Os Níveis Mais Profundos da Meditação Mahamudra

Meditação Mahamudra na Natureza Convencional da Mente

A realização mahamudra nunca é "Viver naturalmente como um animal. Apenas olhar e ouvir, sem ter pensamentos". Não se trata disso, de modo nenhum. Além disso, mesmo se fossemos capazes, através dos métodos mahamudra iniciais, de atingir um nível tal que não ficamos mais perturbados pelos conteúdos da nossa experiência, não nos devemos enganar pensando que a prática mahamudra é bem simples, ou que se reduz a este nível inicial. É um passo na direção correta – um passo muito grande – mas ainda não é uma compreensão profunda do mahamudra. Para aprofundarmos ainda mais a prática mahamudra, precisamos desenvolver shamata, um estado de mente estável e serenamente tranquilo e completamente absorto com concentração unifocada na própria mente, que no inicia se faz focalizando especificamente na sua natureza convencional como mero surgir e engajar. O IV Panchen Lama, em Um Texto Raiz para o Glorioso Mahamudra na Tradição Gelug-Kagyu, começa a sua apresentação da meditação mahamudra neste ponto.

Há duas maneiras clássicas de descrever o processo meditativo. Uma é que com consciência mental nós focalizamos na experiência do mero surgir e engajar que agora recordamos do momento de cognição imediatamente precedente. A outra é que um aspecto da mente foca no mero surgir e engajar do seu próprio momento de cognição. Nos dois casos, usamos plena atenção para manter o foco mental da nossa atenção na própria mente; e atentividade para notar e corrigir qualquer desvio deste foco devido à fugacidade da mente ou ao torpor mental. Quando tivermos eliminado totalmente estas falhas da nossa meditação, atingimos samadhi – um estado de concentração absorta. Alcançamos shamata quando, além disso, nós experienciamos, acompanhando o samadhi, uma serena e alegre sensação de maleabilidade e aptidão física e mental de sermos capazes de nos concentrar perfeitamente em qualquer coisa durante o tempo que desejarmos.

Durante todo este processo de se obter shamata através da meditação mahamudra, nós apenas focalizamos na própria mente, que é uma maneira de aperceber algo e não uma forma de fenomeno físico. Porém, qualquer momento mental em que focalizamos tem um objeto. Consideremos o exemplo da consciência sensorial, em que o objeto apreendido por essa consciência é um tipo de fenomeno físico, tal como uma visão ou um som. Durante as fases iniciais deste estágio da meditação mahamudra focalizado no mero surgir e engajar que constitui a natureza convencional da consciência sensorial, o nosso foco apenas na própria consciência sensorial faz com que a cognição sensorial que a acompanha se torne umapercepção inatenta. Ou seja, a consciência sensorial ainda faz surgir o seu objeto, por exemplo, uma visão, mas como essa consciência sensorial é o objeto principal sobre o qual a nossa consciência mental meditativa está focalizando, ela não apreende firmemente o seu objeto, a visão. Está inatenta desta visão e, assim, a nossa consciência mental meditativa não faz surgir uma aparência clara da visão. Eventualmente, quando a nossa colocação unifocada da mente na mente se torna aperfeiçoada, a nossa consciência mental meditativa faz surgir apenas o mero surgir e engajar que constitui a consciência sensorial sobre a qual está focalizada. Não faz surgir, de modo nenhum, qualquer aparência do objeto dessa consciência sensorial.

Esta experiência meditativa é reminiscente de como a mente de um arya focalizado em absorção total, ou "equilíbrio meditativo" na vacuidade de um objeto, digamos uma visão, faz surgir uma aparência só da vacuidade da visão e não da própria visão. Porém, a vacuidade não existe separadamente da sua base, por exemplo, da visão. É somente devido aos obstáculos que ainda afetam a mente de um arya em absorção total que sua mente absorta é incapaz de fazer surgir simultaneamente a vacuidade e sua base como seus objetos de cognição. Similarmente, a consciência sensorial não existe separadamente do seu objeto cognitivo, por exemplo, uma visão. É devido apenas aos obstáculos ainda afetando a mente de um praticante de mahamudra, ainda não iluminado, que está focalizada unifocadamente na natureza convencional de uma consciência sensorial, que a sua mente totalmente absorta é incapaz de fazer surgir ambas, a consciência sensorial e seu objeto sensorial, como objetos da sua própria cognição.

A seguir, considerem o exemplo de uma mente, meditando em mahamudra, focalizando no mero surgir e engajar de uma consciência mental, por exemplo, de um pensamento verbal ou pensamento com imagens. No início, a apreensão de que os conteúdos do pensamento são meramente algo que a nossa mente está fazendo surgir enfraquece o poder sedutor dos conteúdos. Porém, eventualmente, os conteúdos do pensamento deixarão de surgir assim que focalizamos no mero surgir e engajar da mente que os está pensando. Os mesmos obstáculos impedindo a mente, totalmente absorta numa consciência sensorial, de fazer surgir simultaneamente o objeto dessa consciência, automaticamente obstruem a nossa mente de fazer surgir os conteúdos de um pensamento assim que focalizarmos no mero surgir e engajar que constitui esse pensamento. Assim, a mente, unifocada na natureza convencional da mente, faz surgir a aparência – significando a ocorrência manifesta, e não um aspecto visual – simplesmente de mero surgir e engajar, quer esteja focalizando na natureza convencional de um momento de consciência sensorial ou mental.

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