A Renúncia ao Apego ao Benefício de Curto Prazo

Do que estamos determinados a ser livres aqui? Do apego à gratificação imediata de nosso desejo e à ganância. Isso seria, por exemplo, se endividar para comprar um carro novo ou um apartamento novo, sem considerar nossa incapacidade de pagar. Ou o apego à gratificação imediata da fome enchendo-nos de fast food ou porcarias, sem pensar no efeito a longo prazo, que é nos tornarmos obesos, destruir nossa saúde e encurtar nossas vidas. Ou o apego à gratificação imediata do desejo por uma bebida ou por um cigarro, novamente sem pensar no efeito a longo prazo em nossa saúde.

Isso se encaixa na estrutura geral de se engajar em comportamentos destrutivos agora por achar que isso nos trará benefícios a curto prazo, e não pensar em termos do resultado cármico a longo prazo. É a mesma ideia, apenas limitada a esta vida. Quando falamos de resultados cármicos no budismo, estamos falando dos resultados que vêm de desenvolver certas tendências e gerar potenciais que podem amadurecer nesta vida, mas na maioria das vezes amadurecem em vidas futuras, em termos de nossas inclinações e tendências nessas vidas. Estamos falando, aqui, de algo quase mecânico, tipo se você comer muito fast food, vai ficar obeso.

Embora haja uma relação causal aqui, não é uma relação cármica de causa e efeito. Existem muitos tipos de causas e efeitos – e nem todos são causa e efeito cármicos. Claro, podemos olhar com mais profundidade e dizer que nem todo mundo que come fast food fica obeso. Portanto, embora a circunstância seja comer fast food, a causa cármica mais profunda para ficar obeso é algo muito anterior a isso. Para nosso nível de discussão aqui, em termos desta vida, não precisamos entrar em detalhes tão precisos.

Uma vez que Tsongkhapa dá tanta ênfase ao reconhecimento do objeto a ser refutado, acho que é útil em cada um desses estágios tirarmos um tempo para refletir e perceber, em nosso caso pessoal, qual seria o objeto a ser refutado. Ou seja, o que eu estou fazendo, em termos do meu comportamento, que é apenas para obter um benefício de curto prazo, uma gratificação imediata de meus desejos, e que está negligenciando o efeito de longo prazo. Pode ser comer demais, comprar coisas a crédito, não fazer exercícios, o que for. É a nossa síndrome de querer gratificação imediata, que é um sintoma de nossos tempos modernos, queremos uma resposta imediata à mensagem de texto, essas coisas. Estamos cada vez mais acostumados a querer uma gratificação imediata. Precisamos reconhecer essa síndrome e então, à medida que avançamos em nossa análise, perceber suas deficiências.

Acho que podemos encontrar muitos exemplos de nosso apego à gratificação imediata. Por exemplo, nosso uso do telefone celular, das mensagens de texto ou do bate-papo on-line – onde esperamos obter uma resposta imediatamente. Ou achamos que podemos interromper qualquer pessoa a qualquer momento e ela precisa imediatamente atender nossa ligação, parar o que está fazendo e prestar atenção em nós, mesmo que estejamos ligando por algo extremamente trivial.

Quanto ao efeito a longo prazo desse tipo de apego, não somos eficientes no que fazemos, pois estamos constantemente sendo interrompidos e interrompendo outras pessoas. Portanto, o efeito a longo prazo é que ficamos muito ineficientes e incapazes de manter o foco nas coisas. E ficamos muito frustrados, claro, quando somos atendidos por uma secretária eletrônica em vez da pessoa para quem estamos tentando ligar. Exigimos que as outras pessoas estejam sempre online e disponíveis 24 horas por dia. E algumas pessoas começam a se ressentir disso, não é? Algumas pessoas se ressentem.

[pausa para reflexão]

Então olhamos para ver se estamos refutando demais ou de menos. Precisamos estar atentos para não ir para os extremos. Para isso, precisamos usar nossa consciência discriminativa. Podemos já não fazer certas coisas que não nos beneficiam, como fumar cigarros. Mas vamos usar um exemplo bem comum: comer coisas com muito açúcar, gordura ou ultraprocessados.

