Natureza Búdica e as Cinco Sabedorias Búdicas

O Que É a Natureza Búdica?

Nosso tópico para este seminário são as cinco sabedorias do Buda ou, como prefiro chamá-las, os cinco tipos de consciência profunda. Acho que o termo cinco tipos de sabedoria é menos preciso e útil porque todos as possuem, incluindo os vermes e as baratas. É um pouco estranho dizer que uma barata possui cinco tipos de sabedoria, não é? Nosso tópico, esses cinco tipos de consciência profunda, está na verdade contido no assunto geral da natureza búdica.

Agora, o que chamamos de natureza búdica? Em geral, estamos nos referindo aos fatores que permitirão que cada um de nós se torne um Buda. Mais especificamente, eles nos permitem atingir os vários tipos diferentes de corpos iluminados ou corpos de um Buda. Há muito que poderíamos discutir sobre os corpos de um Buda e os muitos tipos diferentes de fatores da natureza búdica que nos permitem alcançá-los, mas este não é o foco do nosso seminário.

Vamos começar com uma visão geral da natureza búdica. Todos possuem as faculdades do corpo, da fala e da mente. Possuímos algum tipo de corpo que nos permite fazer coisas. O coral, que na verdade é um tipo de animal marinho, não pode fazer muito com o seu corpo, mas pode pelo menos se alimentar. Possuímos uma forma de fala; e mesmo que sejamos mudos e não possamos emitir nenhum som, a fala refere-se à faculdade que nos permite comunicar-nos com os outros de alguma maneira.

Todos nós também temos algum tipo de mente: todos nós temos alguma habilidade de entender as coisas e sentir as coisas emocionalmente. Até mesmo um inseto sente medo. Por exemplo, você enfia o dedo na frente de uma formiga e ela corre na outra direção. Obviamente, a formiga tem algum medo do perigo potencial e entende que há algo ameaçador no caminho. Podemos ver que, embora essas várias faculdades possam não ser muito desenvolvidas, todos nós possuímos corpo, fala e mente.

Por possuirmos algum nível de corpo, fala e mente, podemos desenvolvê-los ainda mais. Se os desenvolvermos ao nível mais completo possível, teremos o corpo, a fala e a mente de um buda. Afinal, um buda também possui corpo, fala e mente.

Isso é o que queremos dizer, em termos muito gerais, quando falamos sobre natureza búdica. São coisas como as faculdades do corpo, da fala e da mente que todos nós possuímos e que nos permitem desenvolver as várias características de um buda. A natureza búdica nada tem a ver com a natureza; no entanto, essa terminologia é usada por alguma razão em nossas línguas ocidentais.

Dedique alguns momentos para digerir isso e obter um pouco de compreensão do que queremos dizer com esses fatores da natureza búdica.

[Reflexão]

O Que É a Mente?

Na mente, enquanto um dos fatores da natureza búdica, temos muitas subdivisões. É importante notar que não estamos falando sobre algum tipo de objeto físico ou mesmo alguma coisa imaterial dentro de nossas cabeças. Quando falamos sobre mente, estamos nos referindo à atividade mental. Se a descrevermos em termos muito gerais, é a experiência subjetiva individual de algo. Portanto, ela é altamente individual. Todo mundo possui sua atividade mental individual.

Por exemplo, ao assistir a um filme não vejo o mesmo filme que você. É subjetivo porque o que eu gosto não é necessariamente o que você gosta. É apenas a experiência de algo. Por exemplo, podemos experimentar ver este objeto sobre a mesa e não saber o que ele é. Não saber também é uma forma de experiência, não é? Estamos falando aqui nos termos mais gerais sobre experimentar algo. Claro, podemos ser mais técnicos ao discutir a definição real de mente, mas este também não é o foco deste seminário.

O Que É Consciência Profunda?

Como realmente experienciamos os objetos? Qual é o mecanismo ou estrutura mais fundamental com a qual experimentamos as coisas? Podemos descrever essa estrutura em termos de cinco tipos de consciência profunda. Consciência é um termo de amplo espectro, que significa experimentar algo. Não significa necessariamente que sabemos o que algo é ou que o entendamos. Quando examinamos as formas de conhecer as coisas, por exemplo, podemos perceber que não compreendemos algo, ou podemos não perceber que não compreendemos. Como você pode ver, esta é uma categoria muito ampla.

