Renúncia: Método de Análise

O Significado de Renúncia: a Determinação de Ser Livre

Neste fim de semana vamos falar sobre um tópico central nos ensinamentos budistas – a determinação de ser livre, geralmente traduzida como “renúncia”. Este termo, renúncia, é um pouco difícil de entender, e acho que é principalmente porque ele não transmite bem o significado dos termos originais, em sânscrito ou tibetano.

Nas línguas originais, o termo tem a conotação de ter certeza, ter clareza; e adicionalmente a conotação de ter certeza de que queremos deixar algo. Se olharmos mais profundamente, significa o que tenho traduzido como: uma determinação de ser livre, de ser livre de várias fontes de sofrimento e problema, várias limitações.

Aquilo a que estamos renunciando, o que queremos deixar para trás, aquilo de que queremos nos libertar, são nossos vários problemas e limitações, assim como aquilo que os origina, as causas para eles. Afinal, o tema central dos ensinamentos budistas é livrar-se do sofrimento. Tudo o que o Buda ensinou foi para ajudar as pessoas a superar os vários problemas que enfrentam na vida – e não apenas nesta vida, mas vida após vida.

As Quatro Nobres Verdades

Podemos perceber isso com muita clareza desde o primeiro ensinamento do Buda, que foi as quatro nobres verdades. Esses são os vários fatores que aqueles que são altamente realizados, os aryas, aqueles que viram a realidade de forma não conceitual, perceberam como sendo verdadeiros.

  • Muitas pessoas identificaram vários problemas diferentes na vida, mas o que o Buda apontou foi o verdadeiro problema, o problema mais profundo.
  • Outros conseguiram descobrir as várias causas dos diferentes problemas que temos, mas o Buda percebeu a verdadeira causa, a causa mais profunda desses problemas.
  • Outros viram que podemos obter alívio de nossos problemas, podemos interrompê-los até certo ponto, mas o Buda viu que o que eles defendiam era apenas um alívio temporário; os problemas voltavam a aparecer. O Buda viu qual seria a verdadeira cessação dos problemas.
  • Outros viram que tipo de entendimento nos levaria, como um caminho, à obtenção da liberação, uma verdadeira cessação de nossos problemas, e também ensinaram que esse entendimento seria o entendimento da realidade. Mas o Buda viu que o que eles ensinaram não era profundo o suficiente, não era eficaz o suficiente, e ensinou qual era o verdadeiro caminho, qual era o verdadeiro entendimento, em termos da verdadeira descrição da realidade. Se entendermos isso, obteremos uma verdadeira cessação nos níveis mais profundos, das verdadeiras causas, de nossos verdadeiros problemas.

Quando tentamos entender e trabalhar com essas quatro nobres verdades, é muito importante identificar quais são os equívocos a respeito de nossos problemas, suas causas, suas cessações e os entendimentos que farão com que cessem, e por que estão incorretos, ou são insuficientes, e então entender quais são os quatro fatos verdadeiros – essas quatro nobres verdades. É assim que trabalhamos com elas.

Mas para superar nossos problemas e limitações, que são os verdadeiros problemas, precisamos desenvolver a determinação de nos livrar deles. Isso não significa apenas “eu gostaria de ser livre”, significa também que estamos determinados a nos livrar de suas causas, suas verdadeiras causas, pois nós identificamos quais são essas verdadeiras causas.

Lam-Rim, os Estágios Graduais do Caminho

Os vários problemas e limitações que enfrentamos são abordados na estrutura do que é conhecido como lam-rim, as etapas graduais do caminho. Com elas, trabalhamos para superar progressivamente os vários níveis de problemas.

