Fatores da Natureza Búdica
Temos a inconsciência sem início, os dois obscurecimentos, e a natureza búdica sem início, essas duas redes. No nível básico, por estarmos acumulando força positiva com inconsciência, ingenuidade e assim por diante, ela se torna uma rede de construção de samsara. Para que essas redes se tornem redes de construção pura, um ser limitado precisa desenvolver renúncia, ou renúncia e bodichita, pela primeira vez e depois desenvolver ainda mais. Ao contrário de tornar-se mãe, desenvolver renúncia e bodichita não pode ocorrer naturalmente sem a inspiração e os ensinamentos de um buda e sem esforço individual.
Parte de nossa natureza búdica, outro aspecto dela, é a capacidade de nossos contínuos mentais serem inspirados. Isso se refere a todo um conjunto de fatores que se transformarão nos vários Corpos de Buda, ou permitirão que essa transformação ocorra. Você conhece os Corpos de um Buda? Os Corpos de Forma, o Nirmanakaya, o Sambhogakaya, o Dharmakaya, etc. Portanto, um dos fatores que permitirão essa transformação é o fato de que, ao contrário de uma pedra, podemos ser inspirados, elevados. Esta palavra: inspiração (byin-gyis rlabs), muitas pessoas traduzem como bênção. Acho que é uma forma totalmente errônea de traduzir. Não tem nada a ver com ser abençoado do alto e assim por diante. Já ser inspirado pela inspiração de um buda ou de um professor ou, em nossos termos ocidentais, pelo pôr do sol – isso sim, você pode ser inspirado, elevado.
Portanto, temos isso como parte de nossa natureza búdica e também temos os fatores mentais sem início que permitirão o esforço. Temos concentração - temos todos esses fatores mentais que fazem parte dos agregados mas, novamente, eles são obscurecidos e limitados pela inconsciência sem início e pelo apego à existência verdadeiramente estabelecida. Portanto, temos os fatores que nos permitirão nos tornar um buda, mas temos outros fatores que os impedem de funcionar plenamente. Essa é a dinâmica com a qual nos deparamos e que descreve o samsara, os altos e baixos do samsara. É a dialética entre esses dois fatores. O samsara.
As Implicações do Fato de o Tempo Não Ter Início no Que Diz Respeito ao Desenvolvimento dos Fatores da Natureza Búdica
Agora, novamente, começamos a analisar e pensar sobre isso. O fator importante, que é bastante difícil para nós, ocidentais, lidarmos, é a ausência de início, a ausência de um princípio. Se houvesse um início e, no início, todos os seres limitados fossem iguais, tivessem o mesmo tanto de inconsciência e apego à existência verdadeira, seria difícil explicar as diferenças na forma como esse número finito de seres limitados se desenvolve espiritualmente. Você está entendendo? Se todos nós começássemos no mesmo ponto e tivéssemos um tempo infinito, como você explicaria as diferenças? Esse é o problema com um início, um dos muitos, muitos problemas com um início. E, como eu disse, não banalize a força de nossa maneira habitual de pensar em termos de um início. Temos isso com a ciência, com o big bang. Temos isso em nossas religiões ocidentais com a criação. Portanto, é algo profundamente enraizado em nossa maneira de pensar.
Se houvesse um começo e todos começassem iguais, por que alguns seres limitados teriam desenvolvido renúncia e bodichita pela primeira vez e atingido a liberação e a iluminação, enquanto outros não? A falta de consciência, ou ignorância, está impedindo a liberação e a iluminação. A força opositora é a correta consciência discriminativa da vacuidade. Mas isso, por si só, não é suficiente. Com uma cognição conceitual correta da vacuidade, mas sem a força da renúncia ou da bodichita por trás, tudo o que isso fará é nos tornar muito espertos e talvez inteligentes dentro do samsara. Sem a renúncia e a bodichita por trás, é impossível ter uma cognição não conceitual da vacuidade. Você pode ter uma conceitual.
