(11) Ensinar a vacuidade àqueles cujas mentes não estão treinadas
Temos falado sobre os votos de bodhisattva. Falamos sobre dez dos dezoito votos e agora chegamos ao número onze. Trata-se de evitar ensinar a vacuidade às pessoas cuja mente não foi treinada. Tem a ver com ensinar o nível mais profundo de vacuidade especificamente para alguém que tenha uma motivação de bodhichitta, mas que ainda não está pronto para receber o ensinamento, que ficaria confuso e assustado por causa disso, e, por conseguinte, abandonaria o caminho do bodhisattva e seguiria buscando só sua libertação pessoal. Isso é bastante específico. Está explicado que a pessoa pode vir a pensar que a vacuidade significa que ninguém existe. A pessoa pode pensar: Se ninguém existe, por que tentarei beneficiar a todos? Isso poderia levá-la a apenas buscar sua própria libertação.
Podemos entender essa explicação tanto no que se refere ao madhyamaka quanto ao chittamatra. Com o chittamatra, uma pessoa pode vir a se confundir com os ensinamentos sobre vacuidade e pensar que tudo só existe na nossa cabeça, não há realidade alguma fora da mente. As pessoas só existem na minha mente, portanto, já que elas não existem de fato, por que tentarei ajudá-las? Com o madhyamaka, a pessoa pode pensar que nada existe de fato. Essa ação também pode incluir ensinar vacuidade para qualquer pessoa que não seja capaz de entender e, portanto, acabe abandonando o dharma de vez. Por exemplo, a pessoa pode pensar que, como o budismo ensina que nada existe, o dharma é totalmente absurdo. É importante embasar bem os ensinamentos, guiar as pessoas gradualmente. Quando ensinarmos sobre vacuidade, devemos ensinar de forma muito simples para não confundir nem criar mal-entendidos. A não ser que tenhamos uma percepção extra-sensorial, é bem difícil saber quando alguém é capaz de entender o que estamos explicando ou se a pessoa está preparada para receber o ensinamento.
Os grandes mestres indianos (Nagarjuna, Chandrakirti, etc.) escreveram muitos textos variados sobre vacuidade e eles com certeza seguiam o caminho do mahayana; e Sua Santidade o Dalai Lama ensina o tempo todo sobre vacuidade para públicos muito grandes. A pergunta é: será que eles estão violando esse voto de bodhisattva? Estão ensinando a vacuidade para pessoas cuja mente ainda não foi treinada? Trata-se de uma pergunta difícil, mas talvez ajude observar que os ensinamentos são tão complicados e difíceis de entender que a pessoa que não tem ainda a capacidade de entender realmente não entenderá nada. Portanto, não haverá um mal-entendido, a pessoa simplesmente pensará: “Não consigo entender isso.”. Quando ensinamos a indivíduos é claro que fica mais fácil examinarmos se a pessoa está entendendo. Mas quando se trata de grupos maiores, fica bem mais difícil. No entanto, quando examinamos a explicação do voto, podemos observar que quando ensinamos a alguém que já tem a motivação de bodhichitta, o ensinamento sobre vacuidade poderia ser a causa que levaria essa pessoa a abandonar o dharma.
(12) Desencorajar os outros de procurarem a completa ilumina ção
O décimo segundo voto é evitar desviar as pessoas da iluminação plena. O objeto dessa ação são pessoas que já desenvolveram uma motivação de bodhichitta e estão trabalhando para chegar à iluminação. Dizemos a essas pessoas que são incapazes de agir com generosidade e paciência o tempo todo. Desmotivamos a pessoa, dizemos que nunca se tornará um buda, que é difícil demais, e seria melhor só trabalhar para sua própria libertação. Essa ação será incompleta a menos que a pessoa decida parar de trabalhar para se iluminar. Como bodhisattva, tentamos ajudar todos a alcançar a iluminação, e não desejamos que as pessoas se afastem desse caminho.
(13) Afastar os outros dos seus votos de pratimoksha
O décimo terceiro voto é evitar desviar as pessoas de seus votos pratimoksha. Isso se refere a qualquer nível dos votos pratimoksha para libertação individual, seja para leigos, monges ou monjas. O objeto é alguém que está mantendo uma série de votos pratimoksha e dizemos para essa pessoa que isso é inútil, pois todas as ações do bodhisattva são puras, qualquer coisa vale. Para que essa queda seja completa, a pessoa tem que de fato abandonar seus votos. Obviamente, a base para alcançarmos tanto a libertação quando a iluminação é mantermos algum nível de voto pratimoksha. Há um voto secundário semelhante que se chama “abandonar o veículo shravaka ou hinayana”. Pensamos ou dizemos para um bodhisattva que não há necessidade de escutar os ensinamentos do veículo hinayana, e isso se refere especificamente aos ensinamentos sobre os votos pratimoksha do veículo hinayana, ou dizemos que não há necessidade de manter ou treinar no voto. Isso basta como transgressão do voto secundário; não há necessidade de que a pessoa chegue de fato a abandonar os votos. Quando a pessoa abandona os votos, trata-se do rompimento do voto raiz.
