Motivação, Homenagem e Promessa de Composição

Introdução 

Hoje, estou aqui para ensinar sobre os Três Principais Aspectos do Caminho, um texto conciso escrito por Lama Tsongkhapa. O que compartilharei não é o meu próprio conhecimento, mas sim o que me foi ensinado por meus preciosos professores. Não possuo realizações, mas farei o melhor para transmitir esses ensinamentos a vocês.

Os organizadores ficaram me perguntando sobre qual tópico eu gostaria de ensinar. Eles me enviaram muitos e-mails, e eu não respondi. Na verdade, não disse nada a ninguém até ontem, pois não tinha certeza do que iria ensinar. Além disso, pensei que seria bom que fosse uma surpresa. Eu adoro surpresas. É um pouco como quando você faz compras online. Você espera com grande expectativa a entrega, sem ter certeza se as compras serão boas ou ruins. Antecipar as coisas é metade da diversão!

No final, decidi ensinar sobre os Três Principais Aspectos do Caminho. Embora seja um texto conciso, é amplo em significado. É difícil ensiná-lo profundamente em tão pouco tempo, mas ainda assim vale a pena discutirmos juntos. Para aqueles que já o estudaram, talvez haja alguma repetição. Mas é sempre bom repetir quando se trata de um texto tão precioso. Portanto, espero que seja benéfico.

Estabelecendo uma Motivação Adequada

Antes de qualquer atividade construtiva, especialmente atividades relacionadas ao Dharma, devemos estabelecer uma motivação adequada. Isso é uma das coisas mais importantes, e tenho certeza de que a maioria de vocês já sabe disso. Portanto, não preciso falar muito sobre motivação.

Hoje é 25 de abril, Dia da Libertação aqui na Itália. Todo mundo tira folga. Algumas pessoas vão para a praia, enquanto outras se encontram com amigos ou vão a restaurantes para desfrutar de uma boa comida. No entanto, todos vocês se reuniram aqui no Instituto Lama Tsongkhapa para olhar para o meu rosto! Temos uma razão para termos nos encontrado aqui. Não importa quem você é ou de onde vem, você tem seus objetivos temporários e definitivos. Como tudo mais que ensino, peço que ouçam esses ensinamentos do Dharma e verifiquem se correspondem aos seus objetivos.

Quando digo "Por favor, ouçam bem os ensinamentos", não é que eu ache que tenho muito a dizer. Não acredito que você vai mudar imediatamente, assim que eu disser algo. Não há expectativas aqui. Não tenho esperança de provocar uma mudança profunda em sua vida. Mas, com os pensamentos dos ensinamentos de Sua Santidade o Dalai Lama, tentarei lhe fazer sentir o sabor do Dharma.

Podemos ver que o mundo hoje está enfrentando um momento muito difícil. Cada decisão que tomamos faz diferença, e é crucial que façamos as escolhas certas. Nós podemos ver como o clima está mudando e talvez tenhamos testemunhado chuvas intempestivas causando inundações e outras condições climáticas que não são comuns na Itália, ou nos Himalaias, onde vivo. Mas, na verdade, isso está acontecendo em todo o mundo. E podemos dizer que cerca de 90% disso depende de nossas ações como seres humanos, portanto, precisamos ter muito cuidado com a forma como agimos.

Além disso, além desses problemas globais, temos nossos próprios problemas, com nossas famílias e relacionamentos, com dinheiro e assim por diante. Ao examinarmos nossa situaçõe, podemos compreender o quanto precisamos fazer para melhorá-la. É algo que devemos fazer não apenas para o nosso próprio bem, mas também para o bem-estar de todos os demais seres ao nosso redor e no planeta.

Agora, antes de começarmos os ensinamentos do Dharma, precisamos estabelecer uma motivação adequada. Quando voltarmos para casa após esses ensinamentos, devemos pensar em como ajudar as pessoas que estão mais próximas, nossos pais, nossos amigos, como ser gentis e pacientes com eles. Lembre-se de que não estamos fazendo isso apenas para nós mesmos, mas para todos os seres do mundo. Essa motivação trará muitos benefícios e sua vida terá grande sentido e significado.