Se olharmos para o que foi identificado pelo Buda como sendo os verdadeiros problemas, temos três níveis:

  • Infelicidade – geralmente nos referimos a isso como sofrimento do sofrimento, mas isso se refere basicamente à infelicidade. A infelicidade que sentimos mais dramaticamente é a dos piores estados de renascimento.
  • Uma vez que tenhamos resolvido isso, podemos nos concentrar no próximo nível de problema: nossa felicidade comum, que nunca dura, nunca satisfaz, etc.
  • Por trás desse tipo de felicidade comum problemática, bem como à infelicidade, está o terceiro nível de sofrimento, que é o renascimento incontrolavelmente recorrente. Essa é a base para vivenciarmos os altos e baixos incontroláveis de nossa experiência de vida, em termos de felicidade e infelicidade.

Então, em um nível mais profundo, embora o Buda não tenha mencionado este próximo problema, em termos de verdadeiro sofrimento, a primeira nobre verdade, no entanto, o que também é problemático são nossas limitações em conseguir ajudar os outros, então isso também precisa ser superado.

Os Três Níveis Graduais de Motivação 

Os três níveis graduais de motivação do lam-rim abordam esses vários problemas e limitações.

  • Com a motivação de escopo inicial, trabalhamos para superar a infelicidade, especificamente a infelicidade dos piores estados de renascimento.
  • Com a motivação intermediária, trabalhamos para superar os problemas da felicidade comum, a felicidade insatisfatória, e também os problemas dos melhores estados de renascimento e dos renascimentos incontrolavelmente recorrentes.
  • Com a motivação de escopo avançado, trabalhamos para superar as limitações que nos impedem de ser oniscientes, de conhecer todas as formas de ajudar a todos.

Em cada um desses escopos graduais de motivação, temos a determinação de estar livre de um determinado nível de problema ou limitação. Embora, nos textos do lam-rim, os ensinamentos específicos sobre a renúncia, a determinação de ser livre, estejam no contexto do escopo intermediário de motivação, podemos aplicar esse princípio que queremos desenvolver – a determinação de ser livre – a todos os três estágios do lam-rim.

Tsongkhapa, a fonte da tradição Gelug, já apontava isso nos Três Aspectos Principais do Caminho – um texto muito importante nessa tradição. Nele, Tsongkhapa fala de dois níveis de renúncia, dois níveis dessa determinação de ser livre. Primeiro ele fala sobre a renúncia que nos leva a não aspirar pelas coisas prazerosas desta vida, pois elas nos impedem de aproveitar nosso renascimento humano precioso e desenvolver um interesse intenso em melhorar as vidas futuras, ter isso como principal interesse. Este é o primeiro nível de renúncia, o que desenvolvemos no nível inicial. Queremos nos preocupar com nossas vidas futuras, nossos renascimentos futuros e, claro, evitar renascimentos piores. Para isso, precisamos tirar esta vida, beneficiar esta vida, do foco principal, e focar na determinação de nos livrarmos da obsessão apenas com esta vida, pensando assim nas vidas futuras.

Estamos tentando expandir nossas mentes, nossa compreensão, nosso escopo, e ao invés de olhar para as coisas buscando recompensas imediatas pelo que fazemos nesta vida, consequências imediatas, buscar as consequências de longo prazo, em vidas futuras. Falo em termos de potenciais, hábitos, tendências que desenvolvemos em nossos contínuos mentais, que terão consequências no longo prazo.

O segundo nível de renúncia que Tsongkhapa menciona em seu texto é a renúncia em que não aspiramos por coisas prazerosas em vidas futuras. Ao invés disso, desenvolvemos um grande interesse em alcançar a liberação. É nisso que geralmente pensamos quando pensamos em renúncia.

A Tradição Sakya de “Separar-se dos Quatro Tipos de Apego”

Um dos textos centrais da tradição Sakya chama-se Separando-se dos Quatro Tipos de Apego. Esse texto foi revelado a Sachen Kunga Nyingpo, o primeiro dos cinco grandes mestres fundadores da tradição Sakya no Tibete, por Manjushri. Sachen Kunga Nyingpo nasceu 34 anos após o falecimento de Atisha, o grande mestre indiano que introduziu os três ensinamentos do escopo gradual do lam-rim no Tibete. O texto diz:

Se você tem apego a esta vida, não é um praticante do Dharma. Se você tem apego ao samsara (renascimentos incontrolavelmente recorrentes), isso não é renúncia. Se você tem apego aos próprios objetivos, isso não é o ideal de bodhichitta. Se surge apego à existência autoestabelecida, isso não é a visão.