Algumas pessoas acham que os votos de bodhisattva são suficientes, ou que os votos tântricos são suficientes – e os votos de bodhisattva ou pratimoksha não são necessários. Tsongkhapa é firmemente contra isso. Ele sempre comenta vários sutras que apoiam a postura de que algum nível dos votos pratimoksha são essenciais para qualquer praticante alcançar a libertação ou a iluminação, e ele aponta para o fato de que o Buda ressaltou isso muitas vezes. Em geral, é muito importante evitar pelo menos os tipos mais fortes de comportamento destrutivo, como mentir e roubar, etc.
(14) Rebaixarmos o veículo do shravaka
O décimo quarto voto é rebaixar o veículo shravaka. O veículo shravaka é outro nome para o veículo hinayana. Com o sexto voto raiz de queda de um bodhisattva, repudiamos que o texto dos veículos do hinayana são palavras autênticas de um buda. Aqui aceitamos que são palavras de um buda, mas negamos a efetividade de praticar os ensinamentos contidos neles. Afirmamos que é impossível nos livrarmos das emoções perturbadoras por meio das instruções desses textos. Isso pode acontecer facilmente. Hoje em dia, há tantos cursos de vipassana disponíveis, que vêm basicamente da tradição teravada, e pode ser que como praticante do mahayana digamos que esses cursos não são efetivos, e debochemos deles, afirmando que é ridículo fazermos essas práticas. Elas não ajudarão a superar as emoções perturbadoras – qual a utilidade de sentar e só observar a respiração? Acho que o problema é que geralmente não nos aprofundamos nesses ensinamentos. Olhamos para eles de forma muito superficial e os descartamos, não olhamos para o contexto no qual são praticados e o conjunto de meditações que vêm a seguir. É preciso ser muito cuidadoso para não ter essas atitudes negativas em relação a outras práticas, especialmente as práticas ensinadas no veículo hinayana. O veículo mahayana está edificado sobre todos os ensinamentos do hinayana. Ele só oferece mais ensinamentos. Portanto, há sempre uma grande ênfase na importância de demonstrarmos respeito pelos ensinamentos do hinayana, e assim por diante, embora também faça parte dos votos secundários que não devemos praticar o tempo todo com os métodos do hinayana quando há métodos do mahayana que têm o mesmo objetivo.
Quando temos injunções como não passar mais do que sete noites com praticantes do hinayana, temos que entender isso corretamente. Estamos falando sobre aqueles que estão trabalhando apenas para sua própria iluminação, sem trabalharem para os outros, que debocham de nossas práticas do mahayana ou do tantra, tentam nos desmotivar e dizem que nossa prática é uma estupidez: “Isso não é budismo.”. Quando passamos muito tempo com essas pessoas, pode ser que acabem nos convencendo a abandonar nossa prática. É claro que há muitos praticantes da teravada – a única tradição do hinayana que está ativa hoje em dia – que não têm esse tipo de atitude em relação às práticas do mahayana. Essa diretriz não se refere a esses praticantes do teravada.
Podemos observar que há um tema geral aqui. Quando somos bodhisattvas, ou bodhisattvas em potencial, estamos trabalhando pela nossa própria iluminação e a iluminação de todos os outros seres, e devemos evitar situações nas quais alguém faz com que nos desviemos de nosso objetivo, nem devemos fazer com que outros se desviem de seu objetivo – dizendo-lhes especificamente para abandonarem a prática, ou ensinando-lhes algo que faça com que parem de trabalhar pela iluminação.
(15) Falsamente proclamarmos que compreendemos a vacuidade
O décimo quinto voto é evitar proclamar uma falsa realização da vacuidade. Isso se refere a uma situação na qual não realizamos plenamente a vacuidade; ainda assim, quando estamos ensinando fingimos que a realizamos, por inveja dos grandes mestres. Os grandes mestres ensinam sobre a vacuidade e provavelmente o fazem corretamente, e temos inveja disso. Embora não entendamos do assunto, agimos como um grande mestre e fingimos que entendemos. Quanto às pessoas às quais damos essa falsa impressão de que entendemos a vacuidade, elas têm que entender o que estamos explicando, e não faz diferença se conseguimos enganá-las ou se elas notam que estamos blefando. Pode ser que a pessoa pense, nossa, como sou ótima, consigo entender tudo. Ou talvez pense que o professor é um idiota, está fingindo que entende do assunto. Não faz diferença. Quando as pessoas não entendem ou não conseguem ouvir nossa explicação, a nossa ação fica incompleta.
Isso se refere especificamente a compartilhar falsas realizações sobre vacuidade. É claro que devemos evitar a mesma coisa no que se refere a bodhichitta ou outros pontos do dharma. Não devemos fingir que temos uma realização plena de um assunto, e ensiná-lo, quando não a temos de fato, pois estamos tentando ajudar todos a alcançar a iluminação. Portanto, não devemos dar uma informação incompleta ou falsa. Mas não é errado ensinar sobre a vacuidade quando não a realizamos plenamente, contanto que admitamos isso e digamos: “Eu não entendo totalmente do assunto – no entanto, no nível no qual me encontro no momento, penso que significa isso.”. Isso está bem, contanto que não finjamos algo que não é verdade.
