As Quatro Aplicações da Presença Mental no Mahayana

Os 37 Fatores Que Levam a um Estado Purificado

As quatro aplicações da presença mental (dran-pa nyer-bzhag, sânscrito Smrtyupasthana, Pali: satipatthana) são os quatro primeiros dos 37 fatores que levam a um estado purificado (byang-chub yan-lag so-bdun). Existem três estados purificados (byang-chub, sânscrito bodhi) - o de um arhat shravaka, o de um arhat pratyekabuddha e o de um arhat bodhisattva ou um buda.

Os 37 fatores são:

  • As quatro aplicações da presença mental (dran-pa nyer-bzhag bzhi) - ao corpo, aos sentimentos de níveis de felicidade, à mente e aos fenômenos
  • Os quatro fatores para (alcançar) liberdades corretas (yang-dag spong-ba bzhi, quatro abandonos puros) - gerar fenômenos construtivos (virtuosos) não gerados antes, gerar fenômenos construtivos já gerados, interromper o aumento de fenômenos destrutivos (não-virtuosos) já gerados e impedir a geração de fenômenos destrutivos ainda não gerados
  • As quatro pernas para (alcançar) poderes extrafísicos (rdzu-‘phrul-gyi rkang-pa bzhi) - intenção (‘dun-pa), perseverança, ponderação (sems-pa, pensamento), escrutínio (dpyod-pa, análise)
  • Os cinco poderes (dbang-po lnga) - crença no fato (pai-pa, fé), perseverança, presença mental, concentração absorvida (ting-nge-zdzin) e consciência discriminativa (shes-rab, sabedoria)
  • As cinco forças (stobs-lnga) - crença em fatos, perseverança, presença mental, concentração absorvida e consciência discriminativa.
  • Os sete fatores (causais) para se (atingir) um estado purificado (byang-chub yan-lag bdun) – presença mental, classificação minuciosa dos fenômenos (pers-tu-rnam-par 'byed-pa), perseverança, alegria (dga'-ba), senso de aptidão física e mental (shin-sbyangs), concentração absorvida e equanimidade (btang-snyoms)
  • Os oito ramos do caminho mental do arya ('phags-lam yan-lag brgyad, caminho nobre óctuplo) - visão correta, pensamento correto, fala correta, limite de ação correto, meios de subsistência corretos, esforço correto, atenção correta e concentração absorvida correta.

Os 37 fatores resumem as práticas que são progressivamente realizadas pelos shravakas, pratyekabuddhas e bodhisattvas, enquanto desenvolvem os cinco caminhos mentais (lam-lnga, cinco caminhos). Eles são direcionados para as quatro nobres verdades - sofrimento verdadeiro, causas, cessações (cessações verdadeiras) e caminhos mentais (caminhos verdadeiros) - e são aspectos de um estado mental excepcionalmente perceptivo (lhag-mthong, sânscrito Vipassana, Pali: vipassana)

O Caminho Mental da Construção

As quatro aplicações da presença mental são praticadas desde que se alcança o primeiro dos cinco caminhos mentais, o caminho mental da construção (tshogs-lam, caminho da acumulação), até a obtenção do estado purificado de um arhat ou estado búdico. No entanto, podemos praticar um fac-símile dessas quatro aplicações antes de alcançarmos o caminho mental da construção.

Com o caminho mental da construção, construímos redes de força positiva (bsod-nams-kyi tshogs, coleção de mérito) e de consciência profunda (ye-shes-kyi tshogs, coleção de sabedoria). Elas constroem a libertação ou a iluminação, dependendo da motivação que as acompanha: apenas renúncia (nges-‘byung) ou renúncia com o ideal iluminador de bodhichita (byang-sems). A meditação nas quatro aplicações constrói uma rede de consciência profunda, enquanto a motivação que a acompanha constrói uma rede de força positiva. A meditação e a motivação se reforçam.