Em todo caso, temos essas várias maneiras de estar consciente de algo ou de vivenciar algo. A palavra profunda é adicionada ao termo tibetano, em sua tradução a partir do sânscrito, para indicar que é algo fundamental. Algumas pessoas traduzem essa palavra como primordial. Em qualquer das traduções, a conotação é que esses cinco tipos de consciência são subjacentes às várias formas de cognição ou conhecimento das coisas, e existem sem ter um começo. Quando falamos em atividade mental sem início ou o contínuo mental sem início, isso significa que sempre estiveram lá. Essa é a conotação real da palavra profunda; todos nós temos esses tipos de consciência profunda.

Níveis de Base, de Caminho e Resultante

A natureza búdica é sempre discutida em três níveis. O nível básico é o que todos nós temos agora. Este primeiro nível fornece os materiais de trabalho para nos tornarmos um buda. Não precisamos olhar para fora de nós mesmos para encontrar esses materiais de trabalho, pois todos os têm dentro de si, até mesmo insetos e vermes. O reconhecimento do nível básico desses fatores nos oferece algum encorajamento. Podemos ver que realmente temos os materiais de trabalho e que podemos acessá-los e usá-los.

O segundo nível é conhecido como nível do caminho. É o nível em que trabalhamos com esses fatores como um caminho que nos levará à liberação e à iluminação. Este nível é muito expansivo porque inclui todos os diferentes estágios de desenvolvimento entre onde estamos agora e o estado de buda. Os estágios das mentes do caminho descrevem basicamente um curso de evolução. Esta não é, entretanto, uma evolução natural e não é semelhante à teoria darwiniana da seleção natural. Nós mesmos temos que trabalhar esses caminhos mentais para progredir através de fases cada vez mais elevadas de evolução.

Finalmente, o terceiro nível é o nível resultante, o resultado deste processo autoevolutivo. O resultado final é atingir o nível de um buda.

Portanto, quando olhamos para as diferentes maneiras de estarmos cientes de algo — esses cinco tipos de consciência profunda — eles têm uma base, caminho e nível resultante. Também precisamos entender que, quando falamos sobre esses cinco tipos de consciência profunda, sempre temos todos os cinco e eles trabalham conectados. Não é que possamos ter apenas um ou outro.

Vamos examinar o nível básico de cada um desses tipos de forma superficial agora e, a seguir, trataremos de cada um com mais detalhes. Primeiro, começamos tentando reconhecê-los em nós mesmos. Nesse nível, lembre-se de que estamos procurando algo em nossa maneira de vivenciar as coisas que temos em comum com todos. Não estamos falando de algo terrivelmente sofisticado, mas de um aspecto muito básico.

Consciência Profunda de Nível básico, Que É Como um Espelho

O primeiro desses cinco tipos de consciência profunda é chamado de consciência profunda que é como um espelho. Agora, “espelho” é usado como uma analogia muito geral aqui. Não é (um termo) preciso, de forma alguma; uma palavra mais precisa seria “câmera”. Estamos falando sobre receber informações. A analogia de um espelho não está sendo usada no sentido de algo que reflete uma imagem, mas em termos de captação de informações. Também não estamos falando apenas de informações visuais. Na verdade, estamos nos referindo a informações captadas por qualquer um dos sentidos e também do reino mental.

Estamos captando informações em termos de imagens, sons, cheiros, sabores e sensações físicas. No reino mental, estamos absorvendo informações sobre emoções, sobre como nos sentimos e o que pensamos, esses tipos de coisas.

Este primeiro tipo de consciência profunda é um dos fatores da natureza búdica, algo que todos nós temos, incluindo os vermes. O verme também recebe informações, não é? Para rastejar, ele precisa receber a informação do que está à sua frente. A consciência profunda semelhante a um espelho é algo com o que podemos trabalhar, desenvolvendo cada vez mais essa faculdade. Esta é uma característica muito básica de como a mente funciona, não é? Para vivenciar algo, primeiro temos que receber as informações. Nossas mentes fazem isso. Chamar isso de sabedoria parece um pouco estranho.

Consciência Profunda Equalizadora de Nível Básico

O segundo tipo de consciência profunda é chamado de consciência profunda equalizadora, que é a capacidade de reunir informações. Recebemos informações e, para podermos entendê-las, temos que juntá-las com outras informações semelhantes, por exemplo, da nossa experiência anterior. Em outras palavras, temos que enquadrar as coisas em uma categoria ou padrão para saber o que elas são.

