Outros Tipos de Paciência e as Três Últimas das Seis Perfeições

A Paciência de Longo Alcance de Aceitar Prontamente o Sofrimento

A meditação é um método para nos livrarmos da mente que está sob o controle dos impulsos cármicos irresistíveis e das emoções perturbadoras, criando assim sofrimento para nós. O fato de a meditação funcionar para isso mostra que nem tudo é determinado por um destino cármico, pois se fosse, não conseguiríamos melhorar. Portanto, podemos nos esforçar. É o nosso esforço que irá gerar potencial positivo, não o destino.

Existem muitos tipos de experiência (myong-ba) na meditação. Algumas vêm do esforço, outras não requerem esforço; algumas são intencionalmente provocadas, outras não. Entre essas experiências, algumas podem se degenerar, por causa de nossas emoções perturbadoras, outras não. As experiências meditativas que não se degeneram são as que vêm da consciência discriminativa que surge da meditação (sgom-byung shes-rab). Essa consciência discriminativa é obtida ao se conquistar o par (zung-'brel) constituído da mente quieta e estabelecida de shamata (zhi-gnas) e da mente excepcionalmente perceptiva de vipassana (lhag-mthong).  Existem muitas etapas para se desenvolver a mente através da meditação e, assim, evitar mais sofrimento.

Mas como lidar com o sofrimento que vemos à nossa volta e também o que experimentamos? A resposta é: com compaixão. Todos nós temos a compaixão que surge naturalmente como parte de nossa natureza, mas para aumentá-la precisamos da razão. A compaixão pode ser um pouco intensificada por meio da fé e da aspiração; mas, para não degenerar, precisa ser fortalecida pela consciência discriminativa. O desejo e a agressividade também podem aumentar com base na consciência discriminativa – por exemplo, discriminar uma pessoa como atraente e outra como repulsiva – mas, ao contrário da compaixão, essas duas emoções perturbadoras não surgem naturalmente como parte de nossa natureza. Elas podem ser eliminadas.

Em Um Suplemento para (“Versos Raíz para) o Madhyamaka”, Chandrakirti explicou que existem três tipos de consciência discriminativa que auxiliam a compaixão. São as consciências discriminativas que percebem:

  • O sofrimento de todos os seres e o sofrimento deles por não perceber isso
  • A impermanência de todos os seres e seu sofrimento deles por não perceber isso
  • A vacuidade de todos os seres e o sofrimento deles por não perceber isso.

Esta última, chamada “compaixão não direcionada” (dmigs-med snying-rje) – compaixão não direcionada a objetos autoestabelecidos – implica ver todos os seres como sendo ilusões e ter compaixão por eles com essa visão em mente. É especialmente importante percebermos que o sofrimento de todos os seres limitados é baseado em sua não-consciência, em sua ignorância, e que, portanto, é algo que pode ser eliminado.

Ações construtivas trazem felicidade para os outros e para nós também. Em outras palavras, quando queremos ajudar os outros e realmente ajudamos, nos sentimos bem e experimentamos uma sensação de satisfação. Continuamos a nos sentir felizes logo depois, e no futuro também. Por outro lado, quando fazemos atos prejudiciais com a intenção de prejudicar, isso significa que não gostamos dos outros. Em tal estado, ficamos infelizes e não temos paz. Quando magoamos os outros e nos sentimos satisfeitos com isso, continuamos sentindo antipatia por eles e continuamos infelizes. Esta é uma causa para experimentarmos mais infelicidade no futuro. Precisamos refletir sobre a forma como causa e efeito cármicos funcionam.

Além disso, considere duas pessoas na mesma prisão, por conta do resultado de um potencial cármico compartilhado. Apesar de estarem no mesmo lugar, experimentam diferentes níveis de sofrimento. Mesmo quando submetidas à mesma tortura, elas a experimentam de maneira diferente, dependendo de sua força física e atitude mental. É uma ampla gama de diferentes causas que compõem a complexidade da maneira como experimentamos uma coisa. As causas de obtenção são internas, enquanto as causas auxiliares, de suporte, podem ser externas ou internas. Além disso, aquilo que estávamos experimentando antes de um determinado evento afeta a maneira como nos sentimos quando ele ocorre.

A paciência de aceitar voluntariamente nosso sofrimento não é o mesmo que indiferença ao sofrimento. Isso de forma alguma significa que não tem problema sofrer, especialmente porque a principal coisa que queremos fazer é eliminar o sofrimento e alcançar a liberação para ajudar os outros. No entanto, como já temos sofrimento, devemos aceitá-lo para que não aumente desnecessariamente. Não há necessidade de acrescentarmos mais sofrimento ao nosso sofrimento que já está presente.

A paciência de aceitar nosso sofrimento também não significa que queremos mais sofrimento. Pelo contrário, queremos evitar que o sofrimento que já temos se torne um obstáculo, então o transformamos em um fator de auxílio para o caminho. De fato, certas práticas exigem sofrimento e dificuldade para superarmos os obstáculos. Basta olhar para as práticas ascéticas do Buda e as dificuldades de Milarepa – eles acolheram o sofrimento para obter a realização de um objetivo maior. Nós também podemos acolher pequenas dificuldades para obtermos maiores benefícios no futuro, assim como eliminamos uma ameaça às nossas vidas aceitando a dor da cirurgia.