Na tradição Sakya, o material que encontramos – primeiro com Atisha e a tradição Kadam e mais tarde nos textos lam-rim da tradição Gelug – é organizado em termos de dissociação. Em outras palavras, em termos da determinação de ser livre, e se libertar do apego a esses quatro diferentes fenômenos.

Acho isso muito importante se quisermos superar uma visão sectária de “Nós temos a única verdade em nossa linhagem” e entender que, nas várias tradições tibetanas, o mesmo material é apresentado em estruturas um pouco diferentes. E porque não deveria ser assim? Ter várias maneiras diferentes de organizar o material – a arquitetura da informação, como dizemos na era digital – ajuda a atender às diferentes necessidades de uma grande variedade de leitores e usuários.

Atualmente estou envolvido na produção do nosso novo site, onde identificamos os seis tipos de usuários mais típicos. Com base nisso, planejamos desenvolver uma arquitetura da informação que se adeque a cada um desses tipos de usuários, para que cada um consiga acessar o material com facilidade. É a mesma coisa quando se trata de organizar o material dos sutras, ele pode ser organizado como no lam-rim ou em Separando-se dos Quatro Tipos de Apego ou nos Quatro Pensamentos que Direcionam a Mente para o Dharma e assim por diante. Existem muitas diferentes arquiteturas da informação para isso.

No contexto do texto Separando-se dos Quatro Tipos de Apego, vemos que os dois tipos de renúncia, ou determinação de ser livre, apontados por Tsongkhapa, correspondem à separação dos dois primeiros tipos de apego mencionados por Sachen Kunga Nyingpo: o apego a esta vida e o apego ao samsara. O mestre Sakya acrescentou a esses dois tipos de apego a determinação de sermos livres do apego às nossas próprias preocupações egoístas – o autoapreço – e apego à existência autoestabelecida. Ambos estão incluídos na apresentação de Tsongkhapa da motivação do escopo avançado.

Dharma-Light e Dharma Autêntico

Acho que poderíamos adicionar um outro nível aqui, o nível ao qual tenho me referido como “Dharma-Light”, em oposição ao “Dharma Autêntico”, e que são ensinamentos budistas sem a apresentação do renascimento. Sua Santidade o Dalai Lama usa uma arquitetura da informação ligeiramente diferente para apresentar o mesmo ponto, referindo-se em termos de ciência budista, filosofia budista e religião budista.

A ciência e a filosofia budistas estariam no que chamo de “Dharma-Light”, que talvez não seja o termo mais bonito. Ciência e filosofia budista é um termo mais respeitoso – Sua Santidade é certamente mais habilidoso do que eu. A religião budista se referiria ao Dharma Autêntico. É apenas uma arquitetura da informação diferente. Eu certamente não quis colocar a ciência e a filosofia budistas como algo menos real do que a religião budista, usando os termos “Dharma-Light” e “Dharma Autêntico”, então espero que as pessoas não entendam mal.

O nível de renúncia Dharma-Light, que eu acho importante ter antes de ter os quatro níveis padrão de renúncia – isto é, antes de ter a crença no renascimento – seria renunciar a trabalhar apenas para ter benefícios de curto prazo nesta vida, em vez de seu principal interesse estar no benefício a longo prazo nesta vida. Por exemplo, contrair uma grande dívida para comprar um carro novo, um computador novo, um apartamento novo e assim por diante, e não pensar que nunca conseguirá pagá-lo. Isso é não pensar nas consequências a longo prazo nesta vida, visar apenas a gratificação imediata com o que queremos agora. Precisamos desenvolver a determinação de nos livrar disso, pois isso produz problemas graves, não é mesmo? Esse seria o nível Dharma-Light, e podemos ver que é um nível muito sério, não é algo que possamos ignorar.