Como exemplo, vemos um objeto, pegamos as informações desse objeto e o colocamos junto a outros objetos que se parecem com ele. Isso significa equalizá-lo com outros objetos que se parecem com ele, para saber, neste exemplo, que é uma mesa. Se não fizéssemos isso, nunca poderíamos saber o que alguma coisa é, certo? Além do mais, estamos fazendo isso automaticamente. O verme também faz isso. Como pode o verme saber que algo é comida quando o vê, se não o junta com outros objetos semelhantes, outras instâncias de comida? Novamente, este é um processo muito básico. Estamos apenas juntando coisas que se encaixam.

No nível básico, quando recebemos as informações pela primeira vez, não precisamos saber o que elas significam — sabemos isso com outro tipo de consciência profunda, a quinta, que discutiremos em um momento. Da mesma forma, com a consciência profunda equalizadora, não precisamos saber por que as coisas são iguais, ou o que significa a categoria em que se encaixam, e assim por diante — é, novamente, o quinto tipo de consciência profunda que sabe disso. Aqui, equalizar a consciência profunda se refere apenas à atividade básica de colocar as coisas juntas.

O que descrevi é um tipo muito básico de atividade mental, que ocorre sempre que vivenciamos alguma coisa. Não é algo consciente; é algo que simplesmente acontece, automaticamente. Se vemos um objeto, não criamos simplesmente um menu em nossa mente com todas as coisas possíveis que ele poderia ser e, em seguida, escolhemos em qual categoria ele se encaixará. É incrível que isso aconteça automaticamente; entretanto, não entraremos na fisiologia disso, pois não tenho ideia de como funciona em um nível fisiológico.

Para ser um pouco mais preciso sobre a consciência profunda equalizadora, não estamos falando de uma consciência da igualdade, como se houvesse uma igualdade que é algum tipo de coisa sólida conhecível e que conheçamos essa igualdade. Não é disso que estamos falando . Estamos nos referindo a uma atividade que reúne as coisas e, portanto, as equaliza. Esses dois tipos de consciência são bastante diferentes, não são? Muitos de nós talvez não tenham estudado filosofia ou metafísica, então não somos sensíveis a esses tipos de distinções. No entanto, uma vez explicadas, essas distinções não são tão difíceis de entender e são realmente muito significativas no que diz respeito a nos ajudar a compreender com mais precisão.

Nossas mentes são incrivelmente complicadas e a forma como funcionam é extremamente sofisticada. Por exemplo, se queremos consertar um relógio mecânico antigo, que tem muitas pecinhas, primeiro temos que saber tudo sobre ele, com muita precisão, para que consigamos descobrir o que está errado e saber como consertá-lo. Nossa atividade mental, nossa mente, é assim. A mente não é uma máquina, entretanto. Quando falamos sobre mente no budismo, estamos falando sobre uma atividade mental que é muito complexa e sofisticada. Temos que compreendê-la com grande precisão para conseguirmos consertá-la, que é o que pretendemos fazer no budismo. Quando nossa atividade mental não está funcionando muito bem, isso nos causa muitos problemas.

Consciência Profunda Individualizadora de Nível Básico

O terceiro tipo de consciência profunda, a consciência profunda individualizadora, é o tipo de consciência profunda que individualiza um item. Não é que ela conheça a individualidade de algo; é que ela individualiza as informações equalizadas que são recebidas. Nossa atividade mental capta as informações de todas essas formas coloridas que podemos ver à nossa frente e equaliza algumas delas. Equaliza algumas das informações visuais em uma categoria, que o quinto tipo de consciência profunda identificaria, por exemplo, como a categoria das mulheres. Mas com a consciência profunda equalizadora, estamos simplesmente cientes de que essas formas coloridas e pixels se encaixam em uma categoria. Significa igualar e colocar algumas informações juntas em um grupo.

Agora, dentro desse grupo, nossa atividade mental pode individualizar um item. Essa capacidade nos permite especificar um membro da categoria como diferente dos demais. No caso da categoria das mulheres, novamente, é o quinto tipo de consciência profunda que sabe quem ela é: Gabi e não Alice. Como eu disse, esses cinco tipos de percepção profunda se conectam e operam simultaneamente. Dentro dessa rede, esta consciência profunda em particular individualiza um item dentro de um grupo.

Há um documentário fantástico sobre a vida dos pinguins na Antártica. O filme documenta como os parceiros se aventuram no mar para comer peixes e, depois de algum tempo, voltam. Existe esse bando de cerca de cem mil pinguins, que para todos nós parecem totalmente idênticos, mas não são para um pinguim. Cada um desses pinguins machos consegue individualizar e identificar dentro do bando quem é sua companheira. Isso é extraordinário, não é? Essa habilidade é um exemplo de consciência profunda individualizadora.

