na verdade, eu os estou prejudicando, e eles me beneficiando, por que, mente irracional, você transforma no contrário e se enfurece?

(50) Como eu tenho a vantagem de desejar (ser paciente), não irei para um reino sem alegria; mas enquanto eu me protejo, o que acontecerá com eles?

(51) E se eu os prejudicasse de volta, eles também não estariam protegidos, e meu (outro) comportamento (de bodhisattva) seria comprometido; e consequentemente, aqueles que estão passando por provações ficariam perdidos.

(52) Como minha mente é imaterial, ninguém pode destruí-la, de maneira alguma; mas por estar obsessivamente envolvida com meu corpo, é ferida pelo sofrimento do corpo.

(53) (Entretanto,) se insultos, grosserias e palavras difamatórias não ferem o meu corpo, por que, ó mente, você fica tão furiosa?

(54) A rejeição dos outros por mim - isso não vai me devorar, nesta vida ou em outra qualquer; então, por que me parece indesejável?

(55) Se não quero (ser rejeitado) pois atrapalharia meus ganhos materiais; bem, embora meus bens desta vida tenham que ser deixados para trás, minhas forças cármicas negativas permanecerão comigo.

(56) Morrer, hoje, seria melhor para mim do que viver uma vida longa usando meios impróprios para sobreviver; pois mesmo vivendo muito tempo, o sofrimento da morte ainda viria para alguém como eu.

(57) Uma pessoa acorda de um sonho após ter experimentado cem anos de felicidade e uma outra acorda após ter experimentado apenas um momento de felicidade:

(58) Uma vez que despertam, a felicidade não retorna mais, para nenhuma das duas. E é exatamente o mesmo para alguém que viveu por muito tempo e alguém que viveu por pouco tempo.

(59) Embora eu possa ter obtido grande ganho material e até mesmo desfrutado de muitos prazeres por muito tempo, ainda assim sairei nu e de mãos vazias, como se tivesse sido roubado por um ladrão.

(60) Eu poderia dizer: “Vivendo do meu ganho material, consumo minha força cármica negativa e faço coisas positivas”. Mas, se em prol de ganhos materiais, eu me tornar uma pessoa raivosa, não estaria consumindo minha força cármica positiva e gerando força cármica negativa?

(61) Se o propósito para o qual vivo se degenerar, de que me servirá uma vida cometendo apenas ações negativas?

(62) Eu poderia dizer: “A raiva que sinto quando me difamam é porque a difamação faz com que os seres limitados percam (a confiança)”. Mas, então por que não fico com raiva quando difamam outra pessoa?

(63) Se você tolera a desconfiança (quando é dirigida ao outro), pois a falta de confiança tem o outro como base, por que não é paciente com alguém que o difama, uma vez que (a difamação) tem as emoções perturbadoras como base?

(64) Mesmo quando dirigida àqueles que insultam e destroem imagens, estupas e o dharma sagrado, minha raiva é indevida, uma vez que os budas e demais não podem ser prejudicados.

(65) Mesmo (em relação) aos que ferem meus professores espirituais, parentes e amigos, evitarei sentir raiva, pois já vi que essas coisas vêm de condições pregressas, como expliquei anteriormente.

(66) Visto que os danos aos seres encarnados são infligidos por seres que possuem mente e também coisas que não possuem mente, por que ter raiva (apenas) dos que têm mente? Então, seja paciente com os danos!

(67) Se uma pessoa, por ingenuidade, cometer más ações, e outra, também por ingenuidade, ficar com raiva: quem poderíamos dizer que tem culpa, e quem não tem culpa?

(68) Por que você cometeu aquelas ações impulsivas, por causa das quais os outros agora me prejudicam? Uma vez que tudo depende do comportamento cármico, por que me ressinto desse (em especial)? 

(69) Percebendo que é assim, me esforçarei para fazer coisas positivas, a fim de que todos tenham bons pensamentos em relação uns aos outros.

(70) Por exemplo, quando o fogo de uma casa em chamas avança para outra, devemos remover e jogar fora tudo o que pode fazer com que ele se alastre, como palha e similares.

(71) Da mesma forma, quando o fogo da raiva estiver se alastrando, por minha mente estar apegada a algo, devo livrar-me disso imediatamente, por medo da minha força positiva ser queimada.