Você sabe o que significa cognição conceitual e não conceitual? Isso não é muito fácil de entender. Mais uma vez, uma nota de rodapé: conceitual significa que você está pensando em termos de uma categoria, a vacuidade, e temos algo que a representa quando nos concentramos ou pensamos nela. Pense em um cachorro. Agora, todo mundo tem, sem dúvida, uma imagem diferente em sua mente – a assim chamada sua mente, no modo ocidental de falar - de como é um cachorro, certo? Quando pensamos em um cachorro, ou temos o som da palavra "cachorro" ou temos a imagem mental de um cachorro, mas estamos pensando em termos da categoria cachorro. Conceitual não precisa ser verbal e não precisa ser uma linha de pensamento. Portanto, quando estamos focando conceitualmente na vacuidade, temos a categoria vacuidade, sabemos o que ela significa e temos algo que a representa, como o espaço vazio. Portanto, podemos estar nos concentrando na vacuidade real, mas é através do véu, através da categoria, de uma imagem mental, e depois da vacuidade em si. Isso é conceitual.
Não conceitual: sem a categoria e a imagem mental. Mas podemos lhe dar um nome e sabemos o que é. Esse é o aspecto difícil de entender com o não conceitual: ainda há um entendimento. Mas não vamos nos aprofundar nisso. É muito importante - quero dizer, estamos sempre falando de conceitual e não conceitual - entender a que isso realmente se refere. Ver um cachorro, saber que é um cachorro, sem pensar em "cachorro". E é claro que podemos vê-lo sem dizer "cachorro" em nossa mente; não estamos falando desse nível simplista. De qualquer forma, já chega.
Portanto, a compreensão correta da vacuidade precisa ser mantida pela força da bodichita para que ela se oponha a esses fatores que estão impedindo a liberação e a iluminação. OK, então aqui está a situação difícil, e é realmente difícil, eu acho, apreciar as ramificações desse próximo ponto. Como não há um começo e cada ser limitado é um indivíduo com diferentes intensidades de inconsciência e apego à existência verdadeira, e foi diferente desde sempre. Sem começo - sempre foi diferente, com diferentes intensidades dessas duas redes, essas redes de construção do samsara, diferentes intensidades de consequências cármicas e tendências a emoções perturbadoras e assim por diante. Certo? O resultado do carma, as tendências cármicas, etc., e as diferentes tendências das emoções perturbadoras, a tendência a ficar com raiva, a tendência a ter apego. Isso sempre foi diferente em todo mundo. E diferentes intensidades dos fatores mentais que possibilitam o crescimento espiritual; sempre houve diferentes níveis em todos - de concentração, consciência discriminativa, inteligência, etc. É difícil conceber que isso sempre tenha sido diferente. Não há um início em que tenha começado no zero ou no nível um ou qualquer outro. Mas, devido a essas diferenças, ocasionalmente alguns seres limitados podem desenvolver renúncia e bodichita.
Ser limitado (sems-can) geralmente é traduzido como ser senciente. Lembre-se, o Buda não é um ser senciente. Limitado significa ter um hardware limitado, uma mente limitada - não no sentido de ser deficiente, mas de não ser onisciente - e um corpo limitado. Pense nisso. Se você tivesse o cérebro de uma minhoca, o que seria capaz de fazer? Seu hardware seria limitado. Muito pouco pode ser feito se você tiver um cérebro de galinha como hardware e nem mesmo tiver mãos. É muito interessante pensar em termos de hardware, como o hardware de um computador. Um Buda não é um ser senciente, por isso senciente, pelo menos em inglês, é um pouco enganador. E também não estamos falando de plantas. Tem que ser um ser que tenha intenção e que experimente as consequências do que faz com base na intenção. Ou seja, não é planta, não é pedra.