Na verdade, também é incrível se examinarmos isso em termos de seres humanos. Podemos perceber a diferença entre diferentes seres humanos com bastante facilidade; entretanto, se retornássemos após estarmos ausentes por um tempo e nosso parceiro estivesse em uma multidão de cem mil pessoas, precisaríamos utilizar nossa consciência individualizadora para encontrá-lo ou encontrá-la.

Obviamente, a consciência profunda individualizadora e a consciência profunda equalizadora não funcionam apenas com informações visuais. Elas também funcionam com o som das vozes das pessoas. O cão os usa com o olfato. Fazemos o mesmo com o paladar, não é? Provamos uma fruta, por exemplo, e assimilamos essa informação. Nós a equalizamos junto a outros sabores semelhantes que já experimentamos, de modo que, com a quinta consciência profunda, sabemos que é um mamão. Podemos então individualizá-lo para que saibamos, novamente com a quinta consciência profunda, que esse mamão não está muito maduro. Nada terrivelmente chocante aqui; estamos falando basicamente sobre como a mente funciona.

Consciência Profunda Realizadora de Nível Básico

O quarto tipo de consciência profunda é chamado de consciência profunda realizadora. É a consciência com a qual podemos realizar algo ou fazer alguma coisa com um objeto. Por exemplo, minha atividade mental capta a informação visual desse objeto na mesa e a equaliza com outros objetos semelhantes que percebi anteriormente. É com base nisso que, por meio da quinta consciência profunda, saberei que se trata de um copo d'água. Em seguida, fico consciente do objeto por meio da consciência individualizante. É com base nessa consciência que individualizo este copo e, novamente por meio da quinta consciência profunda, sei que é o meu copo d'água e não o copo d'água do meu tradutor. Além disso, a consciência profunda realizadora é a consciência de se relacionar com aquele objeto, de fazer algo com ele. Novamente, é o quinto tipo de consciência que sabe o que fazer com o objeto. Aqui, consciência profunda realizadora significa apenas a consciência que realiza algo com o objeto. Neste exemplo, por meio da quinta consciência profunda, sabemos como levantá-la, colocá-la na boca e girá-lo um pouco para cima, para que possamos beber água dele. No entanto, antes de fazermos isso, deve haver a consciência de se envolver com o objeto, de se fazer algo com ele.

Portanto, mais especificamente, a consciência profunda realizadora é a consciência com a qual nossa energia se concentra em um objeto para que realmente façamos algo com ele ou para ele, mesmo que seja para não fazermos nada e simplesmente deixá-lo. Novamente, esse tipo de consciência profunda é muito básica. Todos a têm, incluindo o verme. O verme não poderia comer algo sem essa consciência, porque não saberia o que fazer com o objeto que vê.

Consciência Profunda da Esfera da Realidade de Nível Básico

O quinto tipo de consciência profunda é tecnicamente chamado de consciência profunda da esfera da realidade, dharmadhatu em sânscrito. Por conveniência, vamos nos referir a ela como consciência profunda da realidade. Esse tipo de consciência profunda possui vários níveis. O nível mais básico é a consciência da realidade convencional das coisas. Ele sempre funciona juntamente aos outros quatro tipos de consciência profunda.

Quando absorvemos informações com a consciência profunda que se assemelha a um espelho, por meio dessa consciência profunda da realidade sabemos o que é essa informação. Assim como acontece com um verme, não precisamos ter uma palavra para descrevê-la; mas um verme saberia, em certo sentido, em geral, que é um objeto visual. Dessa forma geral, captamos informações e sabemos que se trata de um objeto visual, ou um som, um cheiro ou um sabor.  

Se pensarmos em termos de um computador que só conhece zeros e uns, ainda deve haver alguma função que diferencie que os zeros e uns significam uma imagem na tela ou um som, ou outra coisa. Nosso cérebro faz a mesma coisa. Os impulsos elétricos chegam e sabemos que algo é uma informação visual, sonora, olfativa ou gustativa. Aqui, estamos apenas falando sobre a consciência profunda da realidade, que anda junto com a consciência profunda que se assemelha a um espelho, para saber que a informação captada é, por exemplo, um som.