Os caminhos mentais dos shravakas e pratyekabuddhas praticam as quatro aplicações, ao mesmo tempo em que manifestam a renúncia não-elaborada (rtsol-med nges-‘byung). Diversas cognições podem se manifestar simultaneamente, cada uma focada em um objeto diferente e de uma maneira diferente. Por exemplo, podemos ver o rosto de alguém enquanto ouvimos a pessoa falar. Não prestamos necessariamente igual atenção a todas as cognições que ocorrem simultaneamente. A concentração absorvida em um único objeto de cognição está livre de divagações mentais, mas isso não significa que a concentração ocorra sem outras cognições simultâneas. Nós simplesmente não somos distraídos por elas.

Renúncia é a determinação de obter libertação do renascimento incontrolavelmente recorrente (samsara), com a disposição de abandonar o sofrimento e suas causas, juntamente com a convicção de que é possível fazê-lo, de que somos pessoalmente capazes de fazê-lo e que trabalharemos para isso. Assim, na renúncia há um entendimento básico das quatro nobres verdades. A determinação de obter libertação compreende a terceira e quarta nobres verdades: verdadeiras cessações e verdadeiros caminhos mentais. A disposição de abandonar o sofrimento e suas causas compreende a primeira e a segunda nobres verdades: os verdadeiros sofrimentos e suas verdadeiras causas. "Não elaborada" significa que a renúncia surge sem ter que ser construída através de uma linha de raciocínio. [E quando dizemos que está] sempre manifesta, significa que nunca perdemos nossa convicção e intenção.

Embora as quatro aplicações da presença mental sejam com renúncia e bodhichitta não elaboradas, podemos começar com os níveis elaborados (rtsol-bcas) antes de atingir o caminho mental da construção. Para isso, precisamos nos esforçar para gerar e sentir renúncia e bodhichitta sinceras, através da lógica.

Tipos de Fatores Mentais Envolvidos com a Aplicação da Presença Mental 

A presença mental (mindfulness) é um fator mental (sems-byung, consciência subsidiária) que segura o objeto de foco e evita seu esquecimento ou perda. Funciona um pouco como uma cola mental. A força da cola mental pode variar. Ela não deve ser nem muito forte nem muito fraca.

 A vigilância introspectiva (shes-bzhin) é o fator mental, ou consciência subsidiária de um objeto, que verifica a qualidade da cola da presença mental. A aderência pode ser muito fraca devido à instabilidade mental (rgod-pa, agitação) ou embotamento mental (bying-ba). Quando a vigilância percebe uma falha na qualidade da presença mental, ela aciona a atenção de restauração (chad-cing 'jug-pa'i yid-byed) para corrigir isso.

A atenção ou “trazer à mente” (yid-la byed-pa) é o fator subsidiário da consciência mental que faz com que a atividade mental se engaje com um objeto específico. Ela pode engajar a atividade mental de maneira meticulosa, restauradora, ininterrupta ou espontânea. Também pode trazer à mente, ou considerar, o objeto de forma que esteja de acordo (tshul-bcas, concordante) ou em desacordo (tshul-min, discordante) com sua natureza real.

As quatro aplicações da presença mental são praticadas para corrigir as quatro maneiras discordantes de prestar atenção aos cinco fatores agregados de nossa experiência (phung-po lnga, cinco agregados).

Com uma força adequada da cola da presença mental, praticamos em relação a:

  • Nossos corpos - como sujos (impuros, feios), e não como limpos (puros, bonitos)
  • Nossos sentimentos - como sofrimento (insatisfatório), e não como felicidade (satisfatório)
  • Nossas mentes (referindo-se aos nossos seis tipos de consciência primária: ver, ouvir e assim por diante) - como não estáticas (impermanentes), em vez de estáticas (permanentes)
  • Todos os fenômenos (referindo-se aos vários fatores mentais e aos cinco fatores agregados em geral) - como sendo desprovidos de uma alma impossível de pessoa (gang-zag-gi bdag-med), ao invés de providos.