Acho que podemos adicionar a esses quatro níveis de separação do apego, um nível que é específico do tantra. No tantra, precisamos desenvolver a determinação de nos livrar da criação comum de aparências, e do apego comum a essas aparências. Ou seja, precisamos nos livrar do apego à nossa mente criar aparências comuns de corpos e ambientes samsáricos, e em vez disso, ter como principal interesse fazer com que nossas mentes criem aparências de figuras búdicas (yidams) e mandalas – aparências puras. E em vez de nos apegarmos à existência autoestabelecida das aparências samsáricas comuns ou dessas chamadas aparências nirvânicas de mandalas e assim por diante, ter como principal interesse a sua vacuidade.

A Importância da Meditação Analítica

Neste fim de semana, eu gostaria de discutir todos esses diferentes níveis de determinação de ser livre. Para cada um deles, proponho seguirmos um esquema de análise. Sua Santidade o Dalai Lama está sempre enfatizando a importância de fazer a chamada “meditação analítica”, em vez de apenas recitar mantras ou fazer rituais. Isso é o que traz compreensão clara e transformação em nós. Sua Santidade diz isso o tempo todo, porque as pessoas tendem a limitar sua prática do Dharma a meramente realizar rituais e recitações com quase nenhuma compreensão, e isso traz muito pouco benefício.

O Buda não nos ensinou que se quisermos superar nossos problemas, o verdadeiro caminho para isso é orar. Ele ensinou que o verdadeiro caminho para nos livrarmos da ignorância, da inconsciência que está por trás aos nossos problemas, é a compreensão da realidade. Se quiser ser livre, não ore apenas.

Podemos usar muitos tipos diferentes de esquemas analíticos para tentar entender os ensinamentos budistas. O que é usado no budismo é o esquema de educação triplo encontrado em todos os sistemas de educação indianos:

  • Você precisa ouvir os ensinamentos e estar convencido de que os ouviu corretamente.
  • Depois você precisa pensar no que leu, ou ouviu, entender e analisar para se convencer de que o ensinamento está correto.
  • Depois vem a meditação, que é familiarizar nossas mentes com essa compreensão, de modo que ela se integre em nossas vidas. Isso se faz através da repetição; o que muitas vezes nos referimos como sendo a “prática”.

A análise é encontrada tanto no processo de pensamento quanto no processo de meditação, mas às vezes fazemos um pouco de confusão. Precisamos analisar um determinado ensinamento a fim de entendê-lo, então a análise está muito envolvida no segundo passo, o processo de pensamento. Se quiser chamar isso de meditação, tudo bem, mas esse não é o significado clássico de meditação. Para a maioria de nós, isso é o que estamos fazendo quando fazemos a meditação analítica, estamos tentando entender alguma coisa, descobrir.

Como resultado dessa análise, chegamos a uma conclusão. Por exemplo, a conclusão de que o que tenho nesta vida é impermanente; não vai durar para sempre. Chegamos a uma conclusão, estamos convencidos disso e entendemos por que a conclusão está correta: neste caso, as coisas são impermanentes. Essa é a conclusão do processo de pensamento.

E o processo de meditação é quando já entendemos, então queremos... – eu traduzo a palavra “análise” mais precisamente aqui como discernir. Ou seja, passamos por toda essa análise novamente, não para nos convencermos e entendermos – já entendemos –, mas para refrescar a mente, para que possamos discernir, por exemplo, que minha juventude, minha saúde, é impermanente, não vai durar para sempre. Esta vida não vai durar para sempre, discernimos isso. Isso é o que tecnicamente é chamado de “meditação analítica”.