Com a consciência profunda equalizadora, estamos juntando essas informações com, por exemplo, outros sons. A consciência profunda da realidade, conectada a tudo isso, sabe que é o som de uma voz. Com a consciência profunda individualizadora conectada à consciência profunda da realidade, saberíamos que é o som da voz de nossa mãe, por exemplo, não apenas uma voz em geral. Por meio da consciência profunda realizadora, saberíamos nos relacionar e nos envolver com esse som. Com a consciência profunda da realidade, saberíamos como nos relacionar, o que fazer então; nesta situação, seria falar e dizer algo em resposta à voz de nossa mãe.

É incrível que nossos cérebros possam realmente fazer tudo isso. Mas, como eu disse, o mecanismo fisiológico real envolvido com a função cerebral está além do alcance do meu conhecimento. No entanto, no budismo falamos sobre a mente, e a atividade mental certamente faz tudo isso. Novamente, é muito básico. Não há nada de especial nessa habilidade da mente.

Tire um momento para refletir sobre o que queremos dizer com consciência profunda da realidade.

[Reflexão]

Como mencionei, a consciência profunda da realidade tem muitos níveis. No nível mais simples, temos consciência do que algo é, e no nível mais profundo, sabemos como algo existe. A compreensão mais profunda seria a consciência profunda da vacuidade de algo. Obviamente, a maioria de nós não possui essa compreensão agora, e o verme certamente também não possui. Mas poderíamos ter alguns níveis mais simples de consciência mais aprofundada da realidade das coisas.

Por exemplo, podemos ter uma profunda consciência da realidade de que as coisas mudam. Agora, é claro, podemos imaginar que nossa boa aparência e essas coisas nunca mudarão; não estamos, entretanto, falando desse nível. Por exemplo, podemos simplesmente perceber a realidade das coisas mudando quando conversamos com alguém. Se não soubéssemos que alguém disse outra coisa, ou o clima mudou, ou que as coisas mudaram na interação com alguém, realmente não poderíamos ter uma conversa com alguém, não é? Saber que as coisas mudam é muito importante para nossas habilidades sociais básicas, para que possamos nos relacionar bem. Os planos mudam, muitas coisas mudam. Tudo isso faz parte da esfera da realidade, a profunda consciência da realidade.

Pense nisso por um momento. Alguém diz algo e dois minutos depois diz outra coisa diferente. Quando absorvemos essas informações, sabemos que eles mudaram de ideia sobre algo. Como sabemos que eles mudaram de ideia? É através do uso deste tipo de consciência profunda da realidade. Caso contrário, as informações que ouvimos seriam desconectadas.  

[Reflexão]

Resumo

Esses são os cinco tipos de consciências profundas. Eles são os materiais de trabalho que todos nós temos para nos tornarmos um buda e para desenvolvermos o nível resultante desses cinco tipos de consciência profunda que um buda possui. Eles são aspectos de nossa natureza búdica. Mas também precisamos reconhecer que agora, no nível básico, os cinco tipos de consciência profunda que temos são limitados. Precisamos de um caminho de prática para que possamos desenvolvê-las ainda mais, com menos limitações. Precisamos também compreender o nível resultante de como elas funcionariam no caso de um buda, quando são ilimitadas. Quando soubermos de tudo isso, entenderemos verdadeiramente o que estamos fazendo em nossa prática budista.

Ao longo deste seminário, investigaremos nossas limitações atuais nesses cinco tipos de consciência profunda e aprenderemos alguns exercícios para nos ajudar a desenvolvê-las cada vez mais. Basicamente, queremos entender para o que estamos trabalhando, que é o mais alto estado de evolução que podemos atingir.

Perguntas

É muito claro que os dois primeiros tipos de consciência profunda atuam em todos os seis campos sensoriais, mas a consciência individualizadora e a realizadora operam apenas no nível sensorial (sem o nível mental)?

A consciência profunda individualizadora certamente pode funcionar no nível mental. Pegamos algumas informações sobre nosso estado emocional, por exemplo, e as juntamos com outras. Junto com isso, saberíamos se estamos deprimidos ou tristes. Então, individualizando, saberíamos que nem todo momento de tristeza ou depressão que sentimos é exatamente igual e que é apenas este que estamos tendo no momento. Com a consciência profunda realizadora, podemos nos relacionar com esse momento individual de tristeza que podemos estar vivenciando e, com a consciência profunda da realidade, saber que ele surgiu de causas e condições específicas, não apenas de forma geral. Com a consciência profunda da realidade, também saberíamos como nos relacionar com essa tristeza ou depressão em particular. Se nossa consciência individualizadora não estivesse muito bem desenvolvida, sempre aplicaríamos o mesmo remédio, a mesma solução, toda vez que estivéssemos tristes.