Não há início, portanto, todos esses fatores sempre foram diferentes. Pense nisso. Realmente não é algo fácil de digerir. E sempre que surge dúvida sobre isso, é porque ainda estamos acostumados a pensar em um início, um ponto de partida.
Portanto, devido a essas diferenças, apenas alguns de nós desenvolveram - vamos falar apenas de bodichita - alguns de nós desenvolveram bodichita. Mas, para que isso aconteça, é necessário um grande acúmulo de força positiva construtora de samsara antes que essa rede de força positiva, a força positiva construtora de samsara, seja forte o suficiente para que amadureça e nos leve a encontrar um buda, receber ensinamentos, segui-los e desenvolver renúncia e bodichita pela primeira vez. Tudo bem? E então os três zilhões de incontáveis éons de mais força positiva.
Shantideva diz isso muito bem. Ele diz que até mesmo desenvolver um pensamento positivo sem estar sob a influência de uma emoção perturbadora é extremamente raro. Shantideva diz:
(I.5) Assim como um relâmpago que, em uma noite escura e nublada, ilumina tudo por um instante, neste mundo, é pelo poder dos budas que atitudes positivas surgem rara e brevemente.
(I.6) Portanto, [comportamentos] construtivos são sempre fracos, enquanto forças negativas são extremamente fortes, e difíceis de suportar. Com exceção do ideal completo de bodichita, será que alguma outra coisa construtiva consegue superá-las?
É exatamente sobre isso que estamos falando. Há muita coisa por trás dos versos de Shantideva.
Será Que Todo Mundo Já Alcançou a Iluminação, Mas Nós Simplesmente Não Percebemos?
Agora surge uma dúvida. Talvez todos já tenham alcançado a iluminação, mas simplesmente não percebemos, assim como não percebemos que todos foram nossas mães, apesar de todos terem sido nossas mães. Não é a mesma coisa? Qual é a diferença?
Percebo claramente que tenho emoções perturbadoras, portanto, há uma diferença entre não perceber as mães e não perceber a iluminação.
É por causa de nossas emoções perturbadoras? Bem, acho que isso não explica o fato. De qualquer forma, não temos tempo para que todos deem respostas, então, deixe-me responder. Pode haver outras respostas. A sua pode estar correta, mas, novamente, tenho minhas dúvidas. Simplificando bastante - talvez não seja isso que você queira dizer - mas simplificando bastante, o que você disse é que somos idiotas demais para perceber, mas não acho que isso realmente responda a nossa pergunta. Porém, como eu disse, talvez não tenha sido isso que você quis dizer.
Tem que haver uma diferença. No caso de todos os seres limitados terem sido minha mãe, o estado de ser minha mãe de todos os outros seres limitados não está mais acontecendo agora – com exceção da minha mãe nesta vida enquanto ela ainda está viva. Certo? Mas no caso de alguém ser iluminado, seu estado de ser iluminado continua acontecendo, uma vez que tenha sido alcançado. Portanto, se, por causa do tempo sem início, todos já deveriam ter alcançado a iluminação, o estado de ser iluminado de todos os seres ainda estaria acontecendo, inclusive o meu. Mas isso é contradito pela cognição válida de, pelo menos, minha própria maneira de agir, falar e pensar: Eu não sou iluminado.
Portanto, não é como no caso de todos terem sido minha mãe, onde eu não percebo porque não são minha mãe nesta vida. Não é que todos já tenham alcançado a iluminação e eu não perceba porque não são iluminados nesta vida. Você está entendendo? A razão pela qual eu não percebo que todos foram minha mãe é porque eles não são minha mãe nesta vida. Já no caso de alguém se iluminar, esse ser continuaria sendo iluminado nesta vida. Portanto, quer eu consiga perceber ou não, o fato de ter emoções perturbadoras é secundário. O ponto é que ele ainda seria iluminado nesta vida, portanto, deveria ser possível perceber.