E depois você estabiliza – é o que chamamos de “meditação estabilizadora”. Focamos em nosso corpo, por exemplo, e temos a compreensão geral de que ele é impermanente, e mantemos o foco nessa compreensão com as instruções de shamata, um estado mental tranquilo e assentado. Isso estabiliza o entendimento.

Uma vez que tenhamos obtido, com o estilo de meditação shamata, uma compreensão estável sobre o fato de que nosso corpo é impermanente, podemos tentar fazer uma meditação estilo vipassana, o que é bastante difícil. Não estamos falando neste nível sobre os reais estados de shamata e vipassana – mas desses estilos de meditação. No estilo de mediação vipassana nos concentramos novamente no corpo, com essa compreensão de sua impermanência, mas em vez de ter apenas uma compreensão geral da impermanência, como fazemos com a meditação no estilo shamata, discernimos todos os detalhes e todas as razões, e conseguimos fazê-lo sem divagar mentalmente – sem ficar “blá blá blá” em nossa cabeça ou sofrer qualquer tipo de embotamento. Portanto, é muito mais avançado do que simplesmente shamata, mas é com base em shamata que temos vipassana. Tudo isso fica muito claro na apresentação desses pontos por Tsongkhapa no Lam-rim chen-mo, sua Grande Apresentação dos Estágios Graduais do Caminho.

É muito útil, acho eu, entender e conhecer esses vários estágios de como transformamos nossas atitudes, nossa compreensão, nosso comportamento, passando por esses diferentes estágios de ouvir os ensinamentos, pensar sobre eles e meditar em termos de discernimento, ou meditação analítica, e então estabilizando isso com meditação no estilo shamata e a meditação no estilo vipassana. Esse é um processo gradual, um caminho gradual.

Um esquema analítico, portanto, é muito útil para conseguirmos nos treinar nesse processo. Nos vários escritos de Tsongkhapa, podemos encontrar muitos esquemas analíticos diferentes sobre como meditar adequadamente – ou seja, saber no que focar, saber como a mente se concentra nesse objeto, muitos fatores diferentes. São instruções extremamente benéficas e importantes para aprendermos se quisermos seriamente nos desenvolver usando os métodos budistas de meditação.

Sendo Criativo com a Meditação Analítica

E precisamos ser criativos. Ser criativo significa que, embora Tsongkhapa e os grandes mestres não tenham especificado como aplicar esses métodos a cada ponto do Dharma, precisamos reunir os vários métodos analíticos que aprendemos nos textos e aplicá-los para cada ponto do Dharma que queremos entender e desenvolver em nós. Acho que é um processo muito criativo – não é que vamos inventar algo novo, mas juntar as várias peças que aprendemos em um esquema que será apropriado para o tópico que queremos trabalhar.

É como se um médico aprendesse várias coisas nos textos médicos, mas depois precisasse juntar peças diferentes de acordo com o que aprendeu, para lidar com cada paciente e cada doença. Da mesma forma, com o Dharma, estamos treinando, em certo sentido, para nos tornarmos médicos da mente, mas não no sentido de sermos psiquiatras ou psicólogos. Como praticantes budistas, reunimos o que aprendemos com os ensinamentos em um método eficaz para lidar com cada questão e problema que surge em nossas vidas. Com base nessa metodologia, elaborei um esquema para trabalhar com determinação para ser livre em cada um desses seis níveis que especifiquei.

Se vamos trabalhar em vários problemas com métodos budistas, é muito importante sermos bastante organizados, termos um procedimento para lidar com o problema e, claro, seguir o que é chamado na indústria da internet de “abordagem ágil”. Com essa abordagem, vamos modificando o que estamos fazendo à medida que avançamos, de acordo com o que for surgindo. Se tentamos um determinado método, uma determinada abordagem, e à medida que trabalhamos com ela, descobrimos que surgem certos problemas, modificamos essa abordagem para cuidar desses problemas também. As coisas podem ter que mudar um pouco – essa é a abordagem ágil.