A Prática Preparatória de Shamata

A aplicação da presença mental é uma prática de vipassana. Por definição, a prática de vipassana requer que se tenha atingido shamata (zhi-gnas, mente quieta e tranquila, permanência calma); caso contrário, não conseguiremos nos concentrar adequadamente. Praticar vipassana sem shamata é meramente um fac-símile do verdadeiro vipassana. Sendo um estado mental sereno e calmo, além da concentração perfeita há também uma estimulante sensação de aptidão e flexibilidade mental e física (shin-sbyang). Isto por conta da capacidade de nos concentrarmos em qualquer coisa, pelo tempo que desejarmos, sem resistência ou dor, seja física ou mental. Vipassana acrescenta mais uma estimulante sensação de aptidão física e mental, com base na capacidade de discernir e entender qualquer coisa.

Podemos conquistar o estado calmo e estável de shamata e o estado excepcionalmente perceptivo de vipassana através do foco em uma ampla variedade de objetos. Essa conquista não requer a obtenção prévia do caminho da construção, nem requer o uso de métodos budistas. As escolas indianas não-budistas também ensinam métodos para alcançarmos as duas coisas. No entanto, os praticantes budistas só atingem shamata focando nos dezesseis aspectos das quatro nobres verdades, se tiverem obtido o nível avançado do caminho mental da construção. E só alcançamos shamata e vipassana juntos, focando também nesses dezesseis aspectos, com a obtenção do segundo dos cinco caminhos mentais, o caminho mental da aplicação (sbyor-lam, caminho da preparação).

Dois grandes obstáculos à obtenção de shamata são o desejo ou apego (odod-chags) e as divagações (rnam-rtog). Essas são as principais causas de instabilidade mental (rgod-pa), da mente ir para objetos desejáveis. Como preparação para a meditação da aplicação da presença mental, meditamos sobre a feiura do corpo, para combater o desejo, e focando na respiração, para combater as divagações.

  • Da mesma forma, a prática Teravada das quatro aplicações da presença mental ensina a obtenção da concentração absorvida (ting-nge-zdzin, sânscrito Samadhi, Pali: samadhi) deixando de lado a inquietação e as divagações. Inquietação (rgod-pa, sânscrito Auddhatya, Pali: uddhacca) é o mesmo termo técnico que o Mahayana define como instabilidade mental.
  • No oitavo capítulo de Engajando-se no Comportamento do Bodhisattva (O Caminho do Bodhisattva), que se refere à estabilidade mental de longo alcance (bsam-gtan phar-byin, sânscrito Dhyanaparamita, perfeição da concentração), Shantideva também enfatiza a eliminação do desejo, do apego e da divagação para objetos desejáveis, particularmente o corpo,  para se obter concentração perfeita. Isto é uma preparação para o seu nono capítulo sobre a discriminação de longo alcance da vacuidade (shes-phyin, sânscrito Prajnaparamita, perfeição da sabedoria), que ele diz que se desenvolve parcialmente através das quatro aplicações da presença mental.

A Meditação Sobre a Feiura do Corpo

Como o desejo sexual é a forma mais forte de desejo e apego para a maioria das pessoas, o objeto focal para se combater a impulsividade da mente é a feiura do corpo. O objetivo é desenvolver um sentimento de repulsa, para combater o desejo e o apego. Isso não nega a verdade superficial (kun-rdzob bden-pa, verdade convencional, verdade relativa) de que, para uma mente que é válida para conhecer as verdades superficiais, o corpo pode ser atraente, de acordo com uma determinada convenção social ou pessoal. Mas também precisamos ver o corpo com uma mente que validamente veja verdades mais profundas sobre ele.