Como outro exemplo, vejamos como é estar com fome. Ao sentirmos fome, podemos comer sempre a mesma coisa; no entanto, como individualizamos a fome, sabemos que agora gostaríamos de comer um certo tipo de alimento. Nós nos relacionamos com a sensação de fome de forma individual.

Se existimos desde tempos sem princípio, tivemos a oportunidade de experimentar de tudo. De certa maneira, nada seria totalmente novo, porque sempre existe a possibilidade de igualá-lo a uma experiência anterior. É assim mesmo?

Superficialmente, pode parecer que sim, mas isso não significa que as pessoas não possam fazer coisas novas e diferentes. Em todas as conversas que ouvimos, podemos ter ouvido essas palavras antes, mas será que isso significa que já ouvimos exatamente aquelas frases, expressas exatamente da mesma maneira? Isso parece um pouco improvável, mesmo se levarmos em consideração um tempo infinito. Por exemplo, se usamos um computador, será que isso significa, considerando um tempo infinito, que devemos ter usado um computador em algum momento no passado em algum outro universo? Eu realmente não sei se esse é o caso.

Em geral, podemos dizer que já vivenciamos tudo. Está muito claro nos ensinamentos que todos foram nossas mães e nós fomos mães de todos os outros, e que também fomos reis e rainhas e todo tipo de forma de vida. De uma maneira geral, podemos dizer isso, mas não sei se podemos dizer em um sentido mais específico. Por exemplo, nunca vivenciamos ser um buda antes. Esse é um bom exemplo. Também há coisas novas que podemos experimentar, como desenvolver bodhichitta e nunca mais desistir dela pela primeira vez.

Eu entendi corretamente que igualar a consciência profunda é algo automático e não um processo mental de categorização?

A consciência profunda equalizadora é o processo de classificar e categorizar as coisas, mas é apenas a consciência profunda da realidade que saberia qual é a categoria e qual é a classificação. A consciência profunda equalizadora coloca as coisas juntas em grupos; no entanto, ela não funciona exclusivamente como base para a cognição conceitual. Ela também pode ser uma base para a cognição não conceitual. Por exemplo, podemos amar igualmente a todos. Portanto, às vezes a consciência profunda equalizadora coloca as coisas em categorias e classificações, e outras vezes não. Como no exemplo do amor igual para com todos, ou de ter compaixão igual para com todos, primeiro temos que colocar todos juntos em um mesmo grupo. Este grupo é a categoria de seres vivos que desejam ser felizes e não desejam ser infelizes. Por exemplo, uma pedra não se encaixa nessa categoria. No entanto, poderíamos colocar a pedra e a pessoa juntas em outra categoria, como a categoria de "coisas no escuro em que podemos esbarrar".

De acordo com minha compreensão dos cinco tipos de consciência profunda que acabamos de explicar, parece que mesmo um computador avançado pode fazer essas cinco atividades. Por exemplo, existe uma máquina projetada para jogar xadrez, certo? Ele pode receber as informações, pode individualizar cada peça no tabuleiro e pode decidir o que fazer. Essa máquina pode possuir esses cinco tipos de consciência profunda? Isso me assusta.

Para resolver esse dilema, temos que revisar a definição de vivenciar ou experimentar algo. Em termos dos cinco agregados, existe o agregado de sentir um nível de felicidade ou infelicidade. Isso é definido como o fator mental com o qual vivenciamos os resultados de nosso carma. Portanto, vivenciar algo significa sentir um nível de felicidade ou infelicidade junto com esses cinco tipos de consciência profunda. O computador pode ser capaz de realizar as funções dos cinco tipos de consciência profunda, mas não se sente feliz em ganhar o jogo ou infeliz em perdê-lo. Nesse sentido, o computador não possui atividade mental, no sentido de como o budista define atividade mental, embora tenha atividade computacional.

Vamos usar meu exemplo favorito, Star Trek, em que temos o androide chamado Data, pois é muito inteligente. Data faz todas as coisas que você descreve, mas Data não tem sentimentos. Ele não consegue se sentir feliz ou infeliz. Ele é apenas uma máquina e, como máquina, deseja ser humano. Esta é a diferença básica entre uma máquina e um ser vivo. Os seres vivos vivenciam as coisas com felicidade ou infelicidade, mas as máquinas não.

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