Isso é muito importante quando estamos trabalhando em um projeto, e especificamente quando estamos trabalhando em nós mesmos, para que não fiquemos rígidos e inflexíveis. Isso não significa que temos que inventar coisas novas, significa apenas que temos um vasto conhecimento do Dharma, de modo que em qualquer situação, se algo inesperado surgir, como, de repente, desenvolvermos muito medo em nossa meditação, podemos modificar e adaptar algo que aprendemos no Dharma a fim de lidar com essa questão específica do momento. Isso é ser ágil, isso é ser flexível.

É por isso que Sua Santidade enfatiza tanto a educação. Educação budista – se vamos seguir as práticas budistas, precisamos conhecê-las; precisamos conhecer os ensinamentos.

Sobre-Refutação e Sub-Refutação do Objeto a Ser Refutado

Ok, aqui vai o esquema, e você pode encontrar algo em sua prática que queira adicionar a ele, mas o acho bastante útil:

Primeiro, precisamos adotar o princípio que Tsongkhapa enfatizou tanto em sua discussão sobre como fazer a meditação vipassana sobre a vacuidade, que é identificar corretamente o objeto a ser refutado, e não o refutar demais ou de menos. Essa é uma abordagem muito inteligente e sensata, que Tsongkhapa enfatiza muito – precisamos perceber que ela pode ser aplicada de forma muito eficaz a quase todos os ensinamentos do Dharma, a todos os pontos do lam-rim.

  • Identifique o objeto a ser refutado, do qual quer se livrar.
  • Não refute demais e se livre de coisas demais.
  • Não refute de menos e se livre de muito pouco.

Aqui, portanto, precisamos identificar corretamente qual é o objeto do qual queremos nos livrar – ou seja, não queremos nos livrar de mais coisas, o que é desnecessário e até prejudicial. E não queremos estar determinados a não nos livrar de tudo, de forma a ainda ficar com um problema.

Identificando as Causas e as Desvantagens do Apego

Vários outros passos seguem a partir disso:

  • Como sugerido na segunda nobre verdade, precisamos identificar corretamente a causa do apego ao objeto.
  • E a abordagem que é usada nos ensinamentos do lam-rim é identificar as desvantagens de se apegar a ele. Isso nos ajuda a ter motivação para nos livrar dele. Temos isso nos Quatro Pensamentos que Voltam a Mente para o Dharma, meditar sobre as desvantagens do samsara. Precisamos aplicar isso aqui; é muito relevante.
  • Depois, como sugerido na terceira nobre verdade, a verdadeira cessação, precisamos ter uma ideia clara e correta do que estamos buscando e, novamente, não superestimar ou subestimar.
  • Depois, precisamos saber quais são os benefícios de alcançar essa liberdade.
  • E o que vamos fazer com ela, quando tivermos alcançado esse estado de liberdade. Não queremos apenas ficar em uma terra pura e nos divertir; não é isso que queremos fazer com nossa libertação, por exemplo.
  • E, em termos da quarta nobre verdade, precisamos ter uma ideia clara e correta do método para alcançar essa liberdade, e não superestimar ou subestimar sua eficácia.
  • E depois, com base na abordagem da natureza búdica para as coisas, precisamos desenvolver confiança de que o método funcionará – e não superestimar ou subestimar sua eficácia – e que podemos conseguir alcançar o objetivo se o aplicarmos.

Esta é a metodologia que quero aplicar à nossa determinação de nos libertarmos desses seis níveis de situações problemáticas e hábitos problemáticos em que estamos. Que perguntas vocês têm?

Perguntas sobre Purificação do Carma

Quando estamos tentando nos livrar do carma negativo, estamos realmente tentando nos livrar de todo o carma negativo ou estamos tentando abandonar tipos específicos de obstáculos cármicos? Em outras palavras, será que com cada prática você abandona uma coisa, e será que isso significa que basicamente não estamos nos livrando de todo o nosso carma com elas?