Antes de começar os ensinamentos do Dharma, costumamos recitar a prece de refúgio e bodhichitta para estabelecer a motivação adequada. Existem dois tipos de refúgio: causal e resultante. O refúgio causal é quando nos entregamos a um professor convencional e confiamos nele para nos fornecer uma direção segura na vida, a direção indicada pelo Buda, o Dharma e a Sangha, ou seja, as Três Jóias. Com esse refúgio causal, sentimos: "O professor e eu somos entidades separadas". O refúgio resultante é quando confiamos em nossa própria consciência discriminativa, e não na consciência discriminativa de um professor externo. Entendemos o que é bom, o que é ruim, o que deve ser feito e o que não deve ser feito. Mas antes de alcançarmos esse nível resultante de refúgio, é claro que precisamos confiar em um professor adequado e gerar refúgio causal. Mas, em última análise, para nos tornarmos um Buda, precisamos desenvolver e praticar efetivamente o refúgio resultante. A prece é a seguinte:

Tomo a direção segura dos Budas, do Dharma e da Assembleia Suprema, até o estado purificado. Pela força positiva do meu dar, que eu possa concretizar a Iluminação para ajudar aqueles que vagueiam.

A primeira frase é a tomada de refúgio causal. Onde diz "até o estado purificado", um estado purificado, um estado de bodhi, é a libertação ou a iluminação. É colocado assim porque praticantes tanto do Hinayana quanto do Mahayana tomam refúgio causal, e os praticantes do Hinayana visam alcançar apenas a libertação, não a iluminação.

A segunda frase é a tomada de refúgio resultante e é exclusiva do Mahayana. Com essa frase, estamos fazendo a aspiração de tornarmos o refúgio para todos os seres sencientes, tendo gerado bodhichitta, a mente que visa a iluminação, e alcançado o estado de buda. Com isso em mente, recitemos este verso três vezes e geremos uma boa motivação para ouvir esses ensinamentos hoje. Lembrem-se de que todos nós somos afortunados por estarmos aqui e que desejamos fortemente alcançar a iluminação para beneficiar todos os seres sencientes.

Os Três Principais Aspectos do Caminho

Agora que estabelecemos uma boa motivação, podemos começar com os ensinamentos de hoje sobre os Três Principais Aspectos do Caminho, de Lama Tsongkhapa. Os três principais aspectos abordados no texto são a renúncia, a bodhichitta e a visão correta da vacuidade. Sua Santidade o Dalai Lama costuma gostar de ensinar este texto antes de conferir iniciações, pois esses três ensinamentos - renúncia, bodhichitta e visão correta - são os mais cruciais de entender antes de empreender a prática do tantra. A renúncia é especialmente importante, pois é a base para os outros dois aspectos - bodhichitta e visão correta.

Lama Tsongkhapa menciona os três aspectos como sendo os aspectos básicos ou principais, e muitos lamas ministram esses ensinamentos como práticas de base. Quando ouvimos a palavra "base", podemos pensar que não são tão especiais ou importantes. Mas esses ensinamentos são extremamente importantes. E Sua Santidade é especialmente habilidoso em dar esses ensinamentos devido à sua experiência profunda deles. Sua Santidade e outros lamas têm realizações e sabem do que estão falando. Precisamos ser muito precisos em seguir os ensinamentos, caso contrário, sempre há a possibilidade de interpretá-los de maneira equivocada.

Verso de Homenagem

O texto começa com uma expressão de homenagem.

Eu me prostro diante dos meus nobres e impecáveis lamas.

Prestar homenagem no início de um texto é uma tradição iniciada pelos grandes mestres e estudiosos de Nalanda, na Índia. No entanto, a maneira como Tsongkhapa presta essa homenagem é um pouco diferente da forma como os textos originais indianos costumam fazer. Aqui, Lama Tsongkhapa se curva diante de seus nobres e impecáveis lamas. Lamas que são nobres e impecáveis possuem as três características: conhecimento, amor e habilidade.