(72) Por que uma pessoa condenada à morte não seria afortunada, se ao ter sua mão cortada, ela fosse poupada? Então, por que eu, que vivencio o sofrimento humano, não seria afortunado, se com isso estivesse sendo poupado de ir para reinos sem alegria?

(73) Se não consigo suportar nem este sofrimento menor do presente, por que não me proteger da raiva, que causa sofrimentos infernais?

(74) Por causa da (raiva) inflamada, fui queimado milhares de vezes nos reinos sem alegria; e (através dela) eu não trouxe benefícios nem para mim nem para os outros.

(75) E, uma vez que as agruras do presente não são nem uma fração das mencionadas, só me cabe ficar feliz, por assim dissipar todos o sofrimento dos seres errantes. 

(76) Se outros têm o prazer da alegria elogiando alguém (que eu não gosto) e que possui boas qualidades, por que, ó mente, você não se alegra, elogiando-o também?

(77) E esse prazer da alegria seria um prazer que não é vergonhoso, que é algo permitido por Aqueles com Boas Qualidades, e superlativo, também, para conquistarmos outras pessoas.

(78) Se você não gostasse desse prazer dele, "O prazer seria apenas dele!" Então, pare (também) de dar salários e coisas semelhantes, e (sua) ruína virá, tanto a visível quanto a invisível.

(79) Quando suas próprias boas qualidades são exaltadas, você quer que os outros também se alegrem; mas quando as boas qualidades deles são exaltadas, você não quer se alegrar.

(80) Você desenvolveu um ideal de bodhichitta ao desejar felicidade para todos os seres limitados, então por que fica com raiva quando encontram essa felicidade por si mesmos?

(81) (Se deu sua palavra) de que deseja que todos os seres limitados se tornem budas, venerados em todos os três reinos, então por que se queima por dentro ao vê-los meramente respeitados?

(82) Se um parente que precisasse ser cuidado e sustentado por você passasse a se sustentar, você não ficaria feliz? Ou ficaria com raiva?

(83) Como pode alguém que não deseja nem mesmo isto aos seres errantes, desejar que eles sejam budas? Onde está a bodhichitta de quem fica com raiva quando os outros prosperam?  

(84) Se ele receber (um presente) de um benfeitor ou se (esse presente) permanecer na casa do benfeitor, de qualquer maneira ele não seria seu, então de que importa se ele foi dado ou não (ao outro)? 

(85) Jogar fora a sua força positiva, a confiança dos outros ou as suas qualidades? Para que? Não se agarrar aquilo que pode lhe trazer ganhos? Diga-me, com quem você não se enfurece?

(86) Além de não se arrepender das coisas negativas que fez, ainda quer competir com outros que realizaram ações positivas?

(87) Mesmo que seu inimigo não tenha qualquer tipo de alegria, o que há nisso para você se deleitar? Um mero desejo em sua mente não se tornará a causa de (algum) dano a ele.

(88) E mesmo que o sofrimento dele tenha surgido do seu desejo, o que há nisso para você se deleitar? Se disser que ficaria satisfeito (com isso), há algo mais degenerado do que isso?

(89) Este anzol lançado pelas pescadoras, as emoções perturbadoras, é terrivelmente afiado. Se elas (lhe) capturarem, ó mente, certamente os guardas do reino sem alegria irão me cozinhar nos caldeirões do inferno.

(90) Louvor e fama, (essas) demonstrações de respeito, não me trarão força positiva, não me trarão vida longa, não me trarão força física, não me libertarão das doenças; e tampouco me trarão prazer físico.

(91) Se eu tivesse consciência daquilo que é bom para mim, o que haveria de bom nisso para mim? Se o que eu quisesse fosse apenas a felicidade mental, deveria me dedicar ao jogo e coisas do gênero, e ao álcool também.

(92) Para obter fama, as pessoas abrem mão de sua riqueza ou até de sua vida; mas de que servirá sua fama quando estiverem mortas, a quem ela dará prazer? 

(93) Quando seu castelo de areia colapsa, a criança chora em desespero; e quando perde a fama e os elogios, minha mente mostra sua face infantil.