As meditações padrão são extremamente fortes. Alguns praticantes podem começar a fazê-las mas já sentirem uma repulsa neurótica pelo corpo, seja com base em ensinamentos de outras religiões ou em fatores psicológicos. Para eles, repulsa e aversão ao corpo são emoções perturbadoras (nyon-mongs, emoções aflitivas). Portanto, essas pessoas precisam de muito cuidado se quiserem fazer esse tipo de prática. Se a meditação sobre a feiura do corpo servir apenas para aumentar o medo e a aversão neuróticos, a prática precisa ser complementada com uma forte meditação sobre a vida humana preciosa. Devemos lembrar que o objetivo de escolher um objeto repulsivo de meditação para obter shamata é combater a divagação mental que advém do desejo e do apego. Pode ser mais eficaz para essas pessoas escolher algum outro tipo de objeto que desperte seu desejo e apego, como comida ou cigarro.

A meditação se concentra no desejo e apego a quatro aspectos do corpo: sua cor, sua forma, a sensação física de tocá-lo e obter prazer com ele ou usá-lo. Primeiro, nos concentramos nos quatro aspectos do corpo de alguém que consideramos atraente. Então aplicamos o mesmo foco ao nosso próprio corpo. Começamos cada fase refletindo sobre o fato de que nós ou a outra pessoa morreremos um dia. Não importa quão bonito o corpo dele, dela ou nosso possa ser enquanto vivo, como cadáver ele será feio e repulsivo. Para combater o apego a:

  • A bela cor do corpo de alguém - pense que, quando ele for um cadáver em decomposição, sua cor será azul escuro e depois preta. Mesmo vivo, a cor do corpo pode ser feia quando preto e azul com vários ferimentos ou quando vermelho ou preto com queimaduras graves. Visualizamos o corpo assim e o usamos como objeto focal para a concentração, prestamos atenção a ele dessa maneira, com a cola da presença mental.
  • A bela forma ou figura do corpo de alguém - imagine-o inflado e inchado como um cadáver, com larvas e vermes comendo-o e pedaços apodrecendo. Mesmo quando vivo, a forma do corpo pode mudar devido a uma doença, a um ganho ou perda de peso ou ao envelhecimento.
  • A sensação tátil de tocar e acariciar o corpo de alguém – Imagine o corpo como um cadáver sendo devorado por insetos ou sua carne se decompondo e caindo. Até a ideia de tocá-lo, quanto mais de abraçá-lo, é repulsiva. Mesmo quando o corpo está vivo, quando a pele de alguém está coberta de feridas purulentas, com erupção de hera venenosa ou apodrecendo com hanseníase, perdemos todo o desejo de tocá-la.
  • Obter prazer ou usar o corpo de alguém, seja como objeto sexual ou como instrumento para explorar o trabalho - pense nele como um cadáver. Ele seria incapaz de fazer qualquer coisa, e será que sentiríamos vontade de fazer amor com um cadáver fedorento e podre?
  • Todos os quatro aspectos - conclua meditando sobre o esqueleto que esse corpo se transformará. Em seguida, repetimos os cinco passos em relação ao nosso próprio corpo.

Como um antídoto geral para o embotamento mental, e como um auxílio adicional para reduzir o apego ao corpo e à busca interminável de gratificação sensual, praticamos três meditações adicionais sobre o corpo como um esqueleto.

  • A partir de nossas sobrancelhas, imaginamos que nossa carne se descola dos ossos, um pedaço de cada vez. Quando o esqueleto inteiro é exposto, imaginamos a sala inteira, a parte de fora da nossa casa, e depois o mundo inteiro cheio de ossos - cada vez mais cheio. Em seguida, vamos tirando os ossos, até que apenas o nosso esqueleto permaneça, e nos concentramos unifocadamente nele.  
  • Seguimos o mesmo procedimento, mas, no final, dissolvemos nosso esqueleto de baixo para cima até restar apenas a metade superior do crânio. Então focamos nisso.
  • Repetimos o procedimento mais uma vez, mas continuamos a dissolução até que apenas um pequeno fragmento de osso permaneça em nossas sobrancelhas, e depois focamos nele. Essas três meditações não eliminam o apego, mas ajudam a reduzi-lo.

