Elaboração dos Votos de Bodhisattva 1 a 3

Quando tomamos os votos de bodhisattva firmamos o compromisso de evitar dois tipos de ações. Embora sejam chamados de votos raiz de bodhisattva e votos secundários de bodhisattva nos idiomas ocidentais, esses não são os termos precisos que os designam nos idiomas originais. Há dezoito ações que, quando cometidas, são consideradas como sendo a “queda raiz”. Uma “queda raiz” significa uma perda dos votos de bodhisattva, e é chamada de “queda” porque nos rebaixa em nosso desenvolvimento espiritual e impede o crescimento de boas qualidades. A palavra “raiz” neste contexto aponta para uma raiz que deve ser eliminada. Queremos arrancar a raiz que nos faz cair. Por isso, é chamado assim, de acordo com os comentários. Portanto, no ocidente nós os chamamos de votos raiz de bodhisattva, mas na verdade estamos assumindo o compromisso de evitar as dezoito quedas raiz. 

Depois, há os quarenta e seis tipos de “comportamentos falhos” (a tradução literal do termo) e são geralmente chamados de “votos secundários de bodhisattva”. Quando transgredimos um dos votos raiz de bodhisattva com todos os fatores necessários para perder o voto, nós o perdemos de nosso contínuo mental. Sinto muito, pois a tradução para o inglês não é muito boa; mas serve para dar uma ideia do que se trata. Em outras palavras, há quatro fatores que têm que estar presentes, e se estiverem presentes em nossas atitudes quando transgredimos um desses votos raiz, perdemos todos os votos do contínuo mental; não temos mais os votos de bodhisattva, exceto em duas exceções. As exceções são dois votos nos quais nem mesmo precisamos de que os quatro fatores estejam completos; quando os transgredimos perdemos os votos. Com as ações falhas, mesmo se os quatro fatores estiverem completos, não perdemos os votos de bodhisattva. Essa é a diferença.

Aliás, eu deveria mencionar algo em relação ao que dissemos sobre tomarmos os votos de bodhisattva por todas as nossas vidas até a iluminação. Digamos que eu tenha tomado os votos em uma vida passada, e nesta vida ainda não os tomei. Tenho todos esses fatores completos. Se tivesse tomado os votos nesta vida e os fatores estivessem completos, eu perderia os votos de meu contínuo mental. Digamos que esses fatores estejam completos antes de eu tomar os votos nesta vida – neste caso, não perderei os votos de bodhisattva. Mas o ato de tomar os votos agora, pela primeira vez nesta vida, fortalecerá os votos que tomei nas vidas passadas.

Vamos examinar as situações nas quais agem as quedas raiz: nos assim chamados “votos raiz de bodhisattva”. Ainda que haja muitos comentários e explicações ligeiramente diferentes, seguiremos o comentário de Tsongkhapa. Aliás, há muitas tradições de votos de bodhisattva que derivam de sutras diferentes do Buda, e os tibetanos seguem um sutra de uma das tradições indianas (perdoem-me, mas não procurei nem me lembro do nome do sutra), mas as tradições chinesas e as tradições que delas derivam têm um conjunto diferente de votos de bodhisattva que derivam de outro sutra, como também as tradições dos votos monásticos vinaya que são seguidos nas tradições tibetanas e nas tradições chinesas são ligeiramente diferentes. Ainda que na teravada, e provavelmente em outras tradições hinayana também, eles afirmem que há bodhisattvas e que antes de nos tornamos budas somos bodhisattvas, não se trata de um caminho que a maioria dos alunos segue; não ouvi nunca falarem sobre a existência de uma versão teravada dos votos de bodhisattva tomada por esses bodhisattvas. Certamente, na teravada eles também têm histórias do Buda em suas vidas passadas.

Agora falaremos dos dezoito votos de bodhisattva raiz. São as dezoito ações negativas que trazem uma queda raiz se as transgredirmos com todos os fatores completos. Em cada uma dessas ações, precisamos entender que existem muitas coisas estipuladas e especificadas no que se refere ao significado delas.

A primeira ação negativa que devemos evitar, e estamos nos comprometendo a fazer isso, é louvar a nós mesmos e denigrir os outros. A pessoa com quem falamos tem que ser de uma posição inferior à nossa. De um lado, a nossa motivação é desejo e cobiça por ganho material, louvor, amor, respeito, e assim por diante, da pessoa em questão; de outro lado, inveja da pessoa que estamos rebaixando. O que dizemos quando estamos nos exaltando e rebaixando o outro pode ser verdadeiro ou falso, não importa.