Quanto a como lidar com os problemas que surgem, Shantideva nos aconselhou em Engajando-se na Conduta do Bodhisattva:

(VI.10) Se há algo que eu possa fazer, para que eu me aborrecer? E se não há nada que eu possa fazer, para que eu me aborrecer?

Quando sofremos, também podemos ver nossas negatividades sendo purificadas. Com nosso sofrimento, pedimos que as dificuldades que experimentamos agora diminuam o sofrimento futuro.

Shantideva expressou isso com um forte exemplo:

(VI.72) Por que uma pessoa condenada à morte não seria afortunada, se ao ter sua mão cortada, ela fosse poupada? Então, por que eu, que vivencio o sofrimento humano, não seria afortunado, se com isso estivesse sendo poupado de ir para reinos sem alegria? 
(VI.73) Se não consigo suportar nem este sofrimento menor do presente, por que não me proteger da raiva, que causa sofrimentos infernais?

Com esse tipo de pensamento, também podemos tomar para nós o sofrimento dos outros, como na prática do tonglen, dar e tomar.

A Paciência de Longo Alcance de Suportar Dificuldades ao nos Envolvermos na Prática do Dharma

A prática do Dharma às vezes implica em muitas dificuldades. Ter em mente os objetivos da prática do dharma nos ajuda a desenvolver a paciência de longo alcance de suportar as dificuldades envolvidas. Essa paciência é necessária, por exemplo, para enfrentar os oito tipos de dificuldades a seguir ao se envolver na prática do Dharma:

  1. Ao se tornar monge ou monja, ter que usar roupas de baixa qualidade
  2. Ser excluído da sociedade ao decidir não levar uma vida leiga comum, mas praticar o Dharma intensamente. Mesmo que as pessoas não nos encorajem ou nos considerem estranhos, precisamos tomar nossa decisão por conta própria. Os antigos mestres Kadampa ensinaram que é impróprio se conformar às expectativas dos outros por causa da preocupação com os oito dharmas mundanos – elogios ou críticas, e assim por diante.
  3. Ao se envolver na prática rigorosa do Dharma – por exemplo, durante um retiro de três anos – não dormir muito e ter que dormir sentado
  4. A necessidade de mostrar respeito pelo Buda, Dharma e Sangha, ficando de pé quando um texto é trazido para uma sala e, antes de um ensinamento, prostrar-se ao lama ou fazer um gesto com a mão se estiver doente. A prostração é uma excelente maneira de eliminar a arrogância, pois é uma forma de demonstrar respeito e prestar homenagem. Portanto, também é importante que o lama faça uma prostração à Joia Tríplice antes de ensinar, pensando antes sobre a impermanência, o sofrimento da mudança e a ausência do eu , e então estalar os dedos para descartar qualquer arrogância.
  5. Ao se tornar monge ou monja, ter que raspar a cabeça, parar de cantar e dançar, mendigar por comida e aceitar o que for dado.
  6. Necessidade de se concentrar sem se deixar levar pela divagação mental ao recitar orações e meditar, e necessidade de manter a presença mental durante a meditação andando
  7. Ao pensar no sofrimento de todos os seres e meditar sobre a compaixão, suportar a perturbação emocional e a tristeza que vem. Quando Buton ensinava, ele contava piadas que faziam as pessoas rirem, mas quando Langri Tangpa ensinava, ele contava histórias tristes que faziam todo mundo chorar. No entanto, esse tipo de tristeza e perturbação emocional ao sentir compaixão não é como as emoções perturbadoras comuns. Isso porque, nas profundezas de nossas mentes, temos força. Não nos deixamos dominar pelo sofrimento da tristeza que sentimos ao pensar no sofrimento dos outros. Aceitamos prontamente o sofrimento que vem de pensar no sofrimento dos outros.
  8. Suspender atividades prazerosas e comuns de lazer enquanto trabalhamos para ajudar os outros.

Esses, então, são os oito tipos de dificuldades que precisamos de paciência para suportar quando nos envolvemos na prática do Dharma.

Há mais uma situação que requer esse tipo de paciência e que é bom mencionar. A possibilidade de atingir a iluminação é estabelecida por linhas de raciocínio sobre fenômenos extremamente obscuros. Para verificar (a validade de) nossa percepção de algo óbvio, essa percepção precisa não ser contrariada por uma cognição direta, válida e não conceitual. Para fenômenos obscuros, nosso entendimento não deve ser contrariado por uma cognição inferencial válida. Para fenômenos extremamente obscuros, nosso entendimento não deve ser contrariado por citações válidas de fontes autorizadas.

E quanto, por exemplo, aos ensinamentos dos textos budistas sobre o Monte Meru? O ponto principal nos ensinamentos budistas são as quatro nobres verdades e, como parte do assunto referente à primeira nobre verdade, o verdadeiro sofrimento, fala-se do meio-ambiente. No entanto, a ênfase principal está nos seres limitados que vivem nesse ambiente. E o Buda falou sobre o meio-ambiente em termos das visões de seu tempo. Uma vez que a descrição do Monte Meru é contrariada pela percepção válida, ela não deve ser aceita.