(94) Como uma palavra improvisada não possui uma mente, é impossível que tenha a intenção de me elogiar. Mas proclamo, “Aquele (que me elogia) está encantado comigo”, quando considero isso uma causa para (também) me encantar.

(95) Bem, sejam (as palavras de elogio) dirigidas a mim ou a outro, de que me serve a alegria dessa pessoa? Esse prazer é só dela; para mim, não restará (nem mesmo) uma parte dele.

(96) Se sinto prazer com o prazer dela, deveria ser sempre assim. E como é que eu não tenho prazer quando ela tem o prazer da alegria com outro?

(97) Portanto, a alegria que surge em mim simplesmente por pensar “Eu, eu estou sendo elogiado!”  não faz sentido, é apenas um comportamento infantil.

(98) Ser elogiado e assim por diante, faz com que eu me distraia; e também faz com que meu desgosto (com o samsara) se desvaneça. Fico com inveja de quem tem boas qualidades e isso me faz demolir o sucesso.

(99) Portanto, será que aqueles que estão sempre por perto para desmerecer os elogios que recebo e coisas do gênero, não estariam, na realidade, me protegendo de cair em um renascimento pior?

(100) Eu, cujo interesse principal é me libertar, não posso ficar preso a ganhos materiais e demonstrações de respeito. Então, como posso ficar com raiva daqueles que me libertam dessa prisão?

(101) Para mim, que estaria entrando em (um lugar) de sofrimento, como posso ficar com raiva daqueles que vieram, como que por inspiração do Buda, com a natureza de uma porta que não me deixa entrar?

(102) "Mas essa pessoa está impedindo minhas práticas positivas!" Ainda assim, é inadequado ficar com raiva dela. Não existe provação igual à paciência, então será que eu não deveria estar praticando (paciência)?

(103) Se, de fato, é por uma falha minha que não estou agindo com paciência, quando uma causa para a prática positiva está sendo apresentada, sou eu mesmo que estou criando o impedimento. 

(104) Se algo não surge quando uma determinada coisa está ausente, e surge quando ela está presente, essa coisa é a sua causa; então como se pode dizer que ela é um impedimento?

(105) Um pedinte que aparece no momento oportuno não é um obstáculo à generosidade; (assim como) não se pode dizer que aqueles que conferem votos são um impedimento à ordenação.

(106) Nesta vida, são muitos os pedintes, mas poucos são os que me causam mal, pois ninguém me causará mal se eu já não tiver lhe feito mal (em vidas passadas).

(107) Portanto, ficarei encantado se um inimigo aparecer como um tesouro em minha casa, sem que eu tenha tido que me esforçar para adquiri-lo, já que ele me auxiliará no meu comportamento de bodhisattva.

(108) Foi por tê-lo encontrado e, assim, desenvolvido paciência, que ele merece o fruto (dessa paciência); então que eu o dê primeiramente a ele, pois foi ele a causa de minha paciência. 

(109) Se eu dissesse: “Mas ele não teve a intenção de me fazer desenvolver paciência, então esse inimigo não é para ser reverenciado”.  Bom, então por que o santo dharma é para ser reverenciado como uma possível causa para se desenvolver (paciência)?

(110) Se eu dissesse: "Mas a intenção desse inimigo era me causar mal, então não se pode reverenciá-lo." Bem, como eu poderia desenvolver paciência se ele, como um médico, tivesse a intenção de me beneficiar?

(111) Portanto, uma vez que minha paciência surge na dependência da má intenção dele, faz sentido eu reverenciá-lo, como reverencio o dharma sagrado, pois ele é uma causa para a minha paciência.

(112) Por isso, o Sábio falou do campo de seres limitados e também do campo de Triunfantes, (pois,) por tê-los feito felizes, muitos se foram para a margem da excelência.

(113) Se a aquisição das (realizações) do dharma do Buda se deve igualmente aos seres limitados e ao Triunfante, que tipo de sistema é esse em que o respeito aos seres limitados não é igual ao respeito ao Triunfante?

(114) A importância de uma intenção não vem dela mesma, mas do resultado (que ela produz); e a importância do que se obtém através dos seres limitados é, de fato, igual (à importância do que se obtém através do Triunfante); por isso eles são iguais.