Veja, sua resposta de estar perturbado - como eu disse, é muito simplista. Sermos idiotas seria uma razão para não percebermos nenhuma das duas coisas, alguém ter sido minha mãe ou alguém ser iluminado. Portanto, isso não explica a diferença. É por isso que a lógica, a lógica budista, é muito, muito importante e muito útil para esclarecer nosso entendimento. O objetivo do debate é eliminar todas as dúvidas para que, quando você for meditar, consiga se concentrar em um único ponto, sem dúvidas ou incertezas. Esse é o objetivo do debate. E o objetivo do debate não é chegar à resposta certa. Esse não é o objetivo. O exercício é ter uma posição e depois ser capaz de defendê-la e a outra pessoa apontar contradições ou fraquezas em seu pensamento, porque em sua própria meditação analítica você nunca seria tão crítico de seu pensamento quanto outra pessoa. Portanto, por favor, entenda a importância e o objetivo do debate. Não se trata de um exercício intelectual. O objetivo é nos ajudar na meditação.
As Leis da Probabilidade e o Papel da Força Positiva e da Oração
Agora podemos perguntar: Como é possível que alguns seres limitados, mas não todos, tenham acumulado força positiva samsárica suficiente para encontrar um buda, receber ensinamentos, segui-los e desenvolver renúncia e bodichita pela primeira vez? Como eles fizeram isso? Como algumas pessoas fizeram isso? Como isso aconteceu? Qual foi o papel da escolha e da decisão nesse processo?
Temos que analisar. No caso de alguém tornar-se minha mãe, não foi necessária uma força positiva para que isso acontecesse, e também não houve nenhuma decisão ou escolha envolvida, não é mesmo? Simplesmente acontece de alguém se tornar nossa mãe porque, ao longo de um tempo infinito, todos terão interagido uns com os outros. Isso ocorre porque todos os seres são iguais no sentido de que todos se envolvem em atividades samsáricas e passam por renascimentos. Não é que todos estejam parados em uma posição para sempre. Tudo está mudando o tempo todo.
E a lógica budista: você precisa dar um exemplo. É como o exemplo de que todas as partículas de poeira em uma sala durante um tempo infinito colidirão umas com as outras porque todas estão igualmente em movimento. Portanto, essa é uma analogia para explicar por que todo mundo, uma vez que não há início para os renascimentos, em algum momento foi nossa mãe. Essa é outra demonstração. Tempo sem início e com o fato de que todos renasceram durante todo o tempo, como partículas de poeira colidindo, todos terão se encontrado, todos terão sido minha mãe, todos terão sido meu pai, todos terão sido meu filho, meu inimigo e assim por diante, como partículas de poeira colidindo em uma sala.
Agora surge outra dúvida: Mas e quanto a encontrar meus gurus em todas as minhas vidas? Qual é a diferença? Para conhecer o Dharma e encontrar e estudar com professores espirituais em todas as nossas vidas, temos que ter oferecido orações para isso e dedicado nossa força positiva para que isso aconteça. Está vendo? Estamos montando outra peça do quebra-cabeça. Normalmente, ninguém ofereceria orações e dedicaria força positiva para nascer como filho de uma pessoa específica em todas as suas vidas. Essa é a diferença, não é?
Agora, a ciência que está por trás. Queremos aplicar as leis da probabilidade aqui. As leis da probabilidade nos levam a concluir que todo mundo já foi nossa mãe em algum momento, assim como as leis da probabilidade preveem que todas as partículas de poeira em uma sala acabarão colidindo umas com as outras se tiverem tempo suficiente. Mas as leis da probabilidade não levam à conclusão de que todo mundo já conheceu um buda em algum momento.