Meditação na Respiração para Combater a Divagação

  • Contar a respiração - para reduzir e eliminar a divagação, primeiro contamos a respiração. Relaxando o corpo e a mente, contamos os ciclos de expiração e inspiração, até dez, e depois repetimos. Se contarmos mais de dez de cada vez, nossa mente poderá ficar muito tensa, tentando lembrar o número em que estamos. Se contarmos menos de dez por vez, enfrentaremos o perigo de nossas mentes ficarem muito frouxas, pois não estaremos prestando atenção ao número. É importante não misturar, contar a expiração primeiro e depois a inspiração, como um ciclo. Isso requer presença mental, que é o ponto principal. O passo seguinte é, quando respirar, pensar: "Agora estou prestes a expirar; agora estou expirando; agora terminei de expirar; agora estou prestes a inspirar; agora estou inspirando; agora terminei de inspirar" "; e depois contar - um. Se nos concentrarmos em acompanhar todos esses detalhes, os outros pensamentos desaparecerão.
  • Seguir a respiração - respirando devagar, mas sem contar, imaginamos, enquanto exalamos, que o ar vai das solas dos pés até as coxas, ao umbigo, ao coração, à garganta e sai pelas narinas. Enquanto inspiramos, imaginamos o ar voltando para nossas narinas e passando pela garganta, pelo coração, pelo umbigo, pelas coxas e chegando às solas dos pés. Em seguida, repetimos o procedimento.
  • Colocar a respiração - respirando normalmente, não mais nos concentramos em inspirar e expirar. Em vez disso, nos concentramos no fluxo interno do ar em nosso corpo, como se o caminho que ele seguisse fosse um fio passando de nossas narinas até as solas dos pés. Examinamos as sensações que a respiração causa ao longo do fio - quente, frio, confortável, desconfortável e assim por diante. Analisando a respiração à medida que respiramos, consideramos que ela não é apenas ar. Ela tem a natureza dos quatro elementos, da terra, água, fogo e vento (solidez da poeira, umidade do líquido, temperatura do calor e vento) e os quatro elementos derivados: forma, odor, sabor e sensação tátil. Consideramos ainda que nossos vários tipos de consciência primária e subsidiária dependem desses elementos e como eles se inter-relacionam e afetam uns aos outros.
  • Transformar a respiração - mesmo depois de acalmarmos nossas mentes de todas as divagações e atingirmos shamata, podemos praticar ainda mais com a respiração, à medida que desenvolvemos progressivamente os caminhos mentais. Com base no que analisamos, examinamos as quatro nobres verdades no contexto da respiração e a inter-relação delas com nossas mentes. Examinamos esse relacionamento em termos do verdadeiro sofrimento do renascimento, suas verdadeiras causas, verdadeiras cessações e os verdadeiros caminhos mentais que levam a essa parada. Assim, progredimos através dos caminhos mentais da construção e aplicação.
  • Purificar no contexto da respiração - continuamos o último passo de maneira não conceitual, com os caminhos mentais da visão (mthong-lam, caminho da visão) e da habituação (sgom-lam, caminho da meditação).

Detalhes das Quatro Aplicações da Presença Mental 

Os objetos aos quais aplicamos a presença mental compreendem todos os fenômenos estáticos e não estáticos. Os fenômenos não estáticos podem ser incluídos nos cinco fatores agregados de nossa experiência.

  • A presença mental aplicada ao corpo refere-se ao nosso agregado das formas. Nós nos concentramos em três tipos de corpo: interno (nosso próprio corpo), externo (os objetos físicos ao nosso redor) e tanto interno quanto externo (o corpo dos outros).
  • Os sentimentos se referem ao nosso conjunto de sentimentos: felicidade e prazer, infelicidade e dor e neutro.
  • Mente refere-se ao nosso agregado da consciência: os seis tipos de consciência primária (ver, ouvir, cheirar, provar, sentir sensações físicas e pensar).
  • Fenômenos incluem nossos agregados de distinção (reconhecimento) e outras variáveis afetantes, e também fenômenos estáticos.