"Conhecimento" significa que o lama é capaz de mostrar o verdadeiro caminho para a iluminação. Normalmente, diríamos que isso significa que é habilidoso em métodos e obteve suas próprias realizações antes de ensinar. "Amor" é a qualidade interior de calor humano. Alguns lamas podem ser bem educados e hábeis em ensinar, mas não possuem calor humano. Nesses casos, é difícil para os estudantes desenvolverem um sentimento de proximidade com ele, e assim não ficam tão abertos ao conhecimento. A característica do amor, portanto, é importante para um lama. A terceira característica, "habilidade", significa que, não importa quem se apresente, o (a) lama sabe como agir para beneficiar essa pessoa, com esse tipo específico de mente.

No início do texto, Lama Tsongkhapa presta homenagem a todos os lamas que possuem essas três características, oferecendo-lhes prostrações. É realmente bom prestar homenagem e se prostrar com as três portas: corpo, fala e mente. Além de ser uma homenagem, a prostração é também um bom antídoto contra a arrogância. Às vezes, quando estudamos um texto e, especialmente, se já o estudamos muito - e estou falando por experiência própria! - sentimos que já sabemos tudo e, portanto, que não há necessidade de estudar novamente. Acho que isso mostra que ainda temos arrogância. O pensamento "eu sei tudo, não ouvirei nada de novo aqui" é uma suposição de que o professor não sabe mais do que nós. Se esse for realmente o caso e tivermos todo esse conhecimento, ótimo. Nesse caso, não há com o que se preocupar. Mas na maioria dos casos, sempre há algo novo a aprender. Sempre há um ângulo diferente de onde olhar.

Portanto, não podemos dizer que, como já ouvimos a explicação de um texto, não precisamos ouvir novamente. Se conseguirmos lembrar que o professor pode ter outras maneiras de explicar e nos mostrar ângulos diferentes, isso quebrará nossa arrogância e poderemos ter uma compreensão muito melhor e mais ampla dos ensinamentos. Especialmente quando somos novos no Dharma, é muito bom ter a motivação de que "como não conheço o texto, preciso estudar e desenvolver essas qualidades, então tenho que ser paciente e atento." Essa é uma boa motivação para estudar um texto.

Acho que muitos de vocês já devem estar entediados, então vou contar uma história! Estudei no Instituto de Dialética Budista em Dharamsala, na Índia. Fica perto do templo de Sua Santidade o Dalai Lama. Frequentemente tínhamos a oportunidade de ouvir os ensinamentos dele, e sempre que dava ensinamentos, toda a turma ia. Durante aqueles três anos em que estudei lá, Sua Santidade deu ensinamentos sobre o Bodhicharyavatara, Engajando-se no Comportamento de um Bodisatva (O Caminho do Bodisatva). Certa vez, um dos meus amigos não sabia qual seria o tema dos ensinamentos e perguntou a outra pessoa. Alguém lhe disse que era Engajando-se no Comportamento de um Bodisatva, e esse amigo perguntou: "De novo? Já ouvimos esses ensinamentos. Tenho outras coisas para fazer." Eu não disse nada, mas fiquei bastante chateado. Senti que não era da minha conta e não queria discutir com ele, mas me senti realmente mal com isso. Lembro-me de pensar que era uma atitude terrível de se ter. Em algum momento, fui ver meu professor e perguntei o que fazer nesse tipo de situação. Ele disse que isso acontece quando temos muita arrogância.

Há uma história sobre Atisha, um dos maiores mestres da história tibetana, e um de seus alunos, Lama Dromtonpa. Lama Dromtonpa ia a todos os ensinamentos de Atisha, e ouvia atentamente. As pessoas se perguntavam por que ele ouvia aqueles ensinamentos o tempo todo, pois já devia saber tudo. Mas Lama Dromtonpa alegava que, mesmo tendo ouvido antes, sempre havia a possibilidade de não ter entendido tudo. Portanto, como estudantes, precisamos ouvir repetidamente os ensinamentos, sem arrogância.

Penso nos meus próprios professores e como foram bondosos comigo. Tenho dois professores, um é mais jovem, o outro é mais velho. Por arrogância, eu os comparava e achava que o mais velho não era tão habilidoso quanto o mais jovem, pois às vezes os alunos simplesmente não entendiam o que ele explicava, e eu via isso como um sinal de que ele não era um professor muito habilidoso. Certo dia, fui com meus dois professores ouvir alguns ensinamentos do Dharma. Quando terminaram, o professor mais jovem disse que não havia entendido bem um determinado ponto e o professor mais velho explicou tudo de forma muito clara.