Até mesmo Sua Santidade o Dalai Lama diz: “Bem, não entendo isso totalmente, e assim por diante, mas é isso que entendo agora.” É maravilhoso testemunhar Sua Santidade ensinando alguns dos textos mais difíceis sobre vacuidade. Algumas vezes ele diz, em relação a um verso: “Não entendo isso.”. Ele afirma que um comentário diz isso e outro comentário diz aquilo, mas que o ponto em questão não faz realmente sentido para ele, e então pergunta aos geshes e khenpos presentes no público o que eles acham que significa (khenpo é o que equivale a geshe nos sistemas não-Gelugpa). Aqueles que têm coragem falam. Às vezes, Sua Santidade os chama individualmente, pelo nome, e eles têm que dizer algo, mesmo quando há vinte mil pessoas assistindo, e então, geralmente, Sua Santidade começa a debater com eles, dizendo: “Bem, mas não pode ser que seja isso por causa disso, daquilo e daquilo outro.”. Então ele pergunta a outra pessoa, pois acontece frequentemente que os vários livros usados nas diferentes divisões dos monastérios têm interpretações diferentes.
Lembro-me que houve uma discussão dessas que ocorreu no ensinamento que Sua Santidade deu sobre a natureza búdica, sobre as coisas incluídas em diferentes tipos de natureza búdica e sobre a maneira de usar certos termos; não havia clareza em relação a esses assuntos. Depois dessa grande discussão com os lamas mais eruditos, eles não tinham ainda chegado a uma conclusão. Mas o que ficou muito claro com esse exemplo foi que Sua Santidade nunca finge entender algo quando não entende, e isso transmite uma grande confiança de que ele de fato entende muito bem todo o resto que ensina. É incrível quando ele dá uma transmissão oral de um texto do qual lê em grande velocidade, o texto inteiro, super rápido e, de repente, para, pois chegou a um ponto no qual não entende algo, e resolve perguntar às pessoas ao seu redor. É incrível que elas consigam acompanhar o que ele está lendo no texto, pois Sua Santidade lê muito rápido, e é impressionante como elas conseguem responder. Assim sendo, embora Sua Santidade esteja realmente lendo muito rápido, obviamente ele também está entendendo o que lê. Tenho que dizer que isso é muito, muito impressionante.
(16) Aceitar o que foi roubado da Jóia Tripla
O décimo sexto voto é aceitar o que foi roubado da Joia Tríplice. Lembremos que falamos sobre o voto raiz de não roubar nem fazer com que ninguém roube o que foi oferecido a Buda, Dharma e Sangha – mas aqui trata-se de aceitá-lo, como presente ou oferenda, como salário ou recompensa, pessoalmente ou através de outra pessoa. No voto raiz essa oferenda pertence a quatro ou mais membros da comunidade monástica, aqui pode pertencer a só um, dois ou três monges ou monjas.
Não li em ensinamento algum se temos que saber que a oferenda foi roubada da Joia Tríplice, mas imagino que é preciso saber disso. Obviamente, quando descobrimos isso depois, tentamos devolver a oferenda. Novamente, podemos perguntar por que falam desse ponto de não roubar da Joia Tríplice; mas quando pensamos sobre isso, sobre o dinheiro, e as coisas oferecidas para promoverem o dharma, para imprimir e traduzir textos, ou fazer estátuas para os monastérios, ou alimentar monges e monjas – tudo isso ajuda a criar circunstâncias para que outras pessoas possam alcançar a iluminação. Portanto, como bodhisattva aspirante praticando os votos de bodhisattva, certamente não devemos fazer nada que possa tirar a oportunidade dos outros de alcançar a iluminação.
(17) Estabelecendo procedimentos injustos
O décimo sétimo voto é estabelecer políticas injustas. Isso se refere a agir com um certo tipo de viés ou preconceito. Há alguns praticantes muito sérios dos quais não gostamos, ou dos quais sentimos raiva, e assim tomamos algo que lhes pertence, ou os tratamos de forma injusta para favorecer aqueles que têm menos realizações, pois somos apegados a eles.
Um exemplo seria que nos sentimos ameaçados por meditadores em nosso centro budista, e olhamos para o centro do dharma principalmente como local destinado a eventos sociais; frequentamos o centro para encontrarmos amigos que tenham os mesmos interesses. Alguém faz uma doação para o centro e, ao invés de a usarmos para construir um local adequado para retiros de meditação, nós construímos um salão de chá, um lounge para servir café, para que as pessoas possam relaxar depois dos ensinamentos e se encontrar. É a isso que se refere o voto: estabelecer uma política injusta. Em outras palavras, deveríamos tentar atender e dar atenção àqueles que são estudantes e praticantes sérios e dedicados, e nos esforçar por ajudá-los, ao invés de só ajudarmos aqueles que não levam a prática a sério: eles só vêm para interagir. Eles buscam o dharma porque é tão legal, e assim por diante, ao invés de trabalharem e se esforçarem para alcançar a libertação e a iluminação.