A necessidade de haver quatro aplicações é ajudar-nos a superar os vários aspectos do apego a uma alma impossível do "eu" como pessoa (gang-zag-gi bdag-‘dzin). Imaginamos incorretamente que o "eu" existe como um "eu" estático e monolítico, independente de nossos agregados. Nós concebemos erroneamente:

  • O nosso corpo – como sendo a base ou casa habitada por um "eu" independente; e parece ser assim. Sentimos: "Estou aqui, dentro do meu corpo".
  • Nossos sentimentos – como sendo o que esse "eu" sente e experimenta, como "Sinto-me feliz. Sinto-me infeliz. Sinto-me indiferente".
  • Nossa mente - na verdade, como sendo "eu"
  • Fenômenos, particularmente nossas emoções e atitudes - como sendo o que "dá" minha personalidade ou identidade verdadeira. "Sou alguém que tem problemas com raiva ou apego", "sou alguém com grande inteligência ou amor".

A Gelug Prasangika explica esses quatro conceitos errôneos em termos de incorretamente imaginar que o "eu" existe como um "eu" localizável e conhecível de forma auto-suficiente.

A Meditação

Para obter o estado excepcionalmente perceptivo de vipassana, através das quatro aplicações da presença mental, analisamos os quatro objetos que concebemos erroneamente no que diz respeito às características comuns a todas eles e depois às suas características individuais.

Sobre as Características Comuns aos Quatro

As características comuns a esses quatro objetos são: não estáticos (impermanentes), problemáticos (insatisfatórias ou sofrimento por natureza), vazios e sem alma impossível. Essas características comuns são as quatro características da primeira nobre verdade do verdadeiro sofrimento. Elas também são os três primeiros dos quatro selos para rotular uma visão, com base em palavras iluminadas (lta-ba bka'-btags-gyi phyag-rgya-bzhi), também conhecidos como as quatro características do Dharma (chos-kyi sdom-bzhi):

  • Todos os fenômenos afetados (us dus-byas, condicionados) são não estáticos (impermanentes).
  • Todos os fenômenos maculados (zag-bcas, fenômenos contaminados) são problemáticos. "Maculados" significa que surgem dependentemente de emoções e atitudes perturbadoras e impulsos cármicos, e que estas são suas causas e condições. A Gelug Prasangika define "maculado" como algo que tem uma aparência de existência auto-estabelecida.
  • Todos os fenômenos são desprovidos de uma alma impossível, sem alma impossível. "Desprovidos" significa que não há neles uma pessoa ("eu"), existindo como um "eu" estático e monolítico, independente dos agregados e que possui esses agregados. A "ausência de uma alma impossível" significa que, dentre todos os fenômenos validamente conhecíveis, não existe uma pessoa como uma alma auto-suficientemente conhecível. A Chittamatra acrescenta a esta explicação Vaibhashika e Sautrantika, que lida com a alma impossível de uma pessoa, a ausência de uma alma impossível nos fenômenos. A alma impossível a qual a Chittamatra se refere aqui é aquela que possui uma característica definidora por parte do objeto, que serve de base ou "gancho mental" para se pendurar o nome específico desse objeto. A Madhyamaka explica de maneira semelhante, mas em termos de uma alma impossível ter uma existência verdadeiramente estabelecida.

Sobre as Características Individuais dos Quatro

Em termos de suas características individuais, cada um dos quatro objetos para a aplicação da presença mental está relacionado a uma das quatro maneiras discordantes de prestar atenção, mencionadas acima. Com base nisso, cada um está correlacionado com uma das quatro nobres verdades.