Por quê? Assim, você vê como é importante fazer perguntas. Será que é apenas uma questão de probabilidade e em algum momento encontraremos um buda? E se for, isso já não deveria ter acontecido? Por que ainda não aconteceu? Porque é necessário um acúmulo de força positiva para encontrar um buda, receber ensinamentos e assim por diante. Não precisamos acumular força positiva para que alguém seja nossa mãe. E, novamente, se houvesse um início onde a rede de força positiva de todos os seres fosse igual, então a mesma linha de raciocínio que provou que todos foram nossas mães provaria que todos desenvolveram bodichita e se tornaram um buda.
Aplicamos o argumento prasanga aqui, observando o oposto. Se uma pessoa tivesse encontrado um buda, todos teriam encontrado um buda; caso contrário, se uma pessoa não tivesse encontrado um buda, ninguém jamais teria encontrado um buda, incluindo os discípulos pessoais de Shakyamuni. Portanto, as leis da probabilidade não se aplicam. Essa é uma questão difícil de aceitar. E você tem que continuamente ter dúvidas, para dizer: "Bem, mas..."
O que bloqueia ou impede o encontro com um buda?
O que impede que encontremos um buda é o fato de não termos acumulado força positiva suficiente. E é a isso - espero que cheguemos a isso - que toda a minha apresentação está conduzindo. Para acumular força positiva, temos de ser capazes de fazer uma escolha. Quando sentimos vontade de agir de forma destrutiva, digamos, gritar com alguém, e quando existe o sentimento de não gritar, de não fazer isso, como ocorre a decisão de escolher uma coisa e não a outra? É a isso que tudo se resume. É a isso que tudo está levando nesta discussão. Como você toma a decisão entre gritar ou não com alguém? Você tem escolha? Tudo vem daí. Como disse no início, esse é um material para vocês analisarem, trabalharem e debaterem uns com os outros depois. Trata-se de uma análise longa e extensa, pois essa é uma pergunta muito difícil.
Portanto, uma vez que não houve um início, a rede de força positiva de todos os seres sempre teve uma intensidade diferente. Sempre. A força positiva sempre foi diferente em cada pessoa, em seu valor e nível. Por isso, apenas alguns seres limitados desenvolveram força positiva suficiente para encontrar um buda. Não foram todos. Precisamos alcançar um renascimento humano precioso para acumular mais força positiva. Entretanto, você precisa da força positiva para alcançar um renascimento humano precioso, portanto, é difícil. E como todos os textos do lam-rim explicam, se tivermos acumulado força positiva suficiente para alcançar um renascimento humano precioso totalmente dotado, teremos a base de trabalho para desenvolver renúncia e bodichita pela primeira vez e continuar a nos iluminar. Portanto, a questão é o renascimento humano precioso. Tudo se resume a isso. Como o obtemos?
Resumo dos Pontos Anteriores
Resumindo, no que somos todos iguais? O que temos (em comum) são dois conjuntos de fatores opostos, e sempre há uma dinâmica entre os dois. Temos os fatores da natureza búdica sem início que nos permitirão nos tornarmos budas, mas temos também uma inconsciência sem início da realidade e apego à existência verdadeira, que impedem que nos tornemos. E temos todos os outros fatores mentais que estão incluídos nos cinco agregados de cada vida. Esse será nosso material de trabalho. Essas coisas terão forças diferentes o tempo todo, mas são todas nosso material de trabalho.
Portanto, você precisa conhecer os cinquenta e um fatores mentais, não é mesmo? Considerá-los. Temos os neutros - impulso, intenção, concentração, consciência discriminativa, interesse, todas essas coisas - que podem ser usadas em qualquer direção, positiva ou negativa. E temos os positivos, os construtivos - nós os temos - como a atitude carinhosa que é responsável por cuidarmos das crianças; o instinto de sobrevivência, para cuidarmos de nós mesmos (portanto, cuidar de nós e dos outros). Isso é instintivo, faz parte do hardware. Depois, temos também emoções e atitudes perturbadoras, como raiva, ganância, apego. Você pode ver isso em um cão. Novamente, isso é muito importante. Não é que tudo isso tenha começado “do zero" no início. Não houve um início, a força de cada uma dessas coisas sempre foi diferente em cada ser. Portanto, temos fatores que nos permitirão nos tornar budas, temos os fatores que nos impedem, e temos todas as ferramentas e materiais de trabalho que podem funcionar em qualquer direção, e todos eles estão sempre em níveis diferentes (de força).