Basicamente, estamos tentando conseguir algo dessa pessoa que é inferior a nós, estamos tentando obter respeito, dinheiro, ou o que quer que seja, dizendo que somos melhores e o outro não presta. Um exemplo seria um psicólogo ávido por clientes, divulgando: “sou um psicólogo budista interessado apenas em ajudar os outros e todos os psicólogos não-budistas só querem seu dinheiro”. Mas a motivação verdadeira por detrás disso é obter mais clientes. “Sou o melhor professor, o professor mais elevado. Os outros não são tão bons quanto eu” e o que quero realmente é conseguir mais alunos. Infelizmente, todo nosso sistema democrático e as eleições são baseadas nesse princípio de auto-exaltação e aviltamento do oponente durante as eleições para conquistar votos e poder. Por isso, esse aspecto da democracia e das eleições é muito difícil de colocar em prática para os tibetanos, porque eles automaticamente não confiariam em uma pessoa que diz: “Eu sou o melhor candidato, o outro não presta. Vote em mim!”. Fazer isso é violar e contrariar os votos de bodhisattva. A maioria dos tibetanos agiria de forma humilde: “Não estou realmente qualificado, não sei como fazer isso” e assim por diante. Eles seriam muito humildes e é claro que ninguém votaria neles. Todo o sistema de votos e eleições numa democracia é muito difícil de entender para os tibetanos.

Mas quando pensamos em termos do caminho do bodhisattva, é muito importante entendermos, em relação a esses votos – se fizermos o que estamos dizendo que não faremos – como isso prejudicaria nossa habilidade de ajudar os outros. Temos que entender como isso prejudicaria minha capacidade de ajudar os outros. Devemos analisar, pensar sobre isso. Quando encontramos alguém que diz: “Sou o melhor e todos os outros são péssimos!” Podemos confiar nessa pessoa? Não sei. Talvez muitos ocidentais acham que é possível confiar nela. Todo o nosso sistema publicitário baseia-se nisso, não é mesmo? “Este é o melhor sabão para lavar as suas roupas; os outros não prestam. Compre este aqui!” Mas quando analisamos mais profundamente, eles só querem o nosso dinheiro. Portanto, temos que considerar cuidadosamente, será que vamos nos anunciar dessa forma: “Sou o melhor bodhisattva. Minha ajuda é a melhor de todas. Resolverei todos os seus problemas. Venha a mim. Ninguém é tão bom quanto eu.”. Mesmo se isso for verdade, essas palavras indicam uma motivação muito materialista, a motivação de querer mais alunos. Temos que ter cuidado com isso.

E quando falamos que o budismo é melhor e todos os outros caminhos espirituais não servem? Se agirmos assim, estaremos quebrando o voto? O que vocês acham?

Depende de nossa motivação.

Certamente, isso é verdade, mas qual poderia ser uma motivação adequada para fazermos isso?

Beneficiar os outros.

Bem, será que isso é ingenuidade? O budismo é o melhor caminho para todo mundo? Quando vemos o que Sua Santidade o Dalai Lama fala sobre as outras religiões, ele afirma que o que se pode dizer em resposta à teoria de que há uma única religião verdadeira é que não podemos afirmar que o melhor para nós é o melhor para os outros. Cada tradição fala de seu próprio objetivo espiritual. O cristianismo não afirma que seguindo o caminho cristão alcançaremos a iluminação budista, mas que é possível alcançar o objetivo cristão. Portanto, não há nenhuma razão para questionarmos isso. Explicando de forma simples, quando rezamos para irmos para o paraíso budista, vamos para o paraíso budista; quando rezamos para irmos para o paraíso cristão, vamos para o paraíso cristão. Vendo de uma forma bem simplista, não é possível rezarmos para irmos para o paraíso budista e acabarmos indo para o paraíso cristão. Portanto, caminhos espirituais diferentes podem ser mais adequados para diferentes pessoas dependendo do momento. Sua Santidade sempre fala com imenso respeito de outras tradições espirituais, e quando fala da tradição budista afirma apenas que se trata obviamente do melhor caminho para alcançar o objetivo budista – a libertação e a iluminação, o caminho definido no budismo.