Você precisa diferenciar se está trabalhando especificamente para purificar o carma, ou seja, purificar e se livrar das tendências e potenciais cármicos, ou se está visando se livrar das emoções perturbadoras que os ativam e que levam à construção de mais potenciais cármicos.

Quando trabalhamos com práticas de purificação, costumamos focar em nos livrar apenas dos potenciais cármicos negativos, não dos positivos, dos quais também temos que nos livrar para alcançar a liberação do samsara. Mas começamos com os negativos. Quando fazemos a purificação de Vajrasattva, por exemplo, nos concentramos em purificar os potenciais negativos, e isso os desativa em certo sentido, mas nosso contínuo mental não fica totalmente livre deles. Eles não amadurecerão na forma de sofrimento, mas ainda assim retardarão nossa obtenção da liberação – Tsongkhapa deixa isso bem claro.

A purificação de Vajrasattva, quando bem-sucedida – o que é extremamente difícil, pois requer concentração perfeita, motivação perfeita, etc. – não garante que nunca mais iremos gerar potenciais negativos. Mas se quisermos nos livrar de todos os potenciais e tendências cármicas, incluindo as positivas, aquelas que apenas prolongam o samsara, precisamos meditar sobre a vacuidade.

Portanto, não estamos fazendo uma prática de purificação específica no estilo Vajrasattva. Mas, como é indicado claramente nos doze elos do surgimento dependente, o que pretendemos com nossa meditação sobre a vacuidade é livrar-nos de nossas emoções e atitudes perturbadoras que ativarão potenciais e tendências cármicas. Queremos nos livrar do primeiro elo do surgimento dependente, que é a inconsciência ou ignorância, que nos levaria a construir mais potenciais cármicos, positivos ou negativos.

A ignorância ou inconsciência é o que gera as emoções perturbadoras, que geram o comportamento cármico compulsivo, que gera mais potenciais e tendências cármicas, sejam positivas ou negativas.

E lembre-se, os potenciais cármicos positivos estão nos mantendo no samsara tanto quanto os negativos. Construímos carmas positivos baseados no forte apego do ego de, por exemplo, querer ser perfeccionista, porque “eu tenho que ser perfeito”. Bem, isso irá melhorar seu samsara, mas ainda assim será samsara. É positivo, mas um positivo samsárico.

Então, quando trabalhamos com a compreensão da vacuidade a fim de interromper inicialmente esses doze elos de surgimento dependente, o que trabalhamos é em primeiro lugar nos livrar das emoções perturbadoras e da inconsciência baseadas na doutrina, e depois das que surgem automaticamente – portanto, é em etapas. Isso faz com que nos livremos dos obscurecimentos emocionais e alcancemos a liberação, então não há mais potenciais ou tendências cármicas. Mas depois precisamos nos livrar dos obscurecimentos cognitivos que impedem a onisciência, e para isso, continuamos trabalhando com a compreensão da vacuidade. Aqui, nos concentramos em nos livrar dos hábitos constantes de não apenas nos apegar à existência autoestabelecida, como também dos hábitos constantes do carma.

Esse esquema de pensar em benefícios e deficiências é muito lógico; é baseado na razão. Mas às vezes nosso comportamento não é tão lógico, é irracional. Podemos, por exemplo, saber logicamente que não é necessário assistir a alguns vídeos no YouTube, mas ainda assim assistimos. E também existem algumas práticas, como práticas de mantras, que podemos soar bastante ilógicas, mas que podem ajudar com esse comportamento irracional. Por outro lado, talvez você possa explicar que os mantras têm certas razões lógicas para serem praticados.