  • Com uma aplicação cuidadosa ao corpo, contemplamos que o corpo é sujo e impuro, em vez de discordantemente considerá-lo limpo e puro. Refletimos sobre as causas do corpo (as substâncias sujas do esperma e do óvulo), a natureza do corpo (seu interior como uma máquina de fabricar urina, excremento, vômito e muco) e o resultado do corpo (um cadáver podre e fedorento). Além disso, enquanto vivo, o corpo é base para doenças, lesões físicas, dores e velhice. Dá muito trabalho cuidar dele - precisamos limpá-lo, vesti-lo, alimentá-lo e ganhar dinheiro continuamente. Dessa maneira, percebemos que o corpo é sujo, impuro e tem a natureza do sofrimento. Através dessa percepção, nosso apego ao corpo diminui, para que fiquemos menos preocupados e obcecados com ele. Através dessa percepção, entendemos o corpo como verdadeiro sofrimento, a primeira nobre verdade. No entanto, devemos usar nossas preciosas vidas humanas e nossos corpos para alcançar a iluminação.
  • Ao aplicar a presença mental aos sentimentos, também observamos que todos os sentimentos têm a natureza do sofrimento. A dor é o problema do sofrimento, a felicidade é o problema da mudança (nunca dura e nunca é satisfatória) e sentimentos neutros caracterizam o problema afetante que tudo permeia (todas as nossas experiências, quando misturadas com a confusão, perpetuam nossa existência samsárica). Compreender a natureza insatisfatória do elo do sentimento, no surgimento dependente, nos ajuda a entender os próximos dois elos. Entendemos o elo do desejo (sred-pa) de separar-se da dor, de não se separar do prazer e de que sentimentos neutros não diminuam (como quando estamos dormindo). Também entendemos como o desejo leva ao elo da obtenção (len-pa): o elo das emoções e atitudes perturbadoras que obtêm para nós um renascimento samsárico contínuo. Elas incluem (1) o desejo de obtenção de objetos sensoriais desejáveis, (2) perspectivas iludidas de obtenção (como negar causa e efeito ou acreditar que nossa felicidade e sofrimento são recompensas e punição de Deus ou dos deuses), (3) uma visão obtentora de manter a moral ou a conduta iludidas como supremas e (4) uma visão iludida obtentora em relação ao nosso conjunto transitório ('jig-lta) (como considerar nossos agregados como sendo "eu" ou "meu"). Ao perceber que todos os três elos surgem do elo da inconsciência (ignorância), entendemos as verdadeiras causas do sofrimento, a segunda nobre verdade.
  • Com a aplicação da presença mental à mente (os seis tipos de consciência primária), focamos na natureza convencional da atividade mental. Percebemos que ela é naturalmente livre de emoções e atitudes perturbadoras, e também que quaisquer emoções perturbadoras ou mesmo positivas que surjam são não estáticas. Isso nos permite ver como nossa atividade mental é passageira e mutável e nos ajuda a reconhecer que ela é desprovida de um "eu" impossível e de todas as máculas passageiras. Perceber que a natureza da mente é pura e, portanto, que a libertação é possível, leva-nos a compreender a terceira nobre verdade, as verdadeiras cessações. Com base nesse entendimento, desenvolvemos a renúncia (a determinação de ser livre) e o forte desejo de alcançar a libertação.
  • Através da aplicação cuidadosa da presença mental aos fenômenos, entendemos de quais fatores e comportamentos mentais devemos nos livrar (abandonar) e quais devemos adotar. Isso desenvolve nossa compreensão dos verdadeiros caminhos mentais, a quarta nobre verdade.

A prática da aplicação da presença mental significa que primeiro empregamos a consciência discriminativa (shes-rab) e a inteligência para entender, através da meditação de discernimento (dpyad-sgom, meditação analítica), a natureza desses quatro objetos. Fazemos isso dentro do contexto de nossa experiência imediata enquanto sentamos em meditação. Depois, mantemos a atenção neles, considerando-os corretamente com atenção concordante.

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