(1) Elogiarmo-nos a nós mesmos e/ou rebaixar os outros

Portanto, essa é a primeira ação. Evitar a auto-exaltação e rebaixar os outros quando nossa motivação é, de um lado, desejo e cobiça, e de outro lado, inveja. É claro que é muito difícil colocar isso em prática quando queremos fazer negócios. Como podemos vender nossos produtos? Acho que usar uma publicidade negativa, falando mal de outros produtos, certamente não é adequado, de acordo com o voto. E se nos exaltarmos, falando de quão maravilhoso é nosso produto, melhor do que todos os outros – isso provavelmente também não é adequado, de acordo com esse voto. Portanto, como devemos nos anunciar? Quando estamos anunciando nosso produto, qual é a nossa motivação? Queremos obter um grande lucro, ou queremos oferecer nosso produto porque ele pode beneficiar e ajudar os outros? Portanto, é bem importante pensarmos naquilo que vocês acabaram de sugerir, que tudo depende da motivação. Certo?

Muitas pessoas envolvidas no mundo dos negócios têm problemas com esses votos. Como posso praticar meu negócio baseado na ética budista? Não é uma questão muito fácil – quando a nossa única motivação é o lucro. Um bom exemplo é o sistema médico americano, sendo que nas últimas décadas todo o sistema de saúde americano tem se orientado para unidades de saúde com fins lucrativos. Os hospitais pertencem a grupos acionistas que possuem ações dos hospitais e a ideia é de que possam lucrar cada vez mais. Eles querem ganhar o máximo de dinheiro com os pacientes, e fazer com que eles fiquem pouco tempo no hospital para que este atenda mais pacientes – não querem que alguém fique ocupando uma cama. Toda a orientação não parece ter a ver com oferecer um tratamento adequado aos pacientes, e assim a qualidade da medicina muitas vezes deixa a desejar. Quando a motivação para ajudar os outros é só lucro, parece que a qualidade da ajuda inevitavelmente piora. Por isso, quando seguimos o caminho do bodhisattva, é muito importante não o fazermos para obter ganhos pessoais, especialmente quando desejamos obter ganhos às custas de outros praticantes, por exemplo, professores e assim por diante.

(2) Não partilhar ensinamentos de Dharma ou riqueza

O segundo voto de bodhisattva, a ação negativa que nos comprometemos a evitar, é não compartilharmos os ensinamentos do dharma ou nossos bens. Aqui a motivação é apego e avareza. Podemos ser possessivos com nossas anotações sobre o dharma, ou nosso computador, ou com os arquivos de nosso computador, e não querer compartilhá-los com os outros, e inventamos todo tipo de desculpas em relação a isso. “Se eu emprestar meu livro pode ser que você acabe derrubando café nele, portanto não o emprestarei.” Podemos ser possessivos e nunca compartilhar nosso dinheiro com os outros. Como, por exemplo, quando dizemos: “Você não pode assistir a esse curso do dharma porque não tem dinheiro para pagar por ele.” Assim, guardamos os ensinamentos do dharma só para nós mesmos; não compartilhamos a possibilidade de que outros assistam ao curso conosco.

Também podemos nos sentir muito apegados ao nosso tempo pessoal e não compartilhá-lo com outros nem ajudá-los. Por exemplo, há pessoas muito apegadas aos fins de semana: “Esse é o meu dia livre. Não peça minha ajuda.” É algo que acontece frequentemente. Tenho um projeto de um site, e às vezes surgem questões, envolvendo os voluntários e as pessoas que trabalham no site, que preciso resolver. Algumas pessoas dizem às vezes: “Não me peça nada no fim de semana: é um momento pessoal e sagrado.” Não se trata do comportamento de um bodhisattva, não é mesmo? Quando alguém precisa de nossa ajuda – e não estamos falando de alguém que abusa constantemente de nosso tempo – mas quando alguém precisa realmente de ajuda, não importa se é dia ou noite ou fim de semana, simplesmente ajudamos a pessoa. Como por exemplo, quando o bebê está chorando ou caiu da cama, não dizemos: “Vou cuidar disso amanhã de manhã, agora estou dormindo.” E quando ajudamos o outro, não devemos reclamar o tempo inteiro. Do ponto de vista do comportamento do bodhisattva, deveríamos ficar felizes quando os outros pedem e precisam de nossa ajuda. Estamos praticando para isso, para ajudar todos o tempo todo, como um buda. Portanto, quando alguém precisa de nossa ajuda, isso é maravilhoso. Quando alguém quiser aprender algo conosco ou pedir que emprestemos nossas anotações do dharma, ou precisar de outra coisa, podemos nos sentir felizes por termos algo para compartilhar, caso essa pessoa esteja sendo sincera, é claro, e os ensinamentos forem adequados para ela. Algumas pessoas podem ter uma motivação inadequada quando pedem por algo.