Agora, a verdadeira questão é como superar todos esses fatores que trabalham para nos manter em um samsara sem fim, renascimentos incontrolavelmente recorrentes, como base para mais e mais sofrimento, mais e mais problemas, problemas incontrolavelmente recorrentes. Quais são os problemas, os principais? São os dois primeiros tipos de sofrimento. Somos infelizes por causa da força negativa. Por causa da força positiva, somos felizes, mas essa felicidade é a felicidade de sempre, que nunca dura, nunca satisfaz, etc., e se a tivermos em excesso, como comer demais nossa comida favorita, ela se transforma em infelicidade. Esse é o samsara, meus amigos. Altos e baixos - às vezes felizes, às vezes infelizes - você nunca sabe o que virá depois, e isso é totalmente inseguro. É isso que queremos superar. E ter o mecanismo, o tipo de renascimento, que sustentará os altos e baixos - feliz, infeliz, feliz, infeliz - independentemente do que mais estiver acontecendo conosco. É importante entender isso; caso contrário, será muito difícil desenvolver a renúncia. Não banalize a renúncia - você sabe, não é deixar de comer chocolate. Não é disso que estamos falando.
O Que Precisamos para Decidir Trabalhar para Atingir a Iluminação?
A pergunta é: quando nos deparamos com a escolha de nos esforçarmos para desenvolver ou não bodichita pela primeira vez - portanto, temos uma escolha aqui -, como ocorre a tomada de decisão se não se trata nem de livre-arbítrio nem de determinismo?
Agora usamos o método científico para analisar. Uma das primeiras coisas que estudei foi química orgânica. E nela, temos o composto que queremos produzir. Mas, o que vem antes desse composto, o que você tem de produzir antes, de onde vem isso? E o que vem antes disso? E antes disso e antes disso e antes disso - para chegarmos aos compostos mais básicos. Você aplica o mesmo método de análise aqui.
Para estarmos em posição de decidir se devemos ou não buscar a iluminação para melhor beneficiar todos os seres, do que precisamos? O que vem imediatamente antes disso é a crença confiante na existência das qualidades de um buda, nossa capacidade de alcançá-las e a aspiração de alcançá-las, e que podemos alcançá-las. Por que almejar algo que é impossível ou que nem sequer existe? Você precisa estar confiante de que isso realmente existe, de que é possível.
Infelizmente, a maioria das pessoas que seguem o budismo nunca pensa dessa forma. Elas nem sequer consideram seriamente que a iluminação é possível. E é claro que você precisa saber o que é iluminação para poder fazer essa pergunta com seriedade: É possível? Muitas vezes, estamos apenas trabalhando para... não sei para que estamos trabalhando. Basicamente, para melhorar o samsara nesta vida, para ter menos problemas nesta vida, se formos bem sinceros. E não há problema nisso. Os ensinamentos budistas podem nos ajudar a melhorar esta vida, mas não reduza o budismo apenas a isso. Senão, ele se tornará apenas outra forma de psicologia. O budismo é muito, muito mais do que isso.
Então, para desenvolver isso - acreditar que as qualidades de um buda são possíveis, que elas existem e assim por diante - para desenvolver isso, o que vem antes? Você tem que encontrar os ensinamentos de um buda. Se você nunca ouviu falar de budismo, do Buda, do Dharma e assim por diante, como poderia pensar em fazer a pergunta: será que a iluminação é possível? Você nunca ouviu falar disso. É preciso ter interesse nos ensinamentos de um buda e encontrar um professor que os ensine. E ao encontrar os ensinamentos e o professor - quando os encontramos, isso significa não ter uma atitude distorcida e antagônica em relação a eles – e precisamos ter uma mente aberta. E interesse. (Há todos esses centros budistas disponíveis agora. Muitas pessoas não têm o menor interesse. Portanto, não se trata apenas do fato de os ensinamentos estarem disponíveis). E precisamos ter amor e compaixão para ajudar os outros também e não sermos apenas totalmente egoístas.