Refutar demais essas comidas, refutá-las quando não há mais nada disponível e precisamos comer alguma coisa para não ficarmos muito fracos e não conseguirmos trabalhar direito, seria ser inflexível, “Não vou comer no McDonalds de jeito nenhum!” Ou então, não cuidar de nenhuma de nossas necessidades de curto prazo mesmo se elas não forem nos prejudicar no longo prazo. Ou seja, refutar exageradamente a gratificação imediata de nossas necessidades de curto prazo, como a necessidade de comer, a necessidade de alimentar os filhos, seria nunca cuidar das necessidades de curto prazo. Mesmo que precisemos nos endividar e pedir dinheiro emprestado para alimentar nossos filhos, refutar demais seria insistir: “Não, nunca irei me endividar” – enquanto seus filhos passam fome.

Refutar de menos seria dizer: “Bem, se eu fumar apenas dois ou três cigarros por dia, tudo bem” ou “Contanto que eu não fique bêbado, não importa a quantidade de vodka eu bebo” – isso é sub-refutar.

Acho que você entende o princípio geral aqui, que em todas as situações, tanto as situações pessoais quanto as circunstâncias em que nos encontramos, precisamos ser flexíveis. Precisamos evitar refutar demais ou de menos, quaisquer que sejam os problemas de nossa situação pessoal. Em outras palavras, estabelecemos certos limites que não ultrapassamos. No entanto, dentro dos parâmetros desses limites, precisamos ser flexíveis de acordo com a situação. Pense nisso por um momento.

[pausa]

Esses são princípios muito importantes de serem aplicados quando estamos trabalhando em um projeto em equipe. Por exemplo, estamos trabalhando com a equipe e surge uma pergunta, queremos a gratificação imediata de uma resposta imediata, por isso temos essa tendência de interromper os colegas de qualquer maneira para obter uma resposta instantânea à nossa pergunta. Mas nossos colegas de equipe se ressentem de serem interrompidos o tempo todo, especialmente quando estão ocupados fazendo algo sozinhos. Isso cria muita tensão na equipe, e o efeito a longo prazo é que é prejudicial para o sucesso do projeto. Refutar demais seria nunca fazer uma pergunta. Não queremos chegar a esse extremo, porque precisamos de uma resposta. Uma estratégia mais eficaz seria perguntar ao colega: “Tenho uma pergunta, esta é uma boa hora para eu perguntar? Ou, por favor, me avise quando tiver tempo.” Além disso, diga a eles se é uma pergunta curta ou algo complicado, para que saibam quanto tempo precisarão para responder.

Acho que com esses exemplos podemos entender que estamos tratando de algo muito prático.

Qual é a causa do apego à gratificação imediata de nossos desejos, sem pensar nos efeitos de longo prazo nesta vida? Basicamente, é não entendermos o mecanismo de causa e efeito. Somos míopes no que diz respeito aos efeitos do nosso comportamento. Ou nossos desejos são tão fortes que não conseguimos exercer qualquer tipo de autocontrole, somos viciados em cigarros, em fast food, em redes sociais, em internet – são muitos os vícios que estamos desenvolvendo hoje em dia.

Além disso, é claro, se aprofundarmos mais, veremos que há muito autocentramento: “Meus desejos são tão importantes que posso interromper qualquer um, porque o que eles estão fazendo não importa. Só importa o que eu quero.”

Há muitas desvantagens em continuar nesse padrão – comer demais, comer porcaria, não fazer nenhum exercício, essas coisas que também podemos fazer devido à preguiça. O efeito a longo prazo é que essas coisas são prejudiciais à nossa saúde, prejudiciais à nossa situação econômica. Ou, se vivemos em um país em que o governo fornece atendimento médico, isso prejudica a economia, pois quanto menos saudável for nosso estilo de vida, mais caro será lidar com os problemas médicos que surgem mais tarde na vida. Há muitas desvantagens em ignorar os efeitos de longo prazo de nosso comportamento, querer apenas a gratificação imediata de nossos desejos.

O que estamos buscando aqui? Estamos buscando pensar nos efeitos de longo prazo de nosso comportamento e não satisfazer nossos desejos imediatos quando eles causarem danos no longo prazo. Lembre-se, não estamos falando de nos abstermos de uma necessidade de curto prazo se no longo prazo ela não traz nenhum dano. Queremos olhar para os efeitos de curto e longo prazo de nosso comportamento. O efeito a longo prazo é sempre mais importante do que o efeito a curto prazo.

Às vezes precisamos até fazer algo doloroso agora, mas que no longo prazo será benéfico, como fazer uma cirurgia para corrigir um problema. Certamente não é muito agradável passar por uma cirurgia, mas o benefício a longo prazo é um benefício para a nossa saúde, para toda a vida. Precisamos desenvolver o hábito de avaliar o efeito a curto prazo e o efeito a longo prazo de nosso comportamento. Quer estejamos lidando com situações pessoais, com nossas famílias ou com um negócio que estamos começando, precisamos pensar nos efeitos de curto e longo prazo.