Em relação a fenômenos extremamente obscuros, como o carma, precisamos não encontrar nada que os contradiga nos ensinamentos do Buda. Precisamos de paciência para investigar muitas escrituras e verificar se não há contradições internas. Dessa forma, conseguiremos aceitar esses tópicos extremamente obscuros, inclusive o da obtenção da iluminação.

Perseverança de Longo Alcance

Também precisamos de perseverança ou esforço de longo alcance. Perseverança, aqui, é o tipo de esforço que colocamos nas ações construtivas quando nos deleitamos em fazê-las. Não é como o esforço comum que fazemos quando nos envolvemos, por exemplo, em ações destrutivas. Não dá para simplesmente sentar e admirar todas as boas qualidades da mente – amor, compaixão, sabedoria e assim por diante. Precisamos fazer um esforço sustentado para incorporá-las. Mas a preguiça dificulta nosso esforço construtivo, por isso precisamos também nos esforçar para superá-la.

Existem três tipos de perseverança:

  • A perseverança que é como uma armadura
  • A perseverança aplicada a ações construtivas
  • A perseverança em trabalhar para o benefício dos outros

A Perseverança Que É Como uma Armadura

Precisamos do esforço que é como uma armadura, não importa se teremos que praticar por um dia ou uma eternidade, nos esforçaremos por incontáveis eras para ajudar nem que seja um único ser senciente – nunca desistiremos. Todos nós podemos desenvolver essa perseverança implacável e invencível que é como uma armadura, que nunca se cansa ou desanima.

Ao fazer isso, Nagarjuna aconselha em Guirlanda Preciosa (Rin-chen 'phreng-ba, sânsc. Ratnavali):

(V.83) Assim como a terra, a água, o fogo, o vento, a medicina e também as florestas, que eu possa sempre ser útil a todos os seres sencientes, da forma como quiserem, sem qualquer obstrução.

Shantideva escreveu algo semelhante:

(III.20) Em uma plenitude de formas, como terra, espaço, etc. – os grandes elementos –, que eu sirva eternamente como base para a vida de um número insondável de seres limitados.
(X.55) Enquanto o espaço permanecer, e enquanto os seres errantes permanecerem, que eu também possa permanecer, para dissipar o sofrimento dos seres errantes.

Normalmente quando sofremos, pouco tempo parece muito tempo, mas quando estamos satisfeitos e felizes, o tempo voa e sentimos que poderíamos ficar nesse estado para sempre. Portanto, é um grande benefício desenvolver bodhichitta e perseverar nesse estado, trabalhando para o benefício dos outros. Não importa por quanto tempo tenhamos que perseverar, com bodhichitta em nosso coração, o tempo passa rápido e alegremente. Não sentimos que ajudar os outros é um fardo.

Quando lemos em Guirlanda Preciosa a colocação de Nagarjuna dos números progressivamente maiores de éons em que precisamos gerar a força positiva (mérito) para alcançar as várias características do corpo físico de um buda, podemos sentir que é algo extremamente difícil de alcançar. Mas quando nos concentramos em beneficiar um número ilimitado de seres sencientes e atingir a iluminação para poder fazer isso para sempre, mesmo que a quantidade de força positiva que isso exija seja ainda maior, não nos intimidamos. Se já estamos ajudando os outros e se, quando atingirmos a iluminação, continuaremos ajudando todos os demais, que diferença faz se demora muito?

Como Bhavaviveka escreveu em Essência do Coração da Madhyamaka (dBu-ma'i snying-po, sânsc. Madhyamaka-hrdaya):

(I.29) Quem que, como um herói trabalhando para o bem dos outros e com as ações de uma grande pessoa, não permaneceria no samsara, mesmo que infinito, como se fosse um único dia.

Uma vez que temos compaixão por todos os seres limitados, permanecemos no samsara para ajudar a todos os seres; não é que queiramos permanecer no samsara por nos sentirmos atraídos por seus problemas. Com consciência discriminativa e percebendo as falhas do samsara, não nos deixamos contaminar por elas, vemos que está tudo bem permanecer no samsara enquanto estivermos ajudando os outros tanto quanto conseguirmos.

Antes de cortar a grama, precisamos afiar a foice. Da mesma forma, precisamos fazer um grande esforço para desenvolver a bodhichitta e a compreensão correta da vacuidade. Uma vez que tenhamos domínio dessas duas coisas, conseguiremos fazer com que todas as nossas ações sejam para o benefício dos outros e de acordo com o Dharma. Isso nos trará grande satisfação e será de grande benefício, tanto para nós quanto para os outros. Mas, antes precisamos vencer a preguiça.

A melhor prática preliminar (sngon-'gro) é meditar em bodhichitta (compaixão) e sabedoria (vacuidade), e ler e estudar os ensinamentos. Os mestres Kadampa de antigamente disseram que quando estamos bem alimentados e confortáveis, podemos parecer grandes praticantes, mas quando chegam as dificuldades, nossa verdadeira natureza aparece, especialmente quando estamos morrendo.