Observem que a motivação está indicada aqui, o fato de que não gostamos, ou nos sentimos ameaçados, ou sentimos raiva dos estudantes mais aplicados. Talvez sintamos desconforto ao saber que estão tentando e fazendo tanto e nós não estamos nos aplicando nos estudos e na prática. Estamos mais apegados aos estudantes esporádicos, são nossos amigos, são boa companhia, tomam café e chá conosco, portanto, nós nos esforçamos por eles às custas dos estudantes mais aplicados. Quando pensamos sobre isso, podemos achar muitos exemplos como esse nos monastérios: acham mais importante usar o dinheiro para construir uma hospedaria para visitantes do monastério do que para melhorar a educação, por exemplo.
(18) Abandonar a bodhichitta
O último voto é evitar abandonar bodhichitta. Isso significa abandonar o desejo de alcançar a iluminação pelo benefício de todos. Lembrem-se que temos dois níveis de bodhichitta: a bodhichitta de aspiração e a bodhichitta de comprometimento. O estado de desejar ou de aspiração visa alcançar a iluminação para beneficiar os outros; e o estado de comprometimento tem a ver com tomar os votos de bodhisattva e fazer as práticas. Este voto se refere a evitar abandonar o estado de desejar, ou o estado de aspiração de bodhichitta, pois quando abandonamos o desejo de alcançar a iluminação para beneficiar os outros, é claro que também abandonamos a intenção de manter os votos de bodhisattva.
Então, essa é a lista dos votos de bodhisattva, das várias ações que devemos evitar. Pode ser que algumas pessoas reclamem e digam: Ah, há tantas regras, tantas coisas a fazer, é demais.”. Mas um exemplo claro de que somos capazes de manter em mente um conjunto de regras é dirigir um carro. Há todo um conjunto de leis que precisamos seguir quando dirigimos um carro; na verdade, dirigir um carro é extremamente complicado. E na maioria dos países precisamos estudar as leis do trânsito e passar um exame antes de termos uma carteira de motorista; ainda que, obviamente, em alguns países seja possível subornar para conseguir uma carteira. Não mencionaremos nomes. No entanto, uma vez que aprendemos as regras, lembramos delas quando dirigimos, ou pelo menos deveríamos nos lembrar, e conseguimos observar nosso comportamento e parar diante de um semáforo vermelho ou uma placa que nos pede para parar, dirigimos na faixa correta, esse tipo de coisas. Claro que algumas pessoas não fazem isso.
Aqui em Moscou, com os imensos engarrafamentos, que me fazem rir, observo uma peculiaridade. É semelhante ao que ocorre nos engarrafamentos da Índia. Quando uma das faixas está cheia de carros e nenhum deles se move, já vi um ou dois carros mudar para a faixa da contramão e prosseguir por ali, pois há menos carros. Mas a maioria das pessoas na maioria dos países segue as leis da estrada. Muitas vezes, vou para o México e ali eles têm um ditado bem engraçado. Eles dizem que o semáforo vermelho é só uma sugestão.
O mais importante de tudo isso é que não há razão para reclamar do fato que há todos esses votos. Eles são uma grande ajuda. Na tradição Gelug, pelo menos, há algo chamado Yoga em Seis Sessões. Quando recebemos uma iniciação, na classe mais elevada de tantra, um dos compromissos práticos é recitá-la todos os dias seis vezes, e como parte dessa prática recitamos esses votos, o que nos ajuda a lembrar deles – a menos, é claro, que eles se tornem rapidamente “blablá”. De qualquer forma, caso não os tenhamos memorizado, o que os tibetanos costumam fazer, precisamos nos lembrar constantemente do que se trata, lembrar dos votos. Ok?
Antes de entrarmos na discussão de como podemos enfraquecer ou perder os votos, vocês têm perguntas sobre algum dos votos?
Quando alguém rouba dinheiro da Joia Tríplice e depois essa pessoa faz uma doação, como é possível saber que o dinheiro oferecido não é o mesmo dinheiro que foi roubado, especialmente se não for em espécie, se o pagamento foi feito através de uma conta bancária? É impossível dizer se é o mesmo dinheiro que foi roubado, pois essa pessoa também tem seu próprio dinheiro, além daquele que ela roubou.
Não está especificado nos textos que eu li se temos que saber que o dinheiro foi roubado. Obviamente, é muito difícil de saber. Quando se trata de um objeto, é bem claro. Por exemplo, no caso de uma estátua ou uma thangka. São bons exemplos. Durante a Revolução Cultural, muitas pessoas roubaram pinturas e estátuas, e assim por diante, dos monastérios tibetanos, e os venderam aos ocidentais em Hong Kong. Portanto, quando sabemos que uma dessas coisas foi roubada dos monastérios, fica claro que quebraremos o voto caso decidamos comprá-la. Pode ser que não saibamos se a thangka que encontramos no mercado foi ou não confiscada durante a Revolução Cultural, mas sem dúvidas deve ter vindo de um monastério. E os monastérios não as venderiam.