Precisamos evitar superestimar nossa meta, o efeito de alcançá-la, e também não subestimar. Um exemplo de superestimar é pararmos de fumar ou beber e pensar que não corremos mais perigo a longo prazo de contrair um câncer ou ter insuficiência hepática: “Se eu parar de fumar agora, nunca terei câncer” – isso é esperar demais, é irreal. E subestimar? Isso seria: “Não faz muita diferença o que faço agora, pois no longo prazo tudo pode acontecer”. Por  exemplo, nosso dinheiro pode perder o valor, então não importa se temos uma dívida enorme. Ou: “Haverá uma cura para o câncer no futuro, então posso fumar o quanto quiser agora”.

Muitas pessoas têm esse defeito quando pensam em termos de ecologia – poluição, aquecimento global. “Não importa a quantidade de emissões de dióxido de carbono que fazemos, pois no futuro eles descobrirão como lidar com isso” – isso é subestimar o que buscamos. Ou, “Só temos que reduzir um pouco” ou “O que fazemos não importa”.

Em seguida, pensamos nos benefícios de conter a gratificação imediata de nossos desejos e pensamos nos efeitos a longo prazo disso. Quais são os benefícios disso? O efeito disso seria termos uma estratégia de longo prazo de fazer exercícios e ter uma dieta saudável, a fim de termos uma boa saúde e uma vida longa.

Nunca é tarde para mudar nossos hábitos. Comecei a me exercitar em uma academia aos 60 anos; e só aos 67 anos comecei a fazer musculação. Por quê? Para tentar melhorar minha saúde e ter uma vida longa, pois tenho uma quantidade enorme de trabalho que quero realizar, e agora, aos 70 anos, estou mais forte do que jamais estive em toda a minha vida, fisicamente. Superestimar isso seria achar que os exercícios vão me garantir vida longa. Não vão garantir, eu posso desenvolver um câncer na semana que vem, ou ser atropelado por um caminhão – não há garantia. Mas subestimar seria fazer como a maioria das pessoas da minha idade, que dizem: “Ah, é tarde demais, estou velho demais para fazer musculação, vou apenas jogar golfe ou algo menos extenuante” – e eu posso te dizer que ser forte faz você se sentir muito melhor do que ser um velho fraco.

Precisamos ter uma estratégia de longo prazo para a saúde, em termos de exercício e dieta. Isso é muito importante. Seremos muito mais eficazes no que fazemos se nos sentirmos bem fisicamente. Sentir-se bem fisicamente definitivamente afeta seu estado de espírito. Outro exemplo: o benefício a longo prazo de economizar dinheiro e não comprar ou gastar acima de nossas possibilidades – a menos que nossa moeda perca muito o valor, o que eu sei que é uma preocupação aqui na Rússia – é que isso vai nos ajudar mais tarde na vida. Então, tentamos fazer bons investimentos.

Os alemães são muito bons nisso. É muito interessante como a mentalidade alemã em relação à dívida é tão diferente de outros países, que acumulam dívidas enormes. Há uma razão para isso. Em geral, os alemães não compram a crédito – essa é uma tendência geral entre eles – e a razão para isso é que a palavra alemã para dívida, schuld, é a mesma palavra que culpa. Se você comprar coisas a crédito e se endividar, você é culpado, não é uma boa pessoa. Isso é muito profundo na mentalidade alemã. Claro, isso é totalmente diferente na América ou em alguns outros países europeus onde não há problema em se endividar, então há um grande conflito. Há uma sabedoria na maneira como os alemães abordam essa questão, embora associar dívida à culpa e a “não uma boa pessoa” talvez não seja muito útil.

O que fazemos quando renunciamos a pensar apenas no benefício de curto prazo? Planejamos o futuro; tomamos medidas preventivas para tentar evitar problemas mais tarde na vida, fazemos exercícios, temos uma alimentação saudável, economizamos ou fazemos algum tipo de investimento, não gastamos cada centavo que ganhamos quando temos excesso de renda. Obviamente, se você não tem excesso de renda, isso não é um problema.

Se você faz isso na esfera empresarial, se está planejando um projeto, faça-o de forma que possa se adaptar a desenvolvimentos futuros, não faça algo restrito. Pense em termos de estratégia de longo prazo, não apenas de curto prazo.