A morte acontece em duas etapas. Primeiro paramos de respirar, quando nossa consciência não origina mais os 80 tipos de atividade mental conceitual sutil que ocorrem universalmente (kun-rtog brgyad-cu). Mas ainda temos os três tipos de atividade mental conceitual de criação de aparências mais sutis (snang-ba gsum) – [aparência branca (snang-ba dkar-lam-pa), aumento vermelho (mched-pa dmar-lam-pa) e preto perto da realização (nyer-thob nag-lam-pa).]

Quando, durante o segundo estágio, nossa consciência não origina mais essa atividade mental e surge a atividade mental da clara luz da morte, tecnicamente deveríamos estar mortos, embora já tenha havido casos de pessoas que reviveram a partir desse estado. Mas a maioria não revive e realmente morre. Para a maioria das pessoas, quando a respiração para, o funcionamento do cérebro também para. Mas se ela estiver em um respirador e a função cerebral ainda estiver presente, ela provavelmente ainda está viva.

Superando Diferentes Tipos de Preguiça

De qualquer forma, enquanto ainda estamos vivos, precisamos nos esforçar em atividades construtivas com a perseverança que é como uma armadura, mesmo que diante da morte iminente. Existem três tipos de preguiça que obstruem nossos esforços construtivos:

  • Procrastinação
  • Apego a atividades triviais, mantendo-se sempre ocupado com coisas sem sentido
  • Ficar desanimado e sentir que “não tenho capacidade”, ou sentir que a iluminação é impossível.

Este último tipo de preguiça também tem dois tipos. O primeiro é quando, por exemplo, ficamos muito animados ao ouvir que podemos atingir a iluminação em um retiro de três anos. No entanto, quando ouvimos que pode levar três incontáveis éons, sentimos que é impossível e desistimos. Esse é o desânimo que pode surgir quando obtemos um conhecimento mais detalhado.

O segundo tipo é se desencorajar com o próprio progresso, por não se lembrar da impermanência e assim por diante. Se, desde o início, gerarmos uma firme convicção (mos-pa) em nossa capacidade de atingir o objetivo com base na impermanência, nunca teremos o problema de desanimar. Também podemos meditar em nossa natureza búdica para evitar o desânimo.

Conforme apontou Shantideva:

(VI.14ab) Não há nada que não se torne mais fácil depois que você se acostuma.

Basicamente, nenhum bodhisattva se tornou um buda sem ter tido que se esforçar. Quando os textos do Kalachakra falam do Adibuda (dang-po sangs-rgyas, primeiro buda) e o Guhyasamaja fala do Adinatha (dang-po mgon-po, primeiro guardião), ou um “buda desde o princípio” e um “guardião desde o princípio”, isso não significa que alguém já começou como um buda. Esses termos se referem ao fato de que todas as aparências puras e impuras surgem da mente de clara luz e se dissolvem novamente nela. A mente de clara luz não é um local, mas a natureza da mente de cada indivíduo, seja no samsara ou no nirvana. Quando todas as impurezas se dissolvem e as aparências puras começam a surgir da mente de clara luz, é o início do estado de buda. A obtenção do estado de buda é a partir desta primeira ocasião, e é a isso que as expressões “buda desde o princípio, primeiro buda” e “guardião desde o princípio, primeiro guardião” se referem. Além disso, não é que, uma vez que tenhamos atingido o estado de buda, possamos sair dele.

De acordo com um relato, Maitreya desenvolveu a bodhichitta antes de Sakyamuni, porém Sakyamuni trabalhou mais e obteve a iluminação primeiro. Mas “primeiro buda” também não se refere a isso.

E mais, quando nos esforçamos, precisamos de confiança. Tanto a confiança quanto a arrogância são estados de espírito edificantes, mas a arrogância despreza os outros. Shantideva descreve três tipos de confiança:

  • Confiança na ação – pensamos: “Farei isso sozinho”. Não seguimos simplesmente os outros, nos comprometemos a assumir a responsabilidade.
  • Confiança em relação ao nosso próprio poder e capacidade – não temos certeza sobre o que os outros podem fazer, mas, independentemente disso, não os desprezamos. Nos comprometemos a ajudar os seres mesmo que outros não possam ou não queiram ajudá-los.
  • Confiança em relação às nossas mentes – temos certeza de nossa vitória sobre as emoções perturbadoras e não deixamos que elas nos dominem.

Os bodhisattvas têm um ego forte – “Eu vou fazer isso!” Portanto, existem dois tipos de ego – positivo e negativo. Um é um encrenqueiro e o outro tem a autoconfiança necessária para se revoltar contra as emoções perturbadoras. Este último tem o poder da determinação (brtan-pa'i stobs).

Também precisamos do poder da alegria, onde temos prazer em trabalhar para ajudar os outros, mas sem nos exaurirmos. Descansamos quando apropriado, para que possamos continuar trabalhando com alegria. Se ficarmos muito cansados, vamos nos desanimar; portanto, precisamos reconhecer nossas limitações físicas e mentais. No entanto, não podemos relaxar muito, ou seja, só devemos descansar quando estamos cansados e realmente precisamos. Assim, durante nossa prática de meditação, conseguimos manter nossa atenção.