Certa vez, eu estava traduzindo para Serkong Rinpoche, meu professor (na época dos hippies), e um hippy bastante chapado veio ao encontro de Serkong Rinpoche e disse: “Quero aprender as seis iogas de Naropa. Por favor, ensine-me as seis iogas.” Rinpoche o levou a sério e disse: “É muito bom que você queira estudar isso. É uma aspiração maravilhosa. Mas para estudar isso, você tem que estudar primeiro isso e aquilo, passar por todo um processo de desenvolvimento até chegar lá.” Ele não foi mesquinho com o dharma, nem recusou-se a ensinar as seis iogas de Naropa. É claro que o rapaz não estava preparado para aprender. Mas ele o guiou de uma maneira que faria eventualmente com que o rapaz chegasse um dia a de fato querer aprender o ensinamento do dharma, e foi a forma adequada de lidar com a situação.

Lembrem-se do princípio geral ao qual me referi antes: um bodhisattva de nível inferior de realização não tenta fazer as práticas de um bodhisattva mais desenvolvido quando não é ainda capaz de fazê-las. Se alguém pedir por nossa ajuda e não formos capazes de ajudar, não devemos fingir e querer fazer mais do que podemos. Temos que dizer: “Eu gostaria de poder ajudar, mas não sou qualificado.” No entanto, se dissermos isso a um tibetano, ele entenderá que estamos sendo humildes, que na verdade somos qualificados e só estamos dizendo: “Ah, não, não, não sou qualificado. Não posso fazer isso.” E ele insistirá. Mas então temos que continuar afirmando: “Não estou sendo humilde, realmente não sou qualificado para ajudá-lo.”

Aqui vai um exemplo. Em um instituto do dharma na Itália, no Instituto Lama Tzong Khapa, eles têm o assim chamado Programa de Mestres para estudarem os tópicos mais importantes do treinamento monástico. É um programa de seis anos para leigos e monásticos. Eles têm um geshe que ensinou o primeiro tópico desse curso; mas quando foi o momento de começar o segundo tópico, que era Madhyamaka, ele disse: “Não sou qualificado para ensinar isso.” E é claro que todos insistiram que ele ensinasse de qualquer forma, acharam que estava sendo modesto, mas ele disse: “Não, realmente não sou qualificado.” Perguntaram a colegas dele e seus professores e, de fato, ele não era qualificado; não era seu forte, ainda que fosse um geshe. Então, o instituto convidou outro geshe, que aceitou ensinar o tema. O primeiro geshe, aquele que disse não ser qualificado, resolveu ficar para ajudar no curso. Portanto, o primeiro geshe não transgrediu seu voto de boshisattva por não compartilhar ensinamentos do dharma; ele estava seguindo seu treinamento do estado da bodhichitta de aspiração com comprometimento, não fingindo ter qualidades que ele não possuía.

Quando alguém pede para que expliquemos algum ensinamento do dharma, ou para compartilharmos nossas anotações, podemos dizer: “Claro, posso emprestar minhas anotações, mas elas não são muito boas.” Devemos ser sinceros. Quando não entendemos o tema em questão, podemos dizer: “Não entendo o tema. Não posso explicá-lo a você.” Temos que usar nossa consciência discriminativa nessas questões de administrar nosso tempo e do que podemos e devemos compartilhar. Faz parte do treinamento de bodhisattva sabermos quando precisamos repousar para termos força para continuar ajudando os outros. Nesse caso, podemos dizer: “Eu gostaria de ajudar, mas estou realmente exausto. Preciso descansar. Realmente, não posso ajudar desta vez.”

Também é difícil quando muitas pessoas pedem nossa ajuda ao mesmo tempo, e não podemos ajudar todo mundo. Não somos budas ainda. Não posso ajudar todo mundo ao mesmo tempo. Nesses casos, infelizmente, temos que escolher. Como escolher, o que devemos priorizar? Sua Santidade O Dalai Lama ofereceu orientações em relação a isso.  Ele disse: “Descubra qual a sua maior qualificação, aquilo que faz melhor e os outros não sabem fazer tão bem, e ajude principalmente com isso. E indique outras pessoas para coisas que elas sabem fazer tão bem quanto você. Foque no seu talento maior, o que só você sabe fazer dessa forma.” No meu caso, quando alguém me diz: “Eu gostaria de aprender tibetano. Por favor, você poderia me ensinar tibetano?” Bem, há muitas outras pessoas que ensinam tibetano e há muitas outras coisas que posso ensinar para as quais não há tantos professores. Nesse tipo de situação, costumo dizer: “Bem, há outras pessoas que ensinam...” e indico algum professor de tibetano, especialmente para os iniciantes.

Outro princípio, em relação ao que priorizamos, seria quando temos uma conexão muito especial com outra pessoa e ela é extremamente receptiva a nós. Darei um ótimo exemplo. Sua Santidade o Dalai Lama tinha tutores. Há as reencarnações do tutor mais velho, Ling Rinpoche, e do tutor assistente, meu professor, Serkong Rinpoche. O título Serkong Rinpoche não era “tutor assistente”, mas “parceiro mestre em debates”. Mas não precisamos entrar em detalhes em relação a isso. Ele era um professor de Sua Santidade. Eles nasceram com um ano de diferença, portanto tinham idades muito próximas. Quando eram crianças pequenas, por volta dos três e quatro anos, Sua Santidade lhes deu a primeira lição em leitura do alfabeto tibetano. É claro que Sua Santidade não continuou a ser professor de alfabetização nem lhes ensinou a ler. Mas no que se refere a esse relacionamento muito especial e próximo que ele teve com seus professores, quando acharam as reencarnações deles, foi Sua Santidade que lhes deu a primeira lição.

Meu amigo, Alan Turner, tinha uma relação muito próxima com Serkong Rinpoche. Alan nunca aprendeu tibetano, mas Serkong Rinpoche ofereceu a ele uma aula de tibetano para semear o idioma em sua mente. É claro que ele não fez isso com outras pessoas. Sua Santidade não deu aulas de tibetano para outras pessoas além de seu próprio professor, com quem ele tinha uma relação muito próxima. Devemos priorizar isso. Qual é a necessidade especial? Se eu ensinar a essa pessoa, como será que ela beneficiará outras pessoas? No que se refere a como passamos nosso tempo, será que temos uma conexão muito próxima? A pessoa é realmente receptiva em relação a nós? Em geral, qual a área na qual sou mais qualificado e na qual não há muitas outras pessoas com as mesmas qualificações? No que se refere a outras pessoas que pedem por nosso tempo e atenção, podemos colaborar um pouco e dar sugestões. Não devemos ficar com raiva e dizer: “Me deixa em paz. Vai embora.” Isso seria contra o comportamento do bodhisattva.

É muito interessante. Perguntei para Ringu Tulku – ele é um grande mestre da Kagyu – e ele disse que um fato que deveríamos considerar, sendo que somos ainda seres samsáricos, não somos budas, no que se refere a priorizar nosso tempo, é de que também devemos desfrutar do que estamos fazendo. É bom que haja um pouquinho de motivação egoísta, pois isso nos ajuda e traz mais força e entusiasmo. E isso é bom, contanto que não seja a consideração principal.

Portanto, há um grupo de fatores que podemos considerar no que se refere a passar nosso tempo ajudando outras pessoas, fazendo algo para beneficiar outras pessoas.

Depois, temos que considerar: sou capaz de seguir fazendo isso, consigo fazer isso? Quando tomamos os votos de bodhisattva, conseguimos mantê-los? Temos que considerar isso. Para isso, devemos evitar a auto-exaltação, e evitar rebaixar os outros por apego, cobiça e inveja. Devemos evitar não compartilhar os ensinamentos do dharma, ou a nossa prosperidade, nossos bens, nosso tempo, o que quer que seja, por causa de apego e avareza.

Quando não compartilhamos os ensinamentos do dharma por outras motivações, como preguiça, ou raiva: “Não gosto de você, portanto, não ajudarei nem compartilharei nada com você.”. Evitar fazer isso é um dos votos secundários de bodhisattva. Não é um voto raiz. Por que? Qual a diferença entre um voto raiz e um voto secundário? Bem, como um bodhisattva, precisamos desejar oferecer ajuda a todos e não guardar nossos benefícios só para nós. Quando agimos por apego e avareza, e não queremos compartilhar, isso realmente é contra o ideal de bodhisattva. Quando tenho preguiça, é outro estado mental, certo? “Gostaria de ajudar, mas estou com preguiça de fazer isso.”

(3) Não escutar as desculpas dos outros ou atacá-lo

No terceiro voto de bodhisattva devemos evitar não escutar quando alguém nos pede desculpas, ou golpear, bater nos outros. Há duas coisas envolvidas nisso. Primeiro, quando não aceitamos as desculpas de alguém, ou quando batemos em alguém, a motivação é principalmente a raiva. O primeiro exemplo se refere ao momento específico quando estamos gritando com alguém, ou batendo em alguém, por exemplo, nosso filho travesso, e ele pede desculpas, ou outra pessoa, nossa esposa, por exemplo, nos pede para parar, e nós nos recusamos a parar. O segundo é simplesmente quando estamos golpeando ou batendo em alguém. Trata-se de um voto secundário de bodhisattva de não recusar desculpar alguém por causa de rancor. Há duas situações aqui. Alguém implora por nosso perdão: “Por favor, pare de gritar comigo.” Estamos gritando ou batendo nessa pessoa ou sendo maldosos por causa de nossa raiva. É claro que neste momento também somos bodhisattvas, mesmo se tivermos raiva. A outra pessoa diz: “Por favor, pare, sinto muito.” É claro que precisamos parar, perdoar, aceitar seu perdão. Ainda que desculpar alguém seja um conceito bem estranho, não é mesmo? Não acho que seja o melhor termo – aliás, nem me lembro da palavra tibetana para “desculpar”. É simplesmente parar de ter raiva e de bater na pessoa. “Desculpar” parece nos dar o poder de parar as consequências cármicas das ações da outra pessoa; e isso não seria budista. Portanto, trata-se simplesmente de parar de ter raiva, gritar, e bater ou rejeitar o outro – quando a situação está ocorrendo.

O voto secundário é em relação ao que vem depois. Ainda temos raiva, ou guardamos rancor e depois, mais tarde, dizemos: “desculpe”. Nesse momento, a ação a evitar seria não aceitar as desculpas, não soltar o rancor ou a raiva. Estamos falando da diferença entre uma raiva mais forte, que nos motiva a cometer uma ação destrutiva, como gritar ou bater na pessoa, ou fazer algo de negativo com ela, e a outra situação, que seria guardar rancor – ainda ter raiva, mas não agir de acordo com ela. Certo?

É claro que quando queremos ajudar os outros, mesmo que tenhamos algum momento de raiva, temos que soltar a raiva ou o rancor. O outro aspecto desse voto é evitar bater em alguém por raiva. Portanto, pode haver situações nas quais bater em alguém possa ser necessário, benéfico, mas não por raiva. Podemos usar um exemplo indiano: para conseguir que o búfalo asiático ande, pode ser que a pessoa tenha que bater em seu traseiro. Se só dissermos ao búfalo: “por favor, ande”, ele provavelmente não entenderá. É um tipo de animal que achamos em todas as partes da Índia e do Nepal. É muito grande, muito maior do que uma vaca, é preto, tem chifres, e um leite muito nutritivo. Pode ser que não tenhamos um búfalo, nem saibamos o que é um búfalo. A maioria de nós não tem búfalos, cavalos ou camelos nos quais é preciso bater para fazê-los andar. Mas às vezes até mesmo com uma criança travessa, se ela estiver prestes a correr para uma rua agitada, e há perigo de atropelamento, temos que usar meios violentos, agarrá-la com força ou bater nela para que não corra. Não fazemos isso por raiva. Portanto, o efeito de muitas ações é afetado pela motivação; a motivação da qual falamos aqui é raiva ou má vontade, quando queremos machucar o outro. Nesse momento, quando a pessoa nos diz: “Por favor, não faça isso, por favor, pare.”, e nós nos recusamos a parar, isso é transgredir o voto. Esse é o terceiro voto de bodhisattva.

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