Qual é o método para superarmos o apego ao benefício de curto prazo e desenvolver a determinação de nos livrar dele? É basicamente pensar em causa e efeito, qual serial a consequência a longo prazo do nosso comportamento, pelo menos em termos de probabilidade – qual poderia ser. E seja realista.

Há uma linda história em um dos antigos clássicos chineses que eu gosto muito, é a história O Tolo Homem de Song – Song era um antigo reino na China. Certa vez, havia um fazendeiro no antigo reino de Song. Um dia, passeando pelo campo, encontrou um coelho morto ao lado de um toco de árvore. Durante a noite, um coelho correndo bateu nesse tronco de árvore e morreu. Depois disso, o fazendeiro desistiu de cultivar seu campo e passou a sentar-se o dia todo ao lado do tronco da árvore. As pessoas lhe perguntavam: “O que você está fazendo?” Ele dizia: “Estou pegando coelhos!”

Portanto, se vamos adotar uma estratégia de longo prazo, tenha uma estratégia realista, não como a do Tolo Homem de Song pegando coelhos. Precisamos ter uma visão realista de causa e efeito, e então exercitar o autocontrole.

Assim como nos ensinamentos tradicionais sobre a renúncia, precisamos de autodisciplina. Precisamos de autocontrole, concentração e consciência discriminativa do que é útil e do que é prejudicial. E precisamos ficar atentos aos obstáculos que impedem esses três treinamentos essenciais.

• Cuidado com o arrependimento ao tentar exercitar a autodisciplina – por exemplo, se arrepender de não ter comido aquele Big Mac no McDonalds ou algo assim, “Eu realmente queria e me arrependo de não ter pedido as batatas fritas também, elas são tão deliciosas."
• Cuidado com a sonolência, o embotamento, a inconstância da mente, a divagação mental e assim por diante, que nos fazem perder o foco no rumo que queremos seguir.
• Cuidado com a indecisão, dúvidas aflitivas como “Será que fazer exercício vai realmente me ajudar?”

Quando começamos a ter essas dúvidas, vem a preguiça, então precisamos discriminar corretamente: sim, vai ajudar. Mesmo que não tenhamos vontade de correr ou fazer exercícios, fazemos de qualquer maneira, porque tomamos a decisão de que isso nos é benéfico. Discriminamos que isso nos ajudará – disciplina. Até mesmo em termos de hormônios, quando nos exercitamos nossa dopamina aumenta, o que fortalece a nossa mente.

O último ponto é ter confiança de que podemos fazer isso, podemos pensar não apenas na gratificação de curto prazo, mas no benefício de longo prazo, pois conseguimos nos abster da gratificação imediata em outras áreas. Adoraríamos ficar na cama e dormir mais de manhã, mas desistimos dessa gratificação de curto prazo porque pensamos no longo prazo. Eu tenho que me levantar, tenho que alimentar as crianças, tenho que ir trabalhar, etc. Assim, conseguimos exercitar o autocontrole e não apenas satisfazer nossos desejos de curto prazo. Ou, se quisermos ir aos ensinamentos de um grande lama que está visitando nossa região, ou ir para a Índia, podemos juntar dinheiro. Abstemo-nos da gratificação imediata porque estamos olhando para um objetivo de longo prazo nesta vida. Portanto, somos capazes. Isso nos dá confiança.

Outra coisa que poderíamos acrescentar seria: o que dificultaria fazermos isso. Por exemplo, a má influência de certos amigos, que dizem: “Vamos, beba alguma coisa, fume conosco, vá ao McDonalds. Por que você quer ir à academia e fazer exercício? Isso é ridículo." Outro exemplo é enganar os amigos que dizem: “Qual é o problema, você não gosta de mim? Beba comigo!” – o que eu acho que é um problema aqui na Rússia. Em certas situações sociais, quando a outra pessoa insiste que você tome uma dose de vodka com ela e você recusa, isso pode arruinar a interação ou mesmo todo o relacionamento. Portanto, você tem que ser um pouco flexível, mas em termos de estratégia de longo prazo, é melhor tentar evitar esse tipo de companhia e situação. Existem muitas coisas que podem atrapalhar nossos bons planos; precisamos estar atentos a elas.

Em suma, assim como em uma empresa, onde precisamos ter uma estrutura lógica para planejar nossa estratégia, acho que é muito útil ter esse mesmo tipo de abordagem ao lidar com nosso desenvolvimento interno. Assim, isso se torna muito mais eficaz.