Há certos monastérios e grandes professores que dão thangkas ou estátuas como oferendas, mas os monastérios são bem rígidos no que se refere a seus pertences em geral e aos bens privados. Quando fazemos uma doação, por exemplo, para a acomodação de um Rinpoche em um monastério tibetano, – pode ser também que ele não esteja vivendo no monastério, mas atualmente viva em exílio – isso se chama “labrang” em tibetano, e a oferenda pode ser para a acomodação inteira, ou especificamente para uma pessoa que vive ali, para seu uso pessoal. “Acomodação” significa a casa inteira, digamos, a casa do Rinpoche, com os vários assistentes e alunos que vivem na casa, tudo isso é o labrang em tibetano. Traduzirei isso como “acomodação”. Já uma casa de família é outra coisa; é a casa de um leigo. Portanto, se dermos dinheiro a um “labrang”, para a acomodação em si, ele só pode ser usado para a cozinha, para alimentar a todos, ou para melhorar a casa ou a construção; e não será usado para nenhum membro específico que ali vive, nem mesmo o Rinpoche, para novos mantos ou para seu uso privado. Ou pode ser usado para certos rituais, pujas, para oferendas no altar, e assim por diante. Isso é praticado rigorosamente nos labrangs.
Mas a sua pergunta é bem mais difícil. Quando alguém rouba dinheiro da Joia Tríplice, digamos, alguém dá dinheiro a um centro budista – embora, literalmente, centros budistas não estejam incluídos especificamente aqui; estamos falando sobre monastérios, em termos da sangha. No ocidente é mais comum falarmos de centros do dharma, não temos tantos monastérios no ocidente. Também usamos a palavra “sangha” de uma forma muito trivial, nenhum tibetano tradicional ou budista jamais a usaria assim – para se referir a um centro do dharma em uma comunidade de leigos, isso com certeza não é a sangha. Entretanto, podemos perguntar se esse voto se aplica a roubar dinheiro oferecido ao centro do dharma para nossos próprios propósitos. Tecnicamente, quando falamos em roubar da sangha nos comentários estamos nos referindo a quatro ou mais monges ou monjas. Há um voto separado para roubar de um, dois, ou três monges ou monjas. Para sermos mais precisos, quando esses votos foram formulados certamente não havia centros do dharma para leigos. Portanto, certamente devemos evitar roubar as oferendas do centro do dharma, e isso independe do fato de se tratar ou não de uma transgressão do voto.
Uma situação comum no ocidente é quando alguém faz uma oferenda em dinheiro ao centro do dharma, e o diretor ou o tesoureiro ou algum responsável deposita o dinheiro em sua própria conta. É claro que não estamos falando de uma pessoa que está trabalhando e sendo paga com esse dinheiro. Bem, agora o dinheiro está no banco junto com uma grande quantidade de dinheiro dessa pessoa, e ela nos oferece um presente, nos dá algo, nos dá dinheiro. É muito difícil dizer se essa pessoa está conscientemente dizendo: “Estou usando dinheiro que roubei para dar esse presente a você.”. Ou simplesmente se ela está incluindo a soma em seu próprio dinheiro sem fazer nenhuma diferenciação. Basicamente, seria melhor evitarmos tomar qualquer coisa de alguém que está roubando ou desviando fundos de um centro do dharma ou um monastério ou qualquer projeto do dharma.
Seria a mesma coisa se alguém roubasse uma estátua ou thangkas, as vendesse e desse o dinheiro para alguém, ou comprasse algo com esse dinheiro para dar de presente a alguém? É a mesma coisa?
Quando estendemos a definição a essa situação, sim.
Por exemplo, digamos que alguém roubou uma estátua e depois confessou ou se arrependeu, não quer mais a estátua. A pessoa deveria levar a estátua para outra pessoa, para algum centro?
Teoricamente, a pessoa deveria devolver para o lugar de onde foi roubada. Lembrem-se que quando se trata de roubar da Joia Tríplice, tem que ser uma ação completa com o sentimento de que “isso agora me pertence”. Quando alguém se arrepende e já não considera o objeto como sendo “seu”, certamente a pessoa tentará devolvê-lo, mas não vendê-lo para outra pessoa.
Nem sempre temos essa oportunidade. Por exemplo, quando vamos para outro país e roubamos algo, voltamos para casa e passam muitos anos. Minha questão se refere aos dois tipos de motivação diferentes. No primeiro caso, roubamos algo especificamente para oferecer para outra pessoa; no outro caso, mudamos nossa forma de pensar e de agir, e fazemos o que tem que ser feito. A motivação é diferente.