Então, do que precisamos para ter isso (um passo atrás)? Para desenvolver isso, precisamos, no mínimo, de um renascimento humano precioso, de modo que os ensinamentos e professores estejam disponíveis, sejam sustentados (como se você tivesse esse centro magnífico aqui), sejamos um ser humano, não um cachorro ou uma mosca, e encontremos, realmente encontremos, os professores e ensinamentos, e sejamos receptivos a eles - toda a lista de qualidades de um renascimento humano precioso - e os levemos a sério. Portanto, você precisa disso.
Então, o que vem antes disso? Quais são as causas de um renascimento humano precioso? Veja, estamos juntando todas essas peças do quebra-cabeça do lam-rim. Do que você precisa? Você precisa de disciplina ética - a causa principal - disciplina ética e oração. Você precisa orar e dedicar força positiva, etc. "Que eu sempre tenha um renascimento humano precioso em todas as minhas vidas até a liberação e a iluminação". E para isso precisamos da ajuda das outras cinco atitudes de longo alcance (ou perfeições, paramitas, como quiser chamá-las). Generosidade, paciência, etc. Já vimos a disciplina ética. Portanto, paciência, perseverança alegre, estabilidade mental, que às vezes é traduzido como concentração. Não estamos falando apenas de concentração; estamos falando de estabilidade, portanto, da ausência de altos e baixos emocionais, ou apenas de divagação mental, ou de altos e baixos de apatia - estável. E consciência discriminativa. Às vezes, as pessoas usam a palavra sabedoria para isso, mas fica muito vago.
Há vários tipos de disciplina ética, mas o principal aqui é evitar o comportamento destrutivo, com base na consciência discriminativa das desvantagens do comportamento destrutivo e dos benefícios de evitar esse comportamento. É isso que estamos discriminando, um do outro. Não se trata apenas de abster-se de agir de forma terrível porque você quer agradar seu professor ou algo assim. Bem, em certo sentido, é para evitar problemas, mas não apenas de forma rígida e mecânica. Tem de haver uma compreensão por detrás.
Essa é uma pergunta muito interessante. Eu dedico muito tempo a isso com meus alunos. Por que você não rouba ou mente? Por que, do ponto de vista pessoal? E se a resposta for "Porque eu quero ser bom. Não quero ser mau", de onde vem isso? É como se - bem, seus pais estivessem dizendo: "Menina má", "Menino mau", "Seja bom".
Não quero ir para a prisão.
Você não quer ir para a prisão. Mas, em geral, para a maioria das pessoas do Dharma, isso se resume ao fato de que simplesmente não parece certo. Isso é muito interessante analisar. Por que você não rouba? Simplesmente não me parece correto. Mas, no sentido budista real, deveria ser por ter pleno entendimento de que, se você mentir, se você roubar, essas são as consequências cármicas (a infelicidade e assim por diante), e se eu me abstiver, isso levará à felicidade, e estar convencido disso.
E o que é a consciência discriminativa? Vasubandhu a define muito bem no Abhidharmakosha. Significa consciência inteligente, e é definida como o fator mental que discrimina decisivamente se algo é correto ou incorreto, construtivo ou destrutivo, prejudicial ou benéfico. Portanto, inclui determinação. É um fator muito importante que analisaremos. A capacidade de decisão para distinguir um objeto - distinguir entre útil e não útil - e pode ser correto ou incorreto. Mas só podemos desenvolver essa consciência discriminativa em um renascimento humano precioso. Tudo se resume ao renascimento humano precioso.