Constância Mental de Longo Alcance

Em relação à constância mental – ou estabilidade mental, concentração – existem quatro níveis, os quatro dhyanas (bsam-gtan). São estados progressivamente mais profundos de absorção meditativa, nos quais não há a distração de objetos de desejo sensoriais, e o foco na meditação está nos objetos etéreos e sutis da mente. Em estados sem forma de absorção ainda mais profunda, o objeto meditativo é ainda mais sutil.

Shamata – um estado mental tranquilo e estabelecido – é o “estágio preliminar indispensável do primeiro estado de constância mental” (bsam-gtan dang-po'i yer-bsdogs mi-lcogs-med, o estágio preliminar indispensável ao primeiro dhyana), ele não é em si um primeiro estado. Shamata é uma mente quieta, sem pensamentos perturbadores, e que permanece firmemente fixada em um objeto construtivo. Os não-budistas também treinam suas mentes em concentração e são capazes de atingir shamata e os quatro dhyanas; essas coisas são comuns a budistas e não-budistas.

Para evoluirmos constantemente em nossa prática espiritual, precisamos de concentração. Se não tivermos concentração, também não teremos progresso e desenvolvimento mental.

O propósito do desenvolvimento de shamata é usá-la como base para alcançarmos o estado de vipassana (lhag-mthong). Vipassana é um estado mental excepcionalmente perceptivo. Seja o seu objeto convencional ou absoluto, vipassana o investiga completamente e de forma analítica, a fim de desvendar sua natureza.

A prática de shamata dá ênfase à meditação estabilizadora ('jog-sgom), enquanto na prática sutra, vipassana enfatiza a meditação analítica e de discernimento (dpyad-sgom). Na prática dos três tantras inferiores, vipassana é apenas uma meditação analítica de discernimento, enquanto que no anuttarayoga tantra, no mahamudra da Kagyu, no dzogchen da Nyingma e na meditação de clara luz da Gelug, vipassana é uma meditação estabilizadora.

Somente quando o termo “vipassana” é usado em um sentido vago é que ele se refere à meditação sobre a vacuidade. Tanto shamata quanto vipassana podem ser focados em uma ampla variedade de objetos. Os dois se diferenciam não por seus objetos de foco, mas pelo estado mental com o qual focamos no objeto.

No vipassana há tanto uma detecção grosseira (rtog-pa) dos detalhes grosseiros quanto um discernimento sutil (dpyod-pa) dos detalhes sutis do objeto de foco, e há também dois níveis de um senso de aptidão (shin-sbyangs, flexibilidade mental). O primeiro senso de aptidão é induzido pela meditação estabilizadora, o segundo pela meditação analítica e de discernimento. O estado onde há uma união (zung-'brel) de shamata e vipassana pode ser focado na verdade convencional ou na verdade mais profunda de seu objeto. Shamata é unifocado e não analisa o objeto, enquanto vipassana analisa e desvenda os detalhes de seu objeto.

Tanto shamata quanto vipassana são iguais, no sentido de que ambos requerem que reunamos primeiro as causas e circunstâncias para sua prática. Precisamos de um lugar isolado, tranquilo e sem barulho. Quando já tivermos a realização da prática, o ruído não será um problema. Devemos começar com muitas sessões curtas, dia e noite, fazendo pausas frequentes para não desanimar. Se nos esforçarmos demais, de modo que nossa meditação se torne problemática, estaremos apenas desperdiçando nosso tempo.

Devemos terminar nossas sessões de meditação quando ainda desejarmos continuar, assim ficaremos felizes ao retomá-las. Devemos ser moderados em nossa alimentação e aderir à pura moralidade e autodisciplina, praticando a presença mental no que diz respeito às nossas ações com objetos externos. Na meditação, a presença mental é dirigida ao nosso comportamento interno a fim de evitarmos distrações internas.

Shamata pode focar, como acabamos de mencionar, na verdade convencional ou mais profunda do fenômeno. Mas onde é melhor focar, na verdade mais profunda de um vaso ou na verdade mais profunda da mente, como na meditação mahamudra? Obviamente, na da mente. Assim, no estágio de completude de Guhyasamaja, a prática da mente isolada (sems-dben) é muito mais enfatizada do que a do corpo isolado (lus-dben) ou da fala isolada (ngag-dben). No que diz respeito à verdade convencional, podemos focar externamente em alguma forma sonora ou visual, ou internamente na posição de nosso corpo ou em divindades visualizadas dentro ou fora do corpo.

Quando começamos a meditar, podemos focar em um objeto externo com a consciência sensorial, porém, esses objetos não são os verdadeiros objetos com os quais desenvolvemos concentração. Isto porque são objetos de apenas um momento de cognição sensorial não conceitual e, como tal, mudam momento a momento. Para desenvolver a concentração, precisamos de um objeto estável e, portanto, usamos o objeto mental derivado de tal cognição sensorial. Precisamos focar conceitualmente em um holograma mental (rnam-pa) que é um reflexo do objeto sensorial, representando-o como um objeto tridimensional de senso comum que se estende ao longo do tempo e de todas as suas informações sensoriais. O mesmo acontece quando meditamos na visualização de uma divindade. Isso também é um processo conceitual.