Antes de mais nada, precisamos perceber que nossa inconsciência ou ignorância e os hábitos que foram construídos com base nela, não têm início em cada um de nossos contínuos mentais. Isso significa que são muito, muito fortes. Não vai ser fácil superar essa força incrível dos hábitos negativos, pois não há um começo para a sua construção. Além de uma compreensão correta da realidade que se opõe diretamente à nossa inconsciência, nossa ignorância, precisamos de uma tremenda quantidade de força positiva para que a mente consiga superar essa inércia de negatividade que não tem começo. Se entendermos isso, e realmente internalizarmos, passa a parecer perfeitamente razoável termos esse ensinamento de gerar três zilhões de éons de força positiva para conseguirmos atingir a iluminação. Por quê? Porque estamos nos opondo à uma negatividade sem começo. Então, entendemos e temos paciência.

Há muitas maneiras de acumular força positiva – o chamado “mérito”. Não vou entrar em grandes listas sobre isso, mas você perguntou especificamente sobre o mantra e se usar mantras é algo racional ou irracional. Meu professor Serkong Rinpoche costumava dizer que as três coisas mais poderosas do universo são tecnologia, medicina e mantra. Ele não era uma pessoa irracional, ele era um dos professores de Sua Santidade o Dalai Lama – muito racional – o mestre de debate de Sua Santidade. Ele passou muitas décadas pensando sobre isso antes que eu começasse a ter um pequeno vislumbre do que ele queria dizer sobre a importância do mantra. No nível mais profundo, aquilo com o que o mantra está trabalhando – a palavra significa literalmente proteger a mente – é em moldar as energias sutis do corpo. Essas energias sutis do corpo são portadoras de nossas emoções e atitudes perturbadoras.

Podemos entender isso pelo simples exemplo de quando estamos nervosos. Quando estamos chateados e nervosos, há claramente uma energia nervosa em nossa mente, não apenas em nosso corpo. Nossa mente não está clara e nossos pensamentos muitas vezes estão correndo soltos. Nas artes marciais e no ioga existem vários métodos físicos para trabalhar essas energias sutis, obter controle sobre elas; essas coisas podem afetar nossa mente. Nos ensinamentos budistas, enfatizamos o mantra como uma maneira mais sutil de lidar com essas energias sutis; moldá-las, mantê-las sob controle, e isso também tem um enorme efeito em nosso estado mental e comportamento. Assim como a medicina e a tecnologia, o mantra é um dos métodos mais poderosos para beneficiar a nós e a todos os demais seres.

Claro, o nível com o qual trabalhamos agora quando recitamos mantras é um nível muito iniciante – existem muitos níveis mais avançados na classe mais alta do tantra, o anuttarayoga tantra. Mas o que fazemos agora é um começo. Apenas tente não recitar mantras com o entendimento incorreto de que são como palavras mágicas e se as dissermos com bastante frequência, ganharemos um prêmio, uma recompensa.

Quando perguntei ao jovem Serkong Rinpoche, a reencarnação de meu professor, o que seu predecessor queria dizer com mantras sendo uma das três coisas mais poderosas do mundo, ele respondeu que isso se referia ao mantra prajnaparamita (a perfeição da sabedoria ou consciência discriminativa) do Sutra do Coração:

Por ser assim, a consciência discriminativa de longo alcance é o (grande) mantra protetor da mente, o mantra protetor da mente de grande conhecimento, o mantra protetor da mente que é insuperável, o mantra protetor da mente igual ao inigualável, o mantra protetor da mente que acalma completamente todo o sofrimento. Por não ser enganoso, deve ser conhecido como a verdade. Na consciência discriminativa de longo alcance, o mantra de proteção da mente foi proclamado: “Tadyatha, (om) gate gate paragate parasamgate bodhi svaha. A natureza real: foi, foi, foi além, foi muito além, estado purificado, que assim seja.” Ó Shariputra, um bodhisattva mahasattva de mente grandiosa precisa treinar assim (o comportamento) em consciência discriminativa profunda e de longo alcance.

Se entendermos a prática de mantra como a prática da consciência discriminativa de longo alcance da vacuidade, ela será, de fato, a coisa mais poderosa do universo. Assim, podemos entender o poder dos mantras tanto do lado do método quanto do lado da sabedoria.

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