Fiquei surpreso, pois todos tínhamos ouvido os mesmos ensinamentos, mas eu não tinha ouvido aquela explicação. De onde o professor a tirou? Perguntei, e ele respondeu: "Como tenho experiência, entendi." Nesse momento, me arrependi de meu pensamento arrogante e lembrei das três características que acabamos de mencionar: um profundo conhecimento dos ensinamentos, calor humano e compreensão da mente dos alunos. O professor tem que ensinar de acordo com a mente dos alunos para que eles consigam realmente entender os ensinamentos. Agora eu via que essa era uma qualidade que meu professor nunca havia deixado de ter. Aprendi minha lição. A partir desse momento, comecei a considerar meus dois professores iguais em conhecimento e bondade.

Não é fácil ensinar. Por experiência própria, não posso dizer que explico as coisas bem ou que tenho realizações. Só posso compartilhar o que já ouvi. Eu não tenho as mesmas qualidades que meus professores. Há algum benefício no que estou dizendo aqui? Bem, espero que isso seja benéfico para vocês. Vamos continuar com o texto.

Verso da Promessa de Composição

[1] Tentarei explicar, da melhor forma possível, o significado essencial de todos os pronunciamentos escriturais dos Triunfantes, o caminho elogiado pela prole sagrada dos Triunfantes, a passagem de travessia para os afortunados que desejam a libertação.

Os três principais aspectos do caminho descritos por Lama Tsongkhapa - renúncia, bodhichitta e visão correta - são o significado essencial de todos os pronunciamentos escriturais dos Triunfantes. Em outras palavras, eles são a essência de todo o Dharma do Buda. O Buda deu muitos ensinamentos. Na tradição tibetana, temos o Kangyur, que inclui os ensinamentos traduzidos do Buda, e o Tengyur, as traduções de todos os comentários indianos a eles. Juntos, são mais de 300 volumes, mas a essência de todos é esses três aspectos sobre os quais Lama Tsongkhapa está escrevendo.

O próprio Buda possuía essas três características – conhecimento, amor e habilidade. Em primeiro lugar, ele compreendia que todos os seres sencientes desejam igualmente a felicidade e não gostam do sofrimento. Ele descobriu que a razão pela qual os seres sencientes são infelizes e experimentam sofrimento é devido a emoções perturbadoras. Por sua vez, a raiz das emoções perturbadoras, o que as faz surgir, são a mente de auto-apreço, a mente que se agarra a um eu, e a mente que não compreende a vacuidade do eu. O antídoto para esse tipo de mente é a discriminação que realiza a vacuidade. Devemos desenvolver uma compreensão correta da vacuidade e nos firmar nela para eliminar nosso sofrimento.

Todos nós temos a mesma capacidade e potencial para nos libertar do sofrimento. Isso é às vezes chamado de "natureza búdica", o potencial dentro de cada um de nós para nos tornarmos budas. Cada ensinamento que o Buda deu, cada sorriso e por trás de cada uma de suas ações, a motivação era nos ensinar a nos libertar desse oceano de sofrimento. Cada ato iluminado do Buda teve a motivação de nos ensinar a vacuidade.

Infelizmente, a maioria de nós não consegue entender imediatamente a vacuidade. Precisamos ir passo a passo. O método habilidoso de Je Tsongkhapa de ensinar este texto é nos mostrar um caminho gradual. Ao seguir o caminho, eventualmente compreenderemos a ausência de um eu e geraremos todas as mentes que conduzem à plena iluminação. É exatamente por isso que dizemos que esses são os significados essenciais de todos os pronunciamentos escriturais dos Triunfantes.

Não podemos subestimar a importância da vacuidade. O principal objetivo de alcançar a realização da vacuidade é ser capaz de alcançar a libertação e a iluminação. Libertação e iluminação não são a mesma coisa. A libertação é um objetivo provisório, enquanto o estado de iluminação é o objetivo final e definitivo. A discriminação que realiza a vacuidade é uma condição necessária para alcançar ambos os estados: de libertação e de iluminação. No entanto, é somente quando alguém é dotado de bodhichitta que consegue alcançar a iluminação. Sozinha, a realização da vacuidade traz apenas a libertação, mas o estado de buda é alcançado com a realização tanto da vacuidade quanto da bodhichitta.