Sim, a motivação é diferente. Digamos, no caso do qual você está falando, a pessoa tem uma thangka ou uma estátua em casa e, muitos anos depois, descobre que foi roubada durante a Revolução Cultural de um monastério. Não existe a possibilidade de devolver para o monastério do qual ela foi roubada; talvez ele nem exista mais. Eu diria, e isso reflete apenas a minha opinião pessoal, que provavelmente seria melhor que a pessoa fosse a um centro do dharma e oferecesse a estátua como um presente, obviamente sem vendê-la, mas explicando o que aconteceu. Ou então poderia oferecê-la para um monastério, mas explicar a situação, e assim, de certa maneira, devolveria a estátua à Joia Tríplice. Essa é uma possibilidade que me ocorre.
Há situações nas quais os monastérios são muito, muito pobres, e vendem seus tesouros para negociantes de arte que lucram ao vendê-los. Isso é ético? Não sei. Eles não estão roubando, mas usam a arte para obter lucros pessoais. Geralmente, quando há um lucro desmedido, tratando-se do material do dharma ou de qualquer outra coisa, é uma ação motivada pela ganância. Não é uma ação positiva.
É claro que podemos estudar o vinaya e todas essas coisas como um advogado, tentando achar os mínimos detalhes e exceções, e certamente há estudiosos que fizeram isso e continuam a fazer. No entanto, como expliquei no início de nossas discussões sobre a ética budista, o mais importante é desenvolvermos nossa consciência discriminativa e tentarmos entender qual é a situação e qual seria a melhor forma de lidarmos com ela – como no seu caso, quando percebeu que em sua casa havia um objeto roubado de um monastério – e tentamos minimizar o peso da transgressão do voto.
Esses votos são formas muito sutis, lembrem-se que falamos das formas não-reveladoras de nosso contínuo mental, e eles moldam o nosso comportamento. A força da forma sutil pode permanecer completamente intacta e forte ou pode ser fraca. Acho que isso depende inicialmente, quando tomamos os votos, da força de nossa motivação. Quando tomamos os votos simplesmente porque nossos amigos estão fazendo isso e não queremos ficar de fora, obviamente a força do voto será muito mais fraca do que tomá-lo motivados por uma renúncia verdadeira ou uma bodhichitta profunda. Por isso, no que se refere aos votos de bodhisattva, em nossa prática diária renovamos e fortalecemos os votos reafirmando nossa motivação. Quando nós os transgredimos, o que inevitavelmente acontece com todos nós, geralmente só enfraquecemos a força do voto. Há um número específico de coisas que têm que acontecer para perdermos os votos de nosso contínuo mental – além de só dizer: “Eu desisto. Não quero mais os votos.”. É claro que, quando dizemos isso, nós os perdemos.
Antes de tudo, em vários textos estão listados os fatores que nos levam a transgredir os votos. Pode ser que a pessoa não saiba, não conheça bem o voto. O segundo fator seria não se importar, em outras palavras, negligenciar o voto. “Meu comportamento, meus votos não são importantes.”. Outra razão seria o arrebatamento de uma emoção perturbadora, esquecemos e transgredimos o voto por causa de uma raiva forte ou um desejo intenso. Outra razão seria falta de respeito. Não respeitamos os votos ou não respeitamos aqueles que os mantêm. Outra razão seria esquecimento, nós nos esquecemos deles. E outra razão seria falta de presença mental. Temos uma memória fraca e não prestamos atenção em nosso comportamento.
Entre esses dezoito votos, tirando “manter uma perspectiva antagonista” e “desistir da bodhichitta”, todos os outros requerem – para perdê-los completamente – quatro fatores forçosos para serem completos. O pensamento distorcido e antagonista seria algo como: “Isso é uma estupidez!”, e assim por diante, “Discutirei com qualquer pessoa que pense que o comportamento de um bodhisattva tem algum tipo de importância.”. Assim que pensamos dessa forma, ou assim que desistimos da bodhichitta de aspiração, perdemos os votos.
Para os outros dezesseis votos, os quatro fatores forçosos têm que ser defendidos e mantidos imediatamente depois de desenvolvermos a motivação de transgredir o voto – a partir desse momento, até o momento que vem logo depois de completarmos o ato de transgressão. Portanto, quando nos arrependemos em meio à transgressão, a ação não estará completa. Temos que manter os quatro fatores durante toda a ação de transgressão.
O primeiro deles é: não ver nossa ação como prejudicial. Em outras palavras, não vemos nada de errado no que estamos fazendo, só enxergamos vantagens, e agimos sem arrependimento. O segundo é: como já cometemos a transgressão antes, não temos o desejo ou a intenção de parar de repeti-la agora ou no futuro. O terceiro é: temos prazer na ação e agimos com alegria. Estamos felizes ao agir de forma transgressora. O quarto é: não temos um senso de moral ou dignidade pessoal e não nos importamos com o efeito de nosso comportamento nos outros. Portanto, não me importo com minha reputação. Não me importo com as consequências para mim mesmo – como, por exemplo, não ter um senso de dignidade pessoal e moral. A outra parte seria que não me importo com o efeito de minhas ações em meus professores do budismo ou em qualquer outra pessoa. Quando todas as quatro atitudes estão presentes, perdemos o voto, todos os votos de bodhisattva. Quando as quatro atitudes não estão completas, o voto só enfraquece.