(115) Aquilo que é venerado quando se tem uma intenção amorosa (com eles), essa é a magnificência (que vem) dos seres limitados; e a força positiva de se ter confiança nos budas, essa é a magnificência dos budas. 

(116) É a participação deles na realização do dharma de um buda que faz como que sejam considerados iguais; mas, é claro, ninguém pode ser igual aos budas no que diz respeito ao oceano infinito de excelentes qualidades.

(117) Se uma mera partícula da síntese de qualidades excelentes fosse vista em algum lugar, os três planos de existência ainda seriam uma oferenda inadequada para reverenciá-la.

(118) Visto que uma parte daquilo que dá origem à (realização do) dharma mais importante de um buda existe nos seres limitados, é adequado que eles sejam reverenciados, de acordo, exatamente, com essa parte.

(119) Ademais, além de fazerem os seres limitados felizes, que outra retribuição haveria para aqueles que os tomaram como amigos, sem pretensão, e os ajudaram além de qualquer medida?

(120) Uma vez que seriam recompensados por beneficiar aqueles por quem sacrificam seus corpos e mergulham em reinos sem alegria e de dor implacável, mesmo que esses (seres limitados) causassem um grande dano, tudo de bom deveria ser feito (por eles).

(121) Nesse caso, se inclusive para o bem de meu mestre eles negligenciam até mesmo seus próprios corpos, perplexo diante disso, como posso agir com orgulho e não como um servo?

(122) Os Sábios se deleitam com a felicidade (dos seres) e se angustiam quando eles sofrem; assim, quando levo alegria a eles, todos os Sábios se deleitam, e quando os faço sofrer, os Sábios também sofrem.

(123) Assim como não pode haver prazer sensorial para alguém cujo corpo está completamente em chamas, não há como deleitar os Grandes Compassivos quando seres limitados estão sofrendo.

(124) Portanto, qualquer desagrado que eu tenha causado aos Grandes Compassivos, por ter prejudicado os seres limitados, admito hoje abertamente esse ato negativo, e peço aos Sábios que por favor tolerem esse desagrado.

(125) De agora em diante, agirei com comedimento, como um servo do mundo, para deleitar os Tatágatas. Que multidões de pessoas me chutem na cabeça ou mesmo me espanquem até a morte, não revidarei. Que os Guardiões do Mundo se deleitem!

(126) Não há dúvida de que Aqueles com a Natureza Compassiva consideram todos os seres errantes (iguais) a eles próprios. A natureza que eles veem como a natureza essencial dos seres limitados é a própria natureza desses Guardiões, então por que não demonstro (o mesmo) respeito a esses seres?

(127) É exatamente isso que dá prazer ao Tatágatas; é exatamente isso o que cumpre com os meus objetivos; também é exatamente isso que dissipa o sofrimento do mundo; portanto, que seja exatamente isso que eu sempre faça. 

(128) Por exemplo, mesmo quando algum membro da corte está prejudicando as pessoas, aquelas que têm uma visão de longo prazo não irão prejudicá-lo de volta, mesmo podendo,

(129) Pois esse que age assim não está sozinho; pelo contrário, o poder e a força do rei estão com ele. E, quando um plebeu prejudica os outros também não deve ser subestimado,

(130) Pois estão com ele os guardas dos reinos sem alegria e todos os Compassivos. Portanto, (vou me comportar) como um plebeu com seu rei violento, e farei com que todos os seres limitados fiquem satisfeitos.

(131) Mesmo que esse rei ficasse furioso (comigo), será que poderia me infligir a dor de um reino sem alegria, que é o que eu iria experimentar se desagradasse os seres limitados?

(132) E mesmo que tal rei ficasse satisfeito (comigo), ele não poderia me conceder o estado búdico, que é o que eu alcançaria por satisfazer os seres limitados.

(133) (Deixando de lado o fato de) que seu futuro estado búdico surgirá de agradar os seres limitados; você não vê que, pelo menos nesta vida, obteria grande prosperidade, fama e felicidade?

(134) (Além disso), com beleza, saúde e fama, alguém com paciência, enquanto ainda no samsara, ganha uma vida extremamente longa e os prazeres abundantes de um rei chakra universal.

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