Mas, conforme mencionei, os praticantes iniciantes, particularmente de meditação mahamudra, começam focando em objetos externos. É um meio hábil. Da mesma forma, na meditação Kalachakra em formas vazias (stong-gzugs), meditamos com os olhos olhando para cima, em direção ao meio das sobrancelhas, assim o objeto de foco é externo e interno. Mas as meditações para alcançar shamata são feitas com consciência conceitual mental, e não com consciência sensorial.

É importante para a ciência moderna investigar a cognição conceitual e não conceitual. Também seria muito útil examinar as explicações indianas não-budistas sobre cognição para ver se elas conseguem explicar algum dos processos cognitivos com mais clareza. É sempre útil ver as coisas de diferentes pontos de vista e desafiar nossas próprias crenças.

Ao focar em um objeto, precisamos nos livrar de cinco problemas, conforme Maitreya delineou em Diferenciando o Meio dos Extremos (dBu-mtha' rnam-'byed , Skt. Madhyanta-vibhanga). São elas:

  • A preguiça de não querer meditar
  • Esquecer o objeto de foco
  • Embotamento mental grosseiro e sutil, e inconstância da mente em relação a objetos de apego
  • Não aplicar forças oponentes quando necessário
  • Não parar de aplicar as forças oponentes quando não são mais necessárias.

Ao ler sobre meditação, podemos desenvolver a intenção de meditar e nos esforçar para isso, superando assim a preguiça de não querer meditar. Ao nos familiarizarmos com o objeto de meditação de modo que ele fique claro para a nossa mente, não o esquecemos. Conseguimos manter nossa mente nele, fresca a cada momento. Para manter a mente no objeto e não o esquecer ou soltar, usamos a presença mental (dran-pa). Com a vigilância (shes-bzhin), sabemos quando precisamos aplicar um oponente a fim de corrigir algum problema em nossa meditação, e empregamos a intenção ('dun-pa) e um impulso mental ( sems-pa ) para reaplicar nossa atenção (yid-la byed-pa).

Quando conseguimos nos concentrar perfeitamente por quatro horas seguidas, desenvolvemos uma sensação maravilhosa de aptidão física e mental. Assim, temos uma poderosa ferramenta para aplicar, na prática do anuttarayoga tantra, às meditações sobre tummo (calor interior), gotas de energia sutis (thig-le) e mahamudra focado na mente.

O Quarto Panchen Lama apontou em Um Texto Raiz para o Precioso Mahamudra Gelug/Kagyu (dGe-ldan bka'-brgyud rin-po-che'i phyag-chen rtsa-ba):

Para essa (tradição sutra do mahamudra), existem dois métodos, a saber: buscar o estado meditativo depois de obter a visão correta (da vacuidade), e buscar a visão correta depois de obter o estado meditativo.

O primeiro estilo é para aqueles de faculdades afiadas. Eles desenvolvem a visão correta da vacuidade primeiro. Mas na tradição anuttarayoga tantra do mahamudra Kagyu, você desenvolve shamata no primeiro estágio, “atenção unifocada” (gtse-gcig). No segundo estágio, chamado “livre de fabricações mentais” (spros-bral), você alcança vipassana. No terceiro estágio, “gosto único” (ro-gcig), você aplica as conquistas anteriores às práticas do estágio de completude superior.

Consciência Discriminativa de Longo Alcance

Existem três tipos de consciência discriminativa de longo alcance:

  • A consciência discriminativa da verdade convencional
  • A consciência discriminativa da verdade mais profunda
  • A consciência discriminativa das diferentes disposições dos discípulos.

A ênfase principal está em como usar nossa inteligência para eliminar as emoções perturbadoras. Para isso, precisamos de uma compreensão correta da ausência de um “eu” e da vacuidade. O que diferencia a visão budista das visões não-budistas indianas é que ela refuta a existência de um “eu” estático em uma pessoa, um atman. Conforme O Sutra Rei das Concentrações Absorvidas (Ting-nge-'dzin rgyal-po'i mdo , sânsc. Samadhiraja Sutra) afirma:

Uma pessoa pode meditar com concentração absorvida, mas se não (deixar) perecer (em sua mente a) distinção (das coisas) como tendo um eu (verdadeiramente estabelecido), suas emoções perturbadoras retornarão e a perturbarão, assim como (aconteceu com) Udraka quando ele meditava com concentração absorvida. Mas se uma pessoa meditar, tendo observado em detalhes, com observação detalhada (so-sor rtog-pa), a ausência de um “eu” nos fenômenos, isso será a causa do resultado, a obtenção do nirvana. Nenhuma pacificação virá através de qualquer outra causa.

Portanto, precisamos meditar sobre a ausência do “eu” com base na razão e na investigação, não apenas nas citações dos sutras.

Também precisamos identificar e refutar o objeto correto. Como Dharmakirti disse em Um Comentário ao (Compêndio de Dignaga) Mentes Que Têm Cognição Válida (Tshad-ma rnam-'grel, sânsc. Pramanavarttika):

Para livrar-se do apego e da repulsa associados aos (objetos terem) qualidades ou defeitos, não olhe para esses objetos. Isso não acontecerá (examinando) qualquer forma externa de existência (que eles possam ter).

Chandrakirti indicou a ordem para se refutar os objetos a serem refutados – primeiro o equívoco a respeito do “eu” e depois o do “meu”.  Em Um Suplemento ao (texto de Nagarjuna: Versos Raízes do) Madhyamaka, ele escreveu:

(I.3) Prostro-me à compaixão desenvolvida por aqueles que, primeiro se agarram a um atman, pensando, “eu”, depois desenvolvem apego às coisas, pensando: “minhas”, e assim perambulam (para cima e para baixo no samsara), sem nenhum controle, como baldes em uma roda d'água.

Agarrar-se a um “eu” verdadeiramente estabelecido é algo que surge automaticamente e, a partir disso, surge também automaticamente a sensação de “meu” corpo e assim por diante. Sentimos que realmente existe um “eu” concreto e um corpo concreto. Às vezes identificamos esse “eu” com nossos agregados, e às vezes o concebemos como completamente diferente dos agregados, e separado. Mas, mais comumente, consideramos este corpo como “meu”, como se houvesse um “eu” separado, o possuidor desse corpo, que é “meu”.

Tal “eu” não existe, mesmo que convencionalmente exista um self, que chamamos de “eu”. Mas geralmente vemos um falso “eu”, o controlador, algo que não depende dos agregados. Mesmo que nossa ideia de nós mesmos seja vaga, ainda assim, quando alguém nos causa problemas, a ideia do “eu” surge com força e parece muito mais concreta, substancialmente existente e auto-suficientemente cognoscível (rdzas-yod) como sendo o controlador.

A Svatantrika e as outras escolas de princípios filosóficos budistas abaixo dela só veem esse “eu” controlador, existente independentemente e autosuficientemente conhecido como o objeto a ser refutado para alcançarmos a liberação. Agarrar-se ao eu de uma pessoa como se ele existisse assim causa emoções perturbadoras e, portanto, é um obscurecimento emocional (nyon-sgrib) que impede a liberação. A Chittamatra e Svatantrika dizem, além disso, que agarrar-se aos fenômenos é um obscurecimento cognitivo (shes-sgrib) que impede a onisciência, mas agarrar-se a um “eu” em uma pessoa ainda é a raiz do samsara.

Para superar o samsara, a Svatantrika e a Chittamatra afirmam que não precisamos nos livrar do apego à existência autoestabelecida (rang-bzhin-gyis grub-pa, existência inerente) de todos os fenômenos. A Prasangika, no entanto, sustenta que enquanto nos agarrarmos à existência autoestabelecida de todos os fenômenos, não conseguiremos nos livrar do apego a um eu impossível nas pessoas e, portanto, a liberação será inatingível. Enquanto houver apego à existência autoestabelecida dos agregados que são a base sobre a qual o “eu” é um fenômeno de imputação, haverá apego à existência autoestabelecida desse “eu”.

Portanto, a Prasangika fala de um apego mais sutil a um eu nas pessoas e fenômenos do que aquele identificado pelas escolas Svatantrika ou Chittamatra. Se nos livrarmos da forma mais sutil de apego ao eu das pessoas, também nos livraremos das formas mais grosseiras definidas pela Svatantrika e demais escolas abaixo dela.

Do ponto de vista Prasangika, o objeto a ser refutado é o mesmo para pessoas e fenômenos; não há diferença na sutileza da vacuidade das pessoas e dos fenômenos. Se não conseguirmos nos livrar primeiro do apego à existência autoestabelecida dos fenômenos, especificamente dos agregados, não conseguiremos nos livrar do nosso apego a uma pessoa autoestabelecida. Assim, de acordo com a Prasangika, o apego à existência autoestabelecida dos fenômenos faz parte dos obscurecimentos emocionais que impedem a liberação.

Em Setenta Versos sobre a Vacuidade (sTong-nyi bdun-cu-pa'i tshig-le'ur byas-pa , sânsc. Shunyatasaptati-karika), Nagarjuna deixou claro que agarrar-se à existência autoestabelecida dos fenômenos é o primeiro dos doze elos da originação dependente, a ignorância:

(8ab) Os doze elos não surgem (de forma autoexistente), nascem na dependência um do outro.
(11) Se as variáveis afetantes (o segundo elo) não existissem, não poderia haver a ignorância (o primeiro elo), e se não houvesse (a ignorância), ele (o elo das variáveis afetantes) também seria algo inexistente. Como fenômenos que são causas uns dos outros, eles não são fenômenos estabelecidos por uma natureza autoestabelecida (rang-bzhin).

Portanto, precisamos nos livrar desse apego, e da ignorância e ingenuidade (gti-mug) de não saber que isso está incorreto. Aryadeva explicou o motivo em O Tratado de Quatrocentos Versos:

(VI.10) Assim como o poder cognitivo do corpo (permeia o corpo todo), a ignorância habita em todas (as emoções perturbadoras). Portanto, destruindo a ignorância, todas as emoções perturbadoras serão destruídas.

Assim, os antídotos para a ignorância são também antídotos para todas as outras emoções perturbadoras. Se conseguirmos perceber o surgimento dependente, a ansiedade e todos os outros sofrimentos não surgirão. Portanto, a originação dependente precisa ser compreendida desde o início.