Os Três Tipos de Sofrimento e os Dois Tipos de Bodhichitta

No Budismo, falamos sobre três tipos de sofrimento. O primeiro é o sofrimento da infelicidade, às vezes chamado de sofrimento do sofrimento. O segundo é o sofrimento da mudança. E o terceiro é o sofrimento que tudo permeia. Este terceiro é a raiz dos dois primeiros, e refere-se ao fato de que temos agregados contaminados, que servem como base para todos os outros tipos de sofrimento. Eles nos fazem sofrer repetidamente. Não há outra maneira de nos libertarmos de todo sofrimento senão percebendo a vacuidade de forma não conceitual. A realização da vacuidade nos traz tanto a libertação quanto a iluminação. Portanto, a vacuidade é a principal realização que devemos desenvolver.

Existem dois tipos de bodhichitta: a convencional (relativa) e a mais profunda (absoluta). A bodhichitta mais profunda é a consciência discriminativa que percebe a vacuidade, enquanto a bodhichitta convencional ou relativa é o desejo de alcançar a iluminação para beneficiar não apenas a nós mesmos, mas também a todos os seres sencientes. Esses dois aspectos são igualmente importantes e precisamos de ambos.

Se compreendermos a vacuidade, também entenderemos que nenhum fenômeno da totalidade da existência tem essência. Veremos que a única felicidade real que podemos ter é a do estado de libertação e budeidade. Ao mesmo tempo, sem renúncia - a determinação de se libertar de todo sofrimento - nenhuma das qualidades que conseguirmos desenvolver terá muito efeito. Elas não serão capazes de nos levar diretamente à libertação e à budeidade. É a renúncia que nos ajuda a prosseguir no caminho para a budeidade.

Normalmente, pensamos que a bodhichitta é muito grandiosa e a visão correta da vacuidade é muito incrível. Claro, precisamos desenvolvê-las, mas não devemos esquecer da renúncia. A renúncia é igualmente importante. E aqui, com a linha: "a passagem de travessia para os afortunados que desejam a libertação", Lama Tsongkhapa enfatiza que, sem a renúncia, não há libertação do samsara. Portanto, o primeiro dos três principais aspectos do caminho é a renúncia, seguido pela bodhichitta e a visão correta da vacuidade.

Quanto à linha: "o caminho louvado pela prole sagrada dos Triunfantes", às vezes o termo "prole" é traduzido literalmente como "filhos". Mas na verdade, o termo inclui mais do que apenas filhos. Devemos lembrar que o Sutra do Coração fala tanto de filhos quanto de filhas espirituais. Portanto, aqui também, Lama Tsongkhapa está falando tanto de filhos quanto de filhas. Todos, mulheres e homens, têm a mesma capacidade de alcançar a libertação e a budeidade e gerar a bodhichitta. Não há limitações de gênero.

O fato de que os três aspectos são a base para alcançarmos o objetivo final da budeidade é louvado não apenas pelos budas, mas também por seus filhos e filhas. Os filhos e filhas dos budas são os bodhisattvas. Não é que o Buda seja tendencioso e goste especialmente dos bodhisattvas e, por isso, os chame de filhos e filhas. Pelo contrário, devido à sua prática intensa, os bodhisattvas são aqueles que têm a bodhichitta que surge automaticamente, sem esforço, o desejo de alcançar a iluminação para o benefício dos outros. Portanto, diz-se que eles nasceram na família dos budas, e é por isso que são chamados de filhos e filhas dos Budas Triunfantes. Tais praticantes, que têm bodhichitta pura e desejam alcançar a iluminação, louvam esse caminho e os ensinamentos que conduzem todos os seres sencientes à budeidade.

Os bodhisattvas veem que a renúncia, o desejo de alcançar a libertação, é muito importante e que, sem ela, também não há desejo de alcançar a budeidade. Portanto, desejar a libertação é o primeiro estágio no caminho. Não há como pular isso. Portanto, as práticas que nos levam aos estágios de libertação e budeidade são amplamente louvadas pelos bodhisattvas como sendo um único caminho, como sendo inseparáveis.

