Apego ao Eu ou a Alguém que Surge Automaticamente

Revisão

Entendendo Vacuidade 

Temos falado sobre vacuidade, ou vazio. Vimos que o termo se refere a uma ausência de formas impossíveis de existir. Há formas impossíveis de existir que se referem apenas a pessoas ou indivíduos e há formas impossíveis de existir que são próprias de todos os fenômenos, incluindo pessoas e indivíduos. 

Por “falta de consciência”, que muitas vezes é traduzida como “ignorância”, não sabemos como as coisas de fato existem ou acreditamos incorretamente que essas projeções de formas impossíveis de existir correspondem à realidade. Há duas maneiras de formular a falta de consciência: quando não sabemos ou quando temos uma crença incorreta. Com base nessa falta de consciência, temos várias emoções perturbadoras. 

Com o entendimento da vacuidade, entendemos a total ausência de uma referência real para essas formas impossíveis de existir. Não existe nada que seja assim, nunca existiu nem nunca existirá. Quanto mais conseguimos focar não-conceitualmente nessa ausência, mais paramos de acreditar nesse lixo que a mente projeta. Eventualmente, conseguimos fazer com que a mente pare de fazer essas projeções. Quando paramos de acreditar nessas formas errôneas de existir, essas formas impossíveis de existir, não desenvolvemos mais emoções perturbadoras. Nós nos livramos das emoções perturbadoras, como também das atitudes perturbadoras, dos estados mentais perturbadores, etc. 

Quando a mente para de projetar todo esse lixo, conseguimos ver e entender a inter-relação de todas as coisas, as causas dos problemas alheios e o efeito de ensinarmos algo a alguém, como o Buda fez. Dessa forma, nos tornamos verdadeiramente capazes de ajudar os outros. 

Basicamente, quando nos livramos da inconsciência – de não saber ou de pensar incorretamente – e das tendências que fazem com que isso se repita, conquistamos a libertação. Isso significa que nos livramos do samsara, do renascimento incontrolavelmente recorrente, que é a base de nossos problemas, dos altos e baixos que todos nós vivenciamos: algumas vezes trata-se do “sofrimento do sofrimento”, em outras palavras, da infelicidade, outras vezes do “sofrimento da mudança”, que é a nossa felicidade comum, que nunca nos satisfaz, é frustrante, acaba, etc. 

No entanto, quando alcançamos a libertação, ainda temos hábitos de inconsciência e só nos livramos deles à medida que nos familiarizamos mais com a cognição não-conceitual da vacuidade. São os hábitos que fazem com que a mente projete essas formas impossíveis de existir. A mente continuará a projetá-las mesmo quando não mais acreditarmos que elas correspondem à realidade. Com esse entendimento, conquistamos a iluminação. 

A Inconsciência como Causa das Emoções Perturbadoras 

Também vimos que quando investigamos as causas das emoções perturbadoras como cobiça, apego, raiva, hostilidade, orgulho, ciúme, etc, descobrimos que a causa principal delas é a falta de consciência, a ignorância, quando acreditamos que existe um “eu” sólido – explicando de uma forma bem simples. Depois, o que ocorre? Nós nos sentimos inseguros em relação ao “eu” sólido; sentimos que temos que protegê-lo. Como podemos protegê-lo? Adquirindo coisas que o protegem. É isso que faz o desejo, a cobiça e assim por diante. Por exemplo, quando temos algo e não queremos nos desfazer disso; temos apego e a esperança de que isso “me” fará sentir seguro. É claro que nunca chegaremos a nos sentir realmente seguros. 

Ou então sentimos raiva e hostilidade. “Se eu pudesse tirar isso de perto de ‘mim’, destruir isso, então, quem sabe, eu ‘me’ sentiria seguro”. Ainda assim, sempre nos sentimos ameaçados; essa estratégia nunca funciona. 

Ou sentimos inveja ou ciúme. “Se eu pudesse ter o que ele tem, eu ‘me’ sentiria seguro” ou “Se em vez de amar o outro ela ‘me’ amasse, eu ‘me’ sentiria seguro.” Mas nunca funciona dessa forma. 

Ou orgulho e arrogância: “se eu demonstrar superioridade, isso ‘me’ fará sentir seguro”. No entanto, sempre suspeitamos que alguém ainda é melhor do que nós e, por isso, nos sentimos inseguros em nossa arrogância. A arrogância geralmente é uma forma de ocultar a insegurança.

Trata-se de emoções e atitudes perturbadoras que – se olharmos para a definição delas – são estados mentais que nos fazem perder a paz mental e o autocontrole. 

Quando perdemos o autocontrole, agimos de maneira insensata e também dizemos muitas coisas insensatas. Isso acaba causando mais problemas, como por exemplo, quando dizemos: “Não me abandone jamais, não posso viver sem você” o que faz justamente com que a outra pessoa se afaste ainda mais de nós.

Todas essas emoções e atitudes perturbadoras surgem a partir de nossa falta de consciência em relação à realidade. Não temos consciência que essas projeções sobre como existimos não correspondem à realidade. Acreditamos que são reais e as entendemos de uma forma incorreta. 

Consideração Incorreta 

Vimos que a inconsciência e as emoções perturbadoras são nutridas pela consideração incorreta. Com a consideração incorreta, a mente projeta algo que não existe. Em relação aos fenômenos não-estáticos, a mente projeta que são estáticos. Em relação ao que é impermanente e acaba, a mente projeta que vai durar para sempre. Em relação ao que muda de momento a momento, a mente projeta que não há mudança, que as coisas são estáveis, não afetadas por nada. 

Em relação a situações que são sofrimento ou produzem sofrimento, a consideração incorreta projeta que são felicidade – a segunda forma de consideração incorreta – ou então projeta que o sujo é limpo. 

A palavra “consideração” no termo “consideração incorreta” significa julgar, contemplar, ou seja, trata-se de projetar algo incorreto e tomar mentalmente esse objeto, ou contemplá-lo de uma forma incorreta, como se fosse algo estático ou limpo, ou como se fosse a felicidade. 

Depois, o quarto tipo de consideração incorreta é que há um “eu” que existe separado dos agregados, uma mente e um corpo, ainda que na realidade não exista. Não existe isso. Pode haver coisas separadas de nossos agregados, que não estão conectadas com eles, como essa mesa, quando não estamos olhando para ela, mas não é o caso do “eu”.

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