Chandrakirti confirmou isso em Palavras Esclarecidas (Tshigs-gsal, sânsc. Prasannapada):

O fato de (o Buda) ter dito que o desejo ardente deve ser eliminado, não significa que isso causará o esvaziamento da raiva, e por ter dito que a raiva deve ser esvaziada, não significa que isso causará o esvaziamento do desejo ardente. Por que, quando (o Buda) disse que a arrogância e assim por diante devem ser esvaziadas, as outras máculas não são destruídas apenas por isso? É porque, disse ele, essas coisas não permeiam (todos) os fenômenos e, portanto, elas e seus efeitos não são tão grandes.
Mas quando ele disse que a ignorância deve ser eliminada, isso faz com que todas as emoções perturbadoras, sem exceção, sejam destruídas. Os Triunfantes explicaram que toda emoção perturbadora depende da ignorância.
O que é preciso percebermos para que aquilo que surge na dependência da ignorância seja esvaziado com o seu (esvaziamento)? A verdadeira natureza de tudo (de-nyid ). Essa verdadeira natureza de tudo tornou-se bem conhecida pelos Que Se Foram em Bem-Aventurança como sendo o caminho do meio (Madhyamaka). Aquilo, que é aceito como sendo a própria natureza do Dharma do Capaz, é chamado de vacuidade.

Assim, se conseguirmos perceber o surgimento dependente, nossa ignorância não surgirá mais. Portanto, precisamos entender o surgimento dependente desde o início. Como disse Aryadeva no Tratado dos Quatrocentos Versos:

(VI.11) Quando (as coisas) surgem por surgimento dependente, (elas não podem ser verdadeiramente existentes). Vendo (isto), a ignorância não surgirá.

Os sistemas Vaibhashika e Sautantrika não falam sobre a ausência de um “eu” em todos os fenômenos. O Chittamatra sim, mas apenas até o ponto de refutar a existência de fenômenos estabelecidos externamente, separadamente da mente que os conhece. No entanto, o Chittamatra aceita a existência verdadeira e incontestavelmente estabelecida da mente e de fenômenos completamente estabelecidos. Mas como eles podem afirmar que alguns fenômenos têm existência independentemente estabelecida e outros não? Afirmando assim, eles caem em ambos os extremos – absolutismo e niilismo.

Nagarjuna declarou claramente em Versos Raiz para Madhyamaka:

(XXIV.18) Declaramos a originação dependente como vacuidade. Isso (significa) dependência da imputação – esse é, de fato, o caminho do meio.

O fato de que as coisas só podem ser conhecidas na dependência de nomes não é uma posição niilista. Como Nagarjuna continuou a dizer:

(XXIV.19) Não existe nada que não surja de forma dependente. Por isso, não existe nada que não seja vazio.

Os sistemas Vaibhashika e Sautrantika aceitam o surgimento dependente apenas em termos de fenômenos afetados (não estáticos) – todos eles surgem na dependência de causas e condições. O Chittamatra também aceita o surgimento dependente em termos do todo e das partes – as partes surgem na dependência do todo, e o todo surge na dependência das partes. O Prasangika acrescenta a isso que tudo surge na dependência dos nomes com os quais são designados. Considerando esses três níveis de surgimento dependente, o apego a um eu em um fenômenos que não surge de forma dependente vai, começando com a visão Prasangika (até as escolas abaixo dela), do nível sutil ao grosseiro.

[Para o Prasangika, a maneira de existir que ela refuta é a de não surgir na dependência de um rotulamento mental – ou seja, é a existência verdadeiramente estabelecida. O Chittamatra e os sistemas abaixo dele aceitam a existência verdadeiramente estabelecida. Para o Chittamatra, a forma de existir que ele refuta é a que não depende de partes, portanto, partículas sem partes e momentos sem partes. Todos os fenômenos, tanto estáticos quanto não estáticos, surgem na dependência de suas partes. O Sautrantika e o Vaibhashika aceitam esses fenômenos sem partes. A existência que eles refutam é a de fenômenos não estáticos que surgem sem depender de causas e condições. As escolas não-budistas Samkhya e Yoga afirmam que a matéria primal é estática e imutável. Assim, a maneira de não surgir de forma dependente que cada sistema budista refuta vai do sutil ao grosseiro.]

As maneiras com que cada uma dessas formas de se agarrar aos objetos os toma cognitivamente ('dzin-stangs), no entanto, é a mesma, quer nos agarremos a um “eu” nas pessoas ou a um “eu” nos fenômenos. Agarrar-se ao eu dos fenômenos dá origem a agarrar-se ao eu das pessoas, e isso leva a impulsos cármicos irresistíveis, que levam a renascimentos incontrolavelmente recorrentes, o samsara.

Assim, precisamos ver a segunda nobre verdade, as verdadeiras origens do sofrimento, como sendo as emoções perturbadoras e impulsos cármicos, que se baseiam em nos agarrarmos a um “eu”, surgido de forma não-dependente, em todos os fenômenos, incluindo as pessoas. Assim, a primeira nobre verdade, o verdadeiro sofrimento, tem dois níveis, grosseiro e sutil, dependendo de quão profundamente definimos a segunda nobre verdade em termos desse apego e a quarta nobre verdade em termos da consciência discriminativa do oponente.

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