Este caminho elogiado pelos budas e sua prole não é mencionado pelos shravakas, pratyekabudas ou arhats do veículo Hinayana. Estes têm a realização da renúncia - a determinação de se libertar do samsara - mas não têm a bodhichitta e, portanto, não alcançam a iluminação completa. O caminho que Lama Tsongkhapa discutirá aqui é para bodhisattvas, seres que desejam alcançar a iluminação e não apenas a libertação. Portanto, diz-se que os Budas e os bodhisattvas louvam esse caminho.

Quão Afortunados Somos por Ter Acesso ao Dharma

Os seres sencientes que têm a capacidade e o real desejo de alcançar os três objetivos – renúncia, bodhichitta e visão correta – são chamados de afortunados no verso, pois os ensinamentos sobre como fazer isso estão disponíveis e existem professores que podem ensiná-los.

É muito importante contemplar o quanto somos afortunados por ter esses ensinamentos disponíveis e que realmente temos a capacidade de alcançar nossos objetivos finais. Quando somos jovens, não conseguimos entender direito a realidade. Tudo parece bom, então simplesmente aproveitamos nossas vidas. No início da vida adulta, começamos a enfrentar mais problemas e vemos que a vida não é ideal, e que, se continuar assim, não terá qualquer significado. Gradualmente, começamos a entender como o samsara funciona e o quanto sofremos. Este é um sentimento muito importante que precisamos ter em mente, pois nos ajudará a nos libertar mais tarde.

Imagine que duas pessoas se aproximam de nós. Uma diz que tem um método para nos livrarmos temporariamente de nossos problemas e a outra que tem um método definitivo para remover completamente todos os nossos problemas, para sempre. É claro que escolheríamos o método definitivo. É como quando estamos doentes. Se nos oferecerem um remédio que nos ajudará apenas temporariamente e outro que cura a doença definitivamente, mesmo que este segundo seja mais caro e difícil de obter, o escolheríamos, pois nos libertaria completamente do sofrimento e da doença.

A budeidade não é apenas a libertação do samsara, é o estado final que nos liberta de todo tipo de sofrimento, incluindo o sofrimento do apego ao eu. Embora isso pareça algo distante e difícil de alcançar, esse objetivo vale muito a pena ser alcançado. Ele significa a libertação final de todos os tipos de sofrimento e dores que temos. Ter o desejo de alcançar o estado de libertação final também é considerado algo muito afortunado.

No entanto, se tivermos o desejo de eliminar o próprio sofrimento, mas não prestarmos atenção no sofrimento dos demais seres sencientes, isso é bastante egoísta. Ok, podemos nos libertar, mas e quanto aos outros seres sencientes, que continuarão sofrendo por estarem confusos sobre a realidade? É por isso que precisamos de compaixão. Sem compaixão, agimos de uma maneira egoísta para alcançar nosso objetivo final. E na realidade, sem compaixão, não conseguimos alcançar o objetivo final da budeidade. Se pensarmos apenas em nós mesmos, conseguiremos alcançar apenas a libertação, nada mais. Portanto, os bodhisattvas aspiram alcançar a budeidade pelo bem de todos os seres sencientes, pois, com seus olhos de compaixão, percebem como esses seres sofrem.

Em termos gerais, para melhorar a sociedade e o mundo, podemos entender que tudo depende de cada um de nós. Países e sociedades estão separados, mas todos estamos interconectados, e nossas realizações ajudarão outros seres sencientes. Cientes disso, podemos desenvolver uma aspiração mais ampla, que não é apenas para o nosso próprio bem, mas para que todos os seres sencientes se libertem do sofrimento. Podemos ver como são grandiosos esses três principais aspectos: renúncia, bodhichitta e visão correta. Sem os preciosos ensinamentos, não conheceríamos nenhum método para nos livrar de nossos problemas e dos problemas dos demais seres sencientes.

Portanto, Lama Tsongkhapa diz:

Tentarei explicar, da melhor forma possível, o significado essencial de todos os pronunciamentos escriturais dos Triunfantes

Com uma forte motivação de compaixão, Lama Tsongkhapa queria que esses preciosos ensinamentos fossem dados a tantos seres sencientes quanto possível, e assim ele promete compor o texto. Agora, a nossa parte é ouvir bem os ensinamentos.

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