Vejamos um exemplo. Não emprestamos um de nossos livros sobre o budismo para uma pessoa, por apego e mesquinhez. Não vemos nada de errado com isso, pois o outro pode entornar café em cima ou não devolvê-lo. Nunca emprestamos nossos livros do dharma, e não temos intenção alguma de mudar agora ou no futuro. Quando recusamos, nos sentimos felizes em relação à nossa decisão. Não temos vergonha de dizer não, apesar do fato de que deveríamos ajudar todos os seres a alcançar a iluminação – assim sendo, como pode ser que não queremos compartilhar um livro do dharma? E não temos nenhuma vergonha disso, não nos importamos em como isso se reflete em nossos professores do dharma. Não temos nenhuma intenção de fazer algo para aliviar nossa ação egoísta. Isso faz parte do quarto fator, é algo que esqueci de mencionar – que não temos a intenção de aliviar nossa ação. Então, quando todas as atitudes estão completas, e recusamos emprestar nosso livro a alguém, perdemos os votos de bodhisattva. Mas se falta alguma dessas atitudes, então só o enfraquecemos, dependendo de quantas dessas atitudes estiverem presentes.
Vamos supor que escolhemos transgredir um dos votos, mas sem que estejam presentes esses quatro fatores forçosos. Nessa situação, não enfraquecemos o voto. Por exemplo, não emprestamos um livro a alguém que pede por nosso livro do dharma ou por nossas anotações. Ok? Isso é não compartilhar o dharma. Mas sabemos que está basicamente errado, e não temos a intenção de tornar isso um hábito. Estamos infelizes por dizer não, e nos preocupamos com nossa honra e como isso se refletirá em nossos professores, mas temos uma razão válida para recusar o pedido. Por exemplo, pode ser que precisemos usar o livro, que estejamos fazendo uma tradução do dharma, e alguém pede que lhe emprestemos nosso dicionário por alguns dias. Bem, precisamos do dicionário para traduzir, é uma necessidade premente, ou talvez tenhamos prometido emprestar o livro para outra pessoa. A nossa motivação aqui não é apego ao livro nem avareza, e tentamos contrabalançar a situação nos desculpando por não podermos fazer o empréstimo agora, explicando o porquê, e assegurando que emprestaremos assim que possível. Para compensarmos o outro pelo inconveniente podemos oferecer nossas anotações, ou explicar algum tema relativo ao livro, ou permitir que a pessoa o use em nossa casa quando não estivermos usando, e assim por diante. Dessa forma, mantemos plenamente os votos de bodhisattva, ainda que tecnicamente pareça que os estamos transgredindo por não emprestar o livro do dharma.
Há toda uma lista de como varia a força da ação, a força do voto após a ação, de quanto e como o enfraquecemos, dependendo de qual dos quatro fatores estiver presente, quais combinações, e assim por diante. Não há necessidade de entrar em todos esses detalhes. No caso dos votos, ou até mesmo do comportamento destrutivo que não nos comprometemos a evitar, é importante tentar enfraquecer o carma negativo, a força negativa, o máximo possível. Numa linguagem mais simples, isso quer dizer que devemos tentar agir de uma forma menos negativa. A força de uma consequência cármica dependerá de muitos, muitos fatores, não só desses quatro. Qual é a força da emoção envolvida? Qual a frequência da ação? Isso também se refere ao status espiritual, ou seja, tanto à pessoa envolvida (o objeto) quanto a nós mesmos.
Quando nos recusamos a emprestar o livro do dharma a, digamos, um professor do dharma que precisa consultar algo para explicar a seus alunos, é bem mais pesado do que não emprestá-lo a alguém que só está curioso e quer lê-lo sem nenhuma razão específica. O peso também dependerá de nosso próprio status espiritual. Será que fiz o voto de não fazer isso, ou não fiz? Quando não somos capazes de manter os votos, não devemos tomá-los. Por isso, é uma grande ajuda que os cinco votos de leigo nos ofereçam a opção de tomar somente aqueles que somos capazes de manter. Portanto, quando não conseguimos evitar beber álcool ou evitar certos comportamentos sexuais, um comportamento sexual impróprio, não devemos tomar o voto. Podemos achar todos aspectos que fortalecem o efeito de uma ação cármica nos ensinamentos detalhados sobre o carma; há uma lista extensa. Portanto, tentamos enfraquecer a força negativa de transgredir um voto o máximo possível.
Ao mesmo tempo, tentamos fazer o oposto desses fatores forçosos. Ao invés de pensarmos que não há nada de errado na ação em questão, reconhecemos abertamente que foi errado, foi uma falha, e nos arrependemos de nossa ação ao invés de nos alegrarmos e nos sentirmos felizes por termos feito o que fizemos. O arrependimento não significa que temos que sentir culpa, só quer dizer que desejamos não ter feito o que fizemos, ou entendemos que não tínhamos que ter feito isso – como me arrependo de que não posso emprestar meu livro para você. E decidimos não repetir essa transgressão – faremos o possível para não repeti-la– ao invés de não termos intenção alguma de parar. Reafirmamos nossa base espiritual, que é o direcionamento seguro, ou refúgio, e bodhichitta, em oposição a não termos nenhum senso de dignidade moral nem nos preocuparmos em como nossas ações se refletem nos outros, nos nossos professores. Em outras palavras, decidimos nos importar com o futuro e com aquilo que virá, tomamos a resolução de nos importarmos realmente com nossos professores, e assim por diante, e afirmamos novamente o direcionamento seguro e bodhichitta como o foco central de nossa vida. Usamos um oponente ou uma ação corretiva para contrabalançar a transgressão, em oposição a não termos a intenção de reparar os danos que infringimos a nós mesmos. Dessa forma, aplicamos as quatro forças oponentes padrão como o oposto dos quatro fatores forçosos.
Ok, esses são os ensinamentos básicos sobre os votos de bodhisattva. Vemos que para tomar os votos precisamos ter a motivação adequada, a preparação adequada, e podemos fortalecê-los voltando a reafirmá-los repetidamente, a sós ou com um professor espiritual. É muito importante nos lembrarmos quais são os votos – e mesmo se não nos lembrarmos todos os dias, pelo menos devemos ler a lista de vez em quando para nos lembrarmos dos votos raiz e dos votos secundários. Quando descobrimos que precisamos transgredi-los por alguma razão, temos que tentar não completar os quatro fatores forçosos. Devemos tentar fazer com que a transgressão seja fraca e logo buscar fortalecer os votos.
Alguma pergunta para terminar?
Tenho uma pergunta sobre direitos autorais. Há direitos autorais dos livros do dharma, e assim sendo, não podemos copiar trechos em uma publicação. Isso quer dizer que quando copiamos para uso pessoal estamos roubando da Joia Tríplice? Isso se aplica a sites, ou páginas da Internet – quando vendemos as publicações?
Temos que consultar um advogado, pois no que se refere à Internet, pelo menos a meu ver, trata-se de um domínio público e qualquer um pode copiar e colar. Quando alguém não quer que tenhamos acesso a um material, a pessoa cobra por ele, e quando não pagamos não conseguimos ter acesso a ele. É claro que há piratas na Internet capazes de superar esse obstáculo, e que obviamente estão roubando quando o material é pago.
No que se refere aos direitos autorais dos livros, trata-se de uma questão legal. Neste momento, há uma grande discussão sobre isso no Google. Querem disponibilizar todos os livros. Não tenho certeza se querem que sejam de graça ou se cobrarão por isso, mas desejam que estejam disponíveis na Internet – em geral, trata-se de livros esgotados, mas pode ser que o editor ou o autor ainda possua os direitos autorais. Há muita discussão em relação ao aspecto legal envolvido nisso, e Google deseja pagar um pouco aos autores, mas ainda não está claro o que ocorrerá.
Toda a questão de fazer dinheiro com o dharma e lucrar com o dharma é uma questão ética para a qual não temos tempo agora. No entanto, Shantideva disse que quando um servente trabalha bem, é importante pagar a ele o que ele necessita. Mas se ele não trabalha bem, ou não trabalha nada, não é correto pagar a ele. É claro que podemos usar o mesmo exemplo para um empregado que trabalha para nós. Isso se aplica quando somos bodhisattvas e nos oferecemos para servir todos os seres sencientes. Por exemplo, estamos dedicando nossa vida para a tradução dos livros do dharma, para torná-los disponíveis, e assim por diante. Quando estamos de fato trabalhando nisso, é bom que sejamos pagos, que “o servente” receba um pagamento; e quando não trabalhamos, não recebemos. Não se trata de enriquecer com isso, mas de subsistir. Isso está de acordo com o conselho de Shantideva. Portanto, quando as pessoas cobram pelos livros do dharma para receberem pagamento, ou pagar outras pessoas que estão trabalhando por isso, o autor, e assim por diante, não pagar – só copiar o livro – é realmente um problema.
Mas é um tema bem difícil. Será que escaneamos o livro ou tiramos uma cópia do exemplar da biblioteca? Bem, as universidades possuem copiadoras na biblioteca para os estudantes usarem. Dizem que não devemos copiar o livro inteiro. Quanto podemos copiar? Portanto, a coisa acaba se tornando uma discussão sobre leis. Acho que muito depende de nossa motivação. Quando temos o dinheiro para comprar o livro e não o fazemos, por pensarmos que somos espertos ao enganar a editora, ou somos mesquinhos e avarentos, é bem diferente de sermos um praticante muito sincero do dharma e precisarmos do material desse livro para nossa prática, e não termos o dinheiro para comprá-lo. Isso é bem diferente. Havendo ou não uma transgressão do voto, o que importa é fazer com que o carma negativo seja o mais fraco possível.
Como eu disse, a prática da autodisciplina ética no budismo é muito, muito conectada com a consciência discriminativa, com a motivação e todos esses fatores. Não se trata apenas de “Siga a lei